Resumos
O vírus do Nilo Ocidental (West Nile Virus) é um RNA vírus, dos mais importantes flavivírus patogênicos em humanos. Devido ao número crescente de casos confirmados de infeção pelo vírus do Nilo Ocidental nos EUA a partir de 1999, com a documentação da sua disseminação da costa leste para a oeste e sul em um período inferior a três anos e pela sua disseminação em quatro continentes, medidas estão sendo implementadas para o controle dessa epidemia. A documentação da transmissão pela transfusão de sangue, órgãos transplantados, aleitamento materno e transmissão vertical e a observação de taxa significante de morbidade e mortalidade (variando de 4% a 29%) está alarmando a comunidade médica internacional. Esforços estão sendo realizados na tentativa de obtenção de testes diagnósticos precisos, na busca de uma terapêutica eficaz - uma vez que o meio de controle mais efetivo no momento é o controle de vetores (insetos) - e no desenvolvimento de vacinas. Tendo em vista a detecção de casos na América Central e pelas condições climáticas ideais do Brasil, devemos estar atentos quanto aos possíveis riscos dessa epidemia. Esse artigo apresenta o quadro atual mundial de disseminação, modos de transmissão, quadro clínico, diagnóstico e tratamento, e algumas medidas preventivas para o controle do vírus do Nilo Ocidental.
Transfusão de sangue; vírus do Nilo Ocidental; arbovírus; flavivírus
The West Nile virus is an RNA virus and is one of the most important pathogenic flaviviruses in humans. Due to the increasing number of confirmed cases in the U.S.A since 1999, with documentation of its dissemination from the East coast to the West and South in less than three years and because of its spread over four continents, measures are being implemented to control this epidemic. The documented transmission through blood transfusion, transplanted organs, breast feeding and vertical transmission and the significant morbidity and mortality rates (4 to 29%) is alarming the international medical community. Efforts have been made in an attempt to obtain accurate diagnostic tests, to search for an effective therapy, to control the vectors (insects) and to develop a vaccine. Cases of West Nile infection have already been reported in Central America. Due the ideal climatic conditions for the spread of this virus in Brazil, we should be aware of the risks of an epidemic here. This article presents the current worldwide picture of West Nile Virus dissemination, ways of transmission, clinical picture, diagnosis and treatment with some preventive measures for the control of this infection.
Blood transfusion; West Nile virus; arbovirus; flavivirus
TENDÊNCIAS TRENDS
Vírus do Nilo Ocidental Nova ameaça à segurança transfusional?
West Nile virus A new threat to transfusion safety?
Audrey K. ZeinadI; Márcia C. Z. NovarettiII; Dalton A.F. ChamoneIII
IHematologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
IIDoutora em Hematologia pela Faculdade de Medicina da USP. Professora colaboradora da disciplina de Hematologia da Faculdade de Medicina da USP
IIIProfessor Titular de Hematologia da Faculdade de Medicina da USP
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Márcia Cristina Zago Novaretti Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155 1º andar 05403-000 São Paulo-SP Tel.: (11) 3088-2638 Fax: (11) 3085-2290 e-mail: marcianovaretti@ig.com.br
RESUMO
O vírus do Nilo Ocidental (West Nile Virus) é um RNA vírus, dos mais importantes flavivírus patogênicos em humanos. Devido ao número crescente de casos confirmados de infeção pelo vírus do Nilo Ocidental nos EUA a partir de 1999, com a documentação da sua disseminação da costa leste para a oeste e sul em um período inferior a três anos e pela sua disseminação em quatro continentes, medidas estão sendo implementadas para o controle dessa epidemia. A documentação da transmissão pela transfusão de sangue, órgãos transplantados, aleitamento materno e transmissão vertical e a observação de taxa significante de morbidade e mortalidade (variando de 4% a 29%) está alarmando a comunidade médica internacional. Esforços estão sendo realizados na tentativa de obtenção de testes diagnósticos precisos, na busca de uma terapêutica eficaz uma vez que o meio de controle mais efetivo no momento é o controle de vetores (insetos) e no desenvolvimento de vacinas. Tendo em vista a detecção de casos na América Central e pelas condições climáticas ideais do Brasil, devemos estar atentos quanto aos possíveis riscos dessa epidemia. Esse artigo apresenta o quadro atual mundial de disseminação, modos de transmissão, quadro clínico, diagnóstico e tratamento, e algumas medidas preventivas para o controle do vírus do Nilo Ocidental. Rev. bras. hematol. hemoter. 2004;26(2):114-121.
Palavras-chave: Transfusão de sangue; vírus do Nilo Ocidental; arbovírus; flavivírus.
ABSTRACT
The West Nile virus is an RNA virus and is one of the most important pathogenic flaviviruses in humans. Due to the increasing number of confirmed cases in the U.S.A since 1999, with documentation of its dissemination from the East coast to the West and South in less than three years and because of its spread over four continents, measures are being implemented to control this epidemic. The documented transmission through blood transfusion, transplanted organs, breast feeding and vertical transmission and the significant morbidity and mortality rates (4 to 29%) is alarming the international medical community. Efforts have been made in an attempt to obtain accurate diagnostic tests, to search for an effective therapy, to control the vectors (insects) and to develop a vaccine. Cases of West Nile infection have already been reported in Central America. Due the ideal climatic conditions for the spread of this virus in Brazil, we should be aware of the risks of an epidemic here. This article presents the current worldwide picture of West Nile Virus dissemination, ways of transmission, clinical picture, diagnosis and treatment with some preventive measures for the control of this infection. Rev. bras. hematol. hemoter. 2004;26(2):114-121.
Key words: Blood transfusion; West Nile virus; arbovirus; flavivirus.
Introdução
Em agosto de 1999, casos de uma doença febril associada a alteração do nível de consciência e fraqueza muscular intensa, posteriormente caracterizados como uma meningoencefalite humana, foram descritos nos Estados Unidos (EUA).1 Seria o início do primeiro surto no Hemisfério Ocidental causado por um arbovírus que foi primeiramente isolado em 1937 no sangue de uma mulher na região nordeste de Uganda, às margens ocidentais do rio Nilo, tendo assim recebido o nome de "West Nile Virus" (WNV), ou vírus do Nilo Ocidental.2
Esse vírus é um dos membros da família Flaviridae do gênero Flavivirus,3 do qual também fazem parte os vírus da hepatite C (HCV), da febre amarela, da encefalite japonesa, o vírus de St. Louis e o vírus da dengue talvez um dos mais importantes flavivírus patogênicos em humanos.4 É um vírus RNA, composto de 11.029 nucleotídeos, envoltos em um capsídeo interno de 35nm. Ele é constituído de múltiplas cópias de uma proteína central (C) e circundado por uma camada externa contendo proteínas estruturais do envelope (E) e de membrana (M). A proteína E parece estar implicada na ligação do vírus às células, sendo o principal alvo para os anticorpos neutralizantes. Além das proteínas estruturais, o genoma viral codifica sete proteínas não estruturais (NS) envolvidas na replicação e maturação do vírus.3,5-8
Casos esporádicos e surtos de uma doença febril (febre do Nilo Ocidental) já haviam sido relatados na África, Oriente Médio e Ásia, com a caracterização da ecologia do WNV na década de 1950.9,10 Surtos recentes de encefalite pelo WNV em humanos ocorreram na Algéria em 1994, Romênia em 1996-1997, na República Tcheca em 1997, no Congo em 1998, na Rússia em 1999, nos Estados Unidos de 1999 até o momento, e em Israel em 2000.11
Após 1990, a epidemiologia do WNV parece ter mudado, com aumento na freqüência e gravidade dos surtos.12 A provável origem desse novo panorama da infecção é sugerido por alguns estudos filogenéticos e moleculares, que observaram duas cepas diferentes uma estaria mais relacionada com os casos ocorridos na África e outra (mais virulenta) seria mais amplamente distribuída e responsável pelos surtos atuais.8,13,14
Entre 2000 e 2001, a vigilância epidemiológica dos EUA documentou a disseminação do WNV do leste para o oeste e também para o sul daquele país.15,16 Em 2001 ocorreram 66 casos de encefalite e meningite em dez estados norte-americanos pelo WNV; já em 2002, o número de casos WNV foi de 4.161 em 44 estados norte-americanos, com 277 mortes até março do mesmo ano.17,18 Até novembro de 2003, o centro de controle de doenças dos Estados Unidos (CDC) reportou uma total de 8.569 casos de infecção pelo WNV com um total de 199 casos fatais naquele ano (2,32%).19
O ano de 2003 tem sido reconhecido como o de maior número de casos de meningoencefalite epidêmica por arbovírus no Hemisfério Ocidental e o de maior número de casos de meningoencefalite pelo vírus do Nilo Ocidental já reportado. Já foram descritos casos de infecção em humanos pelo WNV no Canadá, Caribe e México.20
Um total de 724 casos prováveis de WNV em doadores de sangue também foram detectados por viremia; cerca de 1% deles apresentaram doença neuroinvasiva e 16% quadro febril associado ao WNV.21
Ecologia
O WNV pode infectar 162 espécies de pássaros, especialmente os corvos, pardais e melros e mosquitos, sendo seus principais representantes os culicídos (14 espécies); a espécie Cullex pipiens parece ser a mais envolvida.20,22,23 Ambos apresentam uma viremia elevada. O homem, assim como cavalos, cães e outros animais domésticos são hospedeiros incidentais, que apresentam baixa viremia, não estando envolvidos com o ciclo do parasita no meio ambiente.11,21,24 A multiplicação do WNV no ciclo pássaro-mosquito-pássaro se dá quando mosquitos adultos emergem no início da primavera até o outono. Entre os humanos, o pico da doença ocorre no fim do verão e começo do outono. A observação de que 99% dos casos que foram descritos em 2002 ocorreram entre 1º de julho e 31 de outubro levou à associação dos casos com o período em que os insetos fêmeas (vetores) estariam ativos.
Nos Estados Unidos, um eficiente sistema de investigação epidemiológica possibilitou o reconhecimento de que as aves migratórias desenvolveram um papel fundamental na disseminação do WNV a partir de Nova York (onde os primeiros casos de WNV foram detectados) para o sul e oeste do país.25 Para tanto, as aves, os cavalos e os roedores selvagens encontrados mortos foram estudados quanto à presença do WNV. Nos estados do sul dos EUA, e talvez em outros países com condições climáticas ideais do Hemisfério Sul, incluindo-se aí o Brasil, é possível que haja transmissão durante o ano todo.8,18
Existem algumas teorias que tentam explicar como teria ocorrido a disseminação quase global do WNV, uma vez que anteriormente estava aparentemente restrito a regiões da África, Ásia e Oriente Médio. Postula-se que aves migratórias provenientes da África teriam sido responsáveis pela introdução do vírus no sul da Europa. Outros acreditam que aves exóticas importadas poderiam estar também envolvidas nos casos ocorridos na América do Norte. Outros ainda acham que um portador humano em período de viremia ou até mosquitos infectados transportados teriam sido responsáveis pelo início da epidemia nos Estados Unidos.3,26
De qualquer maneira, independente do exato mecanismo responsável pela epidemia atual do WNV que acomete os dois hemisférios, hoje existem evidências significativas de quatro modos de transmissão do WNV em humanos: 1) transfusão de sangue; 2) transplante de orgãos; 3) transplacentária, e 4) aleitamento materno.2,3,6,9
História natural da doença e quadro clínico
É descrito que entre 70% e 80% das pessoas infectadas são assintomáticas. Aproximadamente 20% a 30% desenvolvem um quadro febril e, entre um a cada 150 e um a cada 200 indivíduos apresentam envolvimento do sistema nervoso central (taxas essas muito maiores que as relatadas no Egito e África do Sul). A encefalite fatal relacionada ao WNV é estimada em uma a cada mil infeções.28,29 O risco de doença grave é maior em pacientes com idade superior a 50 anos e em indivíduos imunocomprometidos.3,8,25,30
O período de incubação da infecção pelo WNV varia de três a seis dias, chegando até a 14 dias, podendo ser maior em pacientes com neoplasias avançadas e naqueles submetidos a tratamento imunossupressor.28 A doença se caracteriza pelo início súbito de um quadro gripal inespecífico: febre alta com calafrios, astenia, cefaléia, dor retro-orbitária, artralgia e mialgia. Na febre epidêmica pode ocorrer eritema facial, congestão conjuntival, linfadenopatia, linfopenia prolongada e rash maculopapular em até metade dos pacientes, sendo mais freqüente em crianças.8,25
Nos casos com doença neurológica ocorre um pródromo febril de um a sete dias, que pode ser bifásico antes da manifestação no sistema nervoso central. Cerca de 2/3 dos casos caracterizam-se pela encefalite (com ou sem sinais de irritação meníngea) e 1/3 pela meningite.31 A paralisia flácida aguda isolada ou associada foi comum em surtos recentes nos EUA podendo acometer somente membros ou até musculatura respiratória e bulbar (mielite), necessitando de admissão em UTI e ventilação mecânica.3,25
Achados clínicos incomuns como uveíte e vasculite oclusiva ocular foram recentemente descritos.32
Os pacientes que são hospitalizados apresentam uma taxa de mortalidade de 4% a 14%,4 sendo maior em imunossuprimidos e idosos. A presença de astenia intensa, rebaixamento do nível de consciência, coma, falência em produzir IgM e tratamento imunossupressor concomitante são fatores que geralmente estão associados a uma pior evolução.8,25
A seqüela neurológica é comum, acometendo 50% dos pacientes hospitalizados. Apenas 1/3 dos pacientes apresenta recuperação neurológica completa.3,8
Achados laboratoriais
Cerca de 50% dos pacientes apresentam leucocitose periférica e 15% leucopenia. A análise do líquido cefalorraquidiano revela geralmente uma linfocitose moderada, podendo apresentar neutrofilia ou ainda celularidade normal. A proteinorraquia é moderadamente aumentada e a glicorraquia na maioria das vezes é normal.33
Exames de imagem
Os estudos de tomografia conputadorizada de crânio geralmente mostram-se normais, e à ressonância magnética inicial observa-se aumento inespecífico de captação em áreas periventriculares e nas meninges. Estudos recentes sugerem que um hipersinal em T2 no tálamo e em gânglios da base podem ser indicadores precoces de que o paciente apresenta encefalite pelo WNV.3,8
Eletroencefalograma
Nos pacientes com meningite e meniongoencefalite associados ao WNV foi detectado um padrão característico no EEG, que consiste em um padrão de ondas lentas mais proeminentes nas regiões anteriores do cérebro.34
Diagnóstico
A infecção pelo WNV é confirmada pela detecção do vírus ou de anticorpos contra o vírus. Na maioria dos casos não se consegue isolar o vírus no soro ou LCR, pois a viremia é caracteristicamente baixa e pode ocorrer um rápido clearance do vírus. Entretanto, há relatos de que o paciente pode apresentar viremia persistente por até sessenta dias. A detecção do antígeno viral pode ser feita pelo teste de Elisa, RT-PCR ou pelo teste quantitativo Real Time PCR, que é, até o momento, considerado o método mais sensível para a detecção do WNV, mas identifica somente 57% dos casos.35 Foi estimado nos EUA que, para cada caso confirmado de encefalite causada pelo WNV, outros vinte casos de infecção por esse vírus deixaram de ser diagnosticados.36
O WNV é facilmente identificado em exames de amostras de tecido cerebral posmortem com o uso de técnicas de imuno-histoquímica.
O isolamento do vírus pelo crescimento em cultura é difícil, sendo necessária grande quantidade de amostra preferencialmente fresca. Os resultados são considerados positivos quando se observa o efeito citopático em células Vero. O isolamento do WNV pode demorar de três a sete dias, dependendo da quantidade de vírus presente na amostra.16
O teste laboratorial usado para o diagnóstico rápido de infecção pelo WNV é a detecção de imunoglobulina M (IgM) e de IgG pelo método de Elisa. Como esses testes não são totalmente específicos para WNV, o diagnóstico depende do isolamento do vírus e da confirmação pelo teste de redução específica em placa de anticorpos neutralizantes, muito embora vários testes laboratoriais tenham sido desenvolvidos para um rápido diagnóstico.37,38
O teste de Elisa para detecção de WNV pode ser feito no soro ou LCR (que é específico para infecção de SNC), sendo que 50% dos pacientes apresentam IgM positivo na admissão e 95% no 10ºdia, aproximadamente. Estudos longitudinais de infecção pelo WNV têm demonstrado que a IgM específica anti-WNV pode persistir no soro por até 12 meses ou mais. Portanto, a presença de anticorpo IgM específico anti-WNV em amostra de soro pode não ser necessariamente diagnóstico de infecção aguda pelo WNV, devendo-se ter cautela na interpretação de resultado de IgM positivo sem quadro clínico compatível.39,40
Testes sensíveis e rápidos para a detecção do WNV utilizando a reação de cadeia de polimerase-transcriptase reversa (RT-PCR) têm sido recentemente descritos, baseando-se em uma metodologia simplificada e permitindo a detecção de quantidades inferiores a 0,1 unidades formadoras de placa (PFU) empregando a amplificação de ácido nucléicos baseados em seqüências de nucleotídeos (NASBA).34,41-43
É importante ressaltar que pacientes imunocomprometidos podem não positivar IgM. Nesses pacientes é mais provável a detecção da infecção pelo estudo da PCR.3,16,32
O centro de controle de doenças dos Estados Unidos elaborou um documento para a definição de casos de encefalite e de doença febril pelo WNV, disponível no site (www.cdc.gov/epo/dphsi/casedef/encephalitiscurrent.html).
Transmissão pelos hemocomponentes, órgãos transplantados e hemoderivados
Devido às observações de que o vírus do Nilo Ocidental pode causar viremia transitória após a infecção, e pelo grande número de pacientes assintomáticos ou que apresentam quadro clínico leve, sugeriu-se que esse vírus pudesse ser transmitido pela transfusão de sangue.44,45
A classificação dos casos de infecção pelo WNV transmitida pela transfusão de sangue e hemocomponentes20,46,47 faz-se da seguinte forma:
1. Caso confirmado: evidência de viremia pelo WNV em um doador de sangue associado à infecção pelo WNV em um receptor de sangue ou hemocomponente proveniente de um doador com viremia pelo WNV.
2. Caso não atribuível ao WNV quando houver pelo menos um dos seguintes dados:
a. Teste anti-IgM negativo na análise de seguimento de todos os doadores de sangue correpondentes aos hemocomponentes dentro de quatro semanas do início de quadro compatível com a infecção pelo WNV.
b. Ausência de evidência laboratorial de infecção do WNV no doador na amostra correspondente à doação ou em amostras subseqüentes.
3. Caso inconclusivo requer todas as seguintes situações:
a. Transfusão de hemocomponentes.
b. Evidência laboratorial de infecção recente pelo WNV.
c. Ausência dos requisitos listados para classificar o caso como confirmado ou para excluí-lo.
As definições importantes na determinação da infecção do WNV pela transfusão de sangue são:
1. A determinação de viremia em doador requer uma ou mais das seguintes situações:
a. Isolamento do vírus ou demonstração de antígeno viral específico ou de seqüências genômicas do WNV de amostra obtida no momento da doação de sangue.
b. Resultado de PCR positivo em amostra de sangue obtida no momento da doação e evidência de soroconversão de anticorpo IgM em testes de acompanhamento.
c. Resultado de PCR positivo em amostra obtida no momento da doação, sem outros testes laboratoriais de acompanhamento no doador, mas com testes de IgM positivos em dois ou mais receptores de hemocomponentes a partir da doação implicada.
d. Resultados de PCR discrepantes em amostra de sangue obtida no momento da doação, mas com testes de IgM positivos em dois ou mais receptores de hemocomponentes a partir da doação implicada.
2. A determinação de infecção pelo WNV em receptor de transfusão de sangue e hemocomponentes a partir de um doador com viremia requer pelo menos uma das seguintes situações:
a. Doença associada ao WNV dentro de quatro semanas após a transfusão de sangue e/ou hemocomponentes com viremia e evidência laboratorial de infecção recente pelo WNV.
b. Teste positivo para anti-IgM com ou sem uma história compatível com infecção pelo WNV e ter sido transfundido com sangue e/ou hemocomponentes de um doador de sangue com a doença confirmada.
3. A determinação de doença associada ao WNV em um receptor de sangue e/ou hemocomponentes requer:
a. Início de febre de origem não explicada, meningite, encefalite, ou paralisia flácida aguda (isolada ou em associação) após a transfusão de sangue e/ou hemocomponentes associado aos critérios laboratoriais de infecção recente pelo WNV.
4. Critérios laboratoriais de infecção recente confirmada pelo WNV:
a. Isolamento do vírus WNV ou demonstração de antígeno viral ou seqüências genômicas do WNV em tecidos, sangue, líquido cefalorraquidiano ou outro fluido corpóreo.
b. Detecção de anticorpos IgM anti-WNV (Elisa IgM-capture) em amostra de LCR colhido durante a fase aguda da doença e confirmada pela demonstração de anticorpos neutralizantes ou hemaglutinantes específicos contra WNV na mesma amostra ou em amostra coletada posteriormente.
c. Elevação de quatro ou mais títulos do anticorpo específico anti-WNV no soro.
Nos EUA, o primeiro caso de suspeita de infecção pelo WNV pela transfusão de hemocomponentes foi relatado em 30 de agosto de 2002 em uma paciente que havia sido transfundida durante procedimento obstétrico.48
Outros casos de transmissão pelo sangue e componentes de WNV foram documentados a partir de então.49,50 Entre 28 de agosto 2002 e 1º de março de 2003, o Centro de controle de doenças nos Estados Unidos documentou 61 casos de possível transmissão de WNV pela transfusão de sangue e componentes, sendo confirmados 23 casos baseados em dados epidemiológicos e laboratoriais; 19 foram classificados como inconclusivos e em outros 19 a infecção pelo WNV foi descartada.16
Nos pacientes que apresentaram a infecção pelo WNV transmitida pelos hemocomponentes foi observado que 12 receptores de transfusão desenvolveram meningoencefalite e um apresentou doença febril, aproximadamente 11 dias após a transfusão (período que variou de dois a 21 dias),47 com 29% de mortalidade;4 nove de 14 doadores de sangue envolvidos desenvolveram sintomas compatíveis com infecção pelo WNV antes ou após a doação. Os sintomas mais comuns em doadores, relacionados com transmissão pela doação de sangue, foram febre e cefaléia.51
Em 2002 foram relatados quatro casos de transmissão de WNV relacionados a transplante de órgãos provenientes de um único doador (fígado, rins e coração): foi detectada positividade para WNV em PCR e em cultura viral no momento da doação.52,53 Foi demonstrado que a contaminação ocorreu após a transfusão de sangue ou hemocomponentes de 63 doadores nos dois dias prévios ao transplante. A fonte de infecção foi posteriormente identificada: um doador que se apresentava em viremia no momento da doação e que se tornou soropositivo dois meses após. Todos os receptores dos quatro órgãos estavam em tratamento imunossupressor três desenvolveram meningoencefalite e um doença febril em 7-10 dias após o transplante.54,55,56
Recentemente foram documentados dois casos de infecção fatal pelo WNV em receptores de transplante de células progenitoras.57,58
Em 2002, o CDC publicou um consenso com o objetivo de reduzir o risco de transmissão de WNV pela transfusão de sangue e hemocomponentes. Na triagem de doadores de sangue, os candidatos à doação são recusados temporariamente, caso apresentem sintomas compatíveis com infecção pelo WNV (febre e cefaléia) no momento da doação ou em período recente; caso, após a doação, apresentem sintomas compatíveis com a infecção pelo WNV; pelo diagnóstico médico de infecção pelo WNV ou ainda pela detecção de infecção em um receptor de transfusão. O período em que estas ações foram aplicadas variaram entre 14 - 28 dias antes ou após a doação suspeita, dependendo das circunstâncias específicas de cada caso, considerando o maior período possível de viremia e embasados nos estudos previamente conduzidos que analisaram o período de viremia em seres humanos.59
Devido à possibilidade de epidemias recorrentes nos EUA e em outras regiões do mundo, os bancos de sangue nos EUA recentemente implementaram os testes de amplificação de ácido nucléico (NATs) como teste de triagem em todas as doações de sangue a partir de junho/2003. A agência norte-americana de medicamentos (FDA) recomendou, além da triagem pelo NAT, a manutenção do questionamento aos doadores de sangue e de células progenitoras sobre febre e cefaléia ocorridas na semana prévia à doação tendo orientado a recusar temporariamente esses doadores.60
Das doações ocorridas até início de agosto/2003 aproximadamente 1 milhão um total de 329 (0,03%) foi reativa para infecção pelo WNV com o uso do NAT. Destas, 163 (cerca de 0,015% de todas as doações) mostraram-se repetidamente reativas quando testadas pelo NAT novamente.3,8
Os testes de ácido nucléico para detecção de WNV parecem ser o meio mais efetivo para identificação de doações infectadas, em oposição à recusa temporária do doador, tendo como base o questionário aplicado a doadores e testes sorológicos. No entanto, a sensibilidade do teste ainda está sob investigação. Recentemente, em boletim divulgado pela Associação Americana de Banco de Sangue,61 foi apresentado que todos os hemocomponentes e produtos de aférese coletados nos Estados Unidos estão sendo testados para WNV, em sua maioria pelo uso de NAT em "minipools". Vários centros hemoterápicos, porém, estão conduzindo testes individuais com finalidade de pesquisa, com o intuito de verificar a eficiência de testes para detecção do WNV comparando-os com os resultados obtidos após testes em "pools". Esse mesmo boletim afirma que, até o momento, não é possível quantificar o risco de transmissão de WNV após a implementação do NAT-WNV. Dados isolados sugerem, entretanto, que o teste não é capaz de eliminar totalmente o risco de transmissão de WNV pelo sangue e componentes.58
Quanto ao risco de transmissão do WNV pelos hemoderivados, pode-se inferir que o uso de métodos de nanofiltração, solvente-detergente e tratamento pelo calor pela indústria para eliminar a contaminação pelos outros flavivírus como o HCV possa ser suficiente para evitar a contaminação pelo WNV, uma vez que é um vírus envelopado e de tamanho razoavelmente grande (50nm).37,56
Tratamento
Não existe até o momento tratamento antiviral estabelecido para a encefalite por WNV. Algumas drogas antivirais já foram utilizadas, porém nenhuma com eficácia comprovada. O interferon alfa tem atividade antiviral in vitro e em modelos animais. Tem sido utilizado nos EUA desde o surto em 2002, com eficácia não comprovada. Estudos estão sendo conduzidos para se demonstrar a sua efetividade. A ribavirina em altas doses também já foi utilizada como tentativa de tratamento, porém sem demonstrar benefício.11,62 A imunoglobulina de pacientes previamente infectados é uma terapêutica promissora e está sendo considerada em estudos prospectivos.
O tratamento proposto atualmente é de suporte, com ênfase na prevenção das complicações infecciosas (principalmente pulmonar, secundária à paralisia respiratória), no controle da instabilidade hemodinâmica e convulsões, com o paciente admitido em unidade de terapia intensiva.3,25
Vacinas estão em desenvolvimento.63 Pesquisadores desenvolveram uma vacina quimérica, substituindo a proteína de superficie do WNV pela proteína do vírus da febre amarela. Essa vacina está sendo testada em hamsters, camundongos, macacos e cavalos, com resultados encorajadores. Em breve, estudos fase I em humanos serão realizados.64
Outra vacina em desenvolvimento utiliza os mesmos conceitos de vacina quimérica, associando o vírus da dengue para carrear os genes do WNV. Já estão sendo feitos testes fase I em humanos com essa vacina.65,66
Prevenção e controle
Atualmente, a medida mais efetiva para prevenção da transmissão de WNV a seres humanos e outros animais é controlar a epidemia uma vez que a transmissão foi iniciada, e reduzir a exposição a vetores. Em áreas com presença do vírus deve-se utilizar proteção nas portas e janelas; vestir roupas apropriadas com camisas de manga comprida e calças longas, principalmente quando permanecer fora de casa no período em que os mosquitos são ativos (início da manhã e ao cair da tarde); usar repelentes contra insetos apropriados; diminuir locais de proliferação dos mosquitos (água parada) e aplicar larvicidas em locais de proliferação de mosquitos.41 Estão em curso esforços para o desenvolvimento de vacinas a partir de vírus inativados administrados em cavalos.27
Conclusão
A expansão dessa epidemia nos Estados Unidos deve chamar a atenção não somente dos países da América do Norte, mas de todo o continente, pois as aves migratórias podem trazer esse vírus ao Brasil. Aqui, um país com clima predominantemente tropical e subtropical úmido, ele teria as condições ideais para reprodução e disseminação rápida durante praticamente o ano inteiro com potencial impacto na saúde pública.
Recebido: 14/02/2004
Aceito: 03/05/2004
Avaliação: Editor e dois revisores externos.
Conflito de interesse: não declarado
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Mar 2005 -
Data do Fascículo
2004
Histórico
-
Aceito
03 Maio 2004 -
Recebido
14 Fev 2004