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Economia da ciência, tecnologia e inovação - fundamentos teóricos e a economia global

Economia da ciência, tecnologia e inovação - fundamentos teóricos e a economia global. Rapini, Márcia Siqueira; Silva, Leandro Alves; Albuquerque, Eduardo da Motta e. Curitiba, Paraná: Prismas, 2017. 622 p. 8555075823

O livro Economia da ciência, tecnologia e inovação - fundamentos teóricos e a economia global, organizado por Márcia Siqueira Rapini, Leandro Alves Silva e Eduardo da Motta e Albuquerque, busca analisar de maneira sistêmica as diversas mediações necessárias para se compreender a relação entre progresso tecnológico e desenvolvimento econômico. Para tanto, a partir da iniciativa de coordenação de pesquisadores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o trabalho beneficia-se de um amplo conjunto de esforços de uma rede de pesquisadores com o histórico de mais de uma década de colaboração em projetos institucionais coletivos e individuais articulados em perspectiva nacional em torno da temática do livro.

Em um contexto internacional de retomada do debate sobre a centralidade das políticas industriais, científicas e tecnológicas para contornar os desafios impostos à economia internacional pós-crise de 2008 (CHANG; ANDREONI, 2016CHANG, H.-J.; ANDREONI, A. Industrial policy in a changing world: basic principles, neglected issues and new challenges. Cambridge Journal of Economics, v. 40, 2016.; BERGER, 2013BERGER, S. Making in America. Cambridge: MIT Press, 2013.), fomentar estratégias de desenvolvimento sustentáveis nas dimensões sociais e ambientais e pavimentar a gestação daquele que poderá ser um novo paradigma tecnoeconômico baseado no que se convencionou a denominar de indústria 4.0, a obra encontra terreno fértil na literatura e no debate econômico atual.

De maneira geral, a partir de sólida fundamentação teórica, a coletânea se sustenta em duas grandes hipóteses transversais. A primeira remete às contribuições seminais de Schumpeter (1911 e 1942), respectivamente, em teoria do desenvolvimento econômico e capitalismo, socialismo e democracia, compreendendo a centralidade da institucionalização da relação entre ciência, tecnologia e inovação como instrumento para o fomento de processos de destruição criativa que viabilizam a transformação estrutural e pavimentam o desenvolvimento econômico. A segunda hipótese transversal diz respeito às contribuições de autores evolucionários e admite que a inovação deve ser compreendida como um fenômeno sistêmico, no qual a transmissão dos fluxos de conhecimento (com caráter essencialmente tácito) e a interação virtuosa entre um amplo conjunto de instituições (formais e informais) estã na base dos processos de aprendizado tecnológico e construção de competências.

A partir deste arcabouço, desenvolve-se uma linha de argumentação que relaciona as hipóteses descritas anteriormente aos determinantes do aumento da produtividade e da competitividade de empresas e nações em um cenário de economia globalizada, sendo esta uma das contribuições do livro. Em outras palavras, além de compreender a relação entre inovação e desenvolvimento em suas várias dimensões (regionais, nacionais, setoriais, financeiras, políticas, etc.), diversos capítulos do livro analisam esta relação a partir de um contexto de crescente complementaridade e rivalidade produtiva e tecnológica no cenário internacional.

Outra grande contribuição do livro, se não a maior, é a ampla sistematização da discussão dos principais temas que compõem a grande área de pesquisa homônima ao título da obra. Além da apresentação das principais questões a partir da ligação às hipóteses transversais expressas anteriormente, os capítulos do livro têm a grande preocupação de organizar - em perspectiva crítica - o debate acadêmico acerca destes temas, explorando interpretações e teses distintas e contraditórias entre autores de referência internacional. Como resultado deste esforço, é inegável a importância da obra, que pode se apresentar como um guia referencial completo para cursos de graduação e pós-graduação na área.

Uma terceira colaboração da coletânea, muito comum em coleções de handbooks internacionais, é a apresentação das fronteiras de pesquisa e os questionamentos que têm movido a agenda internacional nas áreas temáticas em questão. Adicionalmente, destaca-se a preocupação em apresentar ao leitor, além do referencial teórico e dos debates lato sensu, o instrumental de modelagem e os desafios que envolvem tais esforços em trabalhos empíricos, principalmente na perspectiva evolucionária.

Com relação à estrutura do livro, os assuntos tratados nos 15 capítulos podem ser compreendidos a partir de três grandes blocos (ainda que não necessariamente esta agregação reflita a ordem cronológica de apresentação dos mesmos):

  • teoria e fundamentos da relação entre ciência, tecnologia, inovação e desenvolvimento - capítulos 1, 2, 3, 4, 6 e 14;

  • dinâmica tecnológica e inovativa: geração e difusão de conhecimento e aprendizado em configurações históricas e institucionais específicas - capítulos 5, 7, 8, 9, 10, 11 e 12;

  • política científica, tecnológica e inovativa e desafios da inovação - capítulos 13 e 15.

No primeiro bloco, inicialmente, se busca compreender a relação entre a inovação e a dinâmica capitalista a partir da análise das revoluções tecnológicas (capítulo 1). Este capítulo revisita a interpretação de Marx (1867) acerca da centralidade da relação entre transformação nas forças produtivas e a dinâmica capitalista, apresentando para tal a importância da inovação radical. Em seguida, a partir das contribuições de Kondratiev (1926) e Schumpeter (1911 e 1942), o estudo procura estabelecer uma relação entre as revoluções tecnológicas e as transformações no marco analítico, para a compreensão da dinâmica capitalista e dos ciclos de acumulação em determinadas configurações históricas específicas à laPerez (2002PEREZ, C. Technological revolutions and financial capital. Cheltenhm: Edward Elgar, 2002.), inclusive no período atual entendido como no limiar da gestação de uma nova revolução industrial. Posteriormente, no capítulo 2, são examinadas as relações entre instituições e desenvolvimento econômico, tanto na perspectiva neoschumpteriana quanto a partir de uma releitura das principais obras de Schumpeter (1911 e 1942) - ainda que o autor não tenha tradado explicitamente das instituições em suas obras. No capítulo 3, contornando-se as limitações das análises da teoria da firma a partir da perspectiva da caixa preta, busca-se compreender desenvolvimentos teóricos que fundamentam o entendimento da firma como agente da inovação. Já o capítulo 4 apresenta um esforço de sistematização das diversas percepções acerca da relação entre ciência e economia, desde sua contribuição para o processo inovativo a partir de análises nos marcos da separação entre ciência básica e aplicada, até o debate recente nos marcos da open science.

Ao avançar sobre os determinantes do processo inovativo, o capítulo 6 aborda a questão do financiamento à inovação a partir de uma perspectiva microeconômica. Assim, ao integrar contribuições teóricas de raízes neoschumpterianas e pós-keynesianas, são analisados os microfundamentos das decisões de esforço inovativo empresarial, considerando-se aspectos como incerteza, tipos de inovação e tipos de financiamento. Finalizando o primeiro bloco, o capítulo 14 revisita os fundamentos teóricos da perspectiva evolucionária e apresenta as principais características dos modelos baseados em agente.

O segundo bloco analítico do livro procura compreender a geração e difusão de conhecimento e aprendizado em configurações históricas e institucionais específicas. Uma parte importante da discussão que norteia este bloco remete ao capítulo 5, o qual apresenta o papel crescente da universidade na geração de conhecimento, formação de pessoal e como eixo central dos esforços inovativos, seja pela perspectiva sistêmica ou da hélice tríplice. A partir da compreensão da perspectiva sistêmica da inovação, os capítulos 9, 10 e 11 têm como objeto central de análise a dinâmica dos sistemas nacionais de inovação. Nestes estudos são apresentadas as definições e análises do modo de funcionamento destes sistemas, as diferentes interpretações sobre sua relação com o desenvolvimento e a compreensão destes sistemas a partir dos desafios impostos pelo papel central exercido pelas empresas multinacionais em seu funcionamento (ponto este que também é analisado a partir de uma visão empírica no capítulo 12).

Complementando o segundo bloco, o capítulo 7 traz uma sólida revisão do debate acerca da relação entre geografia e inovação. São apresentados os fundamentos desta relação, que remetem à natureza relativamente imóvel dos insumos inovativos dada a importância do caráter tácito dos processos de aprendizado. Além disso, as diferentes interpretações sobre essa relação são analisadas a partir de uma perspectiva crítica e, em seguida, são abordadas as lacunas e as possibilidades nas fronteiras de pesquisa na temática do capítulo. Ainda no que diz respeito aos processos de geração e difusão do conhecimento e aprendizado, o capítulo 8 trata da relação entre cooperação empresarial e inovação, destacando os fundamentos teóricos que sustentam tais ações e apresentando uma leitura empírica do processo no Brasil a partir da Pesquisa de Inovação (Pintec).

O terceiro bloco, composto por dois capítulos, trata da relação entre política científica, tecnológica e inovativa e desafios à inovação. No capítulo 13, aborda-se a temática da questão ambiental com base no arcabouço evolucionário. Além de expor os desafios relativos à necessidade de construção de um paradigma tecnoeconômico ambientalmente sustentável, é feito um trabalho empírico para mensurar a dimensão ambiental do esforço inovativo das empresas brasileiras. Por fim, o capítulo 15 analisa as políticas de inovação a partir de duas perspectivas, a teórica e a empírica. Assim, depois de mostrar os fundamentos sobre os quais se assentam as políticas de inovação, são citadas algumas características das políticas de inovação no Brasil e em países selecionados. Em seguida, o capítulo mostra algumas metodologias de avaliação destas políticas.

Em síntese, a obra Economia da ciência, tecnologia e inovação tem a grande virtude de dialogar com uma vasta gama de temas centrais à agenda de pesquisa neoschumpteriana não só na literatura nacional, mas também internacional. Vale destacar ainda que este diálogo é teoricamente fundamentado e sempre apresentado em perspectiva crítica. Desse modo, ao sistematizar lacunas, fronteiras inexploradas, inconsistências e limitações nos assuntos abordados, o livro contribui decisivamente em duas dimensões: a introdução teoricamente contextualizada e crítica de pesquisadores nas temáticas em questão; e a sinalização implícita de agendas de pesquisa férteis.

Referências bibliográficas

  • BERGER, S. Making in America. Cambridge: MIT Press, 2013.
  • CHANG, H.-J.; ANDREONI, A. Industrial policy in a changing world: basic principles, neglected issues and new challenges. Cambridge Journal of Economics, v. 40, 2016.
  • MARX, K. O capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984 [1867]. v. I.
  • KONDRATIEV, N. The long waves in economic life. Review - Fernand Braudel Center, v. 2, n. 4 p. 519-562, Spring 1979 [1926].
  • PEREZ, C. Technological revolutions and financial capital. Cheltenhm: Edward Elgar, 2002.
  • SCHUMPETER, J. A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1985 [1911].
  • _________. Capitalismo, socialismo e democracia. São Paulo: Abril Cultural, 1985 [1942].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2018
  • Revisado
    20 Dez 2018
  • Aceito
    19 Jan 2019
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