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Objetos de aprendizagem para o ensino de línguas: vídeos de curta-metragem e o ensino de Libras

Language learning objects: short movies to teach Libras

Resumos

O artigo debate o uso de vídeos de curta-metragem como Objetos de Aprendizagem para o ensino de Línguas (OALs) no processo de ensino-aprendizagem de Libras. Apresenta o conceito de Objetos de Aprendizagem e a sua ampliação para o conceito de OALs. Discute-se a produção de quatro vídeos de curta-metragem, desenvolvidos com técnicas de cinema, a partir de uma proposta comunicativa para o ensino de Libras, e o seu potencial de imersão em práticas sociais de linguagem. Conclui-se que os vídeos de curta-metragem possibilitam aos alunos uma imersão em práticas sociais de linguagem, considerando-se que estão situados em contextos sócio-histórico-culturais, e apresentam interações em Libras em situações reais de comunicação, constituindo-se em OALS.

Objetos de Aprendizagem para Ensino de Línguas; Ensino de Libras; Vídeos de Curta-metragem; Prática Social de Linguagem


This article discusses the use of short films as Language Learning Objects in the teaching-learning process of Brazilian Sign Langauge (Libras), as well as introduces the concept of Learning Objects and their extension to Language Learning Objects (LLOs). This study analyzes the production of four short films developed following film techniques through a communicative approach aimed at teaching Libras and their potential to immerse learners in social linguistic practices. It could therefore be concluded that these short films allow the students to immerse themselves in linguistic social practices, within historical-social contexts, in turn presenting interactions in Libras within real communication situations, thus constituting LLOs.

Language Learning Objects; teaching of Libras; short films; social linguistic practices


Objetos de aprendizagem para o ensino de línguas: vídeos de curta-metragem e o ensino de Libras

Language learning objects: short movies to teach Libras

Tatiana Bolivar Lebedeff* * tblebedeff@gmail.com ** gejaespecial@yahoo.com.br ; Angela Nediane dos Santos** * tblebedeff@gmail.com ** gejaespecial@yahoo.com.br

Universidade Federal de Pelotas Pelotas - Rio Grande do Sul / Brasil

RESUMO

O artigo debate o uso de vídeos de curta-metragem como Objetos de Aprendizagem para o ensino de Línguas (OALs) no processo de ensino-aprendizagem de Libras. Apresenta o conceito de Objetos de Aprendizagem e a sua ampliação para o conceito de OALs. Discute-se a produção de quatro vídeos de curta-metragem, desenvolvidos com técnicas de cinema, a partir de uma proposta comunicativa para o ensino de Libras, e o seu potencial de imersão em práticas sociais de linguagem. Conclui-se que os vídeos de curta-metragem possibilitam aos alunos uma imersão em práticas sociais de linguagem, considerando-se que estão situados em contextos sócio-histórico-culturais, e apresentam interações em Libras em situações reais de comunicação, constituindo-se em OALS.

Palavras-chave: Objetos de Aprendizagem para Ensino de Línguas, Ensino de Libras, Vídeos de Curta-metragem, Prática Social de Linguagem.

ABSTRACT

This article discusses the use of short films as Language Learning Objects in the teaching-learning process of Brazilian Sign Langauge (Libras), as well as introduces the concept of Learning Objects and their extension to Language Learning Objects (LLOs). This study analyzes the production of four short films developed following film techniques through a communicative approach aimed at teaching Libras and their potential to immerse learners in social linguistic practices. It could therefore be concluded that these short films allow the students to immerse themselves in linguistic social practices, within historical-social contexts, in turn presenting interactions in Libras within real communication situations, thus constituting LLOs.

Keywords: Language Learning Objects, teaching of Libras, short films, social linguistic practices.

1. INTRODUÇÃO

A partir do Decreto nº. 5.626, de 22 de dezembro de 2005, o ensino de Língua Brasileira de Sinais (Libras), a língua dos surdos brasileiros, tornou-se obrigatório nos cursos de Licenciatura. A necessidade da oferta dessa disciplina nos cursos de Graduação gerou a demanda por materiais didáticos, que fossem possíveis de serem utilizados, também a distância. Tendo em vista a Libras ser uma língua viso-gestual que usa da espacialidade para sua produção e recepção, é necessário os materiais didáticos atentarem para a tridimensionalidade.

Para dar conta das especificidades da Libras, tais como, os canais de produção e recepção serem diferentes dos das línguas orais e o respeito pela característica visual da língua de sinais, acredita-se que os vídeos são excelentes recursos didáticos, para serem utilizados tanto na modalidade presencial como na modalidade a distância. Entretanto, apenas vídeos de elementos lexicais, que reproduzem a experiência das antigas cartilhas impressas, as quais apresentavam o desenho do sinal com seu significado, não possibilitariam a imersão em práticas sociais de linguagem.

Este trabalho apresenta uma discussão sobre o uso de vídeos de curta-metragem como Objetos de Aprendizagem para o ensino de Línguas (OALs) no ensino-aprendizagem de Libras. Busca-se, com os filmes de pequena duração, a possibilidade de imersão em práticas sociais de linguagem no ensino da Libras; desse modo, quando roteirizados, foi priorizada a presença de ensino a partir de uma proposta comunicativa.

Entende-se que, ao ensinar a Libras para futuros professores, para além do ensino de uma língua propriamente dita, também se está contribuindo para a inclusão das pessoas surdas em nossa sociedade, tendo em vista a indissociabilidade entre linguagem e sociedade. Leva-se em consideração, portanto, as funções sociais da aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais na vida dos alunos.

Assim, cabe ressaltar o aspecto social da aprendizagem da Libras para futuros professores que possivelmente se depararão com alunos surdos em suas salas de aula, ou até mesmo no cotidiano de suas vidas em sociedade. O desenvolvimento de práticas sociais de linguagem possibilita ao futuro professor agir socialmente, interagindo em Libras em diversos contextos sociais de que participa.

A proposta da produção dos vídeos de curta-metragem pretende que os alunos da disciplina de Libras coloquem em circulação os usos linguísticos dessa língua no meio onde vivem e trabalharão, ou seja, na sociedade em geral e na escola, mais especificamente.

O artigo está estruturado da seguinte forma: inicialmente, apresenta-se uma discussão sobre a Libras propriamente dita e o seu ensino no Brasil, no intuito de contextualizar o leitor acerca das condições históricas desse processo de ensino e aprendizagem. Em seguida, passa-se às definições de língua estrangeira (LE) e segunda língua (L2), buscando esclarecer o que é a Língua Brasileira de Sinais para os alunos ouvintes dos cursos de Licenciatura para os quais os vídeos de curta-metragem foram produzidos. Logo após, é abordado o ensino da Libras enquanto LE/L2, explorando as diferentes abordagens para o ensino de línguas, conforme está na obra de Leffa (1988) e do ensino das línguas de sinais como segunda língua para ouvintes em Mertzani (2010). A seguir, são discutidos os conceitos de Objetos de Aprendizagem (OA) e sua ampliação para o conceito de Objetos de Aprendizagem de Línguas (OAL) proposto por Vetromille-Castro, Moor, Duarte e Sedrez (2012). A partir da discussão de tais conceitos, propõe-se que os vídeos de curta-metragem podem ser utilizados como Objetos de Aprendizagem de Línguas (OAL) para Libras. Desse modo, apresenta-se o processo de produção de quatro vídeos de curta-metragem para o ensino de Libras, desde os aspectos técnicos até os pedagógicos. Por último, são descritos e analisados cada um dos curtas-metragens produzidos, objetivando discutir e apresentar o seu potencial de imersão em práticas sociais de linguagem.

2. A LIBRAS E O ENSINO DE LIBRAS NO BRASIL

As Línguas de Sinais são línguas com canais de recepção e produção diferentes dos das línguas orais. Enquanto nas línguas orais esses canais são os ouvidos e o aparelho fonoarticulatório, nas de sinais são os olhos e as mãos. No Brasil, os surdos utilizam a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS.

A oficialização da Libras, através da Lei 10.436/02 e, posteriormente, com o Decreto 5.626/05, promoveu a disseminação do seu ensino e do seu estudo, principalmente, em cidades com presença de Instituições de Ensino Superior, que foram obrigadas, por lei, a oferecer a Libras como disciplina obrigatória em todos os cursos de Licenciatura e Fonoaudiologia.

Entretanto, a Língua de Sinais utilizada pelos surdos brasileiros tem registros muito mais antigos. Diniz (2011: 13) relata registros históricos indicando a existência de uma Língua de Sinais autóctone, que entrou em contato com a Língua de Sinais Francesa a partir de 1855, com a vinda de um professor francês, surdo, Eduard Huet, para fundar o que é hoje o Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES, localizado no Rio de Janeiro, capital do Império, na época.

Rocha (2007: 57) esclarece que, em junho de 1855, Huet apresentou ao Imperador D. Pedro II um relatório cujo conteúdo revelava uma proposta de fundação de uma escola para surdos no Brasil. Nesse documento, Huet também esclarecia sua experiência anterior como diretor de uma instituição para surdos na França. A autora comenta que o governo imperial apoiou a iniciativa de Huet e nomeou o Marquês de Abrantes para acompanhar o processo de criação da primeira escola para surdos no Brasil.

A primeira instituição para surdos, no Brasil, começou a funcionar em 1º. de janeiro de 1856, mesma data em que foi publicado o programa de ensino, apresentado por Huet, que compreendia as disciplinas de língua portuguesa, aritmética, geografia, história do Brasil, escrituração mercantil, linguagem articulada, doutrina cristã e leitura sobre os lábios. Rocha (2007: 58) ressalta que a comunicação gestual da época, hoje reconhecida como LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) de forte influência francesa em função da nacionalidade do fundador do instituto, foi difundida por todo o Brasil pelos alunos, que regressavam aos seus estados quando terminavam o curso.

Contribuindo ainda mais com a disseminação da língua de sinais utilizada pelos alunos surdos da instituição, foi lançado, em 1875, pelo ex-aluno do Instituto, Flausino José da Gama, o livro Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos (ROCHA, 2007: 58).

Sofiato e Reily (2012: 570) comentam que a obra iconográfica de língua de sinais foi produzida por Flausino no auge da litografia do século XIX. As autoras relatam constar no prefácio da obra que Flausino era um exímio desenhista, aluno do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, e produzira a obra em uma oficina de litografia cedida pelo Sr. Eduard Rensburg, o qual gentilmente se ofereceu para ensinar o desenho litográfico a Flausino e ainda cedeu a sua oficina para a produção do livro.

Esse foi o primeiro documento produzido no Brasil para orientar a aprendizagem e a consulta de sinais manuais por pessoas interessadas em se comunicar com surdos. Posteriormente, com o advento da máquina de mimeógrafo e, mais recentemente, com as fotocopiadoras, novos desenhos de sinais foram sendo elaborados e novas "cartilhas" de sinais foram desenvolvidas para o ensino da Libras, principalmente para a disciplina, obrigatória a partir do Decreto 5.626, como já comentado.

Por ser uma língua viso-espacial, a Libras apresenta peculiaridades específicas distintas das línguas orais. Por exemplo, um dos componentes fonológicos da Libras é o movimento e, infelizmente, as cartilhas não possibilitam a visualização do movimento. Muitas cartilhas utilizam a estratégia de desenhar flechas para indicar direção e pontilhados para informar movimento. Entretanto, não são informações claras e precisas.

Além disso, como cenário da Libras tem-se a cultura surda e seus artefatos, esta muitas vezes desconhecida pela maior parte dos estudantes dessa disciplina. A maioria dos alunos conhece o surdo e sua língua a partir das considerações do senso comum, não possuindo saberes sobre o sujeito surdo e a sua cultura, sobre as Línguas de Sinais e a Libras.

É possível perceber que os alunos enfrentam grandes dificuldades em aprender uma língua com a qual têm contato apenas uma ou duas vezes por semana, como a disciplina de Libras. A Língua de Sinais é uma segunda língua ou uma língua estrangeira para os alunos ouvintes, que têm como primeira língua o português; o contato com a Língua de Sinais acontece apenas nas aulas, sendo pouco frequentes as interações linguísticas com pessoas surdas ou fluentes em Libras no ambiente extra-acadêmico, de convivência da comunidade surda local, por exemplo.

Tendo em vista esse contexto, um grupo de professores de Libras propôs-se a desenvolver vídeos de curta-metragem, que possibilitem a aprendizagem dessa língua de sinais numa perspectiva comunicativa, fugindo da limitação imposta pelas "cartilhas".

3. L2 E LE: DEFINIÇÕES

Antes de iniciar a discussão propriamente dita sobre o ensino de Libras como L2 para ouvintes, precisamos explicitar os significados de L1 e L2 que utilizaremos aqui. Lodi e Moura (2006: 5) argumentam, a partir dos estudos de Skutnabb-Kangas que para melhor definir o conceito de L1 ou primeira língua é preciso levar em consideração os critérios a seguir relacionados:

a) origem: a L1 é entendida como a língua desenvolvida por primeiro pelos sujeitos;

b) identificação interna: a L1 é a língua em que os sujeitos se autoidentificam como falantes;

c) identificação externa: a L1 é a língua pela qual os sujeitos são identificados pelos outros como falantes;

d) competência: a L1 é a língua em que os sujeitos possuem maior domínio;

e) função: relacionada ao uso, a L1 é a mais utilizada socialmente pelo sujeito.

Tais critérios rompem com os significados de L1 mais restritos, especialmente aqueles ligados ao pertencimento geográfico, e abrem possibilidades mais plurais para se pensar na primeira língua. Desse modo, "[...] a compreensão sobre a primeira língua dos surdos ganha nova significação, na medida em que, segundo Skutnabb-Kangas (1994), a primeira língua de um sujeito pode vir a se alterar no decorrer de sua vida." (LODI; MOURA, 2006: 5). Isso porque muitos surdos só têm contato com a língua de sinais de seu país tardiamente.1 1 Para uma discussão mais aprofundada sobre esta questão, sugerimos a leitura do artigo "Primeira língua e constituição do sujeito: uma transformação social", de Lodi e Moura (2006). http://dx.doi.org/10.1590/1984-639820145571

É a partir desse entendimento que acreditamos que a Língua de Sinais é a primeira língua da maioria das pessoas surdas, pois é com ela que muitos surdos se autoidentificam e com a qual possuem maior domínio, potencializando sua capacidade de produzir comunicação, sendo por isso mais utilizada socialmente por eles. Gesser (2010: 9 - 10) contribui com a conceituação de L1 e L2, acrescentando ao debate, ainda, a definição de língua estrangeira (LE), afirmando:

Entende-se como L1 (ou LM) a língua materna e natural do indivíduo, que funciona como meio de socialização familiar; L2 como aquela utilizada pelo falante em função também de contatos linguísticos na família, comunidade ou em escolas bilíngues (papel social e/ou institucional), podendo a L2 ser ou não de uso oficial da sociedade envolvente (Ellis, 1994); e língua estrangeira (LE) próxima à definição de Almeida Filho (1998: 11): "língua dos outros ou de outros, de antepassados, de estranhos, de dominadores, ou língua exótica".

A partir da explanação de Gesser (2010), pode-se compreender a Língua de Sinais tanto como segunda língua quanto como língua estrangeira para ouvintes. Em relação a esta questão, cabe trazer aqui uma reflexão sobre o status de língua que a Libras tem no Brasil:

Ao tratar a relação dos ouvintes com a LS como "estrangeira" não estou levando em consideração somente questões de modalidades distintas, bem como o fato de a LS pertencer a uma minoria linguística "invisível", e que não é falada e entendida na sociedade brasileira (cf. Cavalcanti, 1999a). Afinal, seria um paradoxo chamar de "estrangeira" uma língua Brasileira de sinais, língua esta que está contemplada - juntamente com mais de 200 línguas - no Livro de Registros das Línguas. Enfim, o uso (sempre entre aspas) da palavra "estrangeira" para fazer reflexões em torno da LS é - no sentido de De Certeau (1994) - uma "tática/estratégia" que lanço mão para sensibilizar e pontuar o quão alheia é a língua de sinais para a maioria dos ouvintes... (GESSER, 2006 apud GESSER, 2010: 10)

Para a autora, a definição de língua "estrangeira" para Libras, em se tratando do aluno ouvinte, tem a ver com a condição de diferença e estranhamento que causa a Língua de Sinais para aprendizes ouvintes não iniciados na cultura e comunidade surdas. Cabe ressaltar que, para a maioria dos alunos ouvintes das turmas da disciplina em questão, a Libras é tomada como estrangeira pelo fato de estar alheia às suas vivências e experiências. No entanto, no decorrer das aulas e a partir do contato linguístico com a Libras, esta acaba, muitas vezes, tomando potencial de L2 para tais alunos.

Daqui em diante a Libras será abordada como L2/LE quando se refere à aprendizagem da mesma pelas pessoas ouvintes, pela compreensão de que ela pode tanto significar a segunda língua quanto uma língua estrangeira, dependendo da situação e de acordo com as diferentes experiências dessas pessoas.

4. O ENSINO DE LIBRAS COMO L2/LE

Leffa (1988: 214) apresenta, de maneira didática, diferentes abordagens para o ensino de Línguas: Abordagem da Gramática e da Tradução (AGT), Abordagem Direta (AD), Abordagem Audiolingual e Abordagem Comunicativa.

A Abordagem da Gramática e da Tradução (AGT) consiste no ensino da segunda língua pela primeira (LEFFA, 1988: 220). Toda a informação necessária para construir uma frase, entender um texto ou apreciar um autor é dada através de explicações na língua materna do aluno. De acordo com o autor, os três passos essenciais para a aprendizagem da língua, pela abordagem da AGT, são: (a) memorização prévia de uma lista de palavras, (b) conhecimento das regras necessárias para juntar essas palavras em frases e (c) exercícios de tradução e versão (tema). É uma abordagem dedutiva, partindo sempre da regra para o exemplo.

Leffa (1988: 221) comenta que o princípio fundamental da Abordagem Direta (AD) é que a L2 se aprende através da L2; a língua materna nunca deve ser usada na sala de aula. A transmissão do significado dá-se através de gestos e gravuras, sem jamais recorrer à tradução. O aluno deve aprender a "pensar na língua".

Já a abordagem Audiolingual tem como implicação pedagógica o fato de que o aluno deveria primeiro ouvir e falar, depois ler e escrever; como acontece individualmente na aprendizagem da língua materna e como acontece com os povos em geral, que só aprendem a escrever muito depois de terem aprendido a falar (LEFFA, 1988: 222). O aluno só deveria ser exposto à língua escrita quando os padrões da língua oral já estivessem bem automatizados.

Finalmente, Leffa (1988: 223) apresenta a Abordagem Comunicativa, na qual o uso de linguagem apropriada, adequada à situação em que ocorre o ato da fala e ao papel desempenhado pelos participantes, é uma grande preocupação. Os diálogos artificiais, elaborados para apresentarem pontos gramaticais são rejeitados. A ênfase da aprendizagem não está na forma linguística, mas na comunicação. As formas linguísticas serão ensinadas apenas quando necessárias para desenvolver a competência comunicativa e poderão ter mais ou menos importância do que outros aspectos do evento comunicativo. Leffa (1988: 224) comenta que o desenvolvimento de uma competência estratégica - saber como usar a língua para se comunicar - pode ser tão ou mais importante do que a competência gramatical. O material usado para a aprendizagem da língua deve ser autêntico. Os diálogos devem apresentar personagens em situações reais de uso da língua, incluindo até os ruídos que normalmente interferem no enunciado (conversas de fundo, vozes distorcidas no telefone, dicções imperfeitas, sotaques, etc.).

Sobre as abordagens do ensino de Língua de Sinais como segunda Língua para ouvintes, Mertzani (2010: 58) salienta que desde a década de 1970 os programas de ensino de Línguas de Sinais têm utilizado métodos de ensino de segunda língua. Ainda apresenta que, historicamente, o ensino de Língua de Sinais pode ser categorizado com base nas mesmas abordagens de ensino para as Línguas Orais: Gramática e Tradução, Audiolingual, Método Direto e Abordagem Comunicativa.

A autora destaca que a abordagem da Gramática e da Tradução no ensino de Língua de Sinais americana foi utilizada expressivamente entre os anos de 1950 e 1970. Nesse processo, listas de palavras na língua do estudante eram utilizadas e os professores mostravam os sinais equivalentes. Eram utilizados, também, livros-textos com o foco na correspondência palavra-sinal. Regras gramaticais e sintáticas eram memorizadas e os estudantes as praticavam em sentenças curtas escritas para língua de sinais. As dificuldades oriundas desse método estão evidenciadas no aprendizado apenas de vocabulário. Em realidade, as pessoas não aprendiam a se comunicar com pessoas surdas. Os aprendizes conheciam apenas sinais isolados, a partir da estratégia de ensinar um sinal para uma palavra.

No Brasil, historicamente, de acordo com Lacerda, Caporali e Lodi (2004: 60), o ensino de Língua de Sinais foi realizado por pessoas ouvintes "fluentes" em sinais. Essas pessoas buscavam passar seu conhecimento em sinais, e, nesse sentido, foram criados vários pequenos "dicionários" de sinais, as já comentadas cartilhas, que eram divulgados como material básico para a aprendizagem da Libras. A maioria desses "dicionários" traz os itens lexicais organizados por categorias semânticas, com desenhos das configurações de mãos e da posição no espaço, acompanhados de ilustração do objeto concreto e da palavra escrita. Contém um número reduzido de itens e as aulas se resumiam à aprendizagem daquele léxico mínimo. Assim como nos Estados Unidos, portanto, a abordagem mais utilizada para o ensino de Línguas de Sinais, no Brasil, foi a Abordagem da Gramática e da Tradução.

5. VÍDEOS DE CURTA-METRAGEM EM LIBRAS COMO OBJETO DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS (OAL)

Um Objeto de Aprendizagem (OA) pode ser definido, de acordo com Leffa (2006: 20) como qualquer coisa digital com objetivo educacional. Para o autor pode ser qualquer arquivo digital, tais como: texto, imagem ou vídeo, desde que usados para facilitar e promover a aprendizagem.

Ampliando o conceito de OA para o ensino de Línguas, Vetromille-Castro, Moor, Duarte e Sedrez (2012) defendem que o objetivo de um Objeto de Aprendizagem para o Ensino de Línguas (OAL) deve ser o de facilitar a integração das competências gramatical, sociolinguística e estratégica. Além disso, deve dar atenção à forma da Língua Estrangeira - LE - em situações de comunicação, levando o aluno do implícito ao explícito no uso da língua, bem como deve proporcionar oportunidades de interação em situações reais e significativas de comunicação.

Vetromille-Castro, Moor, Duarte e Sedrez (2012: 246-247) apresentam uma proposta de Objetos de Aprendizagem de Línguas que leva em consideração:

além das abordagens comunicativas e colaborativas, a definição de OAL será igualmente norteada por aspectos de usabilidade pedagógica (VETROMILLE-CASTRO, 2003), mostrando a importância da multiplicidade de opções, clareza nas abordagens no processo de aprendizagem de LE, adaptabilidade, não-linearidade e outras condições.

Os autores defendem que os OALs apresentam características específicas do ensino/aprendizagem de línguas, os quais promovem o desenvolvimento da competência comunicativa a partir do desenvolvimento da autonomia, da interação e da colaboração na construção do processo de aprendizagem (VETROMILLE-CASTRO, MOOR, DUARTE, SEDREZ, 2012: 249). Sedrez (2014: 20) cita Garrison, Anderson e Archer (2000) que indicam a necessidade da presença de ensino no Objeto de Aprendizagem. Para Garrison, Anderson e Archer (2000: 90) a presença de ensino, ou teaching presence, pressupõe que o OA deve apresentar o desenho de uma experiência educacional da qual se esperam resultados educativos. Ou seja, um OA deve ser pensado a partir de objetivos educacionais, tendo metas que expressem a possibilidade de ensino-aprendizagem.

De acordo com Sedrez (2014: 16), os OALs buscam responder às criticas de neutralidade teórica dos OA ao focar o ensino "na competência comunicativa, na colaboração, na interação, nos aspectos sociolinguístico-culturais dos aprendizes, além de levar em conta a forma, tornando a aprendizagem significativa para os alunos".

Propõe-se que os vídeos de curta-metragem podem ser utilizados como Objetos de Aprendizagem de Línguas (OAL) para Libras, com base em Vetromille-Castro, Moor, Duarte e Sedrez (2012: 243). E, a partir dos pressupostos acima apresentados foram desenvolvidos quatro vídeos de curta-metragem em Libras para serem utilizados como OALs na disciplina de Língua Brasileira de Sinais.

5.1 A produção dos vídeos de curta-metragem para ensino de Libras

A partir dos pressupostos do OAL, já discutidos (VETROMILLE-CASTRO, MOOR, DUARTE e SEDREZ, 2012: 243), foram desenvolvidos quatro vídeos de curta-metragem em Libras para serem utilizados como OALS na disciplina de Língua Brasileira de Sinais. A necessidade da produção dos vídeos de curta-metragem deu-se pela escassez desse tipo de material didático para o ensino da Libras no ensino superior. Percebeu-se, em um levantamento de dados, que os materiais existentes eram em sua maioria impressos e limitavam-se a glossários ou dicionários. Os vídeos são de fácil entendimento e acesso e, possibilitam que a Língua apareça em seu uso comunicativo, pois as histórias simulam situações reais de comunicação.

A filmagem possibilita captar os diferentes parâmetros que compõem os sinais e a sua sequencialidade. Além disso, o desafio está em produzir Objetos de Aprendizagem que não contemplem apenas o estudo lexicográfico da Libras, e sim, que seja um material para o ensino da Libras com foco no seu uso em contextos comunicativos.

No Brasil ainda são incipientes as pesquisas (e práticas) que tomam como base o Ensino Comunicativo de Línguas, no que se refere ao ensino da Libras. Ainda sobre esta questão, Gesser (2010) afirma:

Parece que há certa tendência dos cursos de línguas segundas e/ou estrangeiras e dos profissionais que neles atuam em qualificar como positiva a abordagem comunicativa. Há, entretanto, uma possibilidade enorme de formas para se interpretar e definir o que determinaria o comunicativo no processo. (GESSER, 2010: 28)

Baseada em Brown (1994), Gesser (2010: 30) afirma que a abordagem comunicativa para o ensino de línguas está calcada em várias direções, destacando-se: o ensino centrado no aprendiz; aprendizagem cooperativa, que dá prioridade às atividades em grupo; aprendizagem interativa, que "[...] oportunizará momentos de interações genuínas, cujo foco estará para a negociação dos significados no uso de linguagem"; educação da língua como um todo, com "[...] um foco holístico para o ensino de línguas, cuja ênfase está para situações e contextos reais de uso de Linguagem"; educação centrada no conteúdo, "[...] que ditaria as formas e sequências linguísticas, e a língua passa a ser o meio cuja finalidade vai além da proficiência linguística"; e aprendizagem baseada em tarefas, tais como situações que "solicitem como obter informação, como dar instruções, como fazer solicitações no trabalho e escola, como relatar ou contar uma história, etc."

Cabe destacar que a produção de vídeos de curta-metragem tem buscado dar aos Objetos de Aprendizagem de Língua um caráter comunicativo, entretanto, o material em si não irá determinar a metodologia que o professor de Libras utilizará em suas aulas, pois as aulas são dinâmicas e se deparam com variáveis, tais como: a metodologia empregada pelo professor, a receptividade da turma com determinada metodologia de ensino, a diversidade de alunos, entre outros. Sendo assim, mesmo adotando um perfil comunicativo, o material poderá ser utilizado pelos professores da forma que o considerarem mais apropriada à sua metodologia e adequada àquela ou a essa turma.

6. A PRODUÇÃO DO ROTEIRO, FILMAGEM E EDIÇÃO

Foram desenvolvidos quatro vídeos de curta-metragem sinalizados em Libras com a opção de uso de legenda, o que permite a autonomia do aluno para utilizar, ou não, a tradução durante o estudo individual. Para a produção dos vídeos de curta-metragem em Libras, primeiramente, cria-se uma espécie de sinopse da história, chamada de storyline e, em seguida, é criado um roteiro com cada uma das cenas, no qual o cenário e as "falas" são elencados. Após é realizado um roteiro técnico de cada cena. Cada roteiro é discutido com os professores da área de Libras para adequações lexicais, culturais e sociolinguísticas, além de ter como base de elaboração as demandas comunicativas das unidades da disciplina.

O roteiro cinematográfico origina-se de duas etapas prévias, também utilizadas na feitura de curtas-metragens. A primeira é a storyline que, para Rodrigues (2007: 52), é uma breve ideia do roteiro em cerca de cinco linhas. Poderá, ainda, haver uma segunda, que é o argumento, consistindo em um desenvolvimento da storyline, conforme o autor, havendo uma descrição mais detalhada das sequências e dos personagens, todavia, ainda sem a presença de diálogos, os quais só aparecerão especificados no roteiro definitivo.

Exemplo de Storyline do segundo vídeo de curta-metragem produzido:

O menino chega em casa e conta para o pai que haverá um passeio da escola no final do ano. O dia chega, eles conversam sobre o clima e as roupas que o menino vestirá. O pai leva o menino ao passeio e se separam. Depois do passeio, se reencontram. O pai faz diversas perguntas sobre o que o menino viu e este mostra algumas fotos depois.

Somando-se a isso, o roteiro poderá ser construído com formatações diversas, sendo o padrão Master Scenes um dos mais utilizados. Contudo, o mais importante a ser observado na sua produção é a determinação das cenas, as quais trarão as descrições dos ambientes, bem como as ações e os diálogos dos personagens, que poderão conter elementos de tamanhos variáveis, a depender da proposta. Field (2001: 112) comenta que "cena é o elemento isolado mais importante de seu roteiro. É onde algo acontece - onde algo específico acontece. É uma unidade específica de ação - e o lugar em que você conta sua história". O autor ainda destaca que toda cena tem tempo e lugar específicos. Além disso, grifa que o roteiro tem uma estrutura básica de início, meio e fim.

Um exemplo de elaboração do roteiro para a produção dos curtas-metragens pode ser encontrado na cena a seguir:

FADE IN

CENA 01 - INT/DIA - Sala de Estar

Uma sala de uma casa de classe média, com alguns móveis e uma televisão. ANTÔNIO, 42 anos, está sentado confortavelmente em uma poltrona, assistindo televisão, ainda vestindo as roupas do trabalho, sem sapatos. Antônio demonstra cansaço, mas está relaxado. Subitamente, a porta da frente da casa se abre. GUILHERME, 11 anos, entra correndo, deixando a porta aberta, e abraça Antônio. Guilherme está empolgado.

GUILHERME

(em Libras) Pai! Pai!

ANTÔNIO

(em Libras) Um minuto, filho!

Antônio levanta da poltrona e fecha a porta da frente. Vira-se para Guilherme com cara séria.

Após a construção do roteiro literário, é necessária a confecção de um roteiro técnico, no qual, para Rodrigues (2007: 52), são indicados os planos, bem como suas propriedades, que são: posição, ângulo e movimentação, explicados por Martin (2007: 55). Esse texto servirá de base para as análises técnicas, funcionando como facilitadoras para a organização prévia das gravações.

Um exemplo de roteiro técnico pode ser visto no trecho a seguir:

FADE IN

CENA 01 - INT/DIA - Sala de Estar

PLANO 01 - PS - Móveis de uma sala de estar em close: uma foto de um homem com um menino, uma televisão, alguns outros móveis, um sofá até chegar a uma poltrona, onde uma mão cansada apoia um controle remoto.

PLANO 02 - PD pés - ANTÔNIO, 42 anos, ao fundo, está sentado confortavelmente, assistindo televisão, ainda vestindo as roupas do trabalho, sem sapatos, com os pés apoiados em um puff.

PLANO 03 - PP - Antônio assistindo TV respira cansado.

Nas gravações (ou filmagens, ao tratar-se de suporte analógico) é que será concretizado tudo o que fora planejado na pré-produção (RODRIGUES, 2007: 109). São usados diversos elementos técnicos e artísticos, contando, normalmente, com o trabalho de profissionais para cada área, (direção, produção, fotografia, arte, som, entre outros), dependendo do tamanho do projeto.Por fim, a montagem (ou edição), última das etapas de feitura de um curta-metragem e introdutória da pós-produção, pode ser entendida nesta explanação de Martin (2007: 134):

A montagem constitui, efetivamente, o fundamento mais específico da linguagem fílmica, e uma definição de cinema não poderia passar sem a palavra "montagem". Digamos desde já que a montagem é a organização dos planos de um filme em certas condições de ordem e de duração.

Cabe demonstrar, por fim, a facilidade que o meio digital oferece na captação e trabalho de pós-produção para a concretização de obras cinematográficas. De acordo com Dancyger (2007: 455):

O filme e o vídeo [...] testemunharam uma profunda aceleração na mudança da tecnologia analógica para a digital. [...] Na pré-produção, o programa de computador está disponível para pré-visualização das cenas. As possibilidades de uso de cor e cenário [...] aprofundam a possibilidade dos elementos potenciais da imagem. Durante a produção, a edição não linear possibilita a rápida reunião de planos que respondem à questão: estou alcançando o ponto dramático pretendido na cena? As câmeras digitais vão substituir as de película e as câmeras eletrônicas de vídeos como fontes originárias da imagem. O processo de digitalização permite que qualquer parte da imagem seja removida e um elemento adicional incluído, se necessário.

Os quatro vídeos de curta-metragem já estão editados e sendo utilizados pelos professores nas aulas de Libras.

7. VÍDEOS DE CURTA-METRAGEM EM LIBRAS: possibilidades de imersão em práticas sociais de linguagem

Nesta sessão do artigo, objetiva-se discutir sobre as possibilidades de imersão em práticas sociais de linguagem a partir dos vídeos de curta-metragem produzidos para utilização em disciplinas de Libras, ministradas no Ensino Superior, para alunos predominantemente de cursos de Licenciatura.

O objetivo principal da utilização desses vídeos nas aulas de Libras é focalizar as práticas sociais de linguagem concretizadas pelos personagens, para fins de interação social. Cabe considerar que a língua é um sistema coletivo que serve para a interação social. Neste sentido, objetiva-se apresentar situações reais de interação social em Libras por meio dos vídeos de curta-metragem, favorecendo e estimulando os alunos da disciplina de Libras a compreenderem os diferentes contextos comunicativos, bem como a sua própria ação comunicativa em Libras.

Sendo assim, compreende-se que a linguagem enquanto prática social torna-se elemento central para a sociabilidade humana. Ela é intrínseca à ação do homem, cabendo, portanto, considerar e compreender a linguagem como interação social, entendendo-a como dotada de efeitos de sentido em função do espaço social e dos sujeitos que o compõem.

Serão discutidos, a seguir, cada curta-metragem produzido, a partir de seu potencial de imersão em práticas sociais de linguagem. O primeiro curta-metragem foi produzido para dar aporte à primeira unidade da disciplina, a qual objetiva que os alunos se apresentem, se cumprimentem e troquem informações pessoais, como telefone e endereço. O ambiente do vídeo é a própria Universidade onde os alunos da disciplina de Libras estudam. Nele, um aluno ouvinte procura informações acerca da sala da sua aula e se depara com uma pessoa surda. Essa é uma situação real que, para além de ensinar como se comunicar em uma situação semelhante, também aborda aspectos culturais relativos a como iniciar a comunicação com uma pessoa surda, por exemplo.

No curta-metragem o aluno ouvinte caminha pela Universidade procurando a sua sala de aula. Ele busca informações no mural, bem como com o Porteiro, no entanto ninguém lhe auxilia. Ele segue procurando alguma informação até ver uma pessoa no corredor, de costas para ele. Ele fala com esta pessoa, mas ela não lhe responde. Então ele toca em seu ombro para lhe chamar a atenção. Essa é uma prática social de linguagem comum entre as pessoas surdas ou entre as pessoas que convivem com pessoas surdas, pois, tendo em vista que os surdos não ouvem, é preciso lhes chamar a atenção de outro modo e o modo mais adequado e educado é tocar levemente no seu ombro.

Quando a aluna surda se vira o aluno ouvinte começa a falar, mas não acontece nenhuma comunicação. Então a aluna surda começa a sinalizar. Só neste momento o aluno ouvinte percebe que está diante de uma pessoa surda usuária da Libras. Eles não conseguem se comunicar nem pela língua portuguesa na forma oral, nem pela Libras sinalizada. Então, o aluno ouvinte pega o seu comprovante de matrícula e mostra para a aluna surda. Ela sinaliza "Libras I". Em seguida ele escreve no papel a expressão "Nome?" Ela utiliza-se do alfabeto manual da Libras para dizer seu nome e ele compreende, escrevendo-o no papel. Ele também se apresenta, utilizando o alfabeto manual. Cabe observar que é bastante comum que as pessoas ouvintes conheçam o alfabeto manual, tendo em vista a grande distribuição de panfletos com esse alfabeto, bem como algumas ações midiáticas. Essa é mais uma situação de imersão social da linguagem que o vídeo apresenta.

Logo após, o aluno ouvinte escreve a expressão "onde?" apontando para o nome da disciplina escrita no seu comprovante de matrícula. A aluna surda sinaliza qual é o número da sala e também aponta a direção. Em seguida, ela o acompanha até a sala de aula e apresenta-lhe o professor de Libras.

Ao apresentar esse vídeo em sala de aula o professor de Libras pode explorar muito mais do que os sinais da Libras apresentados. Como se tratam de situações reais, é possível discutir sobre as questões culturais envolvidas na comunicação entre pessoas surdas e ouvintes. Além disso, é possível propor aos alunos que também vivenciem essas práticas sociais de linguagem em sala de aula, ou até fora dela, tendo em vista que o uso social da linguagem permite a construção de formas linguístico-discursivas propiciadoras da interação. Assim, os alunos da disciplina de Libras estarão imersos em práticas sociais de linguagem tanto no momento em que estiverem assistindo o curta-metragem, quanto no momento em que estiverem interagindo em Libras em sala de aula.

O segundo vídeo refere-se à segunda unidade da disciplina de Libras, a qual objetiva que os alunos conversem sobre os seus familiares, os elementos da natureza e as noções temporais. O ambiente desse segundo vídeo é bem diferente do primeiro. A história acontece na casa de uma família surda. Há dois personagens: pai e filho surdos.

Resumidamente, o curta-metragem aborda a situação do filho que chega em casa e conta para o pai que haverá um passeio da escola no final do ano. O dia chega, eles conversam sobre o clima e as roupas que o menino vestirá. O pai leva o menino ao passeio e se separam. Depois do passeio, se reencontram. O pai faz diversas perguntas sobre o que o menino viu e este mostra algumas fotos.

Além do ambiente, o próprio tipo de linguagem utilizado é diferente do primeiro vídeo, pois agora a conversa é entre um pai e um filho. O menino tem onze anos e o pai quarenta e dois. A conversa estabelecida entre pai e filho se difere da conversa entre alunos de uma Universidade que não se conheciam. Esse curta-metragem aborda uma situação real, tendo em vista o contexto do filho ao chegar em casa e pedir para o pai autorização para fazer um passeio com a escola.

Segundo Bakhtin (2003: 261) "todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana". Assim, ao apresentar esse curta-metragem aos alunos da disciplina de Libras, o Professor poderá explorar as múltiplas formas de uso da Língua de Sinais em diferentes campos da atividade humana.

Além disso, ao exibi-lo em sala de aula, o professor de Libras poderá explorar, mais especificamente, as diferentes situações em que a linguagem está imersa em práticas sociais, tais como: quando o pai pergunta informações de quando o passeio acontecerá; quando o pai acorda o filho no dia do passeio e conversa com ele sobre o clima e a roupa que irá vestir; quando o filho retorna do passeio e conta para o pai o que fez e viu.

No terceiro curta-metragem uma amiga visita a outra e conversam sobre o desleixo do marido de Ana. Renato, esposo de Patrícia, aparece e avisa que irá ao supermercado. Após, ambas continuam conversando, agora sobre os planos de Ana em ter filhos e morar numa casa melhor. Renato volta e, junto com Patrícia, prepara um jantar e Ana é convidada para comer.

Nesse vídeo são abordadas questões de gênero, pois Ana está descontente com as atitudes do seu marido quanto à divisão das tarefas domésticas. Patrícia aconselha Ana a dialogar com o marido sobre a situação, para que ele passe a participar e contribuir com as tarefas da casa, pois ambos trabalham fora de casa.

A linguagem, para Bakhtin, é uma prática social que tem na língua a sua realidade material. A língua, bem como os indivíduos que a usam, está situada em um contexto sócio-histórico. Levando-se isto em consideração, a utilização dos vídeos de curta-metragem, especialmente esse que trata das questões de gênero, situa a comunicação em Libras dentro de um contexto sócio-histórico.

Além das questões de gênero, o vídeo mostra um casal surdo recebendo uma amiga em sua casa. Renato, marido de Patrícia, conversa sobre o que deverá comprar no supermercado. Quando retorna, ele e sua esposa preparam um jantar para a amiga Ana. O vídeo retrata uma situação real: a elaboração de uma lista de compras e a ida ao supermercado. Além disso, também retrata uma necessidade da cultura surda que é estar entre pares e comunicar-se com outras pessoas surdas, compartilhando sua vida em língua de sinais. Mais uma vez, cabe ressaltar que o curta-metragem situa-se em um contexto sócio-histórico e cultural.

O quarto e último vídeo de curta-metragem aborda a busca de orientação profissional por parte de uma aluna surda em uma escola de surdos. Ele proporciona aos alunos da disciplina de Libras conhecerem esse tipo de ambiente e compreenderem seu contexto. Além disso, também apresenta muitas práticas sociais de linguagem.

Nesse vídeo a personagem Joana está procurando a sala da psicóloga na escola de surdos, onde estuda. Chega até a sala e conversa com a psicóloga, em Libras, sobre prováveis profissões. Joana revela gostar muito de jogos de construção de cidades. Marisa, a psicóloga, percebendo isto, incentiva-a a pesquisar mais sobre profissões como arquiteto e engenheiro. Assim, Joana fica mais empolgada para planejar o seu futuro. Esse vídeo também está situado em um contexto sócio-histórico, objetivando a busca cada vez mais cedo pela colocação no mercado de trabalho. E isto não é diferente entre as pessoas surdas, que também querem exercer sua cidadania por meio do trabalho.

Ao descrever cada um dos vídeos, pretendeu-se mostrar que eles apresentam possibilidades reais de imersão em práticas sociais de linguagem, por retratarem situações reais de comunicação em diversos ambientes como a Universidade, a casa e a escola de surdos, bem como em diversas relações, como entre colegas universitários, entre pai e filho, entre amigos e entre aluno e psicólogo. Ao exibir os curtas-metragens em sala de aula o professor de Libras tem um arsenal de possibilidades para explorar diferentes práticas sociais de linguagem e proporcionar aos alunos uma aprendizagem significativa da Libras, tendo em vista que os vídeos também abordam relações interculturais e éticas.

A partir do exposto, entende-se a linguagem como mediação necessária, não como instrumento, mas como ação que transforma. Orlandi (1996, p.82-3) ressalta que não é possível estudar a linguagem fora da sociedade, uma vez que os processos constitutivos da linguagem são histórico-sociais. Observa ainda que, nessa relação, não são consideradas nem a sociedade como dada, nem a linguagem como produto: elas se constituem mutuamente.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutiu-se os desafios e a trajetória percorrida para a elaboração de um material didático para a disciplina de Libras, que não se paute apenas no texto impresso, com informações teóricas sobre os surdos, sua cultura e sobre a própria língua de sinais. O desafio de produzir Objetos de Aprendizagem para Ensino de Línguas que respeitem a característica principal das línguas de sinais, que é a viso-gestualidade, está gerando o material e as práticas explicitados neste texto.

Busca-se, constantemente, que a disciplina utilize OALs que garantam o contato com a língua, mas que, ao mesmo tempo, respeitem o ritmo do estudante e as dificuldades inerentes a uma disciplina como a de Libras.

Neste sentido, acredita-se que os vídeos de curta-metragem produzidos constituem OALS por permitirem a reusabilidade, por apresentarem possibilidades de granularidade e por possibilitarem a recuperabilidade; e, também, por apresentarem a língua como discurso em situações comunicativas.

Também cabe destacar que os vídeos de curta-metragem produzidos possibilitam aos alunos da disciplina de Libras a imersão em práticas sociais de linguagem, considerando-se que apresentam situações reais de comunicação, as quais estão situadas sócio-histórica e culturalmente, e podem ser exploradas de diferentes formas pelo professor e pelos alunos, os quais vivenciarão tais práticas interagindo em Libras.

Nesse universo da cultura encontra-se a prática da linguagem enquanto prática social, regida pelos padrões culturais do meio social no qual o sujeito está imerso. Dessa forma, conforme a perspectiva bakhtiniana, a linguagem é, por definição, uma prática social.

Além disso, torna-se necessário, também, para além de investigações cotidianas sobre a produção dos Objetos de Aprendizagem, a análise do impacto nas representações sobre surdez e o potencial pedagógico da disciplina nos usuários desses materiais.

Em última análise, a proposta da produção dos vídeos de curta-metragem almeja, para os alunos da disciplina de Libras, o direcionamento dos conhecimentos que constituíram em Libras para o seu cotidiano. Para que, em situações que exijam a interação social, coloquem em circulação os usos linguísticos da Libras no meio onde vivem e trabalham.

Data de submissão: 28/02/2014

Data de aprovação: 09/07/2014

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    Para uma discussão mais aprofundada sobre esta questão, sugerimos a leitura do artigo "Primeira língua e constituição do sujeito: uma transformação social", de Lodi e Moura (2006).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2014

    Histórico

    • Recebido
      28 Fev 2014
    • Aceito
      09 Jul 2014
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