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Dimensões “escondidas” da internacionalização do ensino superior

“Hidden” features of the internationalization of higher education

RESUMO

A internacionalização, no que se refere às agendas institucionais, não tem mais sido considerada uma opção, senão uma realidade (GACEL-ÁVILA, 2007; KNIGHT, 2004KNIGHT, J. An internationalization model: responding to new realities and challenges. In: DE WIT, H. et al. (Ed.). Higher education in Latin America: the international dimension. Washington, DC: The World Bank, 2005. p. 1-38. Doi: https://doi.org/10.1177/1028315303260832
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; STALLIVIERI, 2009). A partir de uma interpretação mais ampla das dimensões “escondidas” da escrita de artigos acadêmicos (STREET, 2010STREET, B. Literacy in theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.), derivada de estudos em letramentos acadêmicos (LEA; STREET, 1998), propomos que há, similarmente, dimensões dos processos de internacionalização que ficam costumeiramente “escondidas”. O objetivo deste artigo é identificá-las. Os resultados indicam que há dimensões “escondidas”, em sua maioria, relacionadas a práticas de letramento acadêmico, e que categorizamos em quatro grandes grupos: escrita da internacionalização, publicação, uso do inglês e demandas institucionais versus tempo.

PALAVRAS-CHAVE:
internacionalização; dimensões escondidas; letramentos acadêmicos

ABSTRACT

Internationalization, concerning institutional agendas, has no longer been considered an option, but a reality (GACEL-ÁVILA, 2007; KNIGHT, 2004; STALLIVIERI, 2009). Interpreting the “hidden” features of academic paper writing (STREET, 2009STREET, B. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2014.), derived from studies in academic literacy (LEA; STREET, 1998), in a broader perspective, we propose that there are, similarly, features of internationalization processes that usually remain “hidden”. The purpose of this article is to identify them. The results indicate that there are “hidden” features, mostly related to academic literacy practices, which we categorize into four main groups: internationalization writing, publication, use of English and institutional demands versus time.

KEYWORDS:
internationalization; hidden features; academic literacies

1 Considerações iniciais

É do pesquisador britânico Brian Street a terminologia hidden features (STREET, 2009STREET, B. “Hidden” features of academic paper writing. Working Papers in Educational Linguistics, Philadelphia, v. 24, n. 1, p. 1-17, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2sZViqz >. Acesso em: 18 dez. 2016.
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), que se traduz para o português como dimensões “escondidas” (STREET, 2010). Segundo o autor, sua teoria, derivada dos campos escrita no âmbito das disciplinas, estudos dos gêneros e letramentos acadêmicos, foi criada quando ele ministrava aulas na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Street e seus alunos observaram que, no contexto da escrita de textos acadêmicos, algumas dimensões ficavam “escondidas”, isto é, implícitas, especialmente no que se referia à utilização de critérios para avaliação de tais textos. Street (2010, p. 542) explica que sua intenção, ao pesquisar o tema, era observar critérios nem sempre claros utilizados por orientadores, avaliadores de trabalhos enviados para eventos acadêmicos e revisores de periódicos a fim de “explicitar essas dimensões para que os autores pudessem antever o que diriam seus leitores a respeito da obra produzida”. Por isso, juntamente com seus alunos, o pesquisador analisou e descreveu, a partir da observação desses critérios, dimensões “escondidas”, que dizem respeito a “aspectos linguísticos, culturais, editoriais e epistemológicos que, ao permanecerem ocultos, dificultam a produção da escrita acadêmica” (ROMPENDO…, 2015ROMPENDO a barreira da língua: atenta à necessidade de internacionalizar sua produção, UFMG recebe especialista em práticas de escrita acadêmica em inglês. Boletim UFMG, Belo Horizonte, ano 41, n. 1899, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2Mj6jfC >. Acesso em: 15 nov. 2016.
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). Vale lembrar que o rol de critérios por eles elaborado não é prescritivo, isto é, pode ser modificado e ampliado a depender do contexto social em que se insere tal escrita.

No primeiro semestre de 2015, tive a oportunidade de cursar a disciplina Academic literacies in the university, ofertada pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A disciplina foi conduzida em inglês pelos docentes Brian Street, Sérgio Cirino e Maria Lúcia Castanheira, e contou com a presença de alunos de diferentes programas de pós-graduação. As discussões ali estabelecidas foram retomadas, em setembro do mesmo ano, no I International Colloquium on Academic Literacies: Writing and Reading in Educational Contexts, evento internacional que tratou de situações de escrita e leitura no ensino superior, protagonizadas por alunos e/ou professores. Entre as várias temáticas abordadas, pude relatar e discutir com os demais presentes, em uma das mesas do colóquio, as descobertas advindas da disciplina já mencionada.

Este artigo é fruto do aprendizado decorrido de toda essa experiência, e é deste local que falo. Após participar da disciplina e do colóquio, percebi, analisando os dados de minha pesquisa de mestrado,1 1 Este artigo é parte integrante de minha dissertação de mestrado, intitulada Um novo jeito de se fazer dissertação: letramentos acadêmicos e internacionalização. O trabalho foi orientado pela professora doutora Andréa Machado de Almeida Mattos e apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. A dissertação foi redigida no formato alternativo de escrita de teses e dissertações. que uma nova interpretação poderia ser feita a partir da teoria das dimensões “escondidas” (STREET, 2010STREET, B. Dimensões “escondidas” na escrita de artigos acadêmicos. Perspectiva, Florianópolis, v. 28, n. 2, p. 541-567, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JOvQio >. Acesso em: 18 dez. 2016.
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), a fim de discutir questões relativas aos processos de internacionalização. A partir desse novo prisma, proponho ser possível perceber a presença de tais dimensões não só na escrita de artigos acadêmicos: de forma análoga e ampliada, elas também se revelam nos processos de internacionalização a que são submetidas as instituições de ensino superior, já que letramentos acadêmicos, especialmente em língua inglesa, são essenciais a esse contexto.

Acredito que o conhecimento e discussão das dimensões “escondidas” dos processos de internacionalização podem colaborar para que esses sejam mais eficazes e integradores. Sendo assim, o objetivo deste artigo é relatar a pesquisa realizada sob essa nova ótica, iniciando um debate sobre a aplicação e adaptação das ideias de Street e seus alunos a outros campos do conhecimento, além de fornecer pistas para que os indivíduos envolvidos nos processos de internacionalização de suas instituições saibam como participar melhor deles e/ou conduzi-los.

Os dados aqui apresentados resultam de uma investigação realizada com professores universitários, servidores do quadro efetivo da UFMG de diferentes áreas, que participaram, em novembro de 2015, do Researcher Connect, um workshop voltado à capacitação de docentes e pesquisadores. Ministrado em inglês, o workshop teve a intenção de colaborar para o refinamento da comunicação científica dos acadêmicos em contextos internacionais e multiculturais.2 2 Para mais informações, acesse o link disponível em: <https://bit.ly/2sZWb2d>. Acesso em: 11 jun. 2018. Os participantes puderam, nos três dias em que ele ocorreu, refletir sobre questões de escrita acadêmica, de uso da língua inglesa, de publicação e, em especial, de internacionalização.

Embora o workshop tivesse um caráter engajador e colaborativo, as dimensões “escondidas” dos processos de internacionalização do ensino superior que neste artigo proponho não foram criadas nem discutidas durante sua realização. Foi por meio de respostas obtidas dos participantes, em entrevistas conduzidas posteriormente ao workshop, que cheguei à especificação de tais dimensões “escondidas”. No entanto, mesmo que o processo tenha ocorrido de forma distinta, se comparado à pesquisa de Street (2009STREET, B. “Hidden” features of academic paper writing. Working Papers in Educational Linguistics, Philadelphia, v. 24, n. 1, p. 1-17, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2sZViqz >. Acesso em: 18 dez. 2016.
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), os participantes tiveram um papel ativo e colaboraram para esse processo, pois ora apontaram dimensões em suas respostas, ora fizeram comentários que possibilitaram minhas reflexões e posterior categorização das dimensões “escondidas”.

A internacionalização é vista neste trabalho como um “fenômeno multifacetado e complexo” (JORGE, 2016JORGE, M. Internacionalização para além da mobilidade. In: SEMANA DO CONHECIMENTO - CULTIVAR VIDAS: CIÊNCIA E SOCIEDADE, 25., 2016, Belo Horizonte. Mesa-redonda. Belo Horizonte: UFMG, 2016b.a, p. 122), e por isso não se restringe, conforme aponta Stallivieri (2009STALLIVIERI, L. As dinâmicas de uma nova linguagem intercultural na mobilidade acadêmica internacional. 2009. 234 f. Tese (Doutorado em Línguas Modernas) - Universidad Del Salvador, Buenos Aires, 2009.), a uma concepção mais tradicional que a vincula a ações de mobilidade. Ampliando essa noção, refiro-me aos múltiplos processos componentes da internacionalização, entendendo que o próprio uso do termo “processo” já remete a um esforço que é contínuo (KNIGHT, 2004KNIGHT, J. Internationalization remodeled: definition, approaches, and rationales. Journal of Studies in International Education, Thousand Oaks, v. 8, n. 1, p. 5-31, 2004.) e, assim sendo, multímodo por definição. O fato de possuir atores, atividades, objetivos e contextos vários continuadamente cria e ao mesmo tempo determina sua multiplicidade.

Nessa pesquisa, tais processos ocorrem a partir da internacionalização em casa (BEELEN; JONES, 2015BEELEN, J.; JONES. Defining ‘internationalisation at home’. University World News, London, n. 393, p. 59-72, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/1Qnz4Vi >. Acesso em: 10 out. 2016.
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) e de práticas de letramento acadêmico (LEA; STREET, 1998LEA, M; STREET, B. Student writing in Higher Education: an academic literacies approach. Studies in Higher Education, Abingdon, v. 23, n. 2, p. 157-170, 1998. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4LQyF >. Acesso em: 6 jun. 2016.
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; LILLIS; CURRY, 2010LILLIS, T.; MAGYAR, A.; ROBINSON-PANT, A. An international journal’s attempts to address inequalities in academic publishing: developing a writing for publication programme. Compare, Abingdon, v. 40, n. 6, p. 781-800, 2010. Doi: https://doi.org/10.1080/03057925.2010.523250
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; LILLIS; MAGYAR; ROBINSON-PANT, 2010LILLIS, T.; CURRY, M. Academic writing in a global context: the politics and practices of publishing in English. Abingdon: Routledge. 2010.). Sendo assim, discorro acerca de processos de internacionalização ocorridos no contexto da instituição, não somente por meio do currículo formal, que consideram válida - mas não obrigatória - a presença de parceiros internacionais e que possuem o intuito de desenvolver competências interculturais naquela comunidade acadêmica (BEELEN; JONES, 2015). Nesse caso, tais competências interculturais estão diretamente relacionadas a práticas de letramento acadêmico, entre as quais cito a publicação e a escrita em língua inglesa. Apesar de o contexto da pesquisa ter sido a promoção de um workshop para professores universitários, continua havendo benefício a alunos da instituição, posto que esses professores adquiriram conhecimento que os tornará mais bem capacitados a ensinar e orientar seus alunos. Além disso, os professores podem, em sua prática acadêmica, compartilhar com colegas e alunos o conteúdo aprendido no workshop. Ademais, ressalto, em consonância com as teorias dos letramentos acadêmicos (LEA; STREET, 1998), que o estudo da percepção de docentes e alunos sobre as práticas de letramento acadêmico de ambos colabora para o avanço das discussões sobre a área, levando a efetivas transformações sociais.

Tendo em mente o caráter situado e social das práticas de letramento, considero-as “recursos potenciais que podem ser valorizados e amparados diferencialmente a depender da situação, do lugar, do público e dos objetivos”3 3 Tradução minha, bem como em todas as demais citações a partir de textos em outras línguas encontradas no restante deste trabalho. No original: “are therefore potential resources which might be differentially valued and supported depending on situation, place, audience, and goals” (WARRINER, 2013, p. 529). (WARRINER, 2013WARRINER, D. Literacy. In: SIMPSON, J. The Routledge Handbook of Applied Linguistics. New York: Routledge, 2013. p. 529-540., p. 529). No contexto específico desta pesquisa, os docentes assumem ora o papel de revisores, ora o papel de escritores de textos; são atores de processos de internacionalização, ao mesmo tempo que são afetados por eles; atuam como orientadores, mas também são aprendizes. Cada prática de letramento acadêmico - e o mesmo vale para os processos de internacionalização - a que são expostos será circunstanciada por sua realidade própria. E, nesse contexto, não é sempre que esses professores universitários estarão preparados para lidar com as práticas de letramento acadêmico necessárias aos processos de internacionalização. Neste artigo, sublinho como a interseção entre tais práticas e processos pode ser mais bem examinada através de um olhar específico.

Dessa forma, as próximas seções articulam a conexão entre a pesquisa realizada e as dimensões “escondidas” da internacionalização. Para tanto, trago uma breve conceptualização teórica a respeito de letramentos acadêmicos, dimensões “escondidas” e internacionalização. Em seguida, apresento a metodologia utilizada para gerar dados e explicito informações relativas aos participantes do estudo. Passo, então, à descrição e interpretação dos resultados da investigação, que serão divididos em quatro grandes categorias: escrita da internacionalização, uso do inglês, publicação, e demandas institucionais versus tempo. Todas as categorias possuem subcategorias, compostas de exemplos que as ilustram. Finalmente, traço considerações finais e ofereço sugestões para próximas pesquisas.

2 Os letramentos acadêmicos e as dimensões “escondidas”

De acordo com Lillis e Scott (2007LILLIS, T.; SCOTT, M. Defining academic literacies research: issues of epistemology, ideology and strategy. Journal of Applied Linguistics, Sheffield, v. 4, n. 1, p. 5-32, 2007. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JJuzJo >. Acesso em: 2 nov. 2016.
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), as pesquisas na área do letramento acadêmico têm ganhado visibilidade, especialmente no período que compreende os últimos 20 anos. Apesar de a asserção das pesquisadoras britânicas ter um caráter generalizado, ela é pertinente, de forma particular, ao contexto brasileiro, haja vista o surgimento de estudos na área, no país, entre os quais cito Franco, Silva e Castanheira (2015FRANCO, R.; SILVA, E.; CASTANHEIRA, M. Práticas de letramento em um contexto de formação continuada. Espaço Pedagógico, Passo Fundo, v. 22, n. 1, p. 115-135, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2LGwSKB >. Acesso em: 4 fev. 2017.
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), Fiad (2015FIAD, R. Algumas considerações sobre os letramentos acadêmicos no contexto brasileiro. Pensares em Revista, São Gonçalo, n. 6, p. 23-34, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2y009xy >. Acesso em: 10 out. 2015.
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), Fischer (2015FISCHER, A. “Hidden features” and “overt instruction” in academic literacy practices: a case study in Engineering. In: LILLIS, T. et al. (Ed.). Working with academic literacies: case studies towards transformative practice. Fort Collins: The WAC Clearinghouse, 2015. p. 75-85. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2HEAOJr >. Acesso em: 7 dez. 2016.
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), Ferreira (2013FERREIRA, M. Letramentos acadêmicos em contexto de expansão do ensino superior no Brasil. 2013. 208 f. Tese (Doutorado em Educação e Linguagem) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.) e Marinho (2010MARINHO, M. A escrita nas práticas de letramento acadêmico. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 363-386, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2sND8Ji >. Acesso em: 20 out. 2016.
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), a título de exemplo.

Lillis e Scott (2007LILLIS, T.; SCOTT, M. Defining academic literacies research: issues of epistemology, ideology and strategy. Journal of Applied Linguistics, Sheffield, v. 4, n. 1, p. 5-32, 2007. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JJuzJo >. Acesso em: 2 nov. 2016.
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) explicam que esse campo de pesquisa permite a interlocução entre diversos campos do conhecimento, e se preocupa com questões várias, como as relacionadas à comunicação acadêmica e, mais especificamente, as relacionadas à escrita. As pesquisadoras também esclarecem algo que, segundo elas, é uma discussão recorrente: o uso dos termos “letramento acadêmico” e “letramentos acadêmicos”. Em seu artigo “Defining academic literacies research: issues of epistemology, ideology and strategy” (2007), elas problematizam a significação imbuída na escolha por usar a forma singular ou plural do termo.

Segundo elas, na maioria das vezes, ambas as formas fazem menção a cursos do ensino superior que buscam auxiliar os alunos a escrever da forma requerida por situações acadêmicas por eles enfrentadas. No entanto, seu uso carrega conceitualizações epistemológicas e ideológicas diferentes, cuja análise deve ocorrer dentro da conjuntura de cada pesquisa, e não somente depender do fato exclusivo de utilizarem ou não o plural. Elas exemplificam essa questão citando dois livros que usam o termo no singular e no plural, cada um, mas que percebem, ambos, os letramentos acadêmicos como práticas de escrita e leitura sociais e transformadoras.

Lillis e Scott ainda apresentam e contrastam a visão de Kress (1997KRESS, G. Before writing: rethinking the paths to literacy. London: Routledge, 1997.), que é contrário à pluralização do termo, à visão de Street (2003STREET, B. The implications of the new literacy studies for education. In: GOODMAN, S. et al. (Ed.). Language, literacy and education: a reader. Stoke-on-Trent: Trentham Books, 2003. p. 45-59.), que vê a pluralização como uma estratégia para veicular uma certa posição contra discursos de poder. O próprio Street (2014, p. 18), da mesma forma, explica que seu livro recebe o nome de Letramentos sociais, pois se “contrapõe à ênfase dominante num ‘Letramento’ único e ‘neutro’, com L maiúsculo e no singular”. Neste trabalho, compartilhamos da visão de Street e dos que defendem que são múltiplos os letramentos.

Foi a partir da percepção de que existem vários letramentos, explica Fiad (2015FIAD, R. Algumas considerações sobre os letramentos acadêmicos no contexto brasileiro. Pensares em Revista, São Gonçalo, n. 6, p. 23-34, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2y009xy >. Acesso em: 10 out. 2015.
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), e de que são sociais, por natureza - e não habilidades técnicas aprendidas homogeneamente4 4 Ver Street (1984, 2014) para a distinção entre “modelo autônomo” e “modelo ideológico” do letramento. - é que passou a observar-se letramentos pertencentes à esfera acadêmica. Segundo a autora, foi dessa forma que, a partir de estudos como os de Lea e Street (1998LEA, M; STREET, B. Student writing in Higher Education: an academic literacies approach. Studies in Higher Education, Abingdon, v. 23, n. 2, p. 157-170, 1998. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4LQyF >. Acesso em: 6 jun. 2016.
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), de outros pesquisadores do Reino Unido e dos Novos Estudos do Letramento, surgiu a vertente dos letramentos acadêmicos.

Os letramentos acadêmicos, conforme afirma Fiad (2015FIAD, R. Algumas considerações sobre os letramentos acadêmicos no contexto brasileiro. Pensares em Revista, São Gonçalo, n. 6, p. 23-34, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2y009xy >. Acesso em: 10 out. 2015.
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), enxergam a língua através de uma perspectiva social, por isso sempre ideológica e, assim, não corroboram visões de que “os alunos não sabem escrever”. Ao contrário, postulam que as práticas acadêmicas devem ser desveladas e explicadas, uma vez que “a escrita não é um conjunto de habilidades linguísticas que, uma vez aprendidas, podem ser transferidas para quaisquer situações” (SILVA; REINALDO, 2016SILVA, E.; REINALDO, M. Escrita disciplinar: contribuições para o ensino de língua portuguesa na graduação. Ilha do Desterro, Florianópolis, v. 69, n. 3, p. 141-155, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l0XKcN >. Acesso em: 2 fev. 2017.
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, p. 142), e não se chega à academia sabendo escrever academicamente. Ademais, os letramentos acadêmicos pressupõem um estudo que seja efetivamente transformativo, e não normativo (LILLIS; SCOTT, 2007LILLIS, T.; SCOTT, M. Defining academic literacies research: issues of epistemology, ideology and strategy. Journal of Applied Linguistics, Sheffield, v. 4, n. 1, p. 5-32, 2007. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JJuzJo >. Acesso em: 2 nov. 2016.
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). É também dentro da área dos letramentos acadêmicos que se insere a teoria das dimensões “escondidas” de Street (2010STREET, B. Dimensões “escondidas” na escrita de artigos acadêmicos. Perspectiva, Florianópolis, v. 28, n. 2, p. 541-567, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JOvQio >. Acesso em: 18 dez. 2016.
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).

A teoria das dimensões “escondidas”, segundo Street (2010STREET, B. Dimensões “escondidas” na escrita de artigos acadêmicos. Perspectiva, Florianópolis, v. 28, n. 2, p. 541-567, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JOvQio >. Acesso em: 18 dez. 2016.
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, p. 541), consistiu no “desenvolvimento de um conjunto de conceitos funcionais que permitam a professores e alunos abordar questões relativas à escrita de artigos acadêmicos”. O pesquisador e seus alunos elaboraram essa listagem adaptável, porque continuamente aperfeiçoada, a fim de promover uma melhor compreensão das práticas de revisão e avaliação de textos acadêmicos. Além disso, foi foco do pesquisador esclarecer que muitas vezes ficam “escondidos” os critérios usados por aqueles que avaliam escrita acadêmica (orientadores, pareceristas, editores etc.), nas mais diversas ocasiões. Desse fato decorre a afirmação de que há dimensões “escondidas” em tais processos. Um exemplo clássico, conforme Street comentou na disciplina que lecionou na UFMG em 2015, é a marcação feita pelo avaliador em excertos do texto, que diz “não está claro”. Esse tipo de feedback não é exatamente informativo, pois o que precisa ser alterado pode não ficar claro para quem escreveu o texto. Seria igualmente importante mencionar o que pode ser feito para que o excerto seja mais bem redigido.

As dimensões descritas por Street e seus alunos foram: enquadramento, contribuição/“para quê?”, voz do autor, ponto de vista, marcas linguísticas e estrutura (STREET, 2010STREET, B. Dimensões “escondidas” na escrita de artigos acadêmicos. Perspectiva, Florianópolis, v. 28, n. 2, p. 541-567, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JOvQio >. Acesso em: 18 dez. 2016.
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). A dimensão enquadramento diz respeito ao gênero do texto acadêmico sendo escrito, mas também ao público que irá lê-lo. O autor explica, por exemplo, que há diversas formas de se escrever a introdução de artigos: utilizando uma vinheta, depoimentos pessoais ou declarações universais. Esse tipo de conhecimento não é sempre abordado em livros e pode impactar diretamente a decisão do leitor de continuar ou não a leitura do artigo, de confiar ou não no que está sendo dito pelo autor. A dimensão contribuição/“para quê?” mostra ser importante pensar acerca da contribuição daquele texto escrito para o conhecimento em geral, para a área e para pesquisas futuras, algo que, da mesma forma, não é habitualmente discutido. A dimensão voz do autor fala sobre a relevância de o autor do texto mostrar quem é, qual sua identidade, e tem relação com a dimensão ponto de vista, que debate o fato de o autor nunca falar de um lugar que é neutro, mas sim sempre apresentar sua credibilidade e posição ao leitor. A dimensão marcas linguísticas pode trazer reflexões acerca do uso de repetição - o que é necessário, muitas vezes, para que haja clareza na informação que se quer veicular (perceba, por exemplo, quantas vezes a palavra dimensão foi usada nesse parágrafo, e como isso facilitou acompanhar a listagem das dimensões). Por fim, a dimensão estrutura refere-se a seções do artigo acadêmico, como o referencial teórico, a metodologia, entre outras. O autor pontua que essas seções deverão ser pensadas a partir de cada contexto específico de cada disciplina, não sendo utilizadas sempre da mesma maneira. Além disso, pondera que uma conclusão, parte dessa estrutura por vezes considerada padrão, nem sempre é possível. Muitas vezes, indicações para pesquisas futuras são mais importantes.

Como vimos, Street (2010STREET, B. Dimensões “escondidas” na escrita de artigos acadêmicos. Perspectiva, Florianópolis, v. 28, n. 2, p. 541-567, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JOvQio >. Acesso em: 18 dez. 2016.
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) e seus alunos descreveram seis dimensões. No entanto, vale frisar, a lista das dimensões “escondidas” na escrita de artigos acadêmicos não é estática. Segundo o autor, é sempre possível descobrir novas dimensões que frequentemente não são explicitadas na escrita acadêmica. Além disso, há uma abertura para interpretá-las localmente, de acordo com cada contexto específico. Na referida disciplina, por exemplo, verificamos serem dimensões “escondidas” as relacionadas a diferenças culturais, ao uso de vozes científicas versus vozes pessoais, citação de pessoas que publicaram no periódico no qual se deseja publicar, entre outras. As pesquisas de Silva (2015SILVA, E. A escrita de estudantes na universidade: uma análise das dimensões dos indivíduos. Educação, Santa Maria, v. 40, n. 2, p. 311-318, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JKwlcV >. Acesso em: 1º fev. 2017.
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), Nogueira e Guedes (2016NOGUEIRA, N.; GUEDES, A. O ensino de escrita de abstracts para servidores do IFMG: desvendando diferenças. In: OLIVEIRA, S.; SOL, V. (Org.). Multiletramentos no ensino de inglês: experiências da escola regular contemporânea. Ouro Preto: Editora do Instituto Federal Minas Gerais, 2016. p. 89-126.) e Fischer (2011FISCHER, A. Práticas de letramento acadêmico em um curso de Engenharia Têxtil: o caso dos relatórios e suas dimensões escondidas. Scripta, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 37-58, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JEW6Zf >. Acesso em: 3 fev. 2017.
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, 2012FISCHER, A. “Dimensões escondidas” e “instrução explícita” em práticas de letramento acadêmico: o caso do relatório de projeto em um curso de Engenharia de Portugal. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 15, n. 2, p. 487-504, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JEyfvZ >. Acesso em: 4 fev. 2017.
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) trazem desenvolvimentos realizados a partir da teoria das dimensões “escondidas” no contexto brasileiro. Silva (2015) revela que suportes amigáveis - forças sociais culturais, afetivas, religiosas ou materiais - auxiliam estudantes de graduação em sua escrita, enquanto Nogueira e Guedes (2016) verificam que o conhecimento das dimensões “escondidas” pode também ser importante para verificar produções escritas de docentes e técnicos-administrativos de um instituto federal. Fischer (2011, 2012), por sua vez, traz contribuições pertinentes à escrita da área da Engenharia.

Nesta seção, tratei do início dos estudos acerca dos letramentos acadêmicos, do uso singular e plural do termo, e da teoria das dimensões “escondidas”, desenvolvida por Street (2010STREET, B. Dimensões “escondidas” na escrita de artigos acadêmicos. Perspectiva, Florianópolis, v. 28, n. 2, p. 541-567, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JOvQio >. Acesso em: 18 dez. 2016.
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) e seus alunos. A próxima seção discute a questão da internacionalização e busca demonstrar a conexão entre a área e os letramentos acadêmicos.

3 E o que a internacionalização tem a ver com isso?

De acordo com Stallivieri (2009STALLIVIERI, L. As dinâmicas de uma nova linguagem intercultural na mobilidade acadêmica internacional. 2009. 234 f. Tese (Doutorado em Línguas Modernas) - Universidad Del Salvador, Buenos Aires, 2009., p. 20), a internacionalização consiste no “relacionamento de cooperação e de trocas acadêmicas; com o claro entendimento da necessidade de compartilhar os avanços científicos e tecnológicos com as demais sociedades mundiais e que sejam protagonistas de uma nova educação internacional”. Ela considera que esse processo é importante para que as nações se desenvolvam e deve ser sempre colaborativo e recíproco, para que se faça efetivo. Olson, Evans e Shoenberg (2007OLSON, C.; EVANS, R.; SHOENBERG, R. At home in the world: bridging the gap between internationalization and multicultural education. Washington, DC: American Council on Education, 2007.) apresentam outro aspecto dos diversos processos de internacionalização pelos quais passam instituições de ensino superior: em seu entendimento, tais processos não devem ser algo com o qual as instituições estão momentaneamente preocupadas, mas sim sistemática e intencionalmente interessadas em promover.

Knight (2004KNIGHT, J. Internationalization remodeled: definition, approaches, and rationales. Journal of Studies in International Education, Thousand Oaks, v. 8, n. 1, p. 5-31, 2004.) também discorre acerca da temática, e discute a ampla possibilidade de interpretações do conceito, demonstrando a multiplicidade de atores envolvidos nos processos de internacionalização, sejam eles empresas nacionais, privadas, organizações não governamentais ou instituições de ensino superior. No entanto, pondera que “é geralmente no nível individual, institucional, que o verdadeiro processo de internacionalização está ocorrendo”5 5 No original: “it is usually at the individual, institutional level that the real process of internationalization is taking place” (KNIGHT, 2004, p. 6). (KNIGHT, 2004KNIGHT, J. Internationalization remodeled: definition, approaches, and rationales. Journal of Studies in International Education, Thousand Oaks, v. 8, n. 1, p. 5-31, 2004., p. 6). A autora também ressalta a importância de se distinguir os termos “globalização” e “internacionalização”, que não se reportam aos mesmos processos (KNIGHT, 2004, 2005). Essa diferença é assim esclarecida: “a globalização posiciona-se como parte do ambiente em que a dimensão internacional do ensino superior está se tornando cada vez mais importante e significativamente se modificando”6 6 No original: “globalization is positioned as part of the environment in which the international dimension of higher education is becoming more important and significantly changing” (KNIGHT, 2004, p. 8). (KNIGHT, 2004, p. 8). Conforme Gazzola (2006GAZZOLA, A. Conhecimento e globalização. In: GAZZOLA, A.; ALMEIDA, S. (Org.). Universidade: cooperação internacional e diversidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 49-54.), apesar de conhecida por muitos, a complexidade do fenômeno da globalização não pode ser minimizada e, se pensada sua relação com o cenário acadêmico, pode-se melhor compreender a relação entre esse fenômeno, a produção e difusão do conhecimento e o papel da universidade na sociedade.

Gacel-Ávila (2007GACEL-ÁVILA, J. The process of internationalization of Latin American Higher Education. Journal of Studies in International Education, Thousand Oaks, v. 11, n. 3-4, p. 400-409, 2007. Doi: https://doi.org/10.1177/1028315307303921
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, p. 404) versa sobre mobilidade acadêmica, uma das formas em que a internacionalização se manifesta, e explica que tal ação, praticada tanto por alunos quanto por professores, “é ainda o principal e, em alguns casos, o único mecanismo de internacionalização do currículo”7 7 No original: “is still the main, and in some cases the only, mechanism for the internationalization of the curriculum” (GACEL-ÁVILA, 2007, p. 404). . Sua crítica se refere ao fato de não serem, igualmente, incluídos elementos internacionais ou interculturais no currículo das instituições. Isso se relaciona com discussões mobilizadas por Beelen e Jones (2015BEELEN, J.; JONES. Defining ‘internationalisation at home’. University World News, London, n. 393, p. 59-72, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/1Qnz4Vi >. Acesso em: 10 out. 2016.
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). Os autores reiteram o fato de a mobilidade não poder ser vivenciada por todos que pertencem a uma universidade - por isso, a necessidade da ‘internacionalização em casa” - e apontam a importância de práticas interculturais significativas, formais e informais, que ocorram dentro da instituição e em seu entorno - a “internacionalização curricular” - para uma internacionalização mais bem-sucedida.

Não sendo possível depender unicamente da mobilidade para que haja internacionalização, cabe ressaltar outras - tantas - formas possíveis de realizar esse processo:

Criação e fortalecimento de blocos regionais, diplomas compartilhados, acolhimento mútuo de alunos, na graduação e na pós-graduação, colaboração científica, tecnológica ou cultural, nas áreas as mais diversas, acordos a propósito de patentes, equipes conjuntas de pesquisas, há aqui uma imensa seara a ser trabalhada (GAZZOLA, 2006GAZZOLA, A. Conhecimento e globalização. In: GAZZOLA, A.; ALMEIDA, S. (Org.). Universidade: cooperação internacional e diversidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 49-54., p. 53).

Knight (2004KNIGHT, J. Internationalization remodeled: definition, approaches, and rationales. Journal of Studies in International Education, Thousand Oaks, v. 8, n. 1, p. 5-31, 2004.) enfoca outros elementos pertencentes a processos de internacionalização, como a inclusão da dimensão intercultural no ensino/aprendizado e o estabelecimento de parcerias internacionais relacionadas a pesquisas, projetos e programas, os quais são afetados tanto por fatores internos quanto externos ao setor educacional. Da mesma maneira, Stallivieri (2009STALLIVIERI, L. As dinâmicas de uma nova linguagem intercultural na mobilidade acadêmica internacional. 2009. 234 f. Tese (Doutorado em Línguas Modernas) - Universidad Del Salvador, Buenos Aires, 2009.) traz uma extensa lista no que diz respeito às diferentes formas de se internacionalizar e menciona objetivos institucionais que podem ser alcançados a partir de tais iniciativas. Alguns desses objetivos estão descritos no Quadro 1:

QUADRO 1
Internacionalização das instituições de ensino superior

Entre as possibilidades de se promover a internacionalização, há aquelas que mais explicitamente dizem respeito a práticas de letramento acadêmico como, por exemplo, a publicação (MOTTA-ROTH, 2002MOTTA-ROTH, D. Comunidade acadêmica internacional? Multicultural? Onde? Como? Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 5, n. 2, p. 49-65, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2Jt5KCa >. Acesso em: 25 nov. 2016.
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). Todavia, se considerarmos que todas as atividades acadêmicas serão realizadas a partir de práticas de letramento acadêmico - práticas de escrita, predominantemente, segundo Hyland (2013HYLAND, K. Writing in the university: education, knowledge and reputation. Language Teaching, Cambridge, v. 46, n. 1, p. 1-18, 2013. Doi: https://doi.org/10.1017/S0261444811000036
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) -, podemos afirmar que os processos de internacionalização são necessariamente vinculados a práticas de letramento acadêmico. Afinal, para que todas as formas de internacionalização sejam possíveis, há de haver comunicação. E, na maioria dos casos, essa comunicação se dará em língua inglesa, posto que é essa a língua comum do conhecimento e da ciência (BAZERMAN, 2012BAZERMAN, C. On learning to write and writing to learn - an interview with Charles Bazerman. Mediální Studia/Media Studies, Prague, v. 2, p. 167-175, 2012. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2HystGU >. Acesso em: 12 dez. 2016.
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).

Stallivieri (2009STALLIVIERI, L. As dinâmicas de uma nova linguagem intercultural na mobilidade acadêmica internacional. 2009. 234 f. Tese (Doutorado em Línguas Modernas) - Universidad Del Salvador, Buenos Aires, 2009., p. 18) assinala que não é mais uma opção internacionalizar, pois a internacionalização já é considerada uma

forma de sobrevivência para toda e qualquer instituição que tenha clareza da relevância de seus objetivos institucionais; que trate da educação e da formação de cidadãos, e que queira competir em níveis de igualdade com as melhores instituições do mundo no novo cenário globalizado.

Um levantamento estatístico divulgado pela Diretoria de Relações Internacionais (UFMG, 2015UFMG - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Diretoria de Relações Internacionais. UFMG em números. Belo Horizonte: UFMG, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l1XwCb >. Acesso em: 14 out. 2016.
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) demonstra quantas pessoas são abarcadas pela grande e diversa comunidade acadêmica que é a UFMG. Segundo o documento, os quatro campi e vinte unidades acadêmicas da instituição abrigavam, no ano em que tais dados foram computados, cerca de 3.000 professores ativos, quase 50.000 alunos - 33.242 estudantes de graduação e 16.368 estudantes de pós-graduação -, além de variados cursos, áreas e linhas de pesquisa. Em outubro de 2016, a universidade possuía 425 acordos de cooperação, de acordo com Jorge (2016JORGE, M. Línguas estrangeiras em evidência: formação de professores, justiça social e letramentos. In: FERREIRA, M.; REICHMANN, C.; ROMERO, T. Construções identitárias de professores de línguas. Campinas: Pontes Editores, 2016a. p. 121-136.b). A pesquisadora, que ocupou, de 2014 a 2017, o cargo de diretora adjunta da DRI, afirma que se realizou um esforço para aumentar esse número e fazer com que os acordos vigentes estivessem efetivamente em funcionamento - o que é um desafio enfrentado por muitas instituições de ensino superior (GACEL-ÁVILA, 2007GACEL-ÁVILA, J. The process of internationalization of Latin American Higher Education. Journal of Studies in International Education, Thousand Oaks, v. 11, n. 3-4, p. 400-409, 2007. Doi: https://doi.org/10.1177/1028315307303921
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; KNIGHT, 2004KNIGHT, J. Internationalization remodeled: definition, approaches, and rationales. Journal of Studies in International Education, Thousand Oaks, v. 8, n. 1, p. 5-31, 2004.). No cenário da UFMG, a internacionalização é uma realidade que afeta a todos os que ali estão envolvidos, seja por meio dos convênios vigentes ou das diversas outras ações de internacionalização promovidas.

Este artigo refere-se a uma pesquisa realizada a respeito de processos de internacionalização que ocorrem a partir de práticas de letramento acadêmico, como, por exemplo, a escrita em língua inglesa e a publicação de artigos científicos. Durante a realização deste trabalho, dimensões que geralmente encontram-se “escondidas” foram encontradas e descritas, a partir do relato dos participantes. Na próxima seção, apresento as questões metodológicas envolvidas nesta pesquisa.

4 Questões metodológicas

Este estudo teve como contexto a promoção do workshop Researcher Connect, nos dias 24, 25 e 26 de novembro de 2015. O workshop foi ofertado por uma parceria entre o British Council, a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais, a Faculdade de Letras da UFMG e a Diretoria de Relações Internacionais da mesma instituição. Os dados foram coletados em entrevistas semiestruturadas, realizadas com alguns participantes após o workshop, identificados, à minha exceção, com pseudônimos, como pode-se verificar no Quadro 2.8 8 O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP), em 19/05/2105, sob o número 42099315.5.0000.5149.

Como nem todos os professores convidados puderam comparecer ao workshop, docentes e alunos de pós-graduação da UFMG e de outras instituições ocuparam as demais vagas. No entanto, para fins de análise desta pesquisa, considerei somente os dados fornecidos pelos docentes, conforme mostra o Quadro 2. As informações fornecidas na entrevista da docente Célia não foram utilizadas, pois ela havia sido recentemente contratada e ainda não havia começado a lecionar na UFMG. Assim, seis entrevistas foram utilizadas neste estudo.

QUADRO 2
Participantes da pesquisa e dados das entrevistas

A metodologia utilizada foi o estudo de caso que, de acordo com Leffa (2006LEFFA, V. J. (Org.) Pesquisa em linguística aplicada: temas e métodos. Pelotas: Educat, 2006., p. 14), é definido como “a investigação profunda e exaustiva de um participante ou pequeno grupo” que não tem o objetivo de resultar em uma “verdade universal e generalizável” (LEFFA, 2006LEFFA, V. J. (Org.) Pesquisa em linguística aplicada: temas e métodos. Pelotas: Educat, 2006., p. 15). Nesse caso, busquei compreender as práticas de letramento acadêmico em inglês na UFMG e sua conexão com processos de internacionalização da instituição. As informações acerca das dimensões “escondidas” surgiram no decorrer da pesquisa.

5 Identificando as dimensões “escondidas”: análise e discussão dos resultados

A condução das entrevistas com os participantes permitiu observar a ocorrência de várias questões que considero dimensões “escondidas” de processos de internacionalização do ensino superior. Essas dimensões fazem parte de tais processos, mas nem sempre de uma maneira explícita. São conceitos que estão no campo das coisas sobre as quais geralmente não nos perguntamos, mas que diretamente influenciam na configuração da internacionalização. Por isso, espera-se que o melhor entendimento de tais dimensões, acompanhado de uma reflexão sobre elas, colabore para uma internacionalização mais eficaz e significativa para cada contexto social em que acontece. De forma específica, espera-se, ainda, que os indivíduos estejam mais bem informados dessas dimensões e possam melhor contribuir para os processos de internacionalização de suas instituições.

Após a realização das entrevistas, analisei as informações fornecidas e cheguei à seguinte categorização das dimensões “escondidas”:

QUADRO 3
Dimensões “escondidas” da internacionalização do ensino superior

As seções a seguir tratarão de cada dimensão e suas subcategorias com mais especificidade.

5.1 A escrita da internacionalização: gênero mais difícil

A comunicação acontece a partir da utilização de diversos gêneros discursivos. E, devido aos processos de internacionalização a que são submetidas as instituições, muitas vezes tais gêneros são nelas produzidos em língua inglesa. No entanto, nem sempre o uso desses gêneros necessários ao funcionamento institucional - quer seja em português, quer seja em inglês - é algo simples ou previsível. As respostas dos participantes à pergunta “Que gênero estudado você achou mais relevante/difícil aprender para sua atuação acadêmica/profissional?”, levaram-me a observar nova dimensão “escondida”. Isso ocorreu posto que, de uma forma geral, não se considera que a escrita de e-mails, títulos e editais pudesse ser difícil para professores universitários ou que, muito menos, fosse importante e necessário trabalhar suas características de forma detalhada, como fora feito no workshop. Os participantes Diana, Jaime e Paula responderam a essa pergunta fazendo alusão à escrita de e-mails:

Já que eu tenho que escolher um, talvez eu escolhesse o e-mail pelo seguinte, porque como eu escrevo menos artigos e aposto mais no relacionamento, ter uma noção mais clara de como fazer um e-mail para ser eficaz, eu acho que aquilo foi muito bom pra mim. Como fazer um e-mail, como escrever um e-mail, como fazer contato com um pesquisador, com um colega de outro país, de uma forma mais eficaz, eu acho que o e-mail foi muito interessante. É difícil de escrever, mas eu acho que foi o mais legal, talvez porque e-mail pra mim talvez seja a coisa mais importante. (Diana)

Acho o e-mail mais difícil […] não é uma linguagem técnica, mas é uma linguagem que requer uma certa formalidade e precisão, também. (Jaime)

Pra mim foi os e-mails. A parte dos e-mails é o que eu mais tenho dificuldade. Como abordar, com que nível de intimidade, ou de polidez, de distanciamento, de formalidade a gente tem que usar. Pronome, por exemplo, como que você dirige? Despedir, cumprimentar, agradecer, isso tudo tenho dificuldade. (Paula)

Outro gênero mencionado por Jaime e Rita foi o título:

Agora, o título ele é realmente aquela coisa, ele tem que ser atrativo. Curto e atrativo. E essa é a grande imagem que fica difícil de fazer. (Jaime)

É muito importante, mas a gente não dá atenção nenhuma pra eles […] eu tava vendo ontem a programação desse congresso que eu vou. Gente, é tanto título interessante! […] tinha cada título com ponto de interrogação e eu falava “nossa, que legal”, e eu acho que a gente usa isso muito pouco aqui. (Rita)

Similarmente, Micaela se referiu à escrita de projetos e Samuel chamou atenção para a escrita de projetos/propostas para se candidatar a editais:

Eu considero todos igualmente difíceis. Eu penso que escrever projetos, sabe. Escrever um bom projeto. (Micaela)

A leitura e a escrita dos editais é uma outra coisa louca, porque por um certo tempo, depois que eu aprendi as coisas intuitivamente da escrita acadêmica eu comecei a ver que eu não ganhava nenhum edital. E por que eu não ganhava nenhum edital? Porque eu não sabia ler nem escrever, respondendo ao edital. Hoje, eu diria que nem entro muito em edital porque sei que as chances de eu ganhar são enormes […] eu aprendi a responder editais. (Samuel)

Samuel relata que não houve um momento em que recebeu um ensino formal do que ele chama escrita de editais, mas que trata do assunto com seus alunos, em sala de aula, por saber da importância da prática. Para conseguir ser aprovado em um edital, ele faz algumas leituras cuidadosas do documento, e passa a assinalar palavras-chave do texto do edital. Em seguida, usa essas mesmas palavras em sua redação. O que, como ele conta, costuma funcionar. Ele lembra que também adquiriu certa maturidade profissional, fato que, segundo ele, também deve ser contabilizado na explicação do sucesso das aprovações. Samuel explica por que o uso das palavras-chave é importante:

Eu consigo convencer o parecerista de que o meu projeto faz sentido dentro daquele edital. Eu diria que essa é uma outra faceta da escrita acadêmica que eu ainda não tinha me dado conta até recentemente e eu tenho feito assim. Eu tenho tido aulas na disciplina que eu dou, em que eu dou uma aula sobre leitura e escrita de edital (Samuel)

E-mails, títulos, projetos e editais são gêneros corriqueiramente usados pelos participantes desta pesquisa, que deles necessitam para cumprir suas funções no ensino, pesquisa e extensão. Todavia, parecem ser gêneros cuja discussão ainda é razoavelmente “escondida”, no sentido de pouco abordada ou mesmo nem considerada na esfera científica.

5.2 A escrita da internacionalização: escrever é difícil para todos

Pesquisadores que estudam a área dos letramentos acadêmicos dizem ser comum ouvir, na academia, discursos que reforçam uma percepção de que “alunos não sabem escrever”, conforme assinalam Lea e Street (1998LEA, M; STREET, B. Student writing in Higher Education: an academic literacies approach. Studies in Higher Education, Abingdon, v. 23, n. 2, p. 157-170, 1998. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4LQyF >. Acesso em: 6 jun. 2016.
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). No entanto, pontuam, isso não é verificado. Portanto, considero aqui, também, como sendo uma dimensão “escondida” da categoria “a escrita da internacionalização” o fato de que a escrita pode ser difícil para todos, até mesmo para os docentes - o que pode ser percebido a partir dos relatos dos participantes quando lhes foi perguntado “Por que motivo você publica artigos em inglês? Se nunca publicou, por que motivos os publicaria?”

Sim, não artigos. Artigo. De vez em quando sai um (risos). Porque eu sou obrigada (risos). Não é porque eu acho uma delícia, não. A gente sofre. Por necessidade mesmo, de pontuação. Agora, eu não escrevo em inglês. Pago a tradução. Sofro menos, não sei, eu sofro mais no bolso. […] quando eu fui pro doutorado sanduíche eu escrevia em inglês, mas eu sofri demais. Eu ia praquele tipo inglês pra estrangeiro, que eles tinham um serviço de redação […], mas eu sofria demais, eu só entregava pro orientador quando a pessoa falava “não, agora você pode entregar”. (Paula)

Eu me vejo nesse tipo de situação ainda, com certa frequência […] como é complicado, construir um conhecimento novo, e poder sustentar que aquele conhecimento novo faça sentido, que ele tenha uma articulação com outros conhecimentos que já foram produzidos, que a pessoa tenha maturidade o suficiente para checar se aquele conhecimento que ela acha que ela tá inventando alguém já não inventou antes. Isso é muito difícil. (Samuel)

Esses excertos corroboram a premissa fundamental da teoria dos letramentos acadêmicos: todos precisam de suporte e estão aprendendo continuamente a escrever (LEA; STREET, 1998LEA, M; STREET, B. Student writing in Higher Education: an academic literacies approach. Studies in Higher Education, Abingdon, v. 23, n. 2, p. 157-170, 1998. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4LQyF >. Acesso em: 6 jun. 2016.
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). Nesse sentido, muitos participantes relataram ser o artigo científico o gênero considerado, por eles, como o mais difícil. Eles mencionaram como dificuldades da escrita de artigos científicos o fato de as exigências serem variáveis, subjetivas, como é o caso de algumas revisões que recebem de pareceristas. Em geral, demonstram também vivenciarem dificuldades em relação à escrita acadêmica, mesmo que ela faça parte cotidiana de sua rotina profissional.

5.3 Uso do inglês: intenção de aprender

Dentro da realidade brasileira, ainda não é seguro afirmar que as instituições de ensino superior e seus docentes estejam inteiramente aptos a fazer uso da língua estrangeira:

No caso de vários países, entre eles também o Brasil, muitas das instituições de Ensino Superior ainda não vislumbram, em seus quadros funcionais, número razoável de docentes que domine com excelência idiomas estrangeiros. Isso dificulta sobremaneira sua inserção no cenário da educação internacional, limitando, inclusive, o potencial de recepção de estudantes estrangeiros (STALLIVIERI, 2009STALLIVIERI, L. As dinâmicas de uma nova linguagem intercultural na mobilidade acadêmica internacional. 2009. 234 f. Tese (Doutorado em Línguas Modernas) - Universidad Del Salvador, Buenos Aires, 2009., p. 43).

Tal afirmação encontra eco nos relatos dos participantes, como vimos nos excertos apresentados nas duas subseções anteriores. No entanto, algo que nem sempre é revelado é o motivo pelo qual isso ocorre. Em alguns casos, de acordo com os participantes, a dificuldade pode ser decorrente do simples fato de não haver, por parte dos profissionais, intenção ou desejo de aprender a língua estrangeira - nesse caso, exemplificada pelo inglês. Nos excertos abaixo, Diana e Rita comentam sobre haver interesse, por parte de seus colegas, de aprender a língua inglesa:

Dificilmente alguém diria “sei escrever bem em inglês” e não precisaria de um curso. Agora, quantos se colocariam nessa posição? […] Se nós superarmos a questão do tempo, será que nós vamos ter uma grande demanda? Não sei, eu realmente não sei […] não sei quantas pessoas colocariam isso como prioridade. (Diana)

Não vou falar todo mundo, porque realmente a gente tem - eu tenho no meu departamento talvez dois, três, quatro professores no meio de 27, vamos dizer assim, que têm mais facilidade pra tá escrevendo no inglês sem tanto essa questão da revisão. Mas são pessoas que moraram mais tempo, também, fora, às vezes moraram seis anos fora, escreveram tese em inglês, então acho que são pessoas que têm mais facilidade. Mas, fora esses, acho que os outros todos deviam ter essa curiosidade. (Rita)

Diana e Rita demonstram uma percepção de que nem sempre essa vontade existe. Quando foram indagadas “Por que motivos professores se inscreveriam em cursos de escrita acadêmica em língua inglesa?” Micaela e Paula disseram:

Para poder publicar. Eles estão sendo pressionados pra isso. E continua não sendo fácil. […] então os professores que querem publicar na língua inglesa têm que fazer isso, têm que correr atrás. (Micaela)

Porque ele vai querer publicar mais artigos em revistas melhores. (Paula)

As afirmações das participantes parecem apontar para um cenário em que professores só teriam interesse em aprender a língua inglesa se isso for lhes beneficiar no que diz respeito à publicação, prática acadêmica que lhes é exigida. Além disso, indica um cenário que valoriza mais revistas internacionais ou nacionais que publicam em inglês em detrimento das restantes. Na categoria “publicação”, abordarei esse assunto mais detalhadamente.

5.4 Uso do inglês: práticas “escondidas”

Outro fator que constitui uma prática “escondida”, isto é, nem sempre explícita nos processos de internacionalização, é o fato de, segundo os professores participantes da pesquisa, haver resistência, em alguns departamentos de sua universidade, relacionada a serem ministradas disciplinas em língua inglesa, conforme explica Samuel, no excerto a seguir:

Essa semana saiu uma notícia interessante nesse assunto que é de um professor […] que é professor da Física […] ele está entre os três mil pesquisadores mais influentes do mundo. Ado Jorio, o nome dele. E eu acho interessante, você vê, que lá na Física, é uma moeda corrente. […] Na Física o pessoal transita bem. Na Engenharia Elétrica, tem muitos cursos em inglês lá. Há disciplina em inglês na pós-graduação em Engenharia Elétrica. Aqui, o povo pirou quando eu falei que ia dar uma disciplina em inglês. […] Aí eu voltei atrás um pouco, “não vou mexer com isso não”. Por enquanto. Aqui é f---, porque inclusive tem vários professores jovens […] eu tinha a fantasia que quando entrasse uma turma mais jovem isso ia mudar, mas não mudou nada. Mudar a cultura, né. (Samuel)

Os participantes sugeriram que a falta de conhecimento do idioma e de disciplinas em língua inglesa talvez se justifique por uma falta de políticas institucionais que sustentem e motivem essa prática. Além disso, indicaram que outro motivo pode ser a falta de interesse dos docentes em aprender a língua. Outra prática verificada que se relaciona com essa realidade é o fato de os professores terem dificuldade em publicar seus artigos em língua inglesa - o que, muitas vezes, também gera dúvidas quanto a seu grau de dificuldade/interesse9 9 Mais informações a esse respeito são apresentadas na dissertação, mais especificamente em seu artigo 4, que discute o fato de diversos participantes que disseram não ter publicado artigos em inglês terem justificado a não publicação por nunca terem submetido artigos em inglês a periódicos. . Em contraponto a essa dimensão, verifica-se como prática “escondida” o caso dos participantes que obtêm sucesso na publicação de artigos em inglês, mas que na verdade possuem uma proficiência mais baixa na língua, como eles relatam, e muitas vezes escrevem em língua portuguesa, encaminhando o texto para empresas ou profissionais da área de tradução. Foi repetidamente afirmado por participantes que eles próprios ou colegas contratam serviços especializados para tanto quando, na verdade, preferiam ter autonomia para escreverem sem esse auxílio, pois essa autonomia lhes faz falta em outras práticas de letramento acadêmico para as quais não se pode contar com o serviço de tradução - incluindo situações de viagens internacionais para congressos.

5.5 Uso do inglês: falta de confiança no uso da língua

Diana e Samuel fizeram comentários no que diz respeito à confiança dos pesquisadores - em especial, de pesquisadores de sua localidade, o estado de Minas Gerais - sobre valer-se da língua inglesa para se comunicarem cientificamente, tanto no que se refere à publicação de trabalhos escritos quanto ao uso oral da língua em eventos acadêmicos

Nós sabemos que nós somos muito mais fortes em conhecer o que tem fora do que nos dar a conhecer. (Diana)

Na minha área é difícil a gente organizar um seminário com professor estrangeiro e oferecer esse seminário em inglês e ter uma grande participação. As pessoas se intimidam muito quando não há tradução simultânea. (Diana)

Eu tô arriscando. Eu tô mandando pras revistas mais top da minha área, alguma delas vai aceitar. E cada vez que eu recebo um parecer eu dou uma melhoradinha no texto, da segunda vez já vai um pouquinho melhor e aí está sendo assim. (Samuel)

Mineiro é muito envergonhado, de um modo geral, e acha que faz tudo ruim. A gente tem uma autoestima acho que baixa, enfim, eu vejo que os meus colegas em São Paulo eles são mais arriscados, no Rio, o pessoal faz, mete as caras, arrisca. […] então, assim, eu vejo um problema nisso aqui. Nós somos muito rigorosos, não sei se é rigor, misturado com timidez, misturado com a coisa da gente da roça, aqui […] tem vantagem de ser da roça, mas tem muitas desvantagens, essa é uma desvantagem. […] eu vejo assim trabalhos excelentes, pesquisas maravilhosas sendo feitas aqui, e, sabe, estão escondidas. (Samuel)

A partir desses excertos, é possível classificar a falta de confiança no uso da língua como uma dimensão “escondida” nos processos de internacionalização fundados em práticas de letramento acadêmico, posto que nem sempre é considerado que essa falta de confiança impacte diretamente nesse contexto.

5.6 Publicação: e quanto aos pareceristas?

A teoria dos letramentos acadêmicos (LEA; STREET, 1998LEA, M; STREET, B. Student writing in Higher Education: an academic literacies approach. Studies in Higher Education, Abingdon, v. 23, n. 2, p. 157-170, 1998. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4LQyF >. Acesso em: 6 jun. 2016.
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), conforme mencionado, lembra-nos que nem alunos, nem professores, estarão completamente preparados para escrever. A escrita como prática social (STREET, 2014) sempre variará local e ideologicamente. E quanto aos pareceristas? Estarão eles preparados? A afirmação de Paula a seguir traz uma indicação a esse respeito, quando ela relata sua experiência nesse âmbito:

Os artigos chegam pra mim em português. Depois eles vão ser traduzidos, vai ser publicado em inglês, mas eu pego eles em português. (Paula)

Paula relata uma situação comum em sua área: segundo ela, a maioria dos periódicos nacionais já exige publicações em língua inglesa. No entanto, os docentes que são editores/pareceristas não estão preparados para fazer revisões na língua estrangeira. Sendo assim, Paula, que é parecerista de periódicos que publicam textos em inglês, lê os textos escritos em português pelos autores, e após sua revisão, esses textos são traduzidos por uma empresa especializada, para serem, assim, publicados em inglês. Dessa forma, todo o trâmite anterior à publicação continua ocorrendo em língua portuguesa. Sobre isso, Paula afirma que gostaria de poder usar o inglês nesse processo, além de destacar quão oneroso é o serviço de tradução. Lillis e Curry (2010LILLIS, T.; MAGYAR, A.; ROBINSON-PANT, A. An international journal’s attempts to address inequalities in academic publishing: developing a writing for publication programme. Compare, Abingdon, v. 40, n. 6, p. 781-800, 2010. Doi: https://doi.org/10.1080/03057925.2010.523250
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) ratificam o alto custo das traduções e apontam ainda para outra questão. Segundo as autoras, qualquer tradução nunca conseguirá transmitir com precisão o que foi dito pelo autor. Esse fato também deve ser levado em consideração: o texto publicado não será o mesmo texto lido e analisado pelo parecerista, como ocorre no caso reportado por Paula.

Pondero se essa não pode ser uma dimensão “escondida”, pelo fato de que, muitas vezes, a preparação de pareceristas ou até mesmo editores de revistas no que diz respeito ao uso da língua inglesa - ou de sua própria língua - é pouco estudada (LILLIS, CURRY, 2010LILLIS, T.; MAGYAR, A.; ROBINSON-PANT, A. An international journal’s attempts to address inequalities in academic publishing: developing a writing for publication programme. Compare, Abingdon, v. 40, n. 6, p. 781-800, 2010. Doi: https://doi.org/10.1080/03057925.2010.523250
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). Seria interessante, conforme Lillis e Curry (2010LILLIS, T.; MAGYAR, A.; ROBINSON-PANT, A. An international journal’s attempts to address inequalities in academic publishing: developing a writing for publication programme. Compare, Abingdon, v. 40, n. 6, p. 781-800, 2010. Doi: https://doi.org/10.1080/03057925.2010.523250
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) afirmam, que se investigasse mais a leitura de textos para publicação que é feita por especialistas no idioma e também por especialistas no assunto abordado nos textos. A partir dos resultados nesta investigação, verifico que os participantes possuem dificuldades para escrever artigos em inglês, e também para revisar artigos na língua; questiono, porém, se haverá, enfim, uma preparação ideal, se é que ela existe, em algum momento.

5.7 Publicação: preconceitos com autores não nativos

Os participantes da pesquisa relataram, por diversas vezes, que o preconceito com autores não nativos da língua inglesa é frequentemente por eles observado nos processos de internacionalização. Samuel, ao ser questionado sobre o assunto, responde categoricamente:

Certamente, mas isso é claríssimo. Isso é claríssimo. Tanto é que algumas vezes quando eu tenho, assim, interesse de que o artigo seja mesmo publicado e tudo, eu convido algum parceiro internacional e coloco ele como primeiro autor. Aí a tramitação é outra. A conversa é outra, e isso é certo. Isso é certo. Nem acho que, assim, é uma sacanagem que eles fazem, não […] se eu fosse editor e recebesse assim, com um sobrenome árabe ou africano, eu olharia de um jeito diferente do que fosse um sobrenome Fisher, ou Brown, ou alguma coisa que o valha, por parecer que é dos Estados Unidos […] como se isso fosse garantia de que escreveu bem. (Samuel)

O participante, ao mesmo tempo que demonstra uma grande consciência do preconceito sofrido pelos pesquisadores não nativos, retrata o impacto cultural de tais práticas, já que ele próprio se vê tendo a mesma dificuldade de validar um sobrenome que para ele soaria “estranho”, o que nos remete à noção de língua “estrangeira”. É interessante observar sua reflexão final, em que pontua o fato de o sobrenome não se relacionar à qualidade da escrita. Suas ponderações se inserem no contexto discutido por Jordão (2016JORDÃO, C. Decolonizing identities: English for internationalization in a Brazilian university. Interfaces Brasil/Canadá, Revista Brasileira de Estudos Canadenses, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 191-209, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2l4ZVw6 >. Acesso em: 5 jul. 2016.
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). A pesquisadora critica as constantes rejeições a artigos vivenciadas por brasileiros e indaga se não seriam explicadas pela existência de certas convenções de escrita, vistas como homogêneas, e que na realidade deveriam ser debatidas, questionadas - sobre elas, segundo a autora, deveria haver, mas não há, abertura para se conversar.

A dificuldade para publicação também é comentada por Samuel pelo viés da importância que assume na divulgação da ciência brasileira:

Na hora que publica, você institucionaliza, você registra, fica ali o registro físico, formal, pra sempre, de uma produção. Quando o estrangeiro vem ao Brasil, eles em geral ficam impressionados com o que a gente sabe fazer bem. Não só que a gente se comunica bem, mas o que a gente faz em termo de pesquisa, e a gente reflete de forma sofisticada sobre as coisas, né. Até eles virem, eles não sabem isso. Agora, um outro jeito de saber, sem precisar vir, é ler. Assim como a gente lê os autores e a gente fica “nossa, esse autor é demais”, você nunca viu o cara, vai morrer sem ver o cara, mas você gosta do texto do cara, você sabe que o cara é bom. Porque você leu o texto dele. Então, o que que falta pra gente? Que a gente seja lido. A gente já é bom, agora a gente precisa ser lido. Precisa ficar patente que a gente é bom. E esse credenciamento, essa legitimação, passa por certas ações culturais. Uma das ações culturais é a publicação. Quando você publica num periódico de alto nível significa que você foi aceito naquele grupo seleto. É como se fosse um selo de qualidade, um carimbo de garantia. (Samuel)

Jaime também traz sua visão acerca do assunto. Ele explica que um colega realizou uma pesquisa em que se verificou haver preconceito em relação a pesquisadores de países de terceiro mundo, como vemos no excerto a seguir:

Tinha um professor, que está aposentado agora. Ele falou que uma vez eles publicaram um artigo que era assim, numa revista de ponta, “onde foi parar o artigo que você submeteu para publicação”. Eles fizeram uma pesquisa, com uma coisa assim: eles pegaram vários artigos importantes e mudaram o nome dos pesquisadores. De americanos, por exemplo, colocaram nomes de pessoas de terceiro mundo. Mudaram o resumo, o artigo era o mesmo. E disse que a taxa de rejeição foi muito grande. E eram artigos que eram consagrados. Então existe um preconceito muitas vezes com relação aos pesquisadores de terceiro mundo. […] existe preconceito, sim. (Jaime)

O comentário de Jaime acerca dessa pesquisa - que, infelizmente, não foi possível localizar - revela o preconceito voltado a pesquisadores que não possuem o inglês como língua oficial. Ao falar sobre sua própria experiência, Jaime confirma essa realidade:

Tem artigos que a gente às vezes custa a publicar. E às vezes a gente vê coisas muito mais simples publicadas […] os nomes interferem. Normalmente se você tem uma pessoa de fora, especialmente se for uma pessoa conhecida, suas chances aumentam muito. (Jaime)

Micaela também fala de sua experiência sobre esse assunto, mas “do outro lado” da situação. Dessa vez, como parecerista:

Eu fui parecerista durante algum tempo de um periódico americano. E esse periódico tem uma série de instruções que você tem que seguir, pra ler os artigos, e eu fui vendo que, por exemplo, eles mandavam pra gente os artigos que vinham de outros países, né, não eram artigos de nativos americanos, não, isso é interessante. Quer dizer, o analista de fora vai analisar os textos de fora. (Micaela)

A participante demonstra haver, também, preconceito nesse sentido. Ela conta que acabou por não continuar sendo parecerista do periódico, pois suas revisões sempre destoavam das revisões realizadas por nativos e da opinião do editor. Ao conversar com outros brasileiros que tinham contato com esse periódico, ela concluiu que não era uma questão relacionada à sua proficiência linguística, mas sim a uma diferenciação no que diz respeito às práticas direcionadas a nativos e não nativos do idioma inglês.

Por fim, é relevante mencionar outra dimensão “escondida” apontada por Samuel que também tem relação com preconceito contra autores não nativos:

E inclusive nós, que temos esse complexo de vira-lata, em geral a gente usa muito mais autores estrangeiros do que autores brasileiros. Isso é uma outra dimensão da internacionalização. Uma internacionalização de uma via única, né. Não no sentido da interação. Os estrangeiros quando vêm aqui eles querem saber o que a gente faz. […] e o que nós fazemos não tem nada menos do que o que o pessoal faz de bem no mundo. […] nós somos muito bons. E fica por isso mesmo. (Samuel)

O participante critica o fato de nós, brasileiros, também validarmos essa perspectiva que vê como “bom” tudo aquilo que é estrangeiro, quando, na verdade, também somos competentes para fazer ciência de igual maneira.

5.8 Publicação: diferenças culturais

Uma das dimensões “escondidas” verificadas durante a disciplina ministrada por Street, em 2015, a alunos de pós-graduação da UFMG, foi a que diz respeito a questões culturais. Também os participantes desta pesquisa relatam fatos relacionados a essa dimensão. No entanto, nesse contexto, essas diferenças culturais fazem parte dos processos de internacionalização, como ressalta Rita no excerto:

Minha área tem que melhorar muito. […] a gente aqui no Brasil demorou muito pra ter os cursos de pós-graduação. Eles são novos. […] o Brasil enquanto produtor de ciência na nossa área é muito novo. Então ainda tem muito achismo. […] e pra melhorar é isso mesmo, é as pessoas irem fazendo cursos de pós-graduação, sendo preparadas pra isso, fazendo a pesquisa, eu acho que falta muito a pesquisa, ela ir pro dia a dia dos profissionais, você vê que aqui a gente separa muito: ou é profissional, ou é professor, ou é pesquisador. E lá fora […] você vê nos congressos, as pessoas que levam trabalho às vezes é um [profissional] do hospital, ele não tem mestrado, não tem doutorado, mas ele fez o trabalho, eles têm uma formação dentro da ciência maior. (Rita)

Rita explica que verifica formas muito distintas de se trabalhar e pesquisar, no Brasil e no exterior, dentro da área das ciências da saúde. Ela comenta que, em alguns países, os que nela trabalham nunca são só pesquisadores, mas também profissionais daquela área. Sobre sua experiência em um país onde isso ocorre, ela também relata outros aspectos culturais:

Quando eu terminei o pós-doutorado, aí eu tive que fazer um relatório - bem sucinto, porque lá no Canadá, em relação às questões aqui do Brasil, eles são bem mais sucintos, né - então eu tive que fazer um relatório acho que de umas duas páginas de um projeto de uma pesquisa que eu participei falando da minha participação, como que foi, quais etapas que eu participei. (Rita)

Em contraste ao exemplo dado, a participante explica que no Brasil esses relatórios costumam ser muito extensos e burocráticos.

5.9 Publicação: novas formas de orientação com foco em publicação

Devido ao aumento das facilidades de comunicação via e-mail e internet, e à maior conexão entre as pessoas geograficamente distantes, mudanças em práticas de letramento acadêmico são percebidas atualmente. Percebemos como dimensão “escondida” o fato de isso ter resultado em mudanças concernentes também à(s) maneira(s) de se produzir o conhecimento, de forma colaborativa. Rita e Samuel falam sobre como orientam seus alunos e, no caso de Rita, ela e seus alunos também produzem juntamente com outros colegas, a partir desse novo prisma, como vemos nos excertos a seguir:

A gente já faz alguns seminários com os alunos que a gente chama de alavancar a produção. Então a gente senta todos os alunos de mestrado, doutorado e iniciação científica, que estão envolvidos nas pesquisas e todos os professores do nosso laboratório […] a gente junta todo mundo e a gente fala assim “gente, a gente tem esse resultado de pesquisa que dá um artigo, a gente tem esse artigo que não foi publicado e voltou, pra trabalhar”, a gente faz uma lista de possíveis artigos e quem que vai trabalhar com eles. A gente já costuma fazer isso. Mas o workshop me motivou mais a fazer isso e de talvez até passar um pouco pra eles do que eu escutei no workshop. Fazer de uma forma diferente. (Rita)

Primeiro, eu faço orientações já coletivas, mesmo que sejam projetos diferentes e incentivo que os alunos trabalhem coletivamente. É muito difícil no começo, mas depois fica legal, fica fácil. E aí eles terminam o doutorado e continuam. E continuam as redes, e criando outras redes. Eu estabeleço uma certa prioridade que hoje eu fico mais como um líder de pesquisa. Em geral eu faço uma participação no início, aí o pessoal desenvolve, aí manda e eu faço uma nova observação em conjunto, aí eles também desenvolvem aquilo, discutem entre eles, o que eu já fiz inúmeras vezes e eles meio que já aprenderam, aí eu faço a leitura final. Então são três momentos: a leitura no início, que faz parte da concepção daquilo, uma no meio, e uma no final, e ponto final. E aí eles desenvolvem, né. E também eu vou desenvolvendo neles a habilidade de desenvolver entre eles sem precisar de eu estar presente o tempo todo. (Samuel)

Como mostram os excertos, então, tanto Rita quanto Samuel buscam estratégias coletivas para aumentar a produção acadêmica de seus grupos, incluindo a de seus alunos. Essas estratégias, segundo os participantes, geram um grau maior de colaboração e, assim, mais resultados na divulgação do conhecimento que produzem.

5.10 Demandas institucionais versus tempo

Outra dimensão “escondida” que surgiu a partir dos dados gerados nesta pesquisa é o fato de que a internacionalização é requerida aos participantes de diferentes formas, em várias esferas da educação nacional, mas nem sempre lhes são dadas condições de realizá-la. As demandas institucionais, por exemplo, são muitas, e nem sempre é possível cumpri-las a contento, conforme relata Rita:

Lá, a gente enquanto professor, a gente tem muita demanda. Então no dia a dia ali, que você tá trabalhando, até tem alguns colegas meus que falam “ah, não, vou aproveitar as férias pra poder escrever”, porque nas férias você vai ter tempo pra escrever. Geralmente eu faço isso. Dessa vez é a primeira férias que eu não tô pegando em nada. […] eu acho que férias é férias, né. No dia a dia nosso, ali, é difícil você conciliar tanta demanda. Porque você tem demanda administrativa, você tem demanda do ensino da graduação. No nosso caso, a gente tem os projetos de extensão, que a gente atende paciente, tem que dar um bom atendimento pros pacientes. Você tem que participar de bancas, então a demanda é muito grande. (Rita)

A participante demonstra como a organização a ajudou a não ter de utilizar suas férias para cumprir exigências institucionais. Nesse sentido, também é importante que as instituições se organizem para que, conforme Gacel-Ávila (2007GACEL-ÁVILA, J. The process of internationalization of Latin American Higher Education. Journal of Studies in International Education, Thousand Oaks, v. 11, n. 3-4, p. 400-409, 2007. Doi: https://doi.org/10.1177/1028315307303921
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) ressalta, a internacionalização não seja somente um discurso.

6 Considerações finais

Neste artigo, argumento que, com base na teoria das dimensões “escondidas” de Street (2010STREET, B. Dimensões “escondidas” na escrita de artigos acadêmicos. Perspectiva, Florianópolis, v. 28, n. 2, p. 541-567, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JOvQio >. Acesso em: 18 dez. 2016.
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), é possível verificar dimensões que também se encontram “escondidas” nos processos de internacionalização pelos quais passam instituições de ensino superior brasileiras. A partir de observações fornecidas em entrevistas semiestruturadas por docentes do quadro efetivo permanente da UFMG, participantes desta pesquisa, foram descritos quatro grandes grupos de dimensões escondidas, a saber: escrita da internacionalização, uso do inglês, publicação e demandas institucionais versus tempo.

Esperamos que as reflexões propostas desde então, expostas na descrição de cada subcategoria inserida nesses grupos, proporcionem o início de um diálogo sobre as dimensões encontradas; sobre sua significância em cada contexto; sobre os motivos pelos quais as práticas relatadas ocorrem; e, ainda, sobre as possibilidades de novas interpretações, como esta, fundadas na teoria das dimensões “escondidas” de Street (2010STREET, B. Dimensões “escondidas” na escrita de artigos acadêmicos. Perspectiva, Florianópolis, v. 28, n. 2, p. 541-567, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2JOvQio >. Acesso em: 18 dez. 2016.
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).

Um melhor entendimento sobre as dimensões - tanto as visíveis quanto as “escondidas” - da internacionalização certamente pode colaborar para que os indivíduos e instituições por ela responsáveis, por ela afetados, por ela transformados, tenham condições de melhor compreendê-la e, quem sabe, mais conscientemente atuarem em prol de sua eficácia no cenário brasileiro.

Agradecimentos

Agradeço ao IFMG, à UFMG, à Andrea Mattos, ao Alexander Knoblock, à Annallena Guedes, à FAPEMIG e ao British Council por tornarem esse trabalho possível. Também à Clarissa Jordão e ao Leandro Diniz por suas contribuições para a escrita desse texto. De forma muito especial, ao professor Brian Street por ter sido um grande exemplo de ser humano para mim.

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  • 1
    Este artigo é parte integrante de minha dissertação de mestrado, intitulada Um novo jeito de se fazer dissertação: letramentos acadêmicos e internacionalização. O trabalho foi orientado pela professora doutora Andréa Machado de Almeida Mattos e apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. A dissertação foi redigida no formato alternativo de escrita de teses e dissertações.
  • 2
    Para mais informações, acesse o link disponível em: <https://bit.ly/2sZWb2d>. Acesso em: 11 jun. 2018.
  • 3
    Tradução minha, bem como em todas as demais citações a partir de textos em outras línguas encontradas no restante deste trabalho. No original: “are therefore potential resources which might be differentially valued and supported depending on situation, place, audience, and goals” (WARRINER, 2013, p. 529).
  • 4
    Ver Street (1984, 2014) para a distinção entre “modelo autônomo” e “modelo ideológico” do letramento.
  • 5
    No original: “it is usually at the individual, institutional level that the real process of internationalization is taking place” (KNIGHT, 2004, p. 6).
  • 6
    No original: “globalization is positioned as part of the environment in which the international dimension of higher education is becoming more important and significantly changing” (KNIGHT, 2004, p. 8).
  • 7
    No original: “is still the main, and in some cases the only, mechanism for the internationalization of the curriculum” (GACEL-ÁVILA, 2007, p. 404).
  • 8
    O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP), em 19/05/2105, sob o número 42099315.5.0000.5149.
  • 9
    Mais informações a esse respeito são apresentadas na dissertação, mais especificamente em seu artigo 4, que discute o fato de diversos participantes que disseram não ter publicado artigos em inglês terem justificado a não publicação por nunca terem submetido artigos em inglês a periódicos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2018
  • Aceito
    24 Maio 2018
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