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Momento de transição II: Medicina do Esporte, a especialidade do terceiro milênio

EDITORIAL

Momento de transição II: Medicina do Esporte, a especialidade do terceiro milênio

José Kawazoe Lazzoli

Editor-Chefe, Revista Brasileira de Medicina do Esporte

Há dois anos, ao assumir com muita satisfação como Editor da Revista Brasileira de Medicina do Esporte (RBME), foi publicado o Editorial "Momento de Transição", que entre outros aspectos sinalizou as modificações pelas quais passaria a RBME no seu processo de consolidação.

Tive a grande honra de ter sido convidado para continuar à frente da RBME pelos próximos dois anos, acompanhando a nova diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (SBME), que é capitaneada pelo Dr. Marcos Aurélio Brazão de Oliveira. Pode-se presumir um excelente desempenho dessa nova equipe, com base no trabalho já demonstrado por cada um de seus membros. Cada diretoria leva a SBME a um novo patamar, que serve de base - cada vez mais elevada - para as diretorias seguintes.

Este é um outro momento de transição para a SBME e para a RBME. Esta diretoria será a que levará a SBME ao início do próximo milênio. A Medicina do Esporte é muito freqüentemente referida como a especialidade médica do terceiro milênio. Apesar dos avanços tecnológicos, que trazem recursos cada vez mais sofisticados para diagnóstico cada vez mais precoce e tratamento não-invasivo e/ou invasivo cada vez mais eficiente para uma série de doenças que antes eram incuráveis ou de controle mais difícil, a medicina do terceiro milênio aponta de forma inevitável para a prevenção. Este não pretende ser um discurso idiossincrásico contra a medicina curativa; somente pretende colocar as medicinas curativa e preventiva nos seus verdadeiros locais e tem a intenção de chamar a atenção para a importância desta para que aquela possa se ocupar melhor com as condições causadas por traumatismo ou as não-traumáticas não-preveníveis.

Evidências científicas cada vez mais consistentes têm mostrado a atividade física regular como capaz de reduzir a incidência e/ou atuar como importante coadjuvante no tratamento de doenças não somente cardiovasculares, mas também pulmonares, metabólicas, gastrintestinais, hematológicas, oncológicas, neurológicas, do aparelho locomotor, renais, psiquiátricas, etc. A atividade física não pretende se apresentar como uma panacéia. Mas é importante reconhecer nas discussões científicas a verdadeira importância da atividade física, freqüentemente tão ou mais importante do que o tratamento farmacológico, e não apenas incluí-la de modo secundário na categoria das "medidas higieno-dietéticas".

Há evidências de que a prevenção através da atividade física possui também uma relação custo/benefício extremamente favorável do ponto de vista econômico. Os indivíduos fisicamente ativos adoecem menos, e se adoecerem o fazem com menor gravidade; se tiverem que ser internados, terão em média um menor período de permanência hospitalar. Em outras palavras: para a equipe econômica de um governo - federal, estadual ou municipal - promover a atividade física na população fará com que se economize muito mais a médio e longo prazos do que se gastaria nessa promoção.

Os idosos ativos são mais independentes - é sempre importante lembrar que com o declínio fisiológico que sofre a capacidade funcional com a idade, muitos idosos mal são capazes de executar tarefas do seu cotidiano, como a própria higiene - o que se reflete na sua qualidade de vida. Fatores culturais - entre outros - se encarregam de acentuar esse declínio.

Em países mais populosos, mais de uma centena de milhar de indivíduos falecem a cada ano simplesmente por serem sedentários, o que equivale em média a mais de 10% das mortes. O sedentarismo tem prevalência superior a 70% em muitos países. Esta prevalência cresce na população mais idosa, em grande parte por fatores culturais. Infelizmente ainda soa estranho para muitos indivíduos - inclusive de bom padrão cultural - a idéia de promover a atividade física para idosos; exercícios predominantemente aeróbicos ainda são mais aceitos, mas quando se fala em contemplar outros componentes da aptidão física - como flexibilidade, força e endurance musculares - qualidades tão importantes no cotidiano, a aceitação não é tão automática. Também é necessário incluir na mentalidade da população em geral, inclusive dos profissionais da área de saúde, a noção de que a prevenção da grande maioria das doenças deve ser iniciada na infância. A formação - por exemplo - de uma placa aterosclerótica coronariana, que em algum momento poderá causar um infarto agudo do miocárdio, tem início na vida pré-natal e a sua evolução ao longo da vida dependerá de uma série de fatores inter-relacionados.

É pouco freqüente que profissionais da área de saúde questionem os seus pacientes sobre a prática regular de atividade física ou trabalhem para promovê-la. Iniciativas como a da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, que implantou há quatro anos no seu novo currículo da graduação uma disciplina com conteúdo específico de Medicina do Exercício e do Esporte, são importantes para mudar esta mentalidade.

É importante que, para a população em geral, a atividade física se torne um hábito tão comum e automático quanto a higiene pessoal ou a alimentação. Para isto, é interessante que várias frentes sejam contempladas. A inclusão de conteúdo específico sobre atividade física nos cursos de graduação da área de saúde acrescentará esta idéia à mentalidade dos profissionais de saúde do terceiro milênio. A presença de ações governamentais para a implementação de programas de atividade física orientada como o de Vitória-ES, pioneiro no nosso país, facilitará e democratizará a prática de exercícios à população em geral, independente da sua condição socioeconômica. A ação de organizações não-governamentais que lutam por tantas causas justas auxiliará os governos a mais rapidamente disponibilizar a atividade física orientada a um maior número de brasileiros. O fantástico poder de divulgação e difusão de informações da mídia fará com que esta mensagem chegue a todos os cantos do país, ajudando a tornar mais natural na cabeça de todos a idéia da prática regular de atividade física.

Finalmente, é importante lembrar que raríssimas são as condições que contra-indicam a prática de exercícios de caráter não-competitivo. A prática orientada de atividade física possui relações risco/benefício e custo/benefício extremamente favoráveis, e é capaz de beneficiar a enorme massa de brasileiros, independente de idade, sexo, condição socioeconômica ou qualquer outra característica. Cabe a nós, que acreditamos nessa idéia, promovê-la.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 1999
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