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Posicionamento oficial da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte: atividade física e saúde na mulher

Posicionamento oficial da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte: atividade física e saúde na mulher

Marcelo Bichels Leitão; José Kawazoe Lazzoli; Marcos Aurélio Brazão de Oliveira; Antonio Claudio Lucas da Nóbrega; Geraldo Gomes da Silveira; Tales de Carvalho; Eney Oliveira Fernandes; Neiva Leite; Alice Volpe Ayub; Glaycon Michels; Félix Albuquerque Drummond; João Ricardo Turra Magni; Clayton Macedo; Eduardo Henrique De Rose

INTRODUÇÃO

A Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (SBME) tem oferecido periodicamente informações que possibilitem aos profissionais da área de saúde a atualização em temas relacionados às ciências do esporte. Uma das ações que tem se mostrado muito eficaz é a publicação de Posicionamentos Oficiais ou Consensos.

Desde 1996 já foram publicados três documentos com estas características:

1) Atividade Física e Saúde em Indivíduos Aparentemente Saudáveis

2) Atividade Física e Saúde na Infância e Adolescência

3) Atividade Física e Saúde em Indivíduos Idosos

O documento que se desenvolve a seguir, "Atividade Física e Saúde na Mulher", é a última etapa de uma importante meta da SBME de abordar os quatro grandes temas relacionados à atividade física e saúde.

Esta publicação representa o posicionamento oficial da SBME sobre atividade física e saúde em indivíduos do sexo feminino (atletas ou não atletas), visando ampliar a recomendação da prática de atividade física pelos profissionais de saúde que lidam com esse grupo. Os interessados em se aprofundar no tema devem consultar a bibliografia relacionada.

JUSTIFICATIVA

O preconceito em relação à participação da mulher em atividades esportivas remonta à Grécia Antiga, quando ela era proibida até mesmo de assistir aos Jogos Olímpicos. Durante muito tempo ela foi poupada da prática de esportes pela crença de que o exercício poderia ser prejudicial à sua saúde. Posteriormente, foi permitido o seu ingresso em algumas modalidades de exercícios leves, que não trouxessem "risco" de complicações a um grupo que ainda era considerado frágil e provavelmente não resistiria a esforços mais intensos. Apenas em 1972 as mulheres foram admitidas a participar de competições oficiais de maratonas e outros eventos de mais longa duração.

A literatura médica até recentemente não apresentava dados epidemiológicos consistentes a respeito do impacto da atividade física sobre a saúde das mulheres. Tal lacuna vem sendo corrigida com estudos recentes.

Em 1996, Blair e colaboradores publicaram um acompanhamento de 8.900 mulheres, por 10 anos, demonstrando que o fator de maior peso na mortalidade geral foi a baixa aptidão física, superando todos os demais principais fatores de risco, inclusive o tabagismo. Das sucessivas publicações decorrentes da coorte das enfermeiras, extraímos que o acompanhamento por 16 anos de 84.129 mulheres mostrou incidência de 1.128 eventos coronarianos maiores (296 mortes e 832 infartos agudos do miocárdio não fatais), inversamente correlacionada com atitude favorável ao estilo saudável de vida (exercício físico regular, dieta adequada e restrição ao tabaco); 72.488 enfermeiras de 40 a 65 anos de idade, em oito anos, apresentaram 407 casos de acidentes vasculares encefálicos, forte e inversamente correlacionados à atividade física.

Os benefícios da atividade física têm sido comprovados em ambos os sexos. Na mulher esta abordagem adquire algumas características próprias que incluem desde as diferenças do perfil hormonal, passando pela incidência de determinadas patologias, até as respostas e adaptações ao exercício. Na redução da pressão arterial, por exemplo, encontram-se trabalhos que mostram que a mulher, através do exercício, apresenta uma resposta de redução dos níveis tensionais mais eficiente que o homem. É importante considerar o impacto causado pelo aumento da expectativa de vida na população e o papel social e profissional adotado pela mulher nos últimos anos. Esses fatores impõem uma revisão no estudo de diversas patologias e nas novas perspectivas de prevenção e tratamento das mesmas. Neste contexto a atividade física regular ocupa lugar de destaque.

ASPECTOS ESPECIAIS DA DOENÇA CORONARIANA NA MULHER

Nas últimas décadas houve aumento significativo da incidência de doenças cardiovasculares na mulher, em especial doença arterial coronariana (DAC). A faixa etária de aumento da mortalidade cardiovascular da mulher ocorre, em média, dez anos após a do homem e isso se explica, parcialmente, pelo papel protetor do estrogênio, que se mantém presente até a época da menopausa.

A DAC na mulher apresenta algumas características diferentes em relação ao homem. Muitos estudos em animais têm sugerido que alterações nos níveis plasmáticos de lipoproteínas têm pouca influência na extensão da aterogênese e que os efeitos diretos do estrogênio sobre a parede arterial são mais importantes na prevenção da aterosclerose. Estas observações não foram ainda demonstradas em humanos. Não obstante, está claro que o estrogênio possui efeitos diretos sobre a parede arterial. Esses efeitos estão descritos no quadro 1.


ASPECTOS DA FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO NA MULHER

Existem diferenças entre os sexos quanto à fisiologia do exercício, mesmo antes da puberdade, que aumentam durante a adolescência e a vida adulta. Estas ocorrem fundamentalmente em função de tamanho e composição corporal. Mais especificamente, os homens possuem maior massa muscular em termos absolutos e relativos (por peso corporal total), enquanto que mulheres possuem maior percentual de gordura corporal, o que resulta numa menor eficiência termorregulatória nos exercícios em ambientes quentes. Apesar da composição de fibras musculares ser semelhante em homens e mulheres, o volume de cada fibra, seja do tipo I ou II, é maior nos homens. Estas características conferem maior potência e endurance muscular aos homens.

Durante exercícios aeróbicos observa-se menor consumo máximo de oxigênio em mulheres em comparação com os homens, sendo que o principal mecanismo hemodinâmico envolvido é o menor débito cardíaco decorrente de menor volume sistólico. Esta característica, por sua vez, é conseqüente à menor massa e volume ventriculares em mulheres, seja do ponto de vista absoluto ou relativo ao peso corporal total. Além disso, a capacidade de transporte de oxigênio (devido a um nível médio de hemoglobina inferior decorrente das menstruações) é menor nas mulheres. Estes fatores em conjunto fazem com que o desempenho desportivo seja 6 a 15% menor nas mulheres em comparação com os homens, embora a capacidade de adaptação ao treinamento seja semelhante.

O desempenho masculino em atividades competitivas é em geral melhor que o feminino. Contudo, alguns estudos sugerem que em corridas de ultralonga duração exista a possibilidade de que o desempenho feminino venha a ser no futuro igual ou até mesmo superior ao masculino.

Apesar das respostas fisiológicas ao exercício em meninas pré-púberes apresentarem o mesmo perfil daquelas de mulheres adultas, existem algumas diferenças a serem consideradas. A mais marcante naquelas é o maior consumo de O2 durante a caminhada ou corrida de intensidade submáxima (menor eficiência mecânica), o que acarreta menor reserva metabólica e fadiga mais precoce. Em adendo, a potência anaeróbica e a endurance muscular são muito menores em meninas em comparação com as mulheres, levando ao menor desempenho daquelas em saltos, corridas de velocidade e arremessos. Meninas também apresentam menor adaptação ao treinamento que mulheres adultas.

EXERCÍCIO, NÍVEIS HORMONAIS E REPERCUSSÕES SISTÊMICAS

O exercício físico regular, realizado de maneira correta e associado a ingesta alimentar adequada, não interfere na função hormonal, se constituindo num importante instrumento para ganho de massa óssea, capaz de fazer, a partir da adolescência, a prevenção primária da osteoporose pós-menopáusica. As diferentes fases do ciclo menstrual parecem não interferir no desempenho. Alguns trabalhos sugerem também o alívio de sintomas pré-menstruais em mulheres que se exercitam regularmente.

A chamada tríade da mulher atleta é uma síndrome que ocorre não somente em mulheres que participam de exercícios de caráter competitivo, mas acomete de modo cada vez mais freqüente adolescentes e mulheres praticantes de atividade física de caráter recreacional. Os seus componentes são: distúrbios alimentares, amenorréia e osteoporose. Esta síndrome é freqüentemente negada, não diagnosticada e subnotificada. Por trás dos sinais e sintomas está a pressão interna e externa para se tentar atingir e manter um peso corporal e um percentual de gordura exageradamente baixos. Desta forma, no plano não-desportivo verifica-se com freqüência a pressão social pela adoção de padrões estéticos que divergem das características naturais individuais. No plano desportivo, as atletas de maior risco são aquelas que participam ou de esportes que valorizam a manutenção de um baixo peso corporal, como ginástica, patinação artística, saltos ornamentais e dança, ou de modalidades de endurance, como corrida de longa distância e ciclismo.

É fundamental um maior conhecimento dos achados e das conseqüências dessa tríade por parte de médicos, atletas, pais, técnicos e dirigentes desportivos para uma prevenção precoce e um tratamento eficaz.

Os distúrbios alimentares podem ter apresentações diversas, como restrição da ingesta, anorexia, bulimia e outras. Tais distúrbios podem ser causas de alterações metabólicas importantes, principalmente se associados a um treinamento físico inadequado.

As amenorréias são sempre classificadas como primárias ou secundárias, independente do fator etiológico. Ocorrem as primárias na ausência de menstruação após os 14 anos de idade em meninas que não apresentam caracteres sexuais secundários ou, após os 16, independente de outros sinais ou sintomas. A prevalência geral fica em torno de 2% a 5%, enquanto nas atletas há uma ampla variação entre 3,4% e 66%.

A fisiopatologia da amenorréia relacionada ao exercício físico não está completamente esclarecida. As hipóteses mais fortes, no entanto, são de que as endorfinas produzidas durante a atividade física e a manutenção de seus níveis aumentados com o treinamento diário possam inibir a produção do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH) pelo hipotálamo e, com isso, inibir todo o eixo hormonal feminino (hipotálamo-hipófise-ovário-útero). A outra hipótese – e provavelmente as duas coexistem – é de que as endorfinas diminuiriam a produção de dopamina no núcleo arqueado hipotalâmico. Sendo a dopamina um fator inibitório da prolactina, esta teria seus níveis séricos aumentados, assim, ela seria também capaz de diminuir a produção de GnRH.

A amenorréia gerada pelo exercício é um diagnóstico de exclusão que só poderá ser feito depois que a história clínica, o exame físico e provas complementares, em conjunto, descartem outras causas. Oligomenorréia (ciclos com mais de 35 dias) em mulheres que apresentavam ciclos normais não devem ser considerados como uma característica das atletas. Devem sim ser um sinal de alerta para o médico e a intervenção deve ser precoce.

O manejo da amenorréia do exercício baseia-se principalmente na redução geral do programa de treinamento, na correção de hábitos alimentares e na terapia de reposição hormonal.

A osteoporose se caracteriza por uma redução da densidade óssea, que está associada a uma maior incidência de fraturas. Na mulher praticante de atividade física – de caráter competitivo ou não – é conseqüência da cadeia de eventos descritos anteriormente.

CLIMATÉRIO

O climatério é caracterizado pela diminuição fisiológica da função ovariana. Devido à carência hormonal que pode se estabelecer nesta fase, ocorrem modificações nos diversos tecidos-alvo.

Os ossos têm sua homeostase alterada, com predomínio da reabsorção no constante processo de remodelamento. Com isso, graus variados de diminuição da massa óssea podem ocorrer.

Em relação ao perfil lipídico há, também, alterações negativas, com aumento dos níveis de colesterol total e triglicerídeos e diminuição da fração HDL. A atividade física tem papel estabelecido na prevenção da doença coronariana através da elevação da HDL. Este efeito é especialmente necessário no climatério, já que os benefícios que se poderiam obter com a reposição de estrogênios são reduzidos com a necessária associação de progestogênios.

Há uma relação inversa entre o exercício praticado regularmente e as principais causas de morte na mulher pós-menopáusica. Vários estudos têm demonstrado o efeito benéfico do exercício na prevenção primária e secundária de diversas doenças, como hipertensão arterial, cardiopatia isquêmica, diabetes e osteoporose, entre outras. São relatados também efeitos benéficos do exercício sobre os fogachos e a depressão psíquica no climatério.

O exercício físico preserva ainda a massa óssea, tanto por ação direta do impacto sobre o esqueleto, como por ação indireta, pelo aumento da força muscular. Há uma tendência da massa óssea ser proporcional à força muscular, pois a maior tração, exercida por músculos mais fortes, serve como estímulo à mineralização dos ossos.

GESTAÇÃO E PÓS-PARTO

Historicamente, as recomendações de exercício físico para gestantes variaram de acordo com os contextos socio-culturais vigentes, inclusive existindo períodos em que havia contra-indicações para a atividade física. No início do século XX começaram a ser desenvolvidos os programas de assistência pré-natal com o intuito de romper o ciclo vicioso medo-tensão-dor, incluindo a atividade física, porém sem um embasamento científico.

As questões éticas quanto a pesquisas em humanos dificultaram a padronização da prescrição do exercício em gestantes até os dias de hoje. Pesquisas científicas desenvolvidas em animais demonstraram a diminuição do fluxo sanguíneo placentário e o aumento das temperaturas materna e fetal de acordo com a intensidade e a duração do exercício físico. A elevação excessiva da temperatura materna e fetal está relacionada com a indução de defeitos no tubo neural nestes estudos.

A atividade física na gestação é recomendada na total ausência de qualquer anormalidade, mediante avaliação médica especializada. As contra-indicações absolutas são o sangramento uterino de qualquer causa, a placentação baixa, o trabalho de parto pré-termo, o retardo de crescimento intra-uterino, os sinais de insuficiência placentária, a rotura prematura de membranas e a incompetência istmocervical. Durante uma gestação normal, quem já praticava exercícios pode continuar a fazê-lo, adequando a prescrição à gestação.

Os objetivos da prática de atividade física em gestantes são a manutenção da aptidão física e da saúde, a diminuição de sintomas gravídicos, o melhor controle ponderal, a diminuição da tensão no parto, e uma recuperação no pós-parto imediato mais rápida.

Outros benefícios da atividade física na gestante são o auxílio no retorno venoso prevenindo o aparecimento de varizes de membros inferiores e a melhora nas condições de irrigação da placenta.

AVALIAÇÃO PRÉ-PARTICIPAÇÃO

É recomendável que uma avaliação médica pré-participação seja realizada sempre que possível. Contudo, a impossibilidade de acesso a ela não deve impedir a adoção de um estilo de vida ativo. As recomendações para mulheres devem ser semelhantes às desenvolvidas para o sexo masculino. Nos posicionamentos oficiais da SBME anteriormente publicados, encontram-se informações detalhadas da avaliação pré-participação para cada faixa etária.

Quesitos específicos das condições de saúde da mulher devem ser acrescentados ao questionário e ao exame físico da avaliação pré-participação. Dentre estes, é fundamental a avaliação da composição corporal para determinação do percentual e distribuição de gordura corporal. Deve ser dada ênfase à avaliação da relação cintura/quadril, que se modifica significativamente após a menopausa, podendo ser um preditor de doença arterial coronariana. Também é importante a avaliação dos níveis de ferritina e hemoglobina que quando abaixo do normal indicam carência de ferro e/ou anemia, situações que comprometem o rendimento da mulher praticante de exercícios.

A avaliação pré-participação ideal deve incluir ainda uma análise postural, testes de força muscular e de flexibilidade. O objetivo conjunto destes testes é construir uma prescrição individualizada, favorecendo um maior ganho de qualidade de vida quando do envolvimento com atividades recreativas e otimizando o desempenho quando da prática de uma modalidade desportiva.

Para mulheres aparentemente saudáveis uma avaliação ergométrica é aconselhável; nas que apresentem hipoestrogenismo essa avaliação passa a ser mandatória a partir dos 35 anos de idade. A realização do teste de esforço pode incluir medidas da ventilação pulmonar e análise dos gases expirados (teste cardiopulmonar de exercício ou ergoespirometria), que permitem a medida direta do consumo máximo de oxigênio e a determinação do limiar anaeróbico.

Deve-se enfatizar que em mulheres, quando se realiza o teste de esforço, a incidência de resultados falso-positivos é consideravelmente elevada, chegando a atingir dois terços de todos os resultados positivos em algumas séries. Contudo, quando se comparam grupos de indivíduos de ambos os sexos com prevalências de doença arterial coronariana similares demonstra-se que a especificidade do método se assemelha. Assim, com uma boa seleção pré-teste, pode-se incrementar a capacidade diagnóstica deste procedimento para isquemia miocárdica e recomendar sua realização para o sexo feminino. Além de investigar a presença de doença arterial coronariana, o teste de esforço é também útil na observação das respostas tensional e cronotrópica durante o exercício. Outras informações clinicamente relevantes podem também ser obtidas através deste procedimento.

PRESCRIÇÃO DE EXERCÍCIOS

Como em qualquer outro grupo de indivíduos ao qual se vai recomendar atividade física regular, a prescrição de exercícios para mulheres deve considerar condicionamento cardiorrespiratório, endurance e força musculares, composição corporal e flexibilidade.

Uma adequada prescrição de exercícios para mulheres deve ser capaz de reduzir os efeitos deletérios do sedentarismo. Para assegurar a melhor relação risco/benefício a prática regular de exercícios deve obedecer a determinados fundamentos. Modalidade, duração, freqüência, intensidade e modo de progressão são os principais parâmetros a serem observados.

A clássica recomendação de realizar exercícios aeróbicos durante 30 minutos, três vezes por semana, em intensidade moderada tem sido debatida intensamente nos últimos anos.

O "Posicionamento Oficial da SBME: Atividade Física e Saúde" enfatiza que "existe uma forte relação dose-resposta entre o nível de aptidão física e seu efeito protetor, com o risco de adquirir doença diminuindo à medida que a atividade física aumenta".

Resultados expressivos podem ser atingidos tanto através de atividades programadas (por exemplo: caminhar, nadar, pedalar, hidroginástica) como também através de atividades do cotidiano e de lazer, como subir escadas, cuidar de afazeres domésticos, cuidar do jardim, dançar, etc.

Um programa ideal deve ser realizado na maior parte dos dias da semana, com a duração das sessões variando entre 30 e 90 minutos, de forma contínua ou não. É importante fazer com que o hábito de se exercitar se transforme em algo tão natural como, por exemplo, cuidar da própria higiene.

Exercícios de alongamento e de mobilidade articular, além da atividade principal em menor intensidade, compõem uma adequada fase de aquecimento que é importante por reduzir a incidência de lesões e aumentar o fluxo sanguíneo para a musculatura esquelética.

A intensidade da fase aeróbica pode ser determinada através do percentual do consumo máximo de oxigênio (O2máx) ou da freqüência cardíaca máxima (FCmáx) previamente estabelecidos em um teste de esforço ou estimados através de fórmulas. Pode-se ainda utilizar a escala de percepção subjetiva do esforço (escala de Borg). Geralmente é recomendada uma intensidade moderada, como 40 a 75% do O2máx ou 55 a 85% da FC máxima, o que corresponde em geral à escala de Borg de 3 a 5 ou de 12 a 13, conforme a escala preferida (0-10 ou 6-20, respectivamente).

Apesar de não ser contra-indicada a realização de exercícios em intensidades superiores às apontadas no parágrafo anterior, atividades extenuantes em mulheres não atletas apresentam um baixo índice de aderência por proporcionarem desconforto e fadiga excessivos. A coorte das enfermeiras, citada mais acima, mostrou que equivalentes dispêndios de energia, decorrentes tanto de caminhadas como de atividades mais vigorosas, resultam em similar redução no risco de surgimento de diabetes mellitus tipo 2, ratificando que os benefícios atingidos com exercícios intensos podem ser obtidos também com atividades mais suaves e prolongadas. Também está aumentada a ocorrência de lesões ostearticulares em condições de treinamento intenso.

Um interessante conceito que vem sendo desenvolvido nos últimos anos é o de "aptidão física total". Desta forma o treinamento de força e endurance muscular deve constar de um programa de exercícios considerado ideal. Um dos principais benefícios deste tipo de treinamento é auxiliar na manutenção da massa magra. Exercícios contemplando os grandes grupos musculares devem ser enfatizados. Duas séries de oito a dez repetições realizadas de duas a três vezes por semana utilizando uma intensidade de aproximadamente 60% de uma repetição máxima são suficientes para a obtenção de resultados satisfatórios.

Sempre se recomenda a realização de exercícios de alongamento acompanhando as sessões de exercícios aeróbicos e de força.

Na gestação, devem-se preferir os exercícios de menor impacto devido às alterações articulares próprias desta fase. A intensidade adequada deve ser igual ou inferior a 50% do O2máx ou da FC de reserva. A duração em atividades aeróbicas deve ser de 30 minutos ou mais e a freqüência mínima de três vezes por semana, levando-se em consideração o grau de aptidão prévio.

Exercícios de flexibilidade são particularmente úteis na gestação para equilibrar a musculatura dorsolombar, abdominal e de assoalho pélvico, que estão em geral contraídos pela postura gravídica. Exercícios respiratórios também são importantes por favorecerem a conscientização corporal e promoverem as trocas gasosas. Estes são úteis ainda para o relaxamento e para o auxílio no trabalho de parto.

A segurança para a mãe e o feto deve ser a principal preocupação, especialmente nas questões referentes à adequada hidratação e a realização de exercícios em condições favoráveis de temperatura.

Os exercícios no período pós-parto, não existindo complicações, iniciam-se 30 dias após o parto normal e 45 dias após a cesariana, aplicando-se os mesmos princípios utilizados para a prescrição de exercícios na população em geral. O retorno às condições pré-gestacionais, especialmente em atletas, dependerá do grau de aptidão que a mulher mantiver durante a gestação.

Possíveis influências do exercício na fase de amamentação foram avaliadas em um ensaio randomizado que analisou os efeitos de atividades aeróbias realizadas a 60-70% da FC de reserva, durante 45 minutos, cinco vezes por semana, não se observando nenhuma diferença significativa no volume e na composição do leite materno após 12 semanas. A única diferença significativa observada neste estudo foi um aumento de 25% no O2máx do grupo ativo. Conclui-se, portanto, que o exercício físico é seguro para o lactente e eficaz para a mãe no período pós-parto.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

1) A atividade física regular é um importante fator para a promoção e manutenção da saúde da mulher em todas as idades e situações, inclusive na gestação e na fase pós-parto.

2) Deve-se enfatizar que, em relação à doença arterial coronariana, o sedentarismo é hoje considerado fator de risco maior e deve ser combatido na população feminina de forma sistemática e enfática, seja através da inserção de atividades cotidianas que envolvam um maior gasto energético, seja através da prática de modalidades desportivas.

3) As mulheres respondem a estímulos de treinamento de forma semelhante aos homens, estando assim aptas a praticar esportes competitivos ou não, respeitadas suas características particulares.

4) Os governos, em seus diversos níveis, as entidades profissionais e científicas e os meios de comunicação devem considerar o sedentarismo como um problema endêmico de saúde pública, divulgando esse tipo de informação e implementando programas para a prática orientada de exercício físico.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

Este documento foi aprovado em reunião da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte, realizada na Associação Médica do Estado do Rio Grande do Sul (AMRIGS), Porto Alegre – RS, entre 30/8 e 1/9/2000, durante o III Congresso Sul-Brasileiro de Medicina do Esporte.

Este documento pode ser reproduzido e distribuído, desde que seja identificado claramente como um Posicionamento Oficial da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2000
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