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Impactos do desmatamento e de mudanças climáticas nos recursos hídricos na Amazônia ocidental utilizando o modelo SLURP

Impacts of deforestation and climate change on water resources in the Western Amazon using the SLURP model

Resumos

O modelo hidrológico semi-distribuído SLURP foi utilizado nesta pesquisa com o objetivo de investigar os impactos causados pelas mudanças na cobertura e uso da terra, bem como mudanças climáticas sobre os processos hidrológicos na sub-bacia do rio Jamari. A metodologia adotada faz uso de imagens Landsat, MDE, dados de estações meteorológicas e postos pluviométricos, como parâmetros de entrada para o modelo. Cenários reais e extremos de desmatamento foram simulados, com base em dados do Prodes. Verificou-se aumento do escoamento superficial quando ocorre desmatamento, com aumento mais significativo na estação seca. Uma vez que uma menor quantidade de água é interceptada pelo dossel, a evapotranspiração e a infiltração também tendem a diminuir com o desmatamento. Com as mudanças climáticas, os cenários de aumento da temperatura e da precipitação tendem a aumentar a evapotranspiração e escoamento, e o aumento da temperatura e diminuição das precipitações tende a aumentar a evapotranspiração e diminuir o escoamento, a infiltração e a evaporação. Durante a estação seca, o escoamento tende a aumentar consideravelmente. Isso sugere que, se a taxa anual de desmatamento permanecer a mesma ou aumentar, problemas socioambientais podem agravar-se, tanto durante a estação seca, quanto a chuvosa.

Amazônia; Simulação hidrometeorológica; Escoamento superficial; Precipitação; Evapotranspiração


The semi-distributed hydrological model SLURP was used in this study in order to investigate the impacts caused by coverage/land usage and climate changes on hydrological processes in the Jamari River sub-basin. The methodology makes use of Landsat images, DEM, weather stations and rain gauges data, as input parameters to the model. Real and extreme deforestation scenarios were simulated based on Prodes data. When deforestation takes place an increase in runoff is observed, being more significant during the dry season. Since a smaller quantity of water is intercepted by the canopy, evapotranspiration and infiltration also tend to reduce with deforestation. With climate change scenarios of increased temperature and precipitation, evapotranspiration and runoff tend to increase; an increased temperature and decreased precipitation tends to increase evapotranspiration and reduce runoff, infiltration and evaporation. During the dry season, the flow tends to increase considerably. This suggests that, if the annual rate of deforestation remain the same or increase, socio- environmental problems can worsen during both the dry and rainy seasons.

Amazônia; Hidrometeorologic simulation; Runoff; Rainfall; Evapotranspiration


ARTIGOS

Impactos do desmatamento e de mudanças climáticas nos recursos hídricos na Amazônia ocidental utilizando o modelo SLURP

Impacts of deforestation and climate change on water resources in the Western Amazon using the SLURP model

Ranyére Silva Nóbrega

Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Ciências Geográficas, Recife, PE, Brasil. ranyere.nobrega@ufpe.br

RESUMO

O modelo hidrológico semi-distribuído SLURP foi utilizado nesta pesquisa com o objetivo de investigar os impactos causados pelas mudanças na cobertura e uso da terra, bem como mudanças climáticas sobre os processos hidrológicos na sub-bacia do rio Jamari. A metodologia adotada faz uso de imagens Landsat, MDE, dados de estações meteorológicas e postos pluviométricos, como parâmetros de entrada para o modelo. Cenários reais e extremos de desmatamento foram simulados, com base em dados do Prodes. Verificou-se aumento do escoamento superficial quando ocorre desmatamento, com aumento mais significativo na estação seca. Uma vez que uma menor quantidade de água é interceptada pelo dossel, a evapotranspiração e a infiltração também tendem a diminuir com o desmatamento. Com as mudanças climáticas, os cenários de aumento da temperatura e da precipitação tendem a aumentar a evapotranspiração e escoamento, e o aumento da temperatura e diminuição das precipitações tende a aumentar a evapotranspiração e diminuir o escoamento, a infiltração e a evaporação. Durante a estação seca, o escoamento tende a aumentar consideravelmente. Isso sugere que, se a taxa anual de desmatamento permanecer a mesma ou aumentar, problemas socioambientais podem agravar-se, tanto durante a estação seca, quanto a chuvosa.

Palavras-chave: Amazônia; Simulação hidrometeorológica; Escoamento superficial; Precipitação; Evapotranspiração.

ABSTRACT

The semi-distributed hydrological model SLURP was used in this study in order to investigate the impacts caused by coverage/land usage and climate changes on hydrological processes in the Jamari River sub-basin. The methodology makes use of Landsat images, DEM, weather stations and rain gauges data, as input parameters to the model. Real and extreme deforestation scenarios were simulated based on Prodes data. When deforestation takes place an increase in runoff is observed, being more significant during the dry season. Since a smaller quantity of water is intercepted by the canopy, evapotranspiration and infiltration also tend to reduce with deforestation. With climate change scenarios of increased temperature and precipitation, evapotranspiration and runoff tend to increase; an increased temperature and decreased precipitation tends to increase evapotranspiration and reduce runoff, infiltration and evaporation. During the dry season, the flow tends to increase considerably. This suggests that, if the annual rate of deforestation remain the same or increase, socio- environmental problems can worsen during both the dry and rainy seasons.

Keywords: Amazônia; Hidrometeorologic simulation; Runoff; Rainfall; Evapotranspiration.

1. INTRODUÇÃO

A importância da Amazônia nas mais diversas áreas de pesquisa demonstra o quanto a região afeta o equilíbrio da América do Sul e, dependendo da escala utilizada, do planeta. A biodiversidade da riqueza mineral e de recursos hídricos, sequestro de carbono e transporte de energia na atmosfera são recursos e processos importantes da região. A Amazônia, dessa forma, tem sido estudada recorrentemente em relação aos fluxos, entre atmosfera-superfície-vegetação que afetam o clima, hidrologia e a advecção de umidade para as regiões vizinhas.

Atualmente o desmatamento é o maior problema na bacia do rio Amazonas, e os impactos afetam tanto a escala local, quanto global. De fato, esta região é responsável por aproximadamente 13% de todo o escoamento superficial em direção aos oceanos (Foley et al., 2002), e sua abundante vegetação libera grande quantidade de vapor de água através da evapotranspiração levando a uma reciclagem na precipitação entre 25 a 35% (Brubaker et al., 1993; Eltahir e Bras, 1994; Trenberth, 1999; Nóbrega et al., 2005).

O estado de Rondônia, localizado na Amazônia ocidental, possui uma grande área de vegetação alterada pelo desmatamento. Historicamente, houve grandes incentivos fiscais do governo federal para que ocorresse uma expansão do desenvolvimento na região. Hoje, a preocupação com as mudanças no equilíbrio ambiental do Estado, justifica-se pelo aumento da pressão sobre as várias formas de exploração na região, por exemplo, extração de madeira, expansão agrícola e pecuária, construção de hidroelétricas e exploração das riquezas biológicas e minerais.

Krusche et al. (2005) sugerem as seguintes razões para o aumento do desmatamento: entre 1970 e 1990, houve um aumento na ocupação do estado com colonos provenientes de outras regiões do Brasil, com a pecuária extensiva tornando-se a principal atividade econômica; a prática da agricultura em áreas apropriadas também merece destaque. Ainda, segundo os autores, a ocupação observada foi do tipo "espinha de peixe", associada com a abertura de estradas.

A construção da BR-364, responsável por interligar o estado com o restante do país, foi um dos fatores responsáveis pelos grandes projetos de colonização/ocupação. No início, este processo de desmatamento foi visto como benéfico, sendo pré-requisito para a posse e posterior legalização da terra (Santos, 2001). Fearnside (2005) afirma que o principal aspecto de mudança na cobertura da terra na região é o desmatamento, e que vinha crescido ao longo dos anos.

As taxas de desmatamento no Estado durante os períodos de 1988 a 2007 (Tabela 1) seguiu, em geral, a mesma taxa que o desmatamento em toda a bacia Amazônica. O pico mais relevante ocorreu entre 1994 e 2005, e a partir de 2005 foi observada redução na taxa de desmatamento (Tabela 1).

Políticas públicas, objetivando combater o desmatamento ao longo da Amazônia. foram intensificadas nos últimos anos. Entretanto, pesquisas mostram que a taxa de desmatamento vem diminuindo, principalmente em unidades de conservação, ou seja, a diminuição na taxa pode ser devido ao fato de que agora tem-se uma área menor a ser desmatada (Nóbrega, 2008).

O propósito deste artigo é investigar os impactos que o desmatamento e mudanças no clima podem produzir no ciclo hidrológico da Amazônia Ocidental, com base em modelagem hidroclimática, levando-se em conta cenários próximos do real e extremos, bem como, a decomposição dos componentes do balanço hídrico.

2. METODOLOGIA

O estudo é centrado no estado de Rondônia, que tem uma área de aproximadamente 234.000km2. A rede hidrológica do estado é representada pelo rio Madeira (um importante tributário da bacia do Rio Amazonas) e seus afluentes que formam oito importantes sub bacias, entre elas, a sub bacia do rio Jamari (Figura 1). Aproximadamente 28% do estado de Rondônia já foi desmatado, com maior concentração nesta bacia, justificando a sua escolha para este estudo.


A bacia do rio Jamari vem sofrendo com um substancial desmatamento devido o avanço da fronteira agrícola no estado. A bacia é cortada por dois importantes rios, chamados de Jamari e Candeias. O rio Jamari tem sua nascente na parte sudoeste da Serra do Pacaás Novos, em Rondônia, e seus afluentes se direcionam para norte do ramo direito do rio Madeira, com delimitação geográfica de 08º 28'S a 11º 07'S de latitude e 62º 36'O a 64º 20'O de longitude com aproximadamente 29.066,68 km² de área.

O modelo hidrológico Semi-distributed Land Use-based Runoff Processes (SLURP) foi utilizado com informações paramétricas de entrada detalhadas na pesquisa para investigar os impactos causados pelo desmatamento, bem como, mudanças nos processos do ciclo hidrológico da bacia do rio Jamari. Cenários realísticos e extremos de desmatamento foram analisados, assim como cenários de aumento de temperatura e aumento/diminuição de precipitação.

Para maiores detalhes e informações sobre a descrição dos processos físicos, recomenda-se a leitura de Nóbrega (2008) e Kite (2005).

2.1 Modelagem hidrológica

O SLURP é um modelo que simula o ciclo hidrológico da precipitação até a vazão, incluindo o desempenho de reservatórios, represas e planejamento de irrigação. Ele pode ser utilizado para examinar os efeitos de mudanças propostas no gerenciamento hídrico na bacia ou para ver que efeitos os fatores externos como a mudança no clima ou mudança na cobertura da terra podem ocasionar. O modelo utiliza dados climáticos disponíveis localmente e imagens de satélite para mapeamento da cobertura da terra, índices de vegetação, área foliar, albedo e cobertura de nuvens (para distribuição de precipitação).

Em sua operacionalização, primeiro o modelo divide a bacia em sub bacias com base na topografia e na cobertura da terra, tendo como base o conceito de áreas hidrologicamente homogêneas (do inglês Grouped Response Units – GRU), que surgiu no final da década de 80 e contribuiu significativamente para a modelagem de grandes bacias (Kite, 2005). A aplicação do conceito de GRU's consiste na divisão da bacia hidrográfica em áreas de acordo com as características de tipo de solo, uso do solo, cobertura vegetal e/ou topografia do terreno. As áreas homogêneas podem ser descontínuas e são representadas no modelo em termos percentuais com relação à área total analisada. A grande vantagem dessa ferramenta está na capacidade de auxiliar na representação da distribuição espacial do balanço hídrico do solo, ou seja, as equações podem ser utilizadas em cada GRU. O SLURP define estas áreas como Aggregated Simulation Areas (ASA).

O modelo utiliza basicamente três tipos de dados: i) modelo digital de elevação do terreno (MDE); ii) tipo de cobertura de superfície; e iii) dados climáticos. A matriz dos dados MDE e de cobertura da terra tem que ter a mesma dimensão. Os dados climáticos são: precipitação, temperatura do ar, temperatura do ponto de orvalho (ou umidade relativa), radiação solar e intensidade do vento.

O modelo tem sido aplicado em vários países, tanto em grandes bacias hidrográficas, como a do rio Mackenzie, como em pequenas e foi desenvolvido para usar dados de sensores remotos. As aplicações incluem estudos de mudanças climáticas (Kite, 1993), geração de energia (Kite et al., 1998), produtividade hídrica (Kite, 2005), irrigação (Kite e Droogers, 1999), refúgios de fauna (de Voogt et al., 1999), contribuição do degelo na vazão (Laurente e Valeo, 2003; Thorne e Woo, 2006), e grandes reservatórios de abastecimentos (Thorne e Woo, 2006). Na Amazônia o modelo ainda não foi utilizado, e sua aplicação conceitual permite que seja aplicado em regiões com deficiência de dados, bem como na possibilidade do uso de sensores remotos, que permite obter parâmetros físicos com boa precisão, incluindo em bacias com pequena inclinação, como é o caso de algumas sub bacias do Rio Amazonas.

2.2 Dados

O MDE utilizado foi da Shuttle Radar Topography Mission (SRTM) com resolução horizontal de 90m para obter a topografia. Na correção de falhas, foi utilizada a técnica da filtragem espacial interativa, disponível no software ENVI.

Os dados de cobertura da terra foram derivados de 7 cenas do Landsat 7, do ano de 2007, com resolução espacial de 30m, disponibilizadas pelo Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM). Primeiramente as imagens foram georrefenciadas e então o mosaico foi composto. Depois foi calculado o Índice de Vegetação Normalizada (NDVI) através de uma classificação supervisionada para obter os dados de cobertura da terra. Então, os dados foram extrapolados para 90m de resolução, porque o SLURP necessita que a matriz de cobertura da terra tenha a mesma dimensão que a do MDE. Finalmente, os dados foram classificados em quatro classes: água, floresta, sem floresta e urbanizada. A classe sem floresta inclui áreas com vegetação típica de cerrado, pasto, culturas agrícolas e solo exposto.

2.3 Dados climáticos, precipitação e vazão

Os dados hidroclimáticos são as principais dificuldades na modelagem hidrometeorológica da Amazônia. As séries de dados disponíveis são curtas e apresentam falhas, de modo que os resultados de modelagens numéricas podem apresentar incertezas maiores decorrentes deste fato. Foram utilizados dados de quatro estações com informações de precipitação, temperatura do ar e do ponto de orvalho disponibilizadas pela Secretaria de Desenvolvimento Ambiental do Estado de Rondônia (SEDAM). Também foram utilizados dados de mais cinco postos pluviométricos da Agência Nacional das Águas (ANA). Os dados são diários e compreendem o período de 1 de janeiro de 1999 a 31 de dezembro de 2007.

2.4 Critérios de avaliação do modelo

O desempenho do modelo foi avaliado utilizando quatro diferentes medidas de erro: coeficiente de Nash e Sutcliffe (NS), percentual BIAS (PBIAS), razão do desvio padrão (RSR), e desvio do volume (D%) (Zhi et al., 2009; Moriasi et al., 2007; Kite, 2005). As equações são apresentadas abaixo:

Em que Qobs e Qmod são as medidas dos dados observados e modelados, respectivamente, e n o número total de dados. O coeficiente pode variar entre -∞ e 1 e representa a oscilação total dos dados que é explicado pelo modelo. O modelo é considerado ótimo se NS=1, apropriado e bom, se NS > 0,75, aceitável, se 0,36 < NS < 0,75) e inaceitável se NS < 0,35. Se NS < 0, o previsor é pior do que a média (Nóbrega, 2008).

Em que Qobs e Qmod são os dados observados e modelados, respectivamente. O valor ótimo para PBIAS é zero. Valores de magnitude baixa indicam a acurácia da simulação; PBIAS > 0 indica subestimação do modelo; e PBIAS < 0 indicam superestimação (Zhi et al., 2009)

Em que REMQ é a raiz do erro médio quadrático e STDEobs é o desvio padrão dos dados observados. O RSR varia de um valor ótimo zero, que indica variabilidade residual zero e então simulação perfeita, para valores positivos; quanto mais próximo de zero melhor a precisão do modelo (Zhi, 2009; Kannan et al., 2007).

Este critério é simplesmente uma transformação dos fluxos médios calculados e observados para o período simulado, ou seja, é um teste estatístico que compara os volumes de descargas simuladas e medidas durante o evento, gerando informações da qualidade do balanço de água total modelado. Um valor zero indica que não há diferença entre os volumes medidos e simulados. Um valor positivo indica subestimação dos volumes simulados (perdas na origem). Um valor negativo indica que o fluxo médio calculado está alto (perdas nos sumidouros) (Kite, 2005).

3. SIMULAÇÕES

Baseado no percentual de desmatamento na bacia hidrográfica obtido com os dados do Projeto Prodes (Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite, coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) (Tabela 2), foram definidos dois cenários: i) DESMAT+20, com 20% a mais de área desmatada, e ii) DESMAT+30, com 30% a mais de área desmatada. Foram também definidos três cenários extremos de cobertura da terra para analisar a relação entre a mudança de cobertura e uso do solo com o escoamento superficial dentro do modelo SLURP. Os cenários foram: i) 100%FLOR, 100% com floresta e água, ii) 100%SEMFLOR, 100% com vegetação de cerrado, pasto, culturas agrícolas e solo exposto, e iii)100%ANTROP, com 100% urbanizado pelo homem (cobertura da terra totalmente modificada). Nas simulações de mudanças climáticas foram analisados dois cenários baseados em projeções futuras do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), cenário A2, para 2050 em diante, discutidos em Marengo (2006b). Em ambos os cenários foi assumido que a temperatura aumentará 2ºC, e a precipitação varia com 20% de aumento ou diminuição. Os cenários climáticos foram: i) P+20, significando aumento de 20% de precipitação e 2ºC de temperatura, e ii) P-20, significando diminuição de 20% de precipitação e aumento de 2ºC de temperatura.

3.1 Problemas identificados – implementação de medidas de correção necessárias

O modelo SLURP necessita de dados de estações climáticas que contenham precipitação, temperatura, umidade e vento. A média é calculada usando o método do polígono de Thiessen para cada ASA. Se não existir dados, o modelo não conclui a simulação (por exemplo, se existir dados de precipitação, mas não existir os dados de temperatura).

Em alguns países, como no Brasil, é comum a densidade da rede de postos pluviométricos ser maior do que a rede de estações meteorológicas, porém a compilação do modelo não permite utilizar estes dados. Com o objetivo de superar esta limitação, foi desenvolvido uma metodologia que possibilite utilizar os dados das estações sem alterar o código fonte do modelo. O método adotado é baseado no conceito da variabilidade espacial da precipitação ser maior do que outros elementos climáticos, como a temperatura. Então, foram calculadas a precipitação média para cada ASA usando o método de Thiessen, incluindo os dados de postos pluviométricos, sem o uso do modelo. Após isso, os arquivos de precipitação gerados para cada ASA foram substituídos no modelo.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A sub bacia do Rio Jamari foi automaticamente dividida em cinco áreas similares agregadas (ASAs), baseadas nos dados de cobertura da terra e MDE (Figura 2). Para cada ASA foi calculado o percentual da área ocupada por cada uma das 4 classes de tipos de cobertura da terra adotadas: i) água, ii) floresta, iii) sem floresta, e iv) urbanizada (Tabela 3). A área total obtida pelo modelo foi de 28.847 km2, que representa aproximadamente 99% da área total, de acordo com dados da Agência Nacional das Águas.


4.1 Calibração e verificação

O modelo foi calibrado e verificado utilizando dois diferentes tipos de dados: i) dados das estações meteorológicas (OBS1) e, ii) dados das estações meteorológicas e dos postos pluviométricos (OBS2). Obviamente que é esperado que o uso de uma rede mais densa de dados de precipitação, dentro da bacia, resulte em simulações melhores, desde que a qualidade dos dados seja consistente, porém não estava claro se o modelo iria aceitar a modificação realizada manualmente.

O NS, RSR, PBIAS e D (%) para o período de calibração dos dados OBS2 (OBS1) foram 0,88 (0,74), 0,31 (0,45), -7% (-12%) e -0,94% (-10,1%), respectivamente. Para o período de validação foram 0,84(0,71), 0,34(0,48), -8%(-15%) e -13,4(-10,3), respectivamente. Os critérios de verificação de eficiência indicam que os valores são aceitáveis tanto durante a calibração, quanto durante o período de validação (Tabela 4), mas claramente o modelo apresentou desempenho superior quando incluído os postos pluviométricos (OBS2), portanto, os dados climáticos utilizados como entrada no modelo foram modificados manualmente.

4.2 Impactos do desmatamento

Levando-se em conta a taxa de desmatamento na área em estudo, os cenários foram hipotetisados para 2013 e 2016, respectivamente. Os resultados para o DESMAT+20% e DESMAT+30% indicam aumento do escoamento superficial comparando com a média de 1997 a 2007, de 825,3 m3.s-1 para 1048,1 m3.s-1 e 1163 m3.s-1, resultando em um aumento de 27% e 41%, respectivamente. Durante a estação seca (caracterizada por baixo escoamento superficial), o fluxo tende a diminuir mais ainda, o que é preocupante para a população local que usa estes rios para abastecimento humano, navegação (em alguns lugares da bacia, o único tipo de transporte), e também a geração de energia (Figura 3). Se estes cenários se tornarem reais, a sub bacia estará submetida a um padrão diferente de escoamento superficial que pode causar impactos socioeconômicos.


Diversos estudos sugerem que a contribuição local da evapotranspiração é responsável por aproximadamente 50% da precipitação que ocorre na Amazônia Ocidental (Nóbrega et al., 2005; Marengo, 2006a; Nóbrega, 2008). Portanto, a diminuição na cobertura de vegetação sobre a região pode alterar o padrão da precipitação na mesma região e na vizinhança, diminuindo o total de vapor de água originada nela, como consequência da diminuição da evapotranspiração observada nos cenários simulados. Este cenário, combinado com o aumento da vazão durante a estação seca, pode agravar os problemas socioambientais durante os períodos mais críticos.

Nas simulações utilizadas, a carga de sedimentos, que também afeta o nível do rio, não foi levado em conta, mas é esperado que com o desmatamento ocorra aumento de sedimentos devido o assoreamento.

4.3 Impactos das mudanças climáticas

Mudanças diárias no escoamento superficial devido às variações da temperatura e precipitação são mostradas na Figura 4. O efeito quando a precipitação aumenta ou diminui em 20% foi o esperado, ou seja, quando aumenta a precipitação o escoamento superficial também aumenta. No entanto, se observa que o aumento da precipitação responde de modo mais significativo do que a diminuição na região, pois para o cenário P+20, o escoamento aumenta em 31% e o cenário P-20, diminui em 13%. Estes resultados são mais perceptíveis durante a estação chuvosa (Figura 5), o que pode levar a um efeito crítico, afetando a navegação, produção agrícola, consumo humano e geração de energia.



Com relação aos componentes do balanço hídrico, ocorre diminuição da precipitação e o aumento da temperatura tende a aumentar a evapotranspiração e a transpiração, enquanto que a evaporação e a infiltração diminuem. Este resultado induz a um possível estresse hídrico, uma vez que a transpiração aumenta, porém a oferta hídrica diminui em 20%. Já para o aumento da chuva e da temperatura, há aumento em todos os componentes (Figura 6). Em termos percentuais, comparando as mudanças ocorridas entre o cenário atual e os simulados, a evapotranspiração aumenta de 22% para 24%, a evaporação aumenta de -13% para 31%, a transpiração aumenta de 37% para 40%, e a infiltração aumenta de 11% para 13% para as simulações P-20 e P+20, respectivamente.


Quando modificada a cobertura da terra para 100%FLOR, a média anual do escoamento superficial diminui de 825,3 m3.s-1 para 329,1 m3.s-1, isto é, diminui aproximadamente 60%. Por outro lado, com os cenários 100%SEMFLOR e 100%ANTROP, o escoamento superficial aumenta para 2.313,1 m3.s-1 e 1.729,4 m3.s-1, aumentando 181% e 109% da média anual observada, respectivamente. Embora os cenários extremos não sejam realistas, os resultados são elucidativos por clarificar a resposta não-linear do ciclo hidrológico, devido às mudanças progressivas na cobertura da terra (Figura 7).


Os parâmetros que mais influenciaram estes resultados estavam relacionados com a quantidade de água disponível no solo para a evaporação e interceptação do dossel, que foram modificados de acordo com o tipo de cobertura da terra. Alta interceptação no cenário 100%FLOR induz a uma redução da precipitação, que atinge o solo e então reduz o escoamento superficial. Há também uma redução da água disponível para a evaporação. Além disso, o aumento do escoamento nos cenários 100%SEMFLOR e 100%ANTROP foram devido a substancial diminuição na evapotranspiração e interceptação da precipitação pelo dossel. Vale a pena mencionar que nesta análise foi utilizada a mesma série de precipitação para todos os cenários, mas a precipitação na região tem sua intensidade influenciada pela evapotranspiração (Nóbrega et al., 2005). Assim, diminuição na evapotranspiração, tende a reduzir a precipitação. O uso do SLURP acoplado a modelos atmosféricos podem revelar mais sobre este mecanismo de realimentação em estudos futuros.

A evapotranspiração varia ligeiramente entre os cenários, exceto para o cenário 100%SEMFLOR, no qual é de aproximadamente 90% do valor dos outros cenários. Entretanto, quando a troca de água entre a superfície e a atmosfera é dividida entre evaporação e transpiração, as peculiaridades de cada cenário são bastante evidentes. Em 100%FOR, a transpiração contribuiu para o aumento da evapotranspiração, o que é óbvio, uma vez que neste cenário, a interação entre a superfície e a atmosfera livre é dominada pela troca de processos no dossel da vegetação. Em 100%SEMFLOR, a cobertura da terra formada por vegetação típica de cerrado e pasto faz com que a transpiração seja aproximadamente o dobro da evaporação. Em 100%ANTROP, o solo desmatado, com característica urbanizada implica em uma maior contribuição na evaporação do que na transpiração, sendo que o aumento na evaporação é de aproximadamente 3 vezes. Nesta simulação, é importante ressaltar que além da diminuição da vegetação, há a diminuição da infiltração devido a impermeabilização do solo.

A evapotranspiração e a infiltração reduzem ligeiramente com a diminuição da área de floresta, quando compara-se os cenários de tendência. Em termos numéricos, a evapotranspiração diminuiu de 30% para 20%, e a infiltração diminuiu de 20% para 8%. Enquanto que o desmatamento leva a uma menor interceptação de água pela vegetação, a contribuição da evaporação aumenta com a expansão da área desmatada.

É importante mencionar que a simulação não leva em consideração os impactos que o desmatamento causaria nas variáveis climática, porém, com os resultados é possível concluir que o desmatamento modifica substancialmente os processos físicos do ciclo hidrológico.

Apesar de alguns atores encontrarem aumento de precipitação em áreas desmatadas (Li et al., 2007), os resultados aqui evidenciam que se o desmatamento continuar a aumentar, as mudanças no ciclo hidrológico podem ocasionar grandes transtornos para o ambiente natural e a sociedade local. As mudanças no uso e cobertura da terra, assim como as climáticas, podem levar o sistema atual para um novo equilíbrio seco e a vegetação será modificada para se adaptar as mudanças climáticas.

5. CONCLUSÕES

Estudos de modelagem dos impactos do desmatamento e de mudanças climáticas nos recursos hídricos da Amazônia já foram realizados, no entanto, este estudo propõe o uso de um modelo semi-distribuído que não necessita de grandes quantidades de parâmetros de entrada, bem como, também faz uso de dados de sensores remotos.

Primeiramente foi necessário certificar-se se o modelo poderia ser utilizado na região, devido à falta de dados meteorológicos e por se tratar de uma região com relevo pouco acidentado, quase plano, o que normalmente é um dificultador para modelagem hidrológica. Com base nos critérios de NASH, RSR, PBAS e D%, conclui-se que os valores obtidos são aceitáveis para que o modelo seja utilizado, mesmo com as limitações existentes. Além disso, como o SLURP é um modelo semi-distribuído, ele necessita de menos parâmetros de inicialização do que os modelos distribuídos, sendo capaz de realizar os cálculos mais rápido.

O desmatamento na Amazônia vem ocorrendo há algumas décadas e a taxa de crescimento anual é perceptível. Ademais, este fato pode ser influenciado por fatores climáticos e socioeconômicos. As simulações de uso e cobertura da terra indicaram que há um aumento no escoamento superficial quando o desmatamento ocorre, tanto no cenário de tendência, quanto no extremo, associado com a baixa interceptação da água pelo dossel. Se a taxa de desmatamento continuar a ser de aproximadamente 3,45% ao ano na bacia, as simulações preveem que o escoamento superficial aumentará 27% para 2013 e 41% para 2016. A Usina Hidroelétrica de Samuel, localizada na bacia do rio Jamari, começou a ser construída em 1982. Entre 2004 e 2006, as comportas da usina foram abertas porque o nível do rio chegou ao máximo, mesmo com volume de chuva dentro do normal. Este fato pode ser tornar mais frequente com o desmatamento.

Os cenários de mudanças climáticas permitem concluir que o aumento da precipitação responde de modo mais significativo do que a diminuição, podendo produzir impactos nos transportes, consumo humano, geração de energia, inundações em áreas urbanas e prejuízos econômicos advindo das práticas agrícolas e pecuárias.

6. AGRADECIMENTOS

O autor agradeçe à FINEP pelo financiamento do Projeto Remam, ao Prof. Geoff Kite pelo apoio científico e aos revisores anônimos pelas valiosas contribuições e considerações.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido Agosto de 2013

Aceito Outubro de 2014

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 2014

Histórico

  • Aceito
    Out 2014
  • Recebido
    Ago 2013
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