Metástase iridociliar presumida de carcinoma mamário: relato de caso

Presumed iridociliary metastasis of breast carcinoma: case report

RESUMO

A metástase ocular é uma patologia incomum, principalmente quando se considera a íris como sítio da metástase. Apesar de incomum, a metástase ocular possui o câncer de mama como um de seus principais sítios primários. Ocasionalmente, a manifestação oftalmológica pode ser primária a qualquer outra clínica. Este artigo relata o caso de uma paciente com carcinoma de mama ductal invasivo com presumida metástase em corpo ciliar e íris em olho direito. O diagnóstico precoce interfere de forma significativa na evolução do quadro, sendo necessário o acompanhamento oftalmológico.

Neoplasias da mama; Mestástase; Metástase neoplásica; Neoplasias oculares

ABSTRACT

Ocular metastasis is an uncommon pathology, especially when considering the iris as the site of metastasis. Although uncommon, eye metastasis has breast cancer as one of its main primary sites. Occasionally, the ophthalmologic manifestation may be primary to any other clinical manifestation. This article reports the case of a patient with invasive ductal breast carcinoma with presumed metastasis in the ciliary body and iris in the right eye. Early diagnosis significantly affects the evolution of the condition, requiring ophthalmologic follow-up.

Breast neoplasms; Metastasis; Neoplastic metastasis; Eye neoplasms

INTRODUÇÃO

O câncer de mama é uma das fontes mais comuns de metástase ocular, com incidência que varia entre 5 e 30%.( ¹ , ² ) Um fator relevante para o desenvolvimento de focos malignos oculares é a disseminação da doença nos pulmões e no cérebro, por via hematogênica.( ² ) Cerca de 88% dos tumores metastáticos oculares ocorrem na coroide, enquanto apenas 9% ocorrem na íris, raramente em corpo ciliar (2%), o que é justificado pelo menor fluxo sanguíneo.( ³ , ⁴ )O câncer de mama é a neoplasia mais comum em mulheres, sendo a segunda causa neoplásica de maior mortalidade. Apesar das inúmeras ferramentas disponíveis para o rastreio e diagnóstico precoce desse tipo de câncer, como mamografia e ultrassonografia de mama, estima-se que até um terço dos pacientes são diagnosticados com doença metastática.( ¹ ) Embora incomum, a metástase ocular pode representar a manifestação clínica inicial de um tumor primário não diagnosticado. Dessa forma, oftalmologistas podem desempenhar papel fundamental na detecção de um tumor primário de mama desconhecido. Este artigo com termo de consentimento livre e esclarecido autorizado pelo paciente, relata um caso raro de neoplasia de mama com metástase ocular, o que demonstra a importância da avaliação oftalmológica para o diagnóstico e tratamento.

RELATO DE CASO

Paciente de 61 anos, sexo feminino, compareceu ao Serviço de Oftalmologia em 2021 com relato de baixa acuidade visual súbita e dolorosa em olho direito há 5 dias, sem sintomas associados e ausência de patologia ocular prévia.

Citava história patológica pregressa de câncer de mama à esquerda do tipo carcinoma ductal invasivo em 2017. Foi submetida à quadrantectomia em mama esquerda, com posterior quimioterapia e radioterapia. Em 2020, apresentou recidiva pulmonar, hepática, adrenal e lesões líticas em coluna torácica. Realizou nova quimioterapia, com base em platina. Não tinha antecedentes familiares dignos de nota.

Ao exame oftalmológico, apresentava acuidade visual corrigida de movimento de mãos no olho direito (OD) e 20/40 no olho esquerdo (OE). À biomicroscopia de OD, apresentava leve hiperemia conjuntival, precipitados ceráticos granulomatosos, reação de câmara anterior (RCA) leve (+/++++), corectopia, massa sólida, globosa, contorno irregular e coloração branco-acinzentada, acometendo a base da íris e a malha trabecular em região temporal inferior (6 a 8 horas), catarata nuclear 2+ ( Figura 1 ). O OE não tinha sinais inflamatórios, a câmara anterior era formada, e observava-se catarata nuclear 1+. A pressão intraocular em OD era de 16mmHg e em OE de 12mmHg. A fundoscopia era normal em ambos os olhos, sem sinais de lesão de retina ou coroide.

Figura 1
Segmento anterior demonstra extensa massa tumoral (seta) heterogênea na íris entre 6 e 8 horas em exame inicial.

Devido à história patológica pregressa e à lesão sugestiva neoplásica, solicitaram-se biomicroscopia ultrassônica (UBM) e tomografia computadorizada (TC).

A paciente retornou em 30 dias com queixa de dor ocular moderada/intensa. Ao exame oftalmológico em OD, apresentou injeção ciliar com edema corneano 2+, precipitados ceráticos granulomatosos, média midríase, hifema que acometia um terço da câmara anterior, corectopia, pressão intraocular de 48mmHg ( Figura 2 ).

Figura 2
Imagem demonstrando hifema (seta) em câmara anterior 30 dias após primeira consulta.

A UBM evidenciou lesão em OD sugestiva de doença metastática de íris e corpo ciliar, câmara anterior preenchida parcialmente por uma coleção de ecos puntiformes de baixa ecogenicidade, sugestiva de infiltração do trabeculado ou hifema ( Figura 3 ). A TC demonstrou pequena imagem nodular em baixo sinal T2, com discreto realce periférico, medindo 5mm, lesão em ângulo lateral inferior do globo ocular, com leve realce da coroide adjacente. Foram indicados: hipotensores oculares; corticoide oral; duas injeções intravítrea de bevacizumabe 1,25mg/0,05mL, com intervalo de 30 dias entre cada injeção; e quimioterapia com docetaxel 75mg/m², a cada 21 dias. Não foram registrados efeitos colaterais durante o tratamento.

Figura 3
Biomicroscopia ultrassônica com lesão ciliocoroidal sólida (setas) entre 6 e 8 horas, globosa, com paredes média ecogenicidade, dimensões de 6,32mmx275mmx451mm (transverso o último), com arquitetura interna heterogênea e pequenos espaços anecoicos (presença de vasos). Sugestiva de doença metastática iriana.

Após 1 mês da última consulta, referiu melhora dos sintomas oculares. Ao exame oftalmológico, a acuidade visual em OD era de 20/400, com conjuntiva clara, precipitados ceráticos hiperpigmentados e regressão de massa tumoral. Manteve corectopia, catarata nuclear 3+, pressão intraocular 18mmHg ( Figura 4 ). Foi mantido o uso de hipotensores oculares e corticoide.

Figura 4
Imagem demonstrando redução de massa tumoral, bem como resolução de hifema após 30 dias de injeção de bevacizumabe.

Continuou o seguimento ambulatorial nos Serviços de Oncologia Clínica e Oftalmologia, sem sintomas oculares, porém com evidência de progressão de doença primária, em TC, com metástases hepática, pulmonar e suprarrenal, evoluindo para óbito 3 meses após o diagnóstico do carcinoma metastático iridociliar.

DISCUSSÃO

Tumores de íris metastáticos são de difícil diagnóstico em estágios iniciais. A maioria dos pacientes com metástase de íris apresenta perda progressiva da visão, hiperemia e dor ocular. Outros relatos mostraram glaucoma secundário e hifema causado pela neovascularização.( ⁵ )A acuidade visual, neste caso, era de movimento de mãos no momento do diagnóstico; ao exame apresentava glaucoma secundário à invasão da neoplasia na malha trabecular.

O diagnóstico dessa patologia inclui o exame clínico oftalmológico, sendo visualizada à biomicroscopia grande variedade de achados, como nódulos de íris ou no ângulo da câmara anterior, uveíte anterior, rubeosis iridis, atrofia de íris, hipópio, hifema e glaucoma secundário. O aspecto característico das metástases de íris é de lesão branco-acinzentada, normalmente vascularizada.( ⁶ ) Exames de imagem, como a UBM e a TC, têm importante papel na avaliação dos tumores do segmento anterior, já que oferecem informação precisa sobre localização e dimensões das lesões, que normalmente apresentam aspecto sólido heterogêneo e com pequenos espaços anecoicos interiormente, que falam a favor da presença de vasos. A biópsia por agulha fina da lesão iriana é indicada principalmente quando se desconhece o sítio primário, dando o diagnóstico definitivo de metástase.( ⁷ ) O principal diagnóstico diferencial é o melanoma de íris, que se apresenta como uma massa pigmentada de crescimento gradual, com distorção mínima da arquitetura da íris e assintomática.( ⁵ ) Considerando a história pregressa de câncer de mama, exames clínico e de imagem, além do estado clínico da paciente com prognóstico reservado, optou-se pelo diagnóstico presumido de carcinoma iridociliar metastático, sem realização da biópsia por agulha fina da lesão.

A neoplasia de mama é a causa mais comum de metástase de íris em mulheres, seguida de câncer de pulmão e melanoma cutâneo. Embora incomum, uma vez detectada a metástase, há um tempo médio de sobrevida de 10 meses.( ⁸ ) Nesse contexto de prognóstico reservado, ganham importância os meios de tratamento de fácil administração, minimamente invasivos e eficazes para melhora da qualidade de vida do paciente.( ⁴ ) No relato apresentado, o tempo de vida da paciente entre o diagnóstico da patologia ocular e o óbito foi de 3 meses.

O tratamento depende da agressividade, da localização e extensão do tumor, dos sintomas, do grau de controle quimioterápico, da resposta à radioterapia e do sítio primário. Alguns tumores metastáticos uveais regridem após o tratamento do tumor primário e não requerem tratamento ocular específico.( ⁹ ) Até o momento, as opções de tratamento para tumor ocular metastático incluem radioterapia, quimioterapia sistêmica, implante de placa de radioterapia, fotocoagulação a laser , terapia hormonal oral (casos de tumores receptores hormonais positivos), antiangiogênicos intravítreo (anti-VEGF) e até enucleação. A retirada do globo ocular fica reservada para casos de dor ocular intratável. Recentemente, estudos têm demonstrado que a injeção intravítrea de bevacizumabe tem bons resultados e regressão parcial do tumor. Outras opções que têm tido notoriedade são: termoterapia transpupilar com laser infravermelho e terapia fotodinâmica com verterporfina.( ³ ) A angiogênese desempenha papel importante na patogênese das metástases, bem como neovascularização da íris e no glaucoma neovascular.( ¹⁰ ) No caso relatado, a utilização da quimioterapia sistêmica, associada ao anti-VEGF, apresentou redução importante da massa tumoral, redução do hifema e da pressão intraocular, consequente melhora sintomática, diminuição da dor e melhora parcial da visão.

A incidência de câncer de mama tem aumentado especialmente no mundo desenvolvido. A melhora do rastreamento, a detecção precoce e as modalidades de tratamento alteraram de maneira positiva o prognóstico e o tempo de sobrevida de paciente com essa patologia. Como o diagnóstico e o tratamento precoce alteram positivamente o prognóstico do enfermo, pacientes com histórico de câncer de mama, apresentando qualquer sintoma ocular, devem ser avaliados, levando-se em consideração a presença de metástase ocular. O oftalmologista deve ter ciência dessa entidade, oferecendo ao paciente acompanhamento multidisciplinar, com as equipes de oftalmologia e oncologia, atuando em sinergismo.( ¹ , ² )

O câncer de mama é a neoplasia mais comum em mulheres, sendo também a causa mais comum de metástase de íris. Embora incomum, a metástase ocular pode representar a manifestação clínica inicial de um tumor primário não diagnosticado. O diagnóstico precoce interfere de forma significativa na evolução do quadro, sendo necessária a manutenção do acompanhamento oncológico e oftalmológico, com o intuito de detectar tão logo recidivas locais e metástases a distância.

REFERÊNCIAS

• ¹
  Georgalas I, Paraskevopoulos T, Koutsandrea C, Kardara E, Malamos P, Ladas D, et al. Ophthalmic metastasis of breast cancer and ocular side effects from breast cancer treatment and management: mini review. Biomed Res Int. 2015;2015:574086.
• ²
  Konstantinidis L, Damato B. Intraocular metastases--A review. Asia Pac J Ophthalmol (Phila). 2017;6(2):208-14.
• ³
  Ozawa H, Usui Y, Takano Y, Horiuchi N, Kuribayashi T, Kurihara T, et al. Iris metastasis as the initial presentation of metastatic esophageal cancer diagnosed by fine needle aspiration biopsy: A case report. Medicine (Baltimore). 2021;100(22):e26232.
• ⁴
  Vale S, Montalvo L, Baez E, Oliver AL. Intravitreal bevacizumab as therapy for refractory neovascular glaucoma secondary to iris metastasis of breast carcinoma. Am J Ophthalmol Case Rep. 2018;9:45-47
• ⁵
  Raval V, Saldanha M, Mittal R, Das T. Intravitreal bevacizumab in treatment of iris metastasis from primary lung carcinoma. BMJ Case Rep. 2019;12(9):e231097.
• ⁶
  Shields JA, Shields CL, Kiratli H, de Potter P. Metastatic tumors to the iris in 40 patients. Am J Ophthalmol. 1995;119(4):422-30.
• ⁷
  Shields CL, Manquez ME, Ehya H, Mashayekhi A, Danzig CJ, Shields JA. Fine-needle aspiration biopsy of iris tumors in 100 consecutive cases: technique and complications. Ophthalmology. 2006;113(11):2080-6.
• ⁸
  Weiss L. Analysis of the incidence of intraocular metastasis. Br J Ophthalmol. 1993;77(3):149-51.
• ⁹
  Manquez ME, Shields CL, Karatza EC, Shields JA. Regression of choroidal metastases from breast carcinoma using aromatase inhibitors. Br J Ophthalmol. 2005;89(6):776-7.
• ¹⁰
  Michels S, Rosenfeld PJ, Puliafito CA, Marcus EN, Venkatraman AS. Systemic bevacizumab (Avastin) therapy for neovascular age-related macular degeneration twelve-week results of an uncontrolled open-label clinical study. Ophthalmology. 2005;112(6):1035-47.

• Instituição de realização do trabalho: Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória.

• Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Jun 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  18 Dez 2022
• Aceito
  10 Mar 2023