Análise do perfil epidemiológico dos pacientes submetidos a transplante de córnea no Espírito Santo

Resumo

Objetivo:

Descrever o perfil epidemiológico dos pacientes submetidos a transplante de córnea no estado do Espírito Santo.

Métodos:

Estudo transversal e descritivo realizado entre o período de janeiro de 2017 a janeiro de 2018, com o total de 1310 cadastrados na Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos do Espírito Santo (CNCDO/ES) por meio do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) e que foram submetidos a transplante de córnea. Os dados foram apresentados em estatística descritiva como frequências e mediana e a análise dos dados foi realizada com o software SPSS versão 23.

Resultados:

em relação à frequência, obteve-se 54,3% do gênero feminino, 57,33% (751) provenientes da Região Metropolitana de Vitória. Os pacientes do Espírito Santo correspondem a 86% da frequência na fila, seguidos por Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, que juntos correspondem a 6,3%. O principal diagnóstico na indicação de transplante foi a Ceratopatia Bolhosa (25,9%), seguido por Ceratocone (16,5%) e Ceratite Intersticial (15,5%). A média de tempo de espera foi de 195 dias, sendo no máximo 1345 dias. Verificou-se que 1310 pacientes foram transplantados de córnea, a faixa etária dos transplantados é de 57 anos, sendo a maioria destes da Região Metropolitana de Vitória.

Conclusão:

Os diagnósticos mais prevalentes nos pacientes transplantados no Espírito Santo foram Ceratopatia Bolhosa e Ceratocone, em pacientes majoritariamente do sexo feminino, 57 anos em média, da região metropolitana da grande Vitória e provenientes do próprio estado. O estudo permite traçar estratégias de prevenção, cuidado e ações sociais de conscientização de doação de córnea.

Descritores:
Transplante de córnea/epidemiologia; Córnea/cirurgia; Pesquisa nos Serviços de Saúde

Abstract

Objective:

To describe the epidemiological profile of patients submitted to corneal transplantation in state of Espirito Santo, Brazil.

Methods:

Transversal and descriptive study, with 1301 patients, in the period of January 2017 until to January 2018, the patients were registered in the Central Notification, Captation and Distribution of Organs of Espirito Santo (CNCDO/ES) through the National Transplant System (SNT) and submitted to corneal transplantation. The data were shown as descriptive statistics (frequencies and medians) and analysis of the data was performed using SPSS software, 23 version.

Results:

In relation to frequency, it was obtained 54.5% female, 57.33% from the metropolitan area of Vitória. Eighty-six percent were patients from Espirito Santo and the others 6.3% were from Rio de Janeiro, Minas Gerais and Bahia. The main indications for corneal transplantation were Bullous Keratopathy (25.9%), Keratoconus (16.5%) and interstitial keratitis (15.5%). The average of waiting time was 195 days and the longest was 1345 days. It was found that 1301 patients underwent corneal transplantation, they are in the 57-year age group, and the biggest part of them are from the metropolitan area of Vitória.

Conclusion:

The most prevalent diagnoses in patients submitted to corneal transplantation in state of Espirito Santo were Bullous Keratopathy and Keratoconus, in patients mostly female, 57 years old on average, from the metropolitan region of greater Vitória and from the state itself. The study allows to outline prevention strategies, care and social actions to raise awareness of corneal donation.

Keywords:
Corneal transplantation/epidemiology; Cornea/surgery; Health services research

Introdução

O Brasil é referência mundial na área de transplantes e possui o maior sistema público de transplantes do mundo. Atualmente, cerca de 96% dos procedimentos de todo o país são financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em números absolutos, o Brasil é o 2º maior transplantador do mundo, atrás apenas dos EUA.⁽¹⁾ No Brasil, para que aconteça uma doação de órgãos pós morte é necessária a autorização familiar, de acordo com a Lei nº. 10.211, de 23 de março de 2001.⁽²⁾

Atualmente, a legislação e organização brasileira estabelece uma rede descentralizada, dividida em quatro níveis hierárquicos e integrados: o Sistema Nacional de Transplantes (nacional), a Central Nacional de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNNCDO), a(s) Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) (regional e estadual) e as Comissões Intra-hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) (local). Além disso, ainda existe o Banco de Olhos que são instituições responsáveis pela retirada, transporte, avaliação, classificação, preservação, armazenamento e disponibilização dos tecidos oculares doados, realizando um controle de qualidade destes tecidos. Essas unidades coordenam o transplante em nível nacional, regional, estadual e local, desde o diagnóstico de morte encefálica à abordagem dos familiares e a retirada e alocação dos órgãos.^(3-6)

O Espírito Santo possui uma forte estrutura voltada para a área de transplantes de órgãos e tecidos que vem sendo particularmente desenvolvida. Em 2002, o Estado ocupava a 21ª posição no ranking nacional e em 2010 passou a ser o 3º Estado com melhor desempenho na área de transplantes. Atualmente, no Estado já são realizados transplantes de córnea, fígado, coração, osso, rim e medula óssea autólogo.⁽⁷⁾

A indicação de Transplante de córnea, no Brasil, varia em diferentes regiões do país. A córnea sadia tem transparência satisfatória e curvatura adequada. Se há perda de sua integridade, ela se torna embaçada, desfocada e a luz passa a não alcançar a retina, prejudicando sensivelmente a visão e provocando diversos transtornos que irão prejudicar o paciente no desenvolvimento das suas atividades diárias, podendo até mesmo ocasionar a perda completa da visão. A segunda causa de cegueira reversível no mundo é causada pelas doenças que afetam a córnea, dentre elas, doenças crônicas, inflamatórias, infecciosas, degenerativas e trauma, contribuindo para a necessidade de transplante do tecido.^(8,9) No transplante, uma córnea que perdeu a característica transparente é substituída por outra saudável. E, diferentemente dos órgãos – fígado, rim, pâncreas – a captação da córnea é mais fácil e menos restrita.⁽¹⁰⁾ Diante desses fatos, objetiva-se: descrever o perfil epidemiológico dos pacientes submetidos a transplante de córnea no Estado do Espírito Santo.

Métodos

Estudo transversal e descritivo em que foram avaliados registros da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos do Espírito Santo (CNCDO/ES) por meio do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), no Estado do Espírito Santo no período de janeiro de 2017 a janeiro de 2018. Obtivemos o total de 1310 registros de pacientes submetidos a transplante de córnea. A amostra foi selecionada por conveniência a partir de todos os registros de transplante do CNCDO/ES. Incluímos todos maiores de 18 anos, de ambos os sexos, que estão cadastrados na CNCDO/ES e que permaneceram em espera para transplante de córnea. Foram excluídos registros com dados incompletos, e menores de 18 anos de idade, pois transplantes realizados em crianças representam pequeno percentual e a quantidade de doenças que tem indicação para transplante de córnea em crianças é menor que em adultos. Os dados foram apresentados em estatística descritiva como frequências e mediana. A análise dos dados foi realizada com o software SPSS versão 23. Estudo aprovado pelo comitê de ética em pesquisa institucional, protocolo CAAE 91139418.2.0000.5065.

Resultados

Idade e sexo

Dentre os 1310 pacientes pesquisados, 54,3% eram do gênero feminino (Tabela 1), desse modo, houve discreto predomínio de mulheres pacientes submetidos a transplante de córnea no Estado do Espírito Santo.

Tabela 1
Gênero dos pacientes submetidos a transplante de córnea no Estado do Espírito Santo

Gênero	Quantidade	%
Feminino	711	54,3
Masculino	599	45,7
Total	1310	100

A faixa etária dos pacientes estudados teve um mínimo de 18 anos e máximo de 95 anos, foi observada uma mediana de 62 anos, média de 57 e desvio padrão de 20. A classificação por faixa etária não foi disponibilizada pela CNCDO/ES.

Distribuição da amostra pelas cidades

Os dados coletados (Tabela 2) demonstram que 57,33% (751) do total de transplantados no ES são da Região Metropolitana de Vitória. Os outros municípios caracterizados como interior do Estado, um total de 72 municípios, são responsáveis por 28,62% (375).

Tabela 2
Distribuição pela Região Metropolitana e Interior do Estado

	Frequência	Frequência
	absoluta	relativa (%)
Vitória	179	13,7
Vila Velha	199	15,2
Cariacica	127	9,7
Serra	192	14,7
Guarapari	36	2,7
Viana	15	1,1
Fundão	3	0,2
Interior do Estado	375	28,6
Outros Estados	184	14,1
Total	1310	100

Unidade Federativa de origem

Observou-se que o Espírito Santo é o que tem a maior frequência de pacientes submetidos a transplante de córnea dos cadastrados na CNCDO da sua região, correspondendo a 1126 pessoas (86%). Logo após, encontra-se o Rio de Janeiro (RJ) com uma frequência de 30 pessoas (2,3%), seguido de Minas Gerais (MG) com 28 pacientes (2,1%). Após MG, segue a Bahia (BA) com 25 pacientes (1,9%). Esses Estados correspondem ao maior número de unidades federativas de origem (92,3%).

Diagnósticos

Os diagnósticos oculares encontrados (Tabela 3) foram majoritariamente 25,9% com diagnóstico de ceratopatia bolhosa, seguido por 16,5% com ceratocone e 15,5% com ceratite intersticial. Essas três patologias juntas correspondem a 57,9% dos diagnósticos. Estão apresentados todos os diagnósticos que foram registrados pela CNCDO do Estado durante o período estudado (Tabela 3).

Tabela 3
Diagnóstico dos pacientes submetidos a transplante de córnea, cadastrados na Central de Notificação, Captação e Doação de Órgãos

Diagnóstico	Frequência	%
Ceratopatia bolhosa	339	25,9
Ceratocone	216	16,5
Ceratite intersticial	203	15,5
Outras distrofias corneana	171	13,1
Leucoma de qualquer etiologia	117	8,9
Distrofia de Fuchs	112	8,5
Falência secundária ou tardia	81	6,2
Degeneração corneana	67	5,1
Queimadura ocular	3	0,2
Anomalias corneanas congênitas	1	0,1
Total	1310	100,0

Tempo de espera

O tempo de espera em dias dos pacientes submetidos a transplante de córnea foi bem heterogêneo (Tabela 4), o que é demonstrado pelo desvio padrão muito alto.

Tabela 4
Tempo de espera, em dias, para realização do transplante de córnea

Mínimo	0
Máximo	1345
Mediana	111
Média	195
Desvio padrão	286

Discussão

Ao avaliar o perfil dos pacientes submetidos a transplante de córnea no Estado do Espírito Santo, foi observado discreto predomínio de indivíduos do sexo feminino. Outros estudos realizados em centros de referência para este procedimento no país, algumas vezes corroboram com este predomínio,^(11-15) outras vezes são discordantes, apresentando predomínio do sexo masculino.^(16-20) Verificou-se que a faixa etária média dos pacientes estudados foi de 57 anos, com desvio padrão de 20, este resultado é concordante com os achados de uma pesquisa realizada com pacientes que foram submetidos a transplante penetrante de córnea cadastrados no Banco de Olhos do Hospital Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.⁽¹⁸⁾

Os resultados demonstraram um predomínio de transplantados provenientes da Região Metropolitana de Vitória o que vai de acordo com estudos que determinaram que essa característica pode ser justificada pela maior acessibilidade aos sistemas públicos de saúde para diagnóstico, tratamento e acompanhamento das patologias oculares destes pacientes provenientes da Região Metropolitana. Uma questão digna de nota é que 14% (184) dos transplantados no ES foram provenientes de outros Estados do Brasil, que são eles: RJ, MG, BA, Distrito Federal (DF), Rio Grande do Sul (RS), São Paulo (SP), Alagoas (AL), Goiás (GO), Paraná (PR), Rondônia (RO) e Rio Grande do Norte (RN).(21) Esse dado pode representar uma insuficiência desses Estados em suportar demandas, causando assim, uma sobrecarga nos Estados fronteiriços.⁽¹⁴⁾ Somado a isso, observa-se que o ES tem uma menor fila de espera em relação a quase todos os Estados, exceto RS e PR. Nos anos de 2015, 2016 e 2018, o ES também apresentou uma menor fila em relação a maioria das Unidades Federativas citadas.⁽²¹⁾ Segundo Cruz et al., a heterogeneidade geográfica na ocorrência dos transplantes de córnea consiste no diagnóstico de um problema de saúde pública. Mediante tais resultados, torna-se possível a reflexão sobre uma saúde ocular que não está contemplada de forma eficaz pelo princípio doutrinário da regionalização garantido pelo Sistema Único de Saúde.⁽⁹⁾

Os resultados demonstraram que o principal diagnóstico indicativo de transplante de córnea no Estado do Espírito Santo foi a ceratopatia bolhosa, seguido por Ceratocone e ceratite intersticial. Este achado diverge de estudos realizados no Brasil, na América Latina e na Europa, uma vez que nestes o ceratocone representa a principal indicação de transplante de córnea.⁽²²⁾ Nota-se que a divergência entre Espírito Santo e Brasil não é caso isolado, uma vez que em Pernambuco foi o Leucoma, seguido por ceratocone e ceratopatia bolhosa.⁽¹⁴⁾ Tal fato pode ser atribuído à melhor adaptação e qualidade das lentes de contato utilizadas para correção visual, bem como a utilização de anéis intraestromais,⁽²³⁾ que gera decréscimo no número de pacientes com Ceratocone submetidos ao transplante. As principais indicações para o transplante de córnea podem variar de acordo com o período estudado, o local de obtenção dos dados, a faixa etária da população estudada, os fatores ambientais e culturais.⁽⁹⁾

Analisando-se o tempo de espera dos pacientes submetidos a transplante de córnea no Estado do Espírito Santo, tem-se os seguintes resultados: mínimo de 0 dias de espera, máximo de 1345 dias de espera, mediana de 111 dias de espera e média de 195 dias com desvio padrão de 286 dias. Quando analisados outros estudos semelhantes, encontra-se valores de média de dias de espera que variam bastante entre as regiões do Brasil, podendo variar de 124 dias em Pernambuco até 694 dias no Pará. Segundo dados do Registro Brasileiro de Transplantes de 2017, o ES apresentou uma necessidade estimada de 358 transplantes e realizou 301, finalizando o atendimento de 84% dos pacientes em fila de espera.^(14,15) No Pará, havia uma necessidade de 745 e foram realizados apenas 303 (40%). Esses dados podem indicar sua relação com as consequências de demora terapêutica, complicações nos indivíduos e as chances de atendimento e cura.⁽¹⁴⁾ Em contrapartida, Pernambuco apresentou uma necessidade de 847 transplantes e realizou 967, realizando maior número de transplantes do que o previsto.⁽¹⁵⁾

O conhecimento do perfil epidemiológico dos pacientes submetidos a transplante de córnea é de suma significância para identificação de grupos de risco, a partir disso é possível traçar estratégias de prevenção e efetivação de cuidados que resultem em melhores prognósticos.

Conclusão

Ceratopatia bolhosa e ceratocone foram os principais diagnósticos oculares para indicação de transplante de córnea no Estado do Espírito Santo, onde há predomínio do gênero feminino e média de 57 anos entre os pacientes transplantados. Os pacientes estão agrupados principalmente na Região Metropolitana de Vitória, são provenientes originalmente do próprio Estado, seguido do RJ e MG. O tempo de espera na fila no ES foi heterogêneo. Este estudo aponta características que podem proporcionar estratégias de prevenção, efetividade do cuidado e melhor embasamento para as ações sociais sobre conscientização de doação de tecidos.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Fev 2021
• Data do Fascículo
  Nov-Dec 2020

Histórico

• Recebido
  6 Maio 2020
• Aceito
  15 Set 2020