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Aponeurose bicipital. Estudo anatômico e implicações clínicas Trabalho desenvolvido na Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), SP, Brasil.

RESUMO

Objetivo:

Analisar as variações anatômicas da aponeurose bicipital (lacertus fibrosus) e suas implicações na compressão do nervo mediano, que passa sob a aponeurose bicipital (AB) e se posiciona medialmente à artéria braquial.

Método:

Foram dissecados 60 membros superiores de 30 cadáveres adultos, 26 do sexo masculino e quatro do feminino; 15 haviam sido previamente preservados em formol e glicerina e 15 foram dissecados a fresco no Laboratório de Anatomia.

Resultados:

Em 55 membros, a AB recebia contribuição das cabeças curta e longa do musculo bíceps braquial, a contribuição mais significativa foi sempre da cabeça curta. Em três membros recebia contribuição exclusiva da cabeça curta. Em dois membros, a AB estava ausente. O comprimento da AB desde sua origem até sua inserção variou entre 4,5 e 6,2 cm e sua largura entre 0,5 e 2,6 cm. Em 42 membros, a AB apresentava-se espessada, em 27 apoiava-se diretamente sobre o nervo mediano e em 17 havia inserção alta da cabeça umeral do músculo pronador redondo, de forma que o músculo ficava interposto entre a AB e o nervo mediano.

Conclusão:

Esses resultados sugerem que a AB espessada pode ser um dos fatores potenciais da compressão nervosa, por estreitar o espaço no qual passa o nervo mediano.

Palavras-chave:
Anormalidades músculo-esqueléticas; Síndromes de compressão nervosa; Cadáver

ABSTRACT

Objective:

The aim of this study was to analyze the anatomic variations of the bicipital aponeurosis (BA) (lacertus fibrosus) and its implications for the compression of the median nerve, which is positioned medially to the brachial artery, passing under the bicipital aponeurosis.

Methods:

Sixty upper limbs of 30 cadavers were dissected, 26 of which were male and four, female; of the total, 15 had been previously preserved in formalin and glycerine and 15 were dissected fresh in the Laboratory of Anatomy.

Results:

In 55 limbs, short and long heads of the biceps muscle contributed to the formation of the BA, and the most significant contribution was always from the short head. In three limbs, only the short head contributed to the formation of the BA. In two limbs, the BA was absent. The length of the bicipital aponeurosis from its origin to its insertion ranged from 4.5 to 6.2 cm and its width, from 0.5 to 2.6 cm. In 42 limbs, the BA was thickened; of these, in 27 it was resting directly on the median nerve, and in 17 a high insertion of the humeral head of the pronator teres muscle was found, and the muscle was interposed between the BA and the median nerve.

Conclusion:

These results suggest that a thickened BA may be a potential factor for nerve compression, by narrowing the space through which the median nerve passes.

Keywords:
Musculoskeletal abnormalities; Nerve compression syndrome; Cadaver

Introdução

O nervo mediano é formado pela junção dos fascículos lateral e medial do plexo braquial. No terço médio do braço, cruza de lateral para medial, à frente da artéria braquial, ambos envoltos por uma bainha neurovascular.11 Testut L. Les anomalies musculaires chez l'homme. Paris: Masson; 1884. p. 401-3. Segue em direção à fossa cubital, onde se situa medialmente à artéria braquial e ao tendão do músculo bíceps braquial, passa posteriormente à aponeurose bicipital (AB) e segue usualmente entre as cabeças umeral e ulnar do músculo pronador redondo.22 Spinner M. Injuries to the major branches of the peripheral nerves of the forearm. Philadelphia: WB Saunders; 1978. p. 160-227.

O bíceps braquial é um importante músculo do compartimento anterior do braço. É formado pelas cabeças longa e curta que se inserem na tuberosidade bicipital do rádio. AB é um espessamento da fáscia braquial que une o bíceps braquial à ulna, cobre a porção proximal do grupo muscular flexor-pronador. Existem múltiplas teorias para explicar a função da AB:33 El Maraghy A, Devereaux M. The bicipital aponeurosis flex test: evaluating the integrity of the bicipital aponeurosis and its implications for treatment of distal biceps tendon ruptures. J Shoulder Elbow Surg. 2013;22(7):908. (1) Proteger o feixe neurovascular subjacente na fossa cubital. (2) Prover informações proprioceptivas para o músculo bíceps braquial com base na atividade muscular no antebraço. (3) Servir como uma ancoragem anatômica adicional para o tendão bicipital.33 El Maraghy A, Devereaux M. The bicipital aponeurosis flex test: evaluating the integrity of the bicipital aponeurosis and its implications for treatment of distal biceps tendon ruptures. J Shoulder Elbow Surg. 2013;22(7):908.

Têm sido descritas variações da origem, dimensões e espessamento da aponeurose bicipital.11 Testut L. Les anomalies musculaires chez l'homme. Paris: Masson; 1884. p. 401-3.,44 Le Double AF. Variations du system musculaire de I'hornme, tome II. Paris: Schleicher Freres; 1897. p. 32-52. Alguns autores55 Kopell HP, Thompson WAL. Peripheral entrapment neuropathies. New York: Krieger; 1976. p. 113-8.,66 Laha RK, Lunsford LD. Lacertus fibrosus compression of the median nerve. J Neurosurg. 1978;48:838-41. consideram que a AB espessada pode comprimir o nervo mediano e causar sintomas motores e sensitivos. É uma das causas da síndrome do pronador redondo, uma das três síndromes compressivas que afetam o nervo mediano; as outras duas são a síndrome do nervo interósseo anterior e, muito mais comum, a síndrome do túnel do carpo. Independentemente de quaisquer desses locais onde ocorra, a compressão é denominada síndrome do pronador redondo, pois é entre as duas cabeças desse músculo que ocorre com maior frequência.77 Spinner RJ, Carmichael SW, Spinner M. Partial median nerve entrapment in the distal arm because of an accessory bicipital aponeurosis. J Hand Surg. 1991;16(2):236-44.,88 Hartz CR, Linscheid RL, Gramse RR, Daube JR. The pronator teres syndrome: compressive neuropathy of the median nerve. J Bone Joint Surg Am. 1981;63(6):885-90.

A compressão do nervo mediano na região do cotovelo é uma condição usualmente provocada pela presença de bandas fibrosas, que podem ser registradas em quatro locais anatômicos na seguinte ordem de frequência:77 Spinner RJ, Carmichael SW, Spinner M. Partial median nerve entrapment in the distal arm because of an accessory bicipital aponeurosis. J Hand Surg. 1991;16(2):236-44. entre as cabeças superficial e profunda do músculo pronador redondo; pela arcada formada pelas inserções proximais do músculo flexor superficial; pela AB; e pelo ligamento de Struthers, associado ou não ao processo supracondilar do úmero. Clinicamente não é fácil identificar o local exato da compressão. O sinal de Tinel pode ser útil para localizar o local da compressão. Os resultados dos exames eletrofisiológicos são consistentes com uma compressão do nervo na região do cotovelo, sugere, mas não confirma, o local exato da compressão. Somente a exploração cirúrgica do nervo na fossa antecubital pode identificar a estrutura responsável pela compressão nervosa.22 Spinner M. Injuries to the major branches of the peripheral nerves of the forearm. Philadelphia: WB Saunders; 1978. p. 160-227.,66 Laha RK, Lunsford LD. Lacertus fibrosus compression of the median nerve. J Neurosurg. 1978;48:838-41.,99 Rengachary SS. Entrapment neuropathies. In: Wilkins RH, Rengachary SS, editors. Neurosurgery. New York: McGraw-Hill; 1985. p. 1771-5.

O objetivo deste trabalho foi analisar através de dissecções anatômicas de 60 membros de 30 cadáveres a relação da AB e o nervo mediano e, dessa forma, contribuir para melhor entendimento da possibilidade de a AB ser responsável pela compressão nervosa nesse local.

Material e métodos

Foram dissecados 60 antebraços de 30 cadáveres adultos pertencentes ao Laboratório do Departamento de Anatomia, 26 eram do sexo masculino e quatro do feminino, 15 previamente preservados em formol e glicerina e 15 dissecados a fresco. A idade variou entre 28 e 77 anos, 17 eram da etnia branca e 13 da não branca. Antebraços deformados por traumas, malformações e cicatrizes foram excluídos. A dissecção foi feita através uma incisão mediana no braço e antebraço, dois retalhos, inclusive a pele e subcutâneo, foram rebatidos para os lados radial e ulnar, respectivamente. O mesmo foi feito em relação à fáscia do braço e antebraço. Expôs-se dessa forma toda a musculatura. O nervo mediano foi identificado no terço proximal do braço na margem medial do músculo bíceps braquial e dissecado distalmente para análise da presença de eventuais bandas fibrosas e estruturas anômalas, como, por exemplo, o ligamento de Struthers, que pudessem estreitar sua passagem. Analisamos também a possibilidade de o nervo mediano emitir alguma inervação no braço. Os músculos bíceps braquial e braquial foram dissecados até suas inserções. A participação das cabeças curta e longa do músculo bíceps braquial na composição da AB, assim como a medição de sua largura e comprimento, foi registrada. A dissecção seguiu distalmente no antebraço, onde foi analisada a presença de compressões nervosas entre as cabeças umeral e ulnar do músculo pronador redondo e na arcada formada entre as inserções radial e úmero ulnar do músculo flexor superficial, assim como identificação do músculo de Gantzer, da anastomose de Martin-Gruber e eventuais variações anatômicas. Esses fazem parte de estudos que já foram publicados ou serão oportunamente. As variações anatômicas identificadas foram anotadas e fotografadas. Foi usada uma lupa da marca Keeler de 2,5 X como meio de magnificação. Este trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética com parecer 1.611.295.

Resultados

As cabeças curta e longa do músculo bíceps braquial foram identificadas em todos os membros. Em 55 membros a AB recebia contribuição das cabeças curta e longa, a contribuição mais significativa foi sempre da cabeça curta (fig. 1A). A AB unia-se a fáscia antebraquial, revestia o grupo flexor-pronador e se inseria no terço proximal da ulna. Em três membros, um deles bilateral, registramos que as cabeças longa e curta estavam completamente separadas, a cabeça curta continuava com a AB e a cabeça longa com o tendão bicipital (fig. 1B). O comprimento da AB de sua origem até sua inserção variou de 4,5 a 6,2 cm e sua largura de 0,5 a 2,5 cm. Na maioria dos casos tinha conformação retangular (fig. 2A), outras vezes trapezoidal (fig. 2B). Em 44 membros a AB apresentava-se espessada, em 27 apoiava-se diretamente sobre o nervo mediano (fig. 3A e B) e em 17 havia inserção alta da cabeça umeral do músculo pronador redondo de forma que o músculo ficava interposto entre a AB e o nervo mediano (fig. 4A e B). Identificamos em um membro de um cadáver com musculatura hipertrofiada que a AB espessa provocou sua impressão sobre o nervo mediano (fig. 5A). Em 14 membros a AB era muito estreita e de pouca espessura (fig. 5B). Registramos em cinco membros a presença de uma cabeça acessória do músculo bíceps braquial (fig. 6A e B), porém não interferiam na formação da AB. O tendão bicipital foi identificado em todos os casos, formava um ângulo variável com a AB. Registramos em dois membros a inexistência da AB, em um deles encontrava-se substituída por um componente fibromuscular que se originava no bíceps braquial e estendia-se distalmente para se inserir no músculo flexor superficial dos dedos (fig. 7A) e no outro a aponeurose era formada pelo músculo braquial (fig. 7B). Identificamos em três membros (um bilateral) a presença de aponeurose acessória do músculo braquial, situada proximalmente à AB (fig. 8A e B).

Figura 1
A, em 55 membros a AB (a) recebia contribuição das cabeças curta (b) e longa (c), a contribuição mais significativa foi sempre da cabeça curta. Nervo mediano (d). B, em três membros, um bilateral, registramos que as cabeças curta (b) e longa (c) estavam completamente separadas, a cabeça curta continuava com a AB (a) e a cabeça longa com o tendão bicipital (d).

Figura 2
A, na maioria dos casos a AB (a) tinha conformação anatômica retangular. Cabeça curta (b), cabeça longa (c), nervo mediano (d). B, outras vezes trapezoidal (a). O nervo mediano (b) posiciona-se medialmente à artéria braquial (c) e ao músculo bíceps braquial (d).

Figura 3
Em 44 membros a AB (a) apresentava-se espessada, em 27 apoiava-se diretamente sobre o nervo mediano (b).

Figura 4
Em 17 membros havia inserção alta da cabeça umeral do músculo pronador redondo (c) de forma que o músculo ficava interposto entre a AB (a) e o nervo mediano (b).

Figura 5
A, em um membro com musculatura hipertrofiada a AB (a) espessa provocou sua impressão sobre o nervo mediano (b). B, em 14 membros a AB (a) era muito estreita e de pouca espessura.

Figura 6
Registro em dois membros da inexistência da AB. A, substituída por um componente fibromuscular (b) que se originava no bíceps braquial (a) e estendia-se distalmente para se inserir no musculo flexor superficial dos dedos (c). B, a aponeurose (a) se originava no músculo braquial (b). Bíceps (c). Nervo mediano (d).

Figura 7
Registro em cinco membros da presença de uma cabeça acessória (a) do músculo bíceps braquial (b). A, cabeça curta (b). Cabeça longa (c). B, cabeça acessória (a) Cabeça longa (b).

Figura 8
Em três membros identificou-se a presença de aponeurose acessória (a) do músculo braquial (b) situada proximamente à AB (c). Bíceps braquial (d).

Discussão

Independentemente de quaisquer desses locais onde ocorra a compressão nervosa na região do cotovelo, são genericamente chamadas como síndrome do pronador redondo, pois é entre as duas cabeças desse músculo que a compressão ocorre com maior frequência.77 Spinner RJ, Carmichael SW, Spinner M. Partial median nerve entrapment in the distal arm because of an accessory bicipital aponeurosis. J Hand Surg. 1991;16(2):236-44.

8 Hartz CR, Linscheid RL, Gramse RR, Daube JR. The pronator teres syndrome: compressive neuropathy of the median nerve. J Bone Joint Surg Am. 1981;63(6):885-90.
-99 Rengachary SS. Entrapment neuropathies. In: Wilkins RH, Rengachary SS, editors. Neurosurgery. New York: McGraw-Hill; 1985. p. 1771-5. Alguns autores discordam de que compressões em outros locais que não entre as cabeças umeral e ulnar do músculo pronador redondo sejam denominadas de síndrome do pronador redondo.22 Spinner M. Injuries to the major branches of the peripheral nerves of the forearm. Philadelphia: WB Saunders; 1978. p. 160-227.,1010 Tubbs RS, Marshall T, Loukas M, Shoja MM, Cohen-Gadol A. The sublime bridge: anatomy and implications in median nerve entrapment. J Neurosurg. 2010;113(1):110-2. Tubbs et al.1010 Tubbs RS, Marshall T, Loukas M, Shoja MM, Cohen-Gadol A. The sublime bridge: anatomy and implications in median nerve entrapment. J Neurosurg. 2010;113(1):110-2. consideram ser incorreto essa denominação quando a compressão ocorrer pelo ligamento de Struthers, pela aponeurose bicipital ou pela arcada do músculo flexor superficial e sugerem que o nome correto seria neuropatias compressivas proximais do nervo mediano, e não síndrome do pronador redondo.

A literatura revisada apresentou diferentes pontos de vista sobre a morfologia da AB e da quantidade de contribuição de fibras das cabeças curta e longa cabeça na sua formação. Athwal et al.1111 Athwal GS, Steinmann SP, Rispoli DM. The distal biceps tendon: footprint and relevant clinical anatomy. J Hand Surg. 2007;32(8):1225-9. dissecaram 15 membros de cadáveres frescos e identificaram que a cabeça longa do músculo bíceps braquial inseria-se na superfície proximal da tuberosidade bicipital e a cabeça curta inseria se distalmente nessa tuberosidade. Em todos os membros identificaram a AB originar-se da cabeça curta do músculo bíceps braquial, de forma que a cabeça curta contribuía para a formação do tendão bicipital e da AB e a cabeça longa apenas para a formação do tendão bicipital. Dirim et al.1212 Dirim B, Brouha SS, Pretterklieber ML, Wolff KS, Frank A, Pathria MN, et al. Terminal bifurcation of the biceps brachii muscle and tendon: anatomic considerations and clinical implications. Am J Roentgenol. 2008;191(6):248-55. relatam que a AB é constituída por fibras oriundas das cabeças curta e longa do músculo bíceps braquial, em um de 17 membros dissecados identificaram que apenas a cabeça curta contribuía para a formação da AB. Joshi et al.1313 Joshi SD, Yogesh AS, Mittal PS, Joshi SS. Morphology of the bicipital aponeurosis: a cadaveric study. Folia Morphol (Praha). 2014;73(1):79-83. estudaram 30 membros de cadáveres, 16 do lado direito e 14 do esquerdo. Registraram que as fibras que formavam a porção distal da AB originavam da cabeça curta e as que formavam a porção proximal da AB originavam-se da cabeça longa do músculo bíceps braquial. Em nosso estudo registramos que em 55 membros a AB recebia contribuição das cabeças curta e longa, a contribuição mais significativa foi sempre da cabeça curta. A AB unia-se à fáscia antebraquial, revestia o grupo flexor-pronador, inseria-se no terço proximal da ulna. Em três membros, um deles bilateral, registramos que as cabeças longa e curta estavam completamente separadas, a cabeça curta continuava com a AB e a cabeça longa com o tendão bicipital. O comprimento da AB de sua origem até sua inserção variou de 4,5 a 6,2 cm e sua largura de 0,5 a 2,6 cm. ElMaraguy et al.33 El Maraghy A, Devereaux M. The bicipital aponeurosis flex test: evaluating the integrity of the bicipital aponeurosis and its implications for treatment of distal biceps tendon ruptures. J Shoulder Elbow Surg. 2013;22(7):908. definem a AB como uma estrutura trapezoidal formada por fibras paralelas que se originam da cabeça curta e do tendão bicipital, irradiam-se distalmente e envolvem e se inserem no grupo flexor pronador do antebraço. Registramos em nossas dissecções que na maioria dos casos a AB se apresentou de forma retangular e em poucos casos observamos a AB se apresentar de forma trapezoidal.

Kopell e Thompson55 Kopell HP, Thompson WAL. Peripheral entrapment neuropathies. New York: Krieger; 1976. p. 113-8. relatam que a aponeurose bicipital espessada pode comprimir o nervo mediano e causar sintomas motores e sensitivos. Laha et al.66 Laha RK, Lunsford LD. Lacertus fibrosus compression of the median nerve. J Neurosurg. 1978;48:838-41. descrevem o caso de um músico que perdeu habilidade para executar seu trabalho em consequência da fraqueza e de parestesias em sua mão direita. O exame clínico e eletrofisiológico sugeriu compressão do nervo mediano no cotovelo. No ato cirúrgico comprovou que a tensão provocada pela aponeurose bicipital espessada causava os sintomas que foram aliviados rapidamente após a sua secção, que resultou na recuperação rápida da função. Basset et al.1414 Bassett FH, Spinner RJ, Schroeter TA. Brachial artery compression by the lacertus fibrosus. Clin Orthop Relat Res. 1994;307:110-6. relataram cinco pacientes que apresentaram sintomas intermitentes os quais se exacerbavam com atividade física excessiva. O exame demonstrou sensibilidade dolorosa localizada sobre a aponeurose bicipital, bem como aumento da dor e diminuição do pulso com pronação do antebraço e flexão resistida do cotovelo. Todos os cinco eram atletas que tinham músculos hipertrofiados. Os pacientes foram diagnosticados com a compressão da artéria braquial pela AB. A liberação da aponeurose resultou na melhoria da dor e no retorno do pulso radial à normalidade em quatro pacientes. Consideram que embora a AB tenha sido bem descrita como uma causa de compressão nervosa, pode também em atletas com hipertrofia muscular e aponeurose bicipital espessada causar sintomas de compressão nervosa, vascular ou associação delas. Swiggett et al.1515 Swiggett R, Ruby LK. Median nerve compression neuropathy by the lacertus fibrosus: report of three cases. J Hand Surg. 1986;11(5):700-3. relataram três casos clínicos de pacientes que apresentavam sinais clínicos de compressão do nervo mediano na região do cotovelo. Informam que os pacientes queixavam-se de dor no antebraço e fraqueza muscular do pronador redondo, flexor longo do polegar, flexores profundos dos dedos médio e indicador e pronador quadrado, com comprovação no exame eletrofisiológico, mas a sensibilidade estava preservada. No ato cirúrgico identificaram excesso de tensão na AB espessada. Relatam que a preservação da sensibilidade indicou uma compressão nervosa parcial, insuficiente para comprimir as fibras nervosas destinadas à mão que se posicionam mais profundamente no nervo mediano. A liberação da AB levou ao alívio imediato dos sintomas nos três pacientes. Martinelli et al.1616 Martinelli P, Gabellini AS, Poppi M, Gallassi R, Pozzati E. Pronator syndrome due to thickened bicipital aponeurosis. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1982;45(2):181-2. relataram o caso clínico de um paciente de 55 anos que apresentava diminuição da força muscular de todos os músculos inervados pelo mediano, inclusive o pronador redondo. Havia também alterações da sensibilidade na área de inervação do nervo mediano. O exame eletromiográfico confirmou tratar-se de compressão nervosa acima do cotovelo. Durante o procedimento cirúrgico comprovaram que a aponeurose bicipital espessada e bem desenvolvida era a responsável pela compressão nervosa. O paciente teve os sintomas aliviados após a secção da aponeurose bicipital. Hill et al.1717 Hill NA, Howard FM, Huffer BR. The incomplete anterior interosseous nerve syndrome. J Hand Surg Am. 1985;10(1):4-16. descreveram um caso de síndrome do nervo interósseo anterior incompleta, que comprovou no ato cirúrgico ser causada pela AB dupla. Em 44 dos 60 membros que dissecamos, notamos que a AB apresentava-se espessada, em 27 apoiava-se diretamente sobre o nervo mediano e podia ser a responsável pela compressão nervosa. Em um caso notamos que o nervo mediano mostrava sinais da compressão nervosa (fig. 5A), em 17 que havia inserção alta da cabeça umeral do músculo pronador redondo de forma que o músculo ficava interposto entre a AB e o nervo mediano. Em 14 casos a AB era muito estreita com pouca espessura, era pouco provável que pudesse comprimir o nervo.

Spinner et al.77 Spinner RJ, Carmichael SW, Spinner M. Partial median nerve entrapment in the distal arm because of an accessory bicipital aponeurosis. J Hand Surg. 1991;16(2):236-44. relatam quatro casos de neuropatia compressiva do nervo mediano causada por aponeurose bicipital acessória, a qual tinha origem no terço distal do antebraço. Em dois desses casos estava associada com a terceira cabeça do músculo bíceps braquial. Identificamos a terceira cabeça do músculo bíceps braquial em cinco membros. Nossos achados concordam com Spinner et al.,77 Spinner RJ, Carmichael SW, Spinner M. Partial median nerve entrapment in the distal arm because of an accessory bicipital aponeurosis. J Hand Surg. 1991;16(2):236-44. pois não identificamos que a cabeça acessória tenha interferido na formação da AB. Não identificamos a presença de AB dupla. Em dois membros havia aponeurose com origem no músculo braquial. Registramos em dois membros a inexistência da AB. Em um deles encontrava-se substituída por um componente fibromuscular que se originava no bíceps braquial e estendia-se distalmente para se inserir no musculo flexor superficial dos dedos e no outro a aponeurose era formada pelo músculo braquial. Identificamos em três membros (um bilateral) presença de aponeurose acessória do músculo braquial situada proximalmemte à AB. Eanes et al.1818 Eames MHA, Bain GI, Fogg QA, van Riet RP. Distal biceps tendon anatomy: a cadaveric study. J Bone Joint Surg. 2007;89(5):1044-9. recomendam que as lesões da AB devem ser reparadas com o antebraço em extensão e pronação para evitar tensão na aponeurose que possa causar a compressão do feixe neurovascular.

A síndrome do pronador redondo crônica causada por hipertrofia da aponeurose bicipital deve ser diferenciada da compressão aguda. Nessa última ocorre o aparecimento súbito de dor associada à paralisia parcial do nervo mediano que rapidamente evolui para paralisia completa e ocorre após uma sobrecarga do músculo bíceps por um esforço prolongado e excessivo ou após uma punção venosa.22 Spinner M. Injuries to the major branches of the peripheral nerves of the forearm. Philadelphia: WB Saunders; 1978. p. 160-227. Seitz et al.1919 Seitz WH, Matsuoka H, McAdoo J, Sherman G, Stickney DP. Acute compression of the median nerve at the elbow by the lacertus fibrosus. J Shoulder Elbow Surg. 2007;16(1): 91-4. relataram sete casos de síndrome compressiva aguda do nervo mediano, provocada por esforço excessivo de flexão do cotovelo. Nos sete casos a compressão foi resultante de um esforço repentino e excessivo na tentativa de vencer uma substancial resistência, resultou em dor imediata e intensa que se irradiava do cotovelo para o antebraço. A descompressão de urgência notou a presença de tensão na fáscia do braço e na AB com existência de hemorragia, evidenciou ruptura parcial do músculo bíceps da junção miotendínea, causada pela pressão compartimental. A descompressão, que incluiu a secção da aponeurose bicipital, resultou em alívio dos sintomas em todos os casos. Gessini et al.2020 Gessini L, Jandolo B, Pietrangeli A. Entrapment neuropathies of the median nerve at and above the elbow. Surg Neurol. 1983;19(2):112-6. publicaram dois casos clínicos em que a compressão do nervo mediano era causado pela AB. No primeiro caso registrou que a tensão era causada por um hematoma, no outro o nervo mediano estava comprimido entre a aponeurose bicipital e o músculo braquial hipertrófico. Relataram em uma série de pacientes com síndromes compressivas do nervo mediano 201 casos de síndrome do túnel do carpo, 21 do músculo pronador redondo, três do nervo interósseo anterior. Somente três casos ocorreram acima do cotovelo (um caso pelo ligamento de Struthers e dois pela AB).

Conclusão

A AB é constituída por fibras oriundas das cabeças curta e longa do músculo bíceps braquial. A AB espessada pode comprimir o nervo mediano contra as estruturas profundas e alterar o curso normal do nervo, de forma que constitui um dos locais potenciais para a compressão nervosa por estreitar o espaço de passagem do nervo e poder assim causar sintomas motores e sensitivos.

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  • Trabalho desenvolvido na Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2016
  • Aceito
    09 Jan 2017
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