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Efeitos do etil-2-cianoacrilato e do butil-2-cianoacrilato no processo de consolidação óssea em ratos. Estudo experimental controlado Trabalho desenvolvido na Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Botucatu, SP, Brasil.

RESUMO

Objetivo:

Os adesivos sintéticos são usados em várias especialidades médicas cirúrgicas, contudo, os estudos que relatam seu uso na prática ortopédica são escassos. O objetivo deste trabalho foi comparar os resultados do uso do etil-2-cianoacrilato e do butil-2-cianoacrilato no tratamento de fraturas em ratos.

Métodos:

Foi realizado um estudo experimental, prospectivo e controlado em 90 ratos com fraturas de úmero, fêmur e tíbia, tratados com etil-2-cianoacrilato (grupo SB; n = 45) ou butil-2-cianoacrilato (grupo HA; n = 45). Foram realizadas análises biomecânicas e histomorfométricas em três momentos (60, 120 e 180 dias), além do estudo clínico pela aferição semanal da massa corporal dos animais.

Resultados:

Não foram observadas diferenças relacionadas à massa corporal dos animais (p = 0,07). Os fêmures de ambos os grupos não apresentaram diferença com relação à carga máxima (p = 0,6), limite de elasticidade (p = 0,6) e coeficiente de rigidez (p = 0,4). Analisando-se as tíbias, o mesmo foi observado com relação à carga máxima (p = 0,4), ao limite de elasticidade (p = 0,7) e ao coeficiente de rigidez (p = 0,6). Os úmeros de ambos os grupos apresentaram a mesma área de calo ósseo formado (p = 0,66). Em ambos os grupos, não houve diferença estatística relacionada ao número de osteoblastos (p = 0,2), osteoclastos (p = 0,2) e células inflamatórias (p = 0,4).

Conclusão:

O etil-2-cianoacrilato foi mais eficaz do que o butil-2-cianoacrilato no tratamento de fraturas em ratos.

Palavras-chave:
Cianoacrilatos; Adesivos teciduais; Fraturas ósseas; Consolidação da fratura

ABSTRACT

Objective:

Synthetic adhesives are used by various medical specialties, especially in surgery; however, studies reporting their use in orthopedic practice are scarce. The aim of this study was to compare the results in using ethyl-2-cyanoacrylate or butyl-2-cyanoacrylate in the treatment of fractures in rats.

Methods:

This was an experimental prospective controlled study in 90 rats, with humerus, femur, and tibia fractures, treated with ethyl-2-cyanoacrylate (SB group; n = 45) or butyl-2-cyanoacrylate (HA group; n = 45). Biomechanical and histomorphometric analyses were performed at three different moments (60, 120, and 180 days); besides a clinical study performed weekly by measurement of the animals body mass.

Results:

No differences were observed regarding body mass (p = 0.07). In both groups, there were no significant differences regarding maximum load (p = 0.6), yield point strength (p = 0.6), and stiffness coefficient (p = 0.4) of the femurs. The same was observed in tibias for maximum load (p = 0.4), yield point strength (p = 0.7), and stiffness coefficient (p = 0.6). The humerus from both groups had similar bone callus area (p = 0.66). In both groups, there were no statistical differences related to inflammatory cells (p = 0.4), osteoblasts (p = 0.2), and osteoclasts (p = 0.2).

Conclusion:

Ethyl-2-cyanoacrylate was more effective than butyl-2-cyanoacrylate in the treatment of fractures in rats.

Keywords:
Cyanoacrylates; Tissue adhesives; Fractures, bones; Fracture healing

Introdução

O uso de adesivos sintéticos na prática médica tem despertado a atenção de pesquisadores em todo o mundo. O adesivo, chamado ideal, deve apresentar características fundamentais: rápida adesão ao tecido, baixa liberação de calor, boa adesividade mesmo no ambiente interno humano, ser passível de esterilização e, principalmente, não deve ter potencial carcinogênico.11 Allen JG, Beal JM, Creech O Jr, Hanlon CR, Judd ES, Russell PS, et al. Toxicity of cyanoacrylates. Arch Surg. 1966;93(1):34-40.

Na medicina, os cianoacrilatos são bastante conhecidos por suas características bactericidas.22 Ardis AE. Preparation of monomeric alkyl alpha-cyanoacrylates. US Patent # 2467926. 1949. Available from: https://www.google.com/patents/US2467926.
https://www.google.com/patents/US2467926...
De Almeida Manzano et al.33 de Almeida Manzano RP, Naufal SC, Hida RY, Guarnieri LO, Nishiwaki-Dantas MC. Antibacterial analysis in vitro of ethyl-cyanoacrylate against ocular pathogens. Cornea. 2006;25(3):350-1. relatam a ação antimicrobiana efetiva do etil-2-cianoacrilato contra cepas de Staphylococcus, Streptococcie, Escherichia coli e Escherichia faecalis. Shamiyeh et al.44 Shamiyeh A, Schrenk P, Stelzer T, Wayand WU. Prospective randomized blind controlled trial comparing sutures, tape, and octylcyanoacrylate tissue adhesive for skin closure after phlebotomy. Dermatol Surg. 2001;27(10):877-80. e Coulthard et al.55 Coulthard P, Worthington H, Esposito M, Elst M, Waes OJ. Tissue adhesives for closure of surgical incisions. Cochrane Database Syst Rev. 2004;(2):CD004287. relatam não ter observado qualquer aumento dos índices de infecção após seu uso. Com relação à histotoxicidade, vários autores66 Toriumi DM, Raslan WF, Friedman M, Tardy ME. Division of facial plastic and reconstructive surgery. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1990;116(5):546-50.

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12 Anciuti AN, Felix AOC, Mueller EN, Grecco FB, Nobre MO. Avaliação da histoxicidade e de alterações hepáticas após o uso do etil-cianoacrilato e n-butil-cianoacrilato em camundongos. In: XX Congresso de Iniciação Científica. III Mostra Científica. 2004.
-1313 Biondo-Simões MLP, Vivi AAG, Fagundes DJ. Adesivos em anastomoses do trato digestivo. Acta Cir Bras. 1993;8(1):41-4. analisaram os efeitos inflamatórios e carcinogênicos desses adesivos, com poucos efeitos deletérios ao corpo humano ou mesmo ausência deles.A literatura médica não deixa dúvidas quanto à segurança e eficácia do uso dessas colas. Contudo, são poucos os relatos1414 Borges APB, Rezende CMF, Sampaio R, Oliveira HP, Ponpermayer LG. Emprego de adesivo butil-2-cianoacrilato na fixação de esquírolas em fraturas de fêmur de cães. Aspectos radiológicos. Arq Bras Med Vet Zootec. 1992;44(1):29-41.

15 Yilmaz C, Kuyurtar F. Fixation of a talar osteochondral fracture with cyanoacrylate glue. Arthroscopy. 2005;21(8):1009.

16 Gul R, Khan F, Maher Y, O'Farrell D. Osteochondral fractures in the knee treated with butyl-2-cyanoacrylate glue. A case report. Acta Orthop Belg. 2006;72(5):641-3.
-1717 Xavier MSV, Leite VM. Efeito do adesivo butil-2-cianoacrilato em osteotomias e enxerto ósseo em coelhos: aspecto macroscópico e radiográfico. Rev Bras Ortop. 2012;47(5):638-45. que fazem referência ao uso das mesmas no tratamento de lesões ósseas.

Em se tratando de fraturas intra-articulares, é consenso que a fixação deve ser feita de modo anatômico. Com exceção dos grandes ossos (fêmur, úmero, tíbia etc.), que devem ser reconstruídos com o auxílio de implantes metálicos, os ossos de pequeno porte, assim como os tubulares, são alvo de intensas discussões quanto à melhor opção de tratamento.

Assim, se considerarmos a falta de publicações sobre o tema nas diversas bases de dados disponíveis, a possibilidade de abertura de novas linhas de pesquisa e, principalmente, com vistas à redução dos custos financeiros, das sequelas e do tempo de internação hospitalar dos pacientes, os autores propõem este estudo, cujo objetivo é comparar os resultados do uso do etil-2-cianoacrilato e do butil-2-cianoacrilato no tratamento de fraturas em ratos.

Material e métodos

Todos os procedimentos foram aprovados pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da nossa instituição, sob o n° 1495/2014.

O tamanho amostral foi determinado previamente ao início do estudo, consideraram-se os riscos a (0,5%) e ß (80%), bem como a variabilidade das variáveis, e chegou-se a um número de 10 animais por grupo.

Foram usados 90 ratos (Rattus novergicus albinus), machos, da linhagem Wistar. Os animais, à recepção, contavam com 60 dias de vida e, depois de serem clinicamente avaliados e pesados, foram alojados em gaiolas de polipropileno, em ambiente com temperatura controlada de 22 °C e ciclo de luz claro-escuro de 12 horas. Foram oferecidas ração para roedores e água ad libitum.

Os animais foram aleatorizados pelo processo de envelopes opacos e lacrados,1818 Doig GS, Simpson F. Randomization and allocation concealment: a practical guide for researches. J Crit Care. 2005;20(2):187-91.,1919 Altman DG, Schulz KF. Statistics notes: concealing treatment allocation in randomised trials. BMJ. 2001;323(7310): 446-7. em dois grupos: Grupo SB (n = 45) e Grupo HA (n = 45).

As osteotomias foram feitas após anestesia intraperitoneal (30 mg/kg de pentobarbital sódico 3%) e tricotomia ao longo do úmero, do fêmur e da tíbia, bilateralmente. A seguir, os animais foram submetidos à assepsia regional, com água e sabão, e antissepsia com solução aquosa 0,2% de clorexidina, e posicionados em mesa cirúrgica, em decúbito lateral.

Após a colocação de campos estéreis fenestrados, foram feitas incisões longitudinais na pele, entre as articulações do ombro e cotovelo (para acesso ao úmero), entre o quadril e joelho (para acesso ao fêmur) e entre o joelho e tornozelo (para acesso à tíbia).

Os ossos foram expostos, ultrapassando-se os planos musculares por divulsão, e permitindo-se o acesso a eles (fig. 1). Procedeu-se então à osteotomia dos ossos, em suas regiões diafisárias (fig. 2), sob irrigação manual contínua de soro fisiológico 0,9%.

Figura 1
Dissecação e exposição do fêmur previamente à osteotomia.

Figura 2
Osteotomia femoral.

As osteotomias do lado direito foram tratadas com duas gotas de etil-2-cianoacrilato ou de butil-2-cianoacrilato incolor, colocadas diretamente entre as extremidades osteotomizadas. As osteotomias do lado esquerdo foram tratadas sem qualquer substância exógena, servindo como controles. A musculatura e a pele foram aproximadas com fio Mononylon* 3-0 (Ethicon®). Após os procedimentos cirúrgicos, os animais foram mantidos em confinamento, recebendo 0,1 mL de dipirona sódica, a cada seis horas, por 36 horas.

Durante todo o período do experimento, os animais foram pesados semanalmente.

A eutanásia dos animais foi feita em três momentos: 60, 120 e 180 dias de pós-operatório, quando 15 animais de cada grupo foram eutanasiados com dose letal, intraperitoneal, de 80 mg/kg de pentobarbital sódico 3%. Os úmeros, femores e tíbias, direitos e esquerdos, foram desarticulados e limpos de todas as partes moles (figs. 3 e 4).

Figura 3
Tíbia do grupo HA com região de abscesso (seta).

Figura 4
Tíbia do grupo SB com extrusão do adesivo (seta).

As peças anatômicas foram envolvidas em gaze embebida em soro fisiológico 0,9%, embaladas em papel alumínio, identificadas e, imediatamente, enviadas para os ensaios biomecânicos e histomorfométricos.

Análise da massa corporal

As medições foram feitas semanalmente, preferencialmente nos mesmos dias, utilizando-se balança eletrônica portátil, com capacidade de 600 g x 0,01 g.

Análise biomecânica

Os ensaios biomecânicos foram feitos com a máquina universal de ensaios mecânicos EMIC©, modelo DL 10.000, com precisão de ±(0,018 + F/3700)kN, apurada dentro das especificações das normas: ABNT NBR NM ISO 7500-1:2004 (Versão Corrigida: 2004) e ABNT NBR ISO 376:2012 (Versão Corrigida: 2013).

Para os femores, foram feitos ensaios de compressão axial: as extremidades distais femorais foram fixadas verticalmente, em recipientes de plástico com capacidade de 35 ml, com 30 ml de resina acrílica autopolimerizante (Jet®). O cutelo da máquina de ensaios, cuja extremidade é côncava, era posicionado à cabeça do fêmur, ajustando-se perfeitamente à ela.

Uma vez iniciado o teste, o cutelo era colocado em movimento à velocidade de 30 mm/min, até o ponto de ruptura do corpo de prova, quando, então, o programa Mtest® interrompia automaticamente o ensaio e fornecia os resultados finais pelo diagrama “carga vs deformação” (fig. 5).

Figura 5
Diagrama carga vs deformação.

Os mesmos procedimentos foram adotados para as tíbias, porém, os testes feitos foram os de “flexão em três pontos”: as tíbias eram posicionadas horizontalmente, com apoio em suas extremidades. A distância entre os pontos de apoio foi padronizada em dois terços do comprimento do corpo de prova. O cutelo incidia carga perpendicularmente à diáfise óssea.

Tanto nos femores como nas tíbias foram estudadas as variáveis: limite de elasticidade (N), carga máxima suportada (N) e coeficiente de rigidez (N/mm).

Análise histomorfométrica

As lâminas dos úmeros foram preparadas de modo a fornecer cortes longitudinais da área de interesse (calo ósseo), por meio de coloração por hematoxilina-eosina (HE).2020 Junqueira LC, Carneiro J. Histologia básica. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara- Koogan; 1995.

Para a análise histológica, foram estudadas as variáveis: número de osteoclastos por mm2 (n-1), número de osteoblastos por mm2 (n-1) e o número de células anômalas (tumorais ou inflamatórias) por mm2 (n-1).

Para a análise morfométrica, as lâminas foram colocadas em microscópio (Laica®) acoplado a monitor de vídeo com resolução de 1.024 × 768 pixels, que enviava as imagens digitais a um computador. A área (µm2) de osso neoformado era calculada com o programa de análise de imagens Image Pro Plus (Media Cybernetics, Silver Spring, Maryland, USA).

Análise estatística

O estudo estatístico foi feito pela análise de variância, no modelo inteiramente casualizado, complementado com os respectivos testes de comparações múltiplas, com o uso, para tanto, dos programas SigmaStat® versão 3.5.1.2 (Systat Software, Inc., Germany, 2006) e Minitab® versão 17.3.1 (Minitab Inc., 2016).

Em todos os testes aplicados, o nível de significância adotado foi de 95% (p < 0,05).

Os resultados dos procedimentos estatísticos foram apresentados em tabelas e gráficos, com medidas descritivas de tendência central (média) e variabilidade (desvio-padrão), com os respectivos indicadores de significância.

Resultados

Durante todo o experimento, os animais foram examinados diariamente, não tendo sido observadas quaisquer alterações clínicas ou comportamentais.

Com relação à massa corporal dos animais, não houve diferença estatística relacionada ao adesivo usado durante todo o experimento (p = 0,07) (tabela 1).

Tabela 1
Média e desvio padrão da massa corporal (g), de acordo com o adesivo usado e o momento da eutanásia

Com relação à carga máxima, o estudo das variâncias demonstrou que os femores do grupo SB suportaram carga axial igual às dos femores do grupo HA (p = 0,6); o mesmo ocorreu com relação ao limite de elasticidade (p = 0,6) e com o coeficiente de rigidez (p = 0,4) (tabela 2).

Tabela 2
Resultados dos ensaios femorais: média e desvio padrão da carga máxima (N), limite de elasticidade (N) e coeficiente de rigidez (N/mm); de acordo com o adesivo usado e o momento da eutanásia

Em se tratando dos ensaios de “flexão em três pontos”, o estudo das variâncias demonstrou que as tíbias do grupo SB suportaram carga máxima igual às das tíbias do grupo HA (p = 0,4); o mesmo ocorreu com relação ao limite de elasticidade (p = 0,7) e ao coeficiente de rigidez (p = 0,6) (tabela 3).

Tabela 3
Resultados dos ensaios tibiais: média e desvio padrão da carga máxima (N), limite de elasticidade (N) e coeficiente de rigidez (N/mm); de acordo com o adesivo usado e o momento da eutanásia

Com relação à área de calo ósseo formado, a análise estatística demostrou que os úmeros do grupo SB apresentaram a mesma área óssea neoformada que os do grupo HA (p = 0,66) (tabela 4).

Tabela 4
Média e desvio padrão da área de calo ósseo (µm2), de acordo com o adesivo usado e o momento da eutanásia

Os resultados da análise estatística da celularidade, representada na tabela 5, demonstraram que a concentração de osteoblastos encontrada nos ossos do grupo SB foi a mesma encontrada no grupo HA (p = 0,2); o mesmo ocorreu com relação à concentração de osteoclastos (p = 0,2) e com as células inflamatórias (p = 0,4), embora os resultados encontrados nessa última variável tenham sido notadamente maiores no grupo HA.

Tabela 5
Média e desvio padrão da celularidade encontrada (osteoblastos, osteoclastos, células inflamatórias) (n-1), de acordo com o adesivo usado e o momento da eutanásia

Não foram identificadas células tumorais em nenhum dos grupos.

Foram encontrados resquícios dos adesivos em 100% das peças analisadas, contudo, no grupo butil-2-cianoacrilato estas apresentavam maior diâmetro. De fato, a rápida polimerização daquele adesivo pode dar origem a grumos sólidos que agem como verdadeiros “corpos estranhos”: esses se mantêm aderidos ao tecido ósseo e à musculatura adjacente, perpetuando, em altos níveis, a linhagem celular branca1717 Xavier MSV, Leite VM. Efeito do adesivo butil-2-cianoacrilato em osteotomias e enxerto ósseo em coelhos: aspecto macroscópico e radiográfico. Rev Bras Ortop. 2012;47(5):638-45. (tabela 5).

Discussão

O uso de adesivos sintéticos para a reconstrução de tecidos humanos tem sido mais intensamente pesquisado desde 1940. Inicialmente, usavam-se, mais comumente, os adesivos de origem biológica. Contudo, a partir de 1960, os polímeros sintéticos firmaram-se como opção terapêutica nas mais variadas especialidades médicas.

Dentre todos os adesivos disponíveis, os cianoacrilatos têm despertado especial interesse dos profissionais médicos, pelo seu baixo custo e, principalmente, fácil manuseio.

Neste estudo, o efeito adesivo entre as extremidades fraturadas apresentou melhores resultados no grupo SB, fato que pôde ser comprovado pela simples observação dos animais que descarregavam carga total nos membros operados imediatamente após a recuperação anestésica, fato não observado nos animais dos grupos HA.Observou-se, no grupo HA, que, uma vez adicionado o adesivo, o butil-2-cianoacrilato polimerizava-se quase que instantaneamente, ao mínimo contato com o osso, anulando toda e qualquer possibilidade de reposicionamento dos fragmentos ou readequação da redução da fratura.

Outro fator a se considerar diz respeito aos processos inflamatórios/infecciosos que, muitas vezes, estão associados a novos produtos e/ou técnicas operatórias. Neste trabalho, foi notório o aumento da celularidade inflamatória nos grupos tratados com butil-2-cianoacrilato.

A pesquisa de células tumorais ou carcinogênicas em publicações que tratam sobre adesivos sintéticos não é comum. De fato, os autores não encontraram publicações, nas diversas bases de dados pesquisadas, que fornecessem quaisquer informações relevantes sobre o tema. Neste trabalho, a não observação de células anômalas ao longo de todo o experimento constitui-se em informação animadora e inédita. Contudo, os autores entendem ser essa uma variável que carece de estudos mais aprofundados, de longo prazo e com maior casuística.

Com relação à análise biomecânica e morfométrica, os ossos tratados com etil-2-cianoacrilato apresentaram carga máxima e limite de elasticidade maiores do que os dos grupos HA, embora sem significância estatística. Tais resultados, quando associados ao incremento da área do calo ósseo formado, também observado naqueles grupos, permitem-nos supor que o etil-2-cianoacrilato proporcionou condições para que o processo de cicatrização óssea ocorresse sem anomalias, ou seja, o etil-2-cianoacrilato não interferiu na atividade osteoblástica local.

Faz-se importante enfatizar os valores encontrados na análise do coeficiente de rigidez. O maior valor observado nos ossos do grupo SB pode predizer uma maior fragilidade dos calos ósseos formados, ou seja, embora os ossos tratados com etil-2-cianoacrilato tenham suportado maior carga (tabelas 2 e 3), esses, supreendentemente, suportaram pouca deformação, o que os tornou mais frágeis. De fato, estudos anteriores2121 Pereira FRA, Dutra RC, Olímpio TCR, Muller SS, Palacio EP. Effects of zoledronic acid on ooforectomized rats' tibiae: a prospective and randomized study. Rev Bras Ortop. 2015;44(1):61-8.

22 Palacio EP, Jacob EM, Campi TB, Muller SS. Zoledronate for treatment of humeral osteoporosis in female rats. A prospective randomized trial. Acta Ortop Bras. 2010;18(2):90-5.
-2323 Palacio EP, Muller SS, Sardenberg T, Mizobuchi RR, Galbiatti JA, Durigan A Jr, et al. Detecting early biomechanical effects of zoledronic acid on femurs of osteoporotic female rats. J Osteoporos. 2012;2012:162806. demonstram a fragilidade apresentada por ossos com altos valores de coeficientes de rigidez, razão pela qual os autores não recomendam o uso de adesivos sintéticos em ossos submetidos a forças deformantes de moderada/grande intensidade.

Em meio à enorme gama de opções terapêuticas relacionadas à traumatologia, a fácil obtenção, o baixo custo, os bons resultados e o fácil manuseio dos adesivos sintéticos tornam-nos uma opção viável no tratamento de fraturas de ossos de pequeno volume e, principalmente, no reestabelecimento da anatomia articular.

Conclusão

Nas condições do presente estudo, o etil-2-cianoacrilato foi mais eficaz do que o butil-2-cianoacrilato no tratamento de fraturas em ratos.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo apoio dado ao desenvolvimento desta pesquisa (processos: 8514-6/2014 e 8605-1/2014).

Sinceros agradecimentos ao Prof. Dr. Luiz Cláudio Di Stasi, Professor Adjunto do Departamento de Farmacologia do Instituto de Biociências (Unesp/Botucatu), sem o qual esta pesquisa não teria sido realizada.

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  • Trabalho desenvolvido na Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Botucatu, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2016
  • Aceito
    23 Dez 2016
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