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Déficits precoces da atenção compartilhada no autismo: evidência de um estudo de caso retrospectivo

CARTA AOS EDITORES

Déficits precoces da atenção compartilhada no autismo: evidência de um estudo de caso retrospectivo

Caroline Greiner de MagalhãesI; Poliana Gonçalves BarbosaII; Camila Soares de AbreuII; Cláudia Cardoso-Martins, PhDIII

IEstudante de graduação; Departamento de Psicologia. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIEstudante de pós-graduação; Departamento de Psicologia. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIIDepartamento de Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que se caracteriza por graves danos na comunicação e interação social; comportamentos estereotipados e/ou interesses restritos são também considerados aspectos do transtorno. Embora geralmente não seja diagnosticado até os 30-36 meses de idade, há um consenso de que o autismo é causado por fatores genéticos e biológicos que afetam o crescimento e a organização do cérebro desde o início do seu desenvolvimento.1 Por este motivo, o foco principal das pesquisas recentes tem sido a identificação precoce de marcadores comportamentais do transtorno. No presente relatório, discutimos um desses marcadores: o déficit da habilidade de atenção compartilhada (AC).

A AC refere-se à habilidade das pessoas em coordenar sua atenção para um objeto ou acontecimento no ambiente. Em uma criança com desenvolvimento típico, a atenção compartilhada aparece no final do primeiro ano de vida. Por exemplo: em torno dos 9 a 12 meses de idade, os bebês começam a mover os olhos na direção do olhar das pessoas ao seu redor. Começam também a apontar ou levantar objetos para que outros vejam. 1-2 Segundo uma perspectiva, esses comportamentos dos bebês refletem o surgimento da noção de que as pessoas são agentes intencionais, e como tais, esses comportamentos são precursores importantes do desenvolvimento da linguagem e de habilidades sociais cognitivas.2

Deficiências nas habilidades de AC tem um papel central no autismo. Na verdade, estudos recentes, retrospectivos e prospectivos sugerem que tais deficiências já são evidentes logo no início do 2º ano de vida das crianças, diagnosticadas mais tarde com autismo.3-4

Nesse relato, descrevemos as habilidades de AC de um menino autista participante de um estudo longitudinal que pesquisou o desenvolvimento das competências de comunicação entre os 9 e 18 meses de idade. De acordo com o relato posterior da mãe, o garoto foi diagnosticado autista na idade de 30 meses - momento em que apresentava sinais evidentes do transtorno. Suas habilidades de AC, avaliadas aos 9, 13 e 18 meses pelas Escalas de Comunicação Social Precoce (ESCS)5, foram comparadas com aquelas de 10 meninos também participantes da pesquisa, que aparentemente se desenvolviam de forma típica.

A ESCS é uma observação estruturada de 15 a 25 minutos de diversas habilidades comunicativas não verbais. Somente as pontuações para habilidades de AC, ou seja, o número de vezes que a criança iniciou episódios de atenção compartilhada (IAC) com o examinador e o número de vezes (de um total de 14) que ela respondeu apropriadamente aos gestos de apontar do examinador (RAC) estão relatadas abaixo. As avaliações ocorreram nas casas das crianças e foram gravadas para posterior codificação por dois avaliadores independentes. A confiabilidade, medida pelo nível médio de concordância inter-examinador, variou de 0,71 a 0,83.

Em todas as idades, as pontuações do menino autista foram mais baixas que a pontuação média dos controles, especialmente para IAC. Como ilustrado na figura 1, a pontuação IAC do garoto foi a menor dentre todas as crianças tanto aos 13 quanto aos 18 meses de idade, e apenas uma criança no grupo de controle teve uma pontuação igualmente baixa aos 9 meses de idade. Somadas aos resultados mencionados anteriormente, tais descobertas sugerem que os profissionais de saúde devem prestar muita atenção na existência de déficits precoces nas habilidades de atenção compartilhada.


Está claro que outros estudos são necessários para confirmar a associação entre déficits precoces em AC e autismo; estudos prospectivos de crianças com alto risco familiar para autismo oferecem uma metodologia promissora para tal tipo de pesquisa.3-4

Agradecimentos

Este relatório baseia-se nos resultados de um projeto de pesquisa financiado por pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil. Agradecemos as crianças e suas famílias pela colaboração. Correspondências sobre este trabalho podem ser enviadas para Cláudia Cardoso-Martins (e-mail: cardosomartins.c@gmail.com).

Referências

  • 1. Frith U. Autism: A very brief introduction. Oxford, UK: Oxford University Press, 2008.
  • 2. Tomasello M, Carpenter M, Call J, Behne T, Moll H. Understanding and sharing intentions: the origins of cultural cognition. Behav Brain Sci, 2005;28(5):675-91.
  • 3. Sullivan M, Finelli J, Marvin A, Garret-Mayer E, Bauman RL. Response to joint attention in toddlers at risk for autism spectrum disorder: A prospective study. J Austism Dev Disord, 2007;37:37-48.
  • 4. Rozga A, Hutman T, Young GS, Rogers SJ, Oznoff S, Dapretto M, Sigman M. Behavioral, profiles of affected and unaffected siblings of children with autism: Contribution of measures of mother-infant interaction and nonverbal communication. J Austism Dev Disord. 2011;41:287-301.
  • 5. Mundy P, Delgado C, Block J, Venezia M, Hogan A, Seibert J. A Manual for the Abridged Early Social Communication Scales Communication Scales (ESCS). [Available at: http://www.ucdmc.ucdavis.edu/mindinstitute/ourteam/faculty_staff/escs.pdf]. 2003.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012
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