Resumo
Introdução: Estudos têm mostrado que os ácidos graxos ômega-3 reduzem as concentrações de eicosanoides, citocinas, quimiocinas, proteína C-reativa (PCR) e outros mediadores inflamatórios.
Objetivo: Investigar os efeitos dos ácidos graxos ômega-3 sobre os níveis circulantes de mediadores inflamatórios e marcadores bioquímicos em mulheres com lúpus eritematoso sistêmico (LES).
Métodos: Ensaio clínico randomizado (ensaio clínico: NCT02524795); randomizaram-se 49 mulheres com LES (ACR1982/1997): 22 para o grupo ômega-3 (dose diária de 1.080 mg de EPA + 200 mg de DHA durante 12 semanas) e 27 para o grupo controle. Os mediadores inflamatórios e marcadores bioquímicos em T0 e T1 no grupo ômega-3 foram comparados pelo teste de Wilcoxon. O teste U de Mann-Whitney foi usado para comparar variações das variáveis mensuradas [ΔV = concentrações pré-tratamento (T0) menos concentrações pós-tratamento (T1)] entre os grupos. Um p < 0,05 foi considerado significativo.
Resultados: A mediana (intervalo interquartil-IIQ) da idade foi de 37 anos (29-48), a duração da doença foi de sete anos (4-13) anos e o Systemic Lupus Disease Activity Index (Sledai-2 K) foi de 1 (0-2). A mediana (IIQ) da variação nos níveis de PCR entre os dois grupos mostrou um decréscimo no grupo ômega-3, enquanto houve um aumento no grupo controle (p = 0,008). As concentrações séricas de IL-6 e IL-10, leptina e adiponectina não se alteraram após um tratamento de 12 semanas.
Conclusões: A suplementação de ômega-3 não teve impacto sobre as concentrações séricas de IL-6, IL-10, leptina e adiponectina em mulheres com LES e baixa atividade da doença. Houve uma diminuição significativa nos níveis de PCR, bem como evidências de que o ômega-3 pode impactar sobre o colesterol total e LDL.
Palavras-chave: Ômega-3; Citocinas; Adipocinas; Proteína C-reativa; Lúpus eritematoso sistêmico
Abstract
Background: Studies have shown that omega-3 fatty acids reduce the concentrations of eicosanoids, cytokines, chemokines, C-reactive protein (CRP) and other inflammatory mediators.
Objective: To investigate the effects of omega-3 fatty acids on circulating levels of inflammatory mediators and biochemical markers in women with systemic lupus erythematosus (SLE).
Methods: Experimental clinical study (clinical trial: NCT02524795); 49 women with SLE (ACR1982/1997) were randomized: 22 to the omega-3 group (daily intake of 1080 mg EPA + 200 mg DHA, for 12 weeks) and 27 to the control group. The inflammatory mediators and biochemical markers at T0 and T1 in omega-3 group were compared using Wilcoxon test. U-Mann-Whitney test was used to compare variations of measured variables [ΔV = pre-treatment (T0) − post-treatment (T1) concentrations] between groups. p < 0.05 was considered significant.
Results: The median (interquartile range - IQR) of age was 37 (29-48) years old, of disease duration was 7 (4-13) years, and of SLEDAI-2K was 1 (0-2). The median (IQR) of variation in CRP levels between the two groups showed a decrease in omega-3 group while there was an increase in control group (p = 0.008). The serum concentrations of IL-6 and IL-10, leptin and adiponectin did not change after a 12 week treatment.
Conclusions: Supplementation with omega-3 had no impact on serum concentrations of IL-6, IL-10, leptin and adiponectin in women with SLE and low disease activity. There was a significant decrease of CRP levels as well as evidence that omega-3 may impact total and LDL-cholesterol.
Keywords: Omega 3; Cytokines; Adipokines; C reactive protein; Systemic lupus erythematosus
Introdução
Os ácidos graxos ômega-3 têm sido considerados lipídeos anti-inflamatórios com base em estudos epidemiológicos em esquimós da Groenlândia, cuja dieta é rica em ácidos graxos poli-insaturados de peixe. A prevalência de doenças com componente inflamatório, como infarto agudo do miocárdio, diabetes mellitus, esclerose múltipla, asma e tireotoxicose, foi menor nos esquimós em comparação com populações de países ocidentais.1
Os ácidos graxos da família ômega-3 (principalmente o ácido α-linolênico, eicosapentaenoico [EPA] e docosahexaenoico [DHA]), bem como os da família ômega-6 (representados principalmente pelo ácido linoleico e ácido araquidônico [AA]), são essenciais para a síntese de eicosanoides, leucotrienos, prostaglandinas, tromboxanos e outros fatores oxidantes, principais mediadores e reguladores da inflamação.2,3 Estudos têm demonstrado que os ácidos graxos ômega-3 controlam a inflamação por meio da redução na proteína C-reativa (PCR), citocinas pró-inflamatórias eicosanoides, quimiocinas e outros mediadores inflamatórios.4-7 Além disso, eles apresentam efeitos benéficos na prevenção e no controle de doenças cardiovasculares, dislipidemias e diabetes mellitus.8-13
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória autoimune caracterizada pela perda de equilíbrio na regulação imune celular e aumento nos níveis circulantes de mediadores inflamatórios.14 Assim, a suplementação de ômega-3 pode representar uma terapia adicional a indivíduos com LES. No entanto, pouco se sabe sobre o papel desses ácidos graxos em pacientes com LES, incluindo os efeitos sobre as concentrações de citocinas inflamatórias e sobre a atividade da doença.
O objetivo deste estudo foi investigar os efeitos dos ácidos graxos ômega-3 sobre os níveis circulantes de mediadores inflamatórios e marcadores bioquímicos em mulheres com LES.
Pacientes e métodos
Ensaio clínico randomizado sobre o uso de ácidos graxos ômega-3-polinsaturados em pacientes com LES acompanhados no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG (ensaio clínico: NCT02524795). O Comitê de Ética da UFMG aprovou o estudo. Todos os pacientes forneceram o consentimento informado por escrito.
Participantes do estudo
Incluíram-se pacientes do sexo feminino que atenderam aos critérios de classificação revisados para LES do American College of Rheumatology (ACR) (1982/1997),15 com idade superior a 18 anos e inferior a 60 anos e que tomavam doses estáveis de medicamentos para o tratamento do LES nos últimos três meses. Os critérios de exclusão foram: gravidez, duração da doença de menos de um ano, alergia a peixe, óleo de peixe ou qualquer produto com ômega-3, uso de ômega-3 nos seis meses anteriores ao estudo e diagnóstico de diabetes mellitus, doença hepática, nefrite ativa, insuficiência renal crônica, qualquer tipo de infecção no início e/ou durante todo o estudo.
Selecionaram-se para o estudo 153 pacientes; foram incluídos 66, com 33 randomizados para cada grupo; 22 mulheres do grupo de estudo e 27 do grupo controle completaram o protocolo e foram submetidas à avaliação na primeira e na 12ª semanas (fig. 1).
Desenho do estudo
Realizou-se um ensaio clínico de suplementação de ácidos graxos ômega-3 por 12 semanas. As pacientes foram randomizadas por sorteio em dois grupos: grupo de estudo (n=22), que recebeu o suplemento Hiomega-3 da empresa Naturalis® (registro no Ministério da Saúde número 4.1480.0006.001-4), e grupo controle (n=27), que não recebeu a suplementação nem placebo. Utilizaram-se cápsulas de ômega-3 contendo 1g de óleo de peixe (540mg de EPA e 100mg de DHA), e foram orientadas a ingerir duas cápsulas por dia. Todas as participantes foram instruídas a não consumir alimentos fonte de ômega-3 durante o período do estudo. O pesquisador (FMMS) que fez a avaliação clínica e dos dados laboratoriais era cego sobre a randomização e intervenção. Todos os eventos adversos observados durante o estudo foram registrados e conduzidos de acordo com a prática clínica local. Os participantes foram analisados no início do estudo (T0) e na semana 12 (T1) para avaliação clínica, laboratorial e nutricional. Os participantes também foram contatados na semana 6 para verificar aderência e presença de efeitos colaterais. As variáveis avaliadas em cada consulta foram: índice de atividade da doença, com o uso do Systemic Lupus Disease Activity Index (Sledai-2 K);16 índice de dano (índice de dano do Systemic Lupus International Collaboration Clinics/American College of Rheumatology -SLICC/ACR);17 perfil de lipídeos e glicemia em jejum; exames laboratoriais convencionais para avaliar o LES (contagem de eritrócitos e leucócitos do sangue, contagem de plaquetas, creatinina, exame de urina, relação de proteína/creatinina na urina, anti-dsDNA, anticardiolipina, níveis de C3 e C4); citocinas (IL-6, IL-10), adipocinas (leptina, adiponectina), proteína C-reativa (PCR), avaliação nutricional e medicamentos em uso.
O estado nutricional foi avaliado pelo índice de massa corporal (IMC) e os pacientes foram classificados como desnutridos (IMC ≤ 18,5 kg/m2), peso normal (IMC = 18,6 a 24,9 kg/m2), sobrepeso (IMC = 25 a 29,9 kg/m2) e obesos (IMC ≥ 30 kg/m2).18 A avaliação da composição corporal foi feita com a bioimpedância (RJL Quantum X ®) e os pacientes foram classificados de acordo com Gallagher et al.19 quanto a gordura corporal normal ou acima do percentual recomendado de acordo com o sexo e a idade.
Avaliaram-se os níveis de IL-6 e IL-10 por citometria de fluxo ultrassensível (Cytometric Bead Array) e os níveis de leptina e adiponectina por Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (Elisa).
Variáveis de desfecho
Os desfechos primários foram a mediana (intervalo interquartil - IIQ) das variações (ΔV = concentrações pré-tratamento [T0] menos pós-tratamento [T1]) entre os grupos nos níveis séricos de citocinas, adipocinas, proteína C-reativa e marcadores bioquímicos (glicose e lipídeos) após um tratamento de 12 semanas.
Análise estatística
Usou-se o software Statistical Package of Social Sciences (SPSS) versão 19.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). A comparação entre os grupos no início do estudo (com versus sem ômega-3, com versus sem excesso de peso e com porcentagem de gordura corporal normal versus acima do recomendado) foi feita com o teste não paramétrico U de Mann-Whitney para variáveis contínuas e o teste de qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher para variáveis categóricas. A mediana (IIQ) dos marcadores inflamatórios e bioquímicos em T0 e T1 nos grupos ômega-3 e controle foi comparada pelo teste não paramétrico de Wilcoxon.
Para investigar o efeito do ômega-3 sobre os mediadores inflamatórios e marcadores bioquímicos, analisaram-se as variações de variáveis laboratoriais (ΔV = concentrações pré-tratamento [T0] menos pós-tratamento [T1]) entre os grupos ômega-3 e controle com o teste U de Mann-Whitney. Todas as análises foram consideradas estatisticamente significativas quando p bicaudado < 0,05.
Resultados
Dos 66 pacientes randomizados, 17 não concluíram o estudo (fig. 1). Dois interromperam a suplementação em decorrência de eventos adversos (um com diarreia e outro que relatou sabor residual de peixe após o uso). Ambos os pacientes deixaram o estudo. A amostra-piloto final consistiu em 49 pacientes. As frequências cumulativas das manifestações clínicas e sorológicas segundo a classificação do ACR foram: manifestações mucocutâneas em 86,3% dos pacientes, hematológicas em 80%, imunológicas em 77,6%, artrite em 66,7%, nefrite em 56,9%, serosite em 16% e neuropsiquiátricas em 11,8%.
Análise dos dados iniciais
A mediana (IIQ) da idade foi de 37 anos (29-48), a duração da doença foi de sete (4-13) anos, o índice de atividade da doença foi de 1 (0-2) e o índice de dano foi de 0 (0-1).
Na avaliação inicial (T0), as características clínicas, laboratoriais e do tratamento, o índice de atividade da doença e o estado nutricional dos participantes, não foram estatisticamente diferentes, comparando-se os grupos com e sem ômega-3 (tabela 1).
O estado nutricional de 49 pacientes, de acordo com o IMC, mostrou que 13 (26,5%) tinham peso normal, 19 (38,8%) estavam acima do peso e 17 (34,7%) estavam obesas. Essa distribuição foi semelhante nos dois grupos (p = 0,875). A bioimpedância elétrica indicou que 29 (59,2%) apresentavam percentual de gordura corporal acima do recomendado: 12 (54,5%) do grupo ômega-3 e 17 (63,0%) do grupo controle (p = 0,574).
As concentrações séricas de citocinas foram semelhantes nos participantes com peso normal e excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m2) (IL-6: 1,38 [0,48-3,13] pg/mL versus 0,92 [0,40-1,95] pg/mL; p = 0,429; IL-10: 19,30 [7,85-53,35] pg/mL versus 21,42 [9,40-51,16] pg/mL; p = 0,956). Os níveis de IL-10 foram semelhantes em ambos os grupos, se considerarmos os pacientes com porcentagem de gordura corporal adequada e acima do recomendado (16,26 [5,51-22,25] pg/mL versus 22,53 [9,78-55,79] pg/mL; p = 0,192). No entanto, as concentrações séricas de IL-6 foram maiores nos pacientes com porcentagem de gordura corporal acima do recomendado, com tendência à significância (0,48 [0,19-1,04] pg/mL versus 1,22 [0,47-2,38] pg/mL; p = 0,053).
As concentrações de leptina foram maiores nos pacientes com excesso de peso em comparação com aqueles com peso normal (84 [52,9-12,3] ng/mL versus 47,6 [33,5-73,5] ng/mL; p = 0,033)] e em indivíduos com percentual de gordura corporal acima do recomendado em comparação com aqueles com percentual de gordura corporal normal (93,8 [56,5-143,6] ng/mL versus 45,8 [33,5-63,6] ng/mL; p = 0,002). Em contraste, os níveis de adiponectina não diferiram entre os grupos (peso normal: 46,4 [34,6-61] µg/mL versus excesso de peso: 42,5 [24,7-58,0] µg/mL; p = 0,571; e percentual de gordura corporal normal: 46,4 [35,1-59,4] µg/mL versus percentual de gordura corporal acima do recomendado: 42,9 [24,3-59,6] µg/mL; p = 0,365).
Os níveis séricos de IL-6, IL-10 e adipocinas, glicemia de jejum, perfil lipídico e proteína C-reativa no início do estudo foram semelhantes nos grupos ômega-3 e controle (tabela 2).
Concentrações séricas de citocinas, adipocinas e marcadores bioquímicos de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico no início do estudo (T0) por grupo de tratamento
Os níveis séricos de IL-6 e IL-10, leptina e adiponectina não se alteraram após o tratamento de 12 semanas. As concentrações de glicemia em jejum, níveis de colesterol total e colesterol LDL aumentaram no grupo ômega-3; o colesterol LDL aumentou no grupo controle, apesar de permanecer dentro dos limites normais (tabela 3).
Concentrações séricas de citocinas, adipocinas e marcadores bioquímicos em T0 e T1 em ambos os grupos
Comparação das variações (Δ V) entre os dois grupos
A mediana (IIQ) da variação (ΔV = T1-T0) nas concentrações de citocinas, adipocinas, glicemia de jejum e lipídeos foram semelhantes nos dois grupos (tabela 4). A mediana (IIQ) da variação nos níveis de PCR entre os dois grupos é representada na figura 2, que mostra um decréscimo no grupo ômega-3, enquanto houve um aumento no grupo controle (p = 0,008).
Variação (ΔV) nas citocinas e marcadores bioquímicos séricos considerando o final (T1) e o início (T0) do estudo por grupos de tratamento
Boxplot da mediana (intervalo interquartil) das variações (ΔV) nos níveis de proteína C-reativa entre T0 e T1 nos grupos tratamento e controle.
Discussão
A suplementação com ômega-3 (2 g: 1.080 mg de EPA e 200 mg de DHA) durante 12 semanas não teve impacto sobre as concentrações séricas de citocinas IL-6 e IL-10, bem como sobre as adipocinas (leptina e adiponectina) em 49 mulheres com LES e baixa atividade da doença. Bello et al.20 relataram resultados semelhantes em 85 pacientes com LES que não apresentaram redução nos níveis de mediadores inflamatórios (sICAM-1, sVCAM-1 e IL-6) após o uso de doses mais elevadas desse ácido graxo (3 g de ômega-3: 1.800 mg de EPA e 1.200 mg de DHA) durante 12 semanas. Em contraste, em indivíduos saudáveis, estudos de culturas de células demonstraram que o DHA e o EPA podem inibir a produção de IL-6, TNF-α, IL-1 e IL-1β.7,8,21,22 Em um estudo de revisão, encontraram-se resultados conflitantes acerca dos efeitos do ômega-3 sobre a atividade da doença, sobre as citocinas e sobre os níveis de marcadores bioquímicos, em decorrência dos diferentes métodos usados.23
O presente estudo indica um efeito do ômega-3 sobre os níveis de PCR, já que houve uma variação significativa dos níveis séricos entre os grupos: houve uma diminuição no grupo ômega-3, enquanto houve um aumento no grupo controle. Estudos feitos em indivíduos saudáveis e em pacientes com doenças inflamatórias crônicas, incluindo diabetes, doença cardíaca coronariana, colite ulcerativa, dislipidemia e artrite reumatoide,24-30 demonstraram que o consumo de ácidos graxos ômega-3 está inversamente associado ao PCR sérico. Não foi possível encontrar qualquer informação na literatura sobre os efeitos do ômega-3 sobre os níveis de PCR em pacientes com LES.
As maiores concentrações séricas de leptina descritas no presente estudo em indivíduos com excesso de peso e naqueles com percentual de gordura corporal acima do recomendado também foram observadas por outros pesquisadores.31-34 Os estudos que avaliaram os níveis de leptina em pacientes com LES são consistentes e indicam níveis mais altos de leptina em relação a indivíduos controle, mesmo após o ajuste estatístico para o índice de massa corporal (IMC), hipertensão, hiperlipidemia e diabetes.35-38 Esse achado sugere que o tecido adiposo pode ter um papel importante sobre a resposta inflamatória do LES. Em contraste com a obesidade e as doenças metabólicas, níveis sistêmicos e locais elevados de adiponectina estão presentes em pacientes com doenças inflamatórias e imunomediadas, como o LES.31 Uma vez que a adiponectina apresenta atividades pró e anti-inflamatórias, observaram-se achados controversos sobre o papel da adiponectina total nas doenças autoimunes sistêmicas e inflamatórias.32
Segundo nosso conhecimento, a análise dos níveis séricos de leptina e adiponectina após a suplementação com ômega-3 em pacientes com LES é um dado original do presente estudo. Em indivíduos saudáveis, os resultados são conflitantes. Ramel et al.39 verificaram que o consumo diário de 1,3 g de EPA + DHA causou uma redução significativa nos níveis séricos de leptina e notaram que houve perda de peso concomitante de cerca de 1 kg nesses indivíduos, o que poderia representar um viés nesses resultados. Itoh et al.40 relataram que, após o tratamento com doses diárias de 1,8 g de EPA, houve um aumento significativo na produção de adiponectina em roedores e seres humanos obesos. Estudos que avaliaram as concentrações de ômega-3 e ômega-6 nas membranas das hemácias demonstraram associação positiva entre o ômega-3 e o aumento nos níveis séricos de adiponectina e diminuição da leptina, o que indica um potencial efeito desse ácido graxo sobre o controle da inflamação.41,42 No entanto, outros autores não demonstraram qualquer relação entre o consumo desse nutriente e as concentrações séricas dessas adipocinas.43,44
O presente estudo observou também um aumento no colesterol total sérico (p = 0,012) e LDL-c (p = 0,003) em pacientes que receberam o ácido graxo ômega-3, bem como um aumento no LDL-c sérico (p = 0,019) em indivíduos do grupo controle. No entanto, as medianas das concentrações séricas entre T1 e T0 permaneceram dentro dos níveis laboratoriais normais. Em concordância com os achados do presente estudo, Bello et al.20 e Wright et al.44 também descreveram um aumento no colesterol total e LDL-c em pacientes com LES que receberam ômega-3. Estudos em indivíduos sem LES com hipertrigliceridemia demonstraram um aumento nos níveis séricos de LDL-c após a suplementação com esse ácido graxo.45,46 Esse é um achado clinicamente importante, uma vez que pacientes com LES têm um risco aumentado de doença cardiovascular aterosclerótica, que é uma das principais causas de mortalidade nesses indivíduos.47-50 Curiosamente, em duas metanálises da população com alto risco de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares não houve redução na frequência de eventos cardiovasculares, coronarianos e cerebrovasculares, bem como na mortalidade global com essa suplementação.51,52
No presente estudo, os baixos níveis de inflamação dos pacientes com LES podem ter contribuído para a ausência de alterações nos níveis séricos de citocinas após a suplementação com ômega-3. Portanto, não é possível excluir um potencial de redução nas concentrações séricas em pacientes com índices de atividade inflamatória moderados a elevados. Períodos mais longos de suplementação poderiam produzir resultados diferentes? Doses maiores poderiam ser benéficas sem riscos para os pacientes? Essas perguntas só podem ser respondidas por ensaios clínicos randomizados de longo prazo em que a adesão pudesse ser controlada pela captação celular de ômega-3, o que não foi feito no presente estudo.
Em conclusão, este estudo de 12 semanas em pacientes com lúpus com baixa atividade da doença, a suplementação com ácidos graxos ômega-3 não foi associada a alterações nos níveis séricos de IL-6, IL-10, leptina e adiponectina, embora tenha sido observada uma diminuição significativa nas concentrações de PCR.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) pela concessão de uma bolsa de pesquisa (CDS-APQ-02095-08).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Nov-Dec 2017
Histórico
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Recebido
1 Abr 2016 -
Aceito
30 Ago 2016