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Triagem auditiva neonatal: incidência de deficiência auditiva neonatal sob a perspectiva da nova legislação paulista

Neonatal auditory screening: the incidence of neonatal hearing impairment in the context of the new São Paulo legislation

Resumos

OBJETIVOS: identificar a incidência de recém-nascidos com deficiência auditiva, em maternidade particular da cidade de São Paulo. MÉTODOS: estudo de coorte transversal, realizado no período de 2004 a 2008, em maternidade localizada na zona sul da cidade de São Paulo, com 20.615 recém-nascidos de ambos os sexos, sem indicadores de risco para deficiência auditiva e submetidos à triagem auditiva neonatal. O teste foi realizado por intermédio das Emissões Otoacústicas Evocadas Transientes (EOAET). Os pacientes que falharam nas EOAET nas duas fases foram encaminhados para a realização do Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico (PEATE) para a confirmação da deficiência auditiva neonatal. Empregou-se o Teste Exato de Fischer e o nível de significância adotado foi de 0,05 oup<0,05. RESULTADOS: a incidência de deficiência auditiva neonatal encontrada neste estudo foi de 1,2/1000. CONCLUSÃO: a legislação estadual permite que a triagem auditiva neonatal (TAN) seja mais efetiva na detecção precoce da deficiência auditiva neonatal. A TAN evita prejuízos tanto no desenvolvimento oral quanto da linguagem no contexto social, profissional e educacional.

Triagem neonatal; Perda auditiva; Legislação


OBJECTIVES: to determine the incidence of hearing impairment in newborns, at a private maternity hospital in the city of São Paulo. METHODS: a cross-sectional cohort study was carried out covering the period between 2004 and 2008, at a maternity hospital located in the southern zone of the city of São Paulo, including 20,615 newborns of both sexes, with no risk factors for hearing impairment and who had undergone neonatal auditory screening. The test was carried out using the Evoked Transient Otoacoustic Emissions test. Patients who failed both phases of this test were referred to do a Brainstem Auditory Evoked Potential test to confirm the presence of neonatal auditory deficiency. Fischer 's exact test was used with a level of significance of 0.05 orp<0.05. RESULTS: the incidence of neonatal hearing impairment found in this study was 1.2/1000. CONCLUSION: state legislation allows neonatal auditory screening to be more effective in achieving early detection of neonatal hearing impairment. Neonatal auditory screening prevents future impairment of oral development and language acquisition in a social, professional and educational context.

Neonatal screening; Hearing loss; Legislation


INFORME TÉCNICO INSTITUCIONAL TECHNICAL INSTITUTIONAL INSTITUTIONAL REPORTS

Triagem auditiva neonatal: incidência de deficiência auditiva neonatal sob a perspectiva da nova legislação paulista

Neonatal auditory screening: the incidence of neonatal hearing impairment in the context of the new São Paulo legislation

Khalil Fouad Hanna; Roberto Alcântara Maia

Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual. Rua Pedro de Toledo, 1.800. São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04039-004. E-mail: kfhanna@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: identificar a incidência de recém-nascidos com deficiência auditiva, em maternidade particular da cidade de São Paulo.

MÉTODOS: estudo de coorte transversal, realizado no período de 2004 a 2008, em maternidade localizada na zona sul da cidade de São Paulo, com 20.615 recém-nascidos de ambos os sexos, sem indicadores de risco para deficiência auditiva e submetidos à triagem auditiva neonatal. O teste foi realizado por intermédio das Emissões Otoacústicas Evocadas Transientes (EOAET). Os pacientes que falharam nas EOAET nas duas fases foram encaminhados para a realização do Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico (PEATE) para a confirmação da deficiência auditiva neonatal. Empregou-se o Teste Exato de Fischer e o nível de significância adotado foi de 0,05 oup<0,05.

RESULTADOS: a incidência de deficiência auditiva neonatal encontrada neste estudo foi de 1,2/1000.

CONCLUSÃO: a legislação estadual permite que a triagem auditiva neonatal (TAN) seja mais efetiva na detecção precoce da deficiência auditiva neonatal. A TAN evita prejuízos tanto no desenvolvimento oral quanto da linguagem no contexto social, profissional e educacional.

Palavras-chave: Triagem neonatal, Perda auditiva, Legislação

ABSTRACT

OBJECTIVES: to determine the incidence of hearing impairment in newborns, at a private maternity hospital in the city of São Paulo.

METHODS: a cross-sectional cohort study was carried out covering the period between 2004 and 2008, at a maternity hospital located in the southern zone of the city of São Paulo, including 20,615 newborns of both sexes, with no risk factors for hearing impairment and who had undergone neonatal auditory screening. The test was carried out using the Evoked Transient Otoacoustic Emissions test. Patients who failed both phases of this test were referred to do a Brainstem Auditory Evoked Potential test to confirm the presence of neonatal auditory deficiency. Fischer 's exact test was used with a level of significance of 0.05 orp<0.05.

RESULTS: the incidence of neonatal hearing impairment found in this study was 1.2/1000.

CONCLUSION: state legislation allows neonatal auditory screening to be more effective in achieving early detection of neonatal hearing impairment. Neonatal auditory screening prevents future impairment of oral development and language acquisition in a social, professional and educational context.

Key words: Neonatal screening, Hearing loss, Legislation

Introdução

A recente legislação no Estado de São Paulo sobre a triagem auditiva neonatal (TAN) foi promulgada em 3 de janeiro de 2007 e determinou a realização da TAN em todos os recém-nascidos (RN).

De acordo com a Lei 12.522/07 "ficam obrigadas as maternidades e os hospitais do Estado de São Paulo a realizarem exames diagnósticos de audição em crianças recém-nascidas". Também garante que todas as crianças nascidas fora da maternidade ou do hospital façam o exame antes dos três meses de vida. Em 26 de fevereiro de 2008, a Secretaria de Estado da Saúde publicou no Diário Oficial do Estado (DOE) a resolução S.S. 25 (CREMESP, 2009). 1 A partir daí, as entidades públicas e particulares teriam que realizar a TAN no estado paulista.

No Brasil, em 85 municípios há legislação sobre a TAN. O município de São Paulo foi o primeiro a aprovar Lei para a realização da TAN, em 1998. Em 13 deles existe legislação para obrigar a realização do procedimento.2

Entre as doenças que podem ser detectadas por triagem ao nascimento na rotina das maternidades, a incidência de deficiência auditiva (10 a 30 para 10.000) é maior do que outras doenças, como a incidência de hipotireoidismo congênito: 2,5 para 10.000 e a incidência de fenilcetonúria que é de 1 para 10.000.3

Os métodos objetivos para a realização da análise auditiva consistem nas Emissões Otoacústicas (EOA) e no Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico (PEATE). As Emissões Otoacústicas Evocadas Transientes (EOAET) representam na atualidade aplicação clínica mais importante entre as EOA. Por meio da EOAET identifica-se a presença ou ausência de emissão. Dessa maneira, pode-se afirmar que a audição encontra-se ou não dentro da normalidade.

O PEATE é exame objetivo, não invasivo e que registra a atividade fisiológica do sistema auditivo da orelha interna até a região subcortical. A resposta evocada por estímulo auditivo, surge após 1 a 6 milisegundos e sob a forma de série de ondas (I, II, III, IV e V). As respostas dependem do grau de maturidade do sistema nervoso central.4

Embora estudos brasileiros anteriores tenham documentado a importância da implantação, da viabilidade e as vantagens da universalidade da TAN, até o momento nenhum estudo nacional analisou a participação de um grande número de recém-nascidos.

O objetivo deste estudo é identificar a incidência de recém-nascidos com deficiência auditiva, em berçário normal, sem indicadores de risco para deficiência auditiva, em maternidade particular da cidade de São Paulo.

Métodos

Foi realizado estudo de coorte transversal, no período de 06 de janeiro de 2004 a 30 de dezembro de 2008 em maternidade privada localizada na zona sul da cidade de São Paulo que iniciou o teste de TAN voluntariamente em 1999. Trata-se de maternidade que atende gestantes particulares e convenia-das com diversos planos de saúde.

Foram orientados 45.550 pais de RN a respeito da TAN. Desses pais de RN, 20.615 concordaram em realizar a TAN.

Os recém-nascidos eram de ambos os sexos, de berçário normal e sem indicadores de risco para deficiência auditiva. Não estiveram na UTI neonatal. Os pais, na ocasião da internação hospitalar, receberam manual com informações e os serviços disponíveis e opcionais, tais como: teste do pezinho ampliado, vacinação e triagem auditiva neonatal por meio das EOAET. A TAN é exame opcional que requeria a concordância dos pais antes da promulgação em Lei no Estado de São Paulo. O exame foi agendado pelo Serviço de Triagem Auditiva e realizado no quarto dos pais.

Os dados coletados dos resultados dos exames da TAN foram digitados em planilha do software Excel®. Foram formados dois grupos: Grupo 1 com os dados obtidos de 2004 a 2007, período anterior a promulgação da Lei 12.522/07 que exige a realização da TAN no Estado de São Paulo, e Grupo 2, após a promulgação da Lei.

O equipamento empregado foi o ILO 292, versão 5.6, da marca OAE System Otodynamics Ltd. O ILO 292 foi instalado em computador portátil Compac, modelo Armada 1550 DMT, processador Intel Celeron, com monitor colorido. O estímulo utilizado para provocar o aparecimento das emissões otoacústicas ocorreu com um clique não-linear de 80[ segundos de duração, com intensidade ao redor de 80 decibéis níveis de pressão sonora (dBNPS) e frequência de estímulo de 21 cliques/seg. Os cliques variaram em torno de 75 dBNPS a 85 dBNPS nas frequências de 800 Hz a 4.000 Hz.

O exame foi realizado após as primeiras 48 horas de vida, de preferência depois das mamadas, no período de sono fisiológico. Foi colocada uma sonda composta por um gerador de estímulos sonoros e microfone no conduto auditivo externo. Não foi necessária a sedação e o exame é de curta duração.

Emitiu-se um estímulo sonoro (clique) e quando não havia obstáculo na orelha externa nem na orelha média, atingia-se a cóclea. Quando as células cili-adas externas estavam íntegras a sua movimentação desencadeava um som captado na orelha externa por intermédio do microfone e analisado pelo ILO 292. A partir dos parâmetros definidos, conforme Tabela 1, foram analisadas as respostas presentes/ausentes (passa/falha) do recém-nascido.

Foi considerado que o RN "passou" no exame quando apresentou resposta em três bandas de frequência consecutivas, desde que houvesse amplitude de resposta correspondente, reprodutibilidade geral acima de 50% e estabilidade da sonda acima de 70%.

Para os testes que "falharam" realizou-se novo teste de EOAET em torno de duas semanas. Os RN que "passaram" no segundo exame tiveram alta. Os que "falharam" novamente foram encaminhados para a realização do Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico (PEATE), realizado em laboratórios indicados pela maternidade.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da maternidade pesquisada (projeto 05/07).

O teste estatístico empregado neste estudo foi o Teste Exato de Fisher. Adotou-se o nível de significância de 0,05 ou p<0,05.

Resultados

Em maternidade particular da zona sul da cidade de São Paulo, no período de 06 de janeiro de 2004 a 30 de dezembro de 2008, nasceram 45.550 RN. Todos os pais dos RN foram orientados para realizarem a TAN e 20.615 concordaram em realizá-la, o que corresponde a 45,26% do total dos pais orientados conforme Tabela 2.

A aceitação voluntária dos pais para a TAN no RN foi de 31,51% em 2004 e de 35,46% em 2005. No ano de 2006 foi de 38,27%, em 2007, 41,33% e, no ano da entrada em vigência da legislação, de 76%.

Entre os 3065 RN nascidos em 2004 que os pais concordaram em realizar o exame de EOAET, 2978 (97,16%) passaram e 87 (2,84%) falharam. Em 2005 realizaram o exame 2995 RN; passaram 2900 (96,83%) e falharam 95 (3,17%). No ano de 2006 passaram 3201 (97,06%) e falharam 97 (2,94%); com o total de 3298. Dos 3571 RN que realizaram o exame em 2007, passaram 3470 (97,17%) e falharam 103 (2,88%). Os pais de RN que concordaram em realizar o exame de EOAET em 2008 somaram 7686. Passaram 7550 (98,20%) e falharam 136 (1,80%) (Tabela 3).

Observou-se que não houve diferença significativa nos RN que falharam no exame de EOAET entre os RN do Grupo 1 (período de 2004 a 2007) e Grupo 2 (ano de 2008) (p=0,559).

Dos 12.549 RN que os pais concordaram em realizar o exame no Grupo 1 (período de 2004 a 2007), 382 (3,04%) falharam e foram encaminhados para a realização do segundo exame. No Grupo 2 (ano de 2008) foram examinados 7550 e falharam 136 (1,80%) e também enviados para o segundo exame.

Em relação ao ano de 2004, passaram 73 (83,91%), falharam 11 (12,64%) e 3 (3,44%) não retornaram. No ano de 2005 os RN que passaram foram 72 (75,79%), falharam 14 (14,74%) e 9 (9,47%) não compareceram. Em 2006, passaram no segundo exame de EOAET 81 (83,51%) RN e 16 (16,49%) falharam, sem que houvesse abstenção. Em 2007, 82 (79,61%) passaram, 18 (17,48%) falharam e 3 (2,91%) não retornaram. Referente a 2008 o número dos RN que passaram foi de 86 (63,20%), falharam 31 (22,80%) e não retornaram para o reteste 19 (14,00%) (Tabela 4).

Do Grupo 1 (período de 2004 a 2007) 3,93% não retornaram para o reteste e do Grupo 2 (ano de 2008), 14%. Encontrou-se diferença estatística entre os dois grupos (p<0,0001).

Os RN que falharam no segundo exame de EOAET foram encaminhados para a realização do PEATE em laboratórios indicados pela maternidade, onde foram encontrados 3 RN com deficiência auditiva no ano de 2004, 2 RN em 2005, 6 RN em 2006, 8 RN em 2007 e 6 RN em 2008 (Tabela 5).

No ano de 2004 a incidência de deficiência auditiva neonatal foi de 0,9/1000; em 2005 de 0,6/1000; de 1,8/1000 em 2006 e de 2,2/1000 em 2007. Este estudo identificou que em 2008 a incidência de deficiência auditiva neonatal foi de 0,7/1000 (Tabela 6). Comparando-se a incidência verificada no Grupo 1 (período de 2004 a 2007) em relação ao Grupo 2 (ano de 2008) encontrou-se 1,4/1000 (grupo 1) e 0,7/1000 (grupo 2). Não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos (p=0,47).

Discussão

A partir dos resultados da TAN em 20.615 RN, no período de 06 de janeiro de 2004 a 30 de dezembro de 2008, em hospital particular na zona sul da cidade de São Paulo, verificou-se que a incidência de deficiência auditiva neonatal foi maior no ano de 2006, com 1,8 para 1000, e a menor em 2005, com 0,6 para 1000 nascimentos.

A TAN é procedimento seguro para se detectar deficiência auditiva precoce. Na nossa experiência médica o emprego do exame de EOAET mostrou-se eficaz e rápido. A combinação desse exame com o PEATE possibilitou diagnosticar as crianças com deficiência auditiva antes dos três meses de vida, conforme preconizam organismos nacionais e internacionais ligados à saúde auditiva do RN.

Considerando-se o número de 25 RN com deficiência auditiva neonatal no período de 2004 a 2008, a incidência encontrada nesse estudo é de 1,2 para 1000. Esse achado está em concordância com os dados oferecidos pela literatura, que são de aproximadamente 1 a 3 para 1000. É maior que a soma de todas as outras doenças que são triadas rotineiramente.5 Estudo realizado por Tiensoli et al.6 com 798 crianças nascidas em hospital público em Belo Horizonte identificou incidência de 1,8 para 1.000. Em estudo com 4951 RN, no período de 2002 a 2005, em duas maternidades públicas do Espírito Santo, identificou-se incidência de 2,0 para 1000.7

A incidência de deficiência auditiva verificada no Colorado, Estados Unidos, com 41.796 RN foi de 2,2 para 1000.5 Em estudo realizado na Arábia Saudita com 11.986 RN, entre setembro de 1996 a fevereiro de 2004, os pesquisadores se depararam com incidência de 1,8 para 1000.8

Entretanto, em alguns estudos a incidência encontrada pelos pesquisadores foi inferior a 1 por 1000. No estudo conduzido por Langagne et al.9 em 2008, com 53.930 RN na região de Champgne-Ardenne, norte da França, a incidência verificada foi de 0,7 por 1000. Pereira et al.,10 em estudo realizado em hospital público e universitário do município de São Paulo, identificaram incidência de 0,8 por 1000. Durante et al.,11 também em hospital público e universitário do mesmo município, mostraram incidência de deficiência auditiva neonatal de 0,7 para 1000. Esses dados estão próximos à incidência verificada no presente estudo, tomando-se isoladamente os anos de 2004 (0,9/1000), 2005 (0,6/1000) e 2008 (0,7/1000).

Observou-se que nesse estudo não houve diferença estatisticamente significante na incidência de deficiência neonatal entre o Grupo 1 (anos de 2004, 2005, 2006 e 2007), anteriores à entrada em vigor da Lei que tornou obrigatório a TAN em todo o território paulista, e o Grupo 2 (ano de 2008), ano em que passou a valer a nova legislação. Esse achado está em desacordo com os verificados por Mehl e Thomson12 que encontraram aumento no número confirmado de RN com deficiência auditiva neonatal a partir da vigência da legislação no estado do Colorado (EUA). De 1993 a 1996, anos anteriores à legislação, identificaram respectivamente: 16, 31, 49 41 RN com o diagnóstico da doença. Em 1997, ano da entrada em vigor da nova legislação, encontraram 27 casos. No ano de 1998 o número foi de 41 e em 1999 se deparam com 86 RN com deficiência auditiva. Destaca-se que 95% do total dos hospitais do Estado do Colorado participavam da TAN em 1999.

Green et al.13 realizaram estudo no período de 2000 a 2003, sobre os Estados norte-americanos que implantaram e os que não previam legislação acerca da TAN. Os Estados que implantaram legislação para a realização da TAN alcançaram taxas significativamente superiores de RN triados em relação aos estados que ainda não haviam implantado legislação.13

A diferença estatística significante entre os RN do Grupo 1 e do Grupo 2 que não retornaram para o reteste talvez se justifique pela diminuição do trabalho de conscientização realizado na instituição pesquisada a partir do momento que a Lei entrou em vigor. No Grupo 1 não compareceram para o reteste 3,93% dos RN e o Grupo 2 atingiu 14%. Machado et al.14 verificaram ausência de 25% para o reteste dos RN durante período anterior a Lei municipal sobre TAN implantada em final de 2004, em Santa Maria (RS). Ludovico e Servilha,15 em estudo com 100 RN em hospital e maternidade do interior paulista, relataram que todos os RN voltaram para o reteste e consideram o fato incomum.

A triagem auditiva neonatal ainda não é realizada de maneira sistemática no Estado de São Paulo nem no Brasil. No Estado paulista, com a obrigatoriedade da Lei 12.522/07, a detecção precoce da doença começa a tornar-se realidade. Acredita-se que a detecção precoce da deficiência auditiva evita danos que podem ser irreversíveis tanto no desenvolvimento da linguagem oral nos primeiros meses de vida quanto no processo educacional como um todo.16

No âmbito da assistência médica conveniada e particular verifica-se que, atualmente, nem todos os planos de saúde se adaptaram ao novo modelo quanto à observância da legislação em vigor, apesar dos diversos esforços nacionais e internacionais. O National Institutes of Health (NIH), em 1993, recomendou o exame de TAN a todos os RN nos primeiros dias de vida.17 Em 1994, a Joint Committee on Infant Hearing (JCIH)18,19 indicou a realização da TAN antes da alta hospitalar por intermédio dos exames eletrofisiológicos, tais como as EOAE e/ou PEATE.

Tramita no Congresso Nacional, desde 1990, projeto de lei que prevê o exame da TAN para todo o território brasileiro.2 Para Leão e Aguiar20 ainda há muitas controvérsias entre quais doenças devem ser incluídas no Programa Nacional de Triagem Neonatal, apesar da deficiência auditiva ser grave problema de saúde pública.

Notou-se que ao longo dos anos houve aumento na aceitação dos pais para a realização da TAN. Foi de 31,51% (ano de 2004) a 41,33% (em 2007) antes do advento da nova legislação estadual e de 76% em 2008, ano de implantação da Lei 12.522/07. No hospital privado estudado, antes da Lei estadual havia custos para os pais, mas que deixou de ocorrer a partir de fevereiro de 2008, ainda que nem todos os planos de saúde tenham aderido. Deve-se considerar que nos hospitais públicos a aceitação dos pais para o TAN é maior devido ao fato de não gerar custos aos responsáveis pelo RN.

Não é de nosso conhecimento estudos brasileiros em hospitais e maternidades públicas nem privadas com grande número de RN. Acredita-se que a conscientização dos pais, dos obstetras, dos pediatras e das entidades públicas e particulares vinculados à saúde são fundamentais para a divulgação da TAN, detectável nos primeiros meses de vida do RN.

Conclusão

A incidência de deficiência auditiva neonatal verificada nesse estudo foi de 1,2 para 1000 nascimentos. Observa-se que em muitas instituições públicas e particulares no Estado de São Paulo a TAN continua sendo opcional, apesar de ser obrigatória por Lei. Esse é o primeiro estudo no Estado de São Paulo que analisa a incidência de deficiência auditiva neonatal antes e depois da legislação em vigor. Acredita-se que os outros estudos possam ser realizados no âmbito municipal, estadual ou nacional.

Recebido em 8 de março de 2010

Versão final apresentada em 5 de abril de 2010

Aprovado em 6 de maio de 2010

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2010

Histórico

  • Aceito
    06 Maio 2010
  • Revisado
    05 Abr 2010
  • Recebido
    08 Mar 2010
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