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Fatores associados ao aleitamento materno no primeiro ano de vida em Cruzeiro do Sul, Acre

Resumo

Objetivos:

investigar frequência e fatores associados ao aleitamento materno (AM) continuado.

Métodos:

estudo de coorte em Cruzeiro do Sul, Acre. Na maternidade, todas as parturientes de julho de 2015 a junho de 2016 foram convidadas à participação. Dados socioeconómicos, demográficos, obstétricos e neonatais dos bebês foram obtidos por entrevista. As razões de prevalência (RP) e intervalos com 95% de confiança (IC95%) foram estimados utilizando modelos múltiplos de regressão de Poisson com variância robusta.

Resultados:

dentre 1551 mães contatadas, 305 residiam em área rural, sendo elegíveis 1246 mães residentes em área urbana. No seguimento de 1 ano da coorte, 774 bebês não gemelares foram avaliados. A maioria das mães referiu ser de cor parda (79%o), maior de 21 anos (72%), >10 anos de escolaridade (72%) e não exercer atividade remunerada (54%). A idade dos bebês variou de 10 a 15 meses. A frequência do AM continuado foi de 69,4%o (IC950%= 66,0-72,6). Os fatores inversamente associados ao AM continuado foram uso de mamadeira (RP= 1,44; IC95% 1,33-1,57) e chupeta (RP= 2,55; IC95%= 1,99-3,28), após ajuste por idade materna e variáveis socioeconómicas.

Conclusão:

a frequência de AM continuado em Cruzeiro do Sul foi superior às estimativas nacionais, porém aquém das recomendações da OMS para amamentação até dois anos de idade.

Palavras-chave:
Aleitamento materno; Desmame; Nutrição infantil; Saúde infantil; Coorte de nascimentos

Abstract

Objectives:

to investigate the factors associated with continued breastfeeding (BF).

Methods:

All the parturients at a local maternity from July 2015 to June 2016 were invited to participate in a cohort study in Cruzeiro do Sul, Acre. Data on socioeconomic, demographic, obstetric and neonatal of the babies were obtained for the interview. Multiple Poisson regression models with robust variance were used to estimate the prevalence ratio (PR) and 95% confidence intervals (95%CI).

Results:

among the 1551 mothers contacted, 305 lived in the rural area, leaving 1,246 eligible mothers living in urban area. For the 1-year cohort follow-up, 74 non-twin babies were assessed. Most of the mothers reported to have mixed skin color (79%), are over 21 years old (72°%o), more than 10 years of schooling (72%>) and with unpaying job (54%). The children’s age ranged from 10 to 15 months. The frequency of continued breastfeeding was 69,4%> (95%oCI=66.0-72.6). The factors negatively associated with continued breastfeeding were the use of bottle feeding (PR=1.44; CI95%> =1,33-1.56) and pacifier (PR=2.54; CI95%> =1.98-3.27), after adjusting for maternal age and socioeconomic variables.

Conclusion:

the frequency of continued breastfeeding in Cruzeiro do Sul was higher than the national estimates, but below the WHO recommendations for breastfeeding up to two years of age.

Key words:
Breastfeeding; Weaning; Child nutrition; Child health; Birth Cohort

Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza a prática de aleitamento materno exclusivo (AME) até os seis meses de idade e, posteriormente, a introdução da alimentação complementar, com manutenção do aleitamento materno (AM) até os dois anos de idade ou mais.11 WHO (World Health Organization). The optimal duration of breastfeeding: a systematic review. Geneva; 2002.

O leite materno é o alimento mais adequado para se promover um crescimento e desenvolvimento saudável de crianças e seu consumo traz benefícios tanto para a mãe como para o bebê.22 WHO (World Health Organization). Protecting, promoting and supporting breastfeeding in facilities providing maternity and newborn services. Geneva: WHO/UNICEF; 2017. O AM tem um importante papel na prevenção da mortalidade infantil, principalmente por doenças infecciosas nos primeiros dois anos de vida. Está associado a uma redução nos casos de otite média aguda, asma e dermatite atópica e contribui para o desenvolvimento adequado da cavidade oral.22 WHO (World Health Organization). Protecting, promoting and supporting breastfeeding in facilities providing maternity and newborn services. Geneva: WHO/UNICEF; 2017..33 WHO (World Health Organization). Short-term effects of breastfeeding: a systematic review on the benefits of breastfeeding on the diarrhoea and pneumonia mortality. Geneva; 2013.

Após os seis primeiros meses de vida, o leite materno continua sendo uma importante fonte de proteínas, vitaminas e energia, podendo fornecer metade ou mais das necessidades energéticas de uma criança de 6 a 12 meses de idade e um terço das necessidades energéticas de crianças com idade entre 12 e 24 meses, além de oferecer proteção contra doenças infecciosas.4,5 Em longo prazo, revisão de evidências recentes indicam que o AM está associado a uma redução de 26% no risco para obesi-dade/sobrepeso e 19% na incidência de leucemia infantil.6 A amamentação está também relacionada à prevenção da depressão pós-parto, devido efeito protetor ao humor materno, além da sua importância para estabelecimento do vínculo mãe-bebê.44 McFadden A, Siebelt L, Marshall JL, Gavine A, Girard LC, Symon A, MacGillivray S. Counselling interventions to enable women to initiate and continue breastfeeding: a systematic review and meta-analysis. Int Breastfeed J. 2019;14: 42.,66 Victora CG, Bahl R, Barros AJ, França GV, Horton S, Krasevec J, Murch S, Sankar MJ, Walker N, Rollins NC; Lancet Breastfeeding Series Group. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016; 387: 475-90.

No Brasil, o Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF), realizado em 1974-1975, mo strou que a porcentagem de crianças amamentadas aos 12 meses foi de 23%. Em 1986, a Pesquisa Nacional sobre Saúde Materno-Infantil e Planejamento Familiar encontrou prevalência de AM aos 12 meses de 23%. Em 1989, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN), apenas 37% das crianças eram amamentadas aos 12 meses, prevalência esta que se manteve na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) de 1996.77 Wenzel D, Souza SB. Prevalência do aleitamento materno no Brasil segundo condições socioeconómicas e demográficas. J Hum Growth Dev. 2011; 21 (2): 251-8. Em pesquisa realizada em capitais brasileiras e Distrito Federal pelo Ministério da Saúde em 2008, a prevalência do aleitamento materno entre 9-12 meses de idade foi de 59%, sendo que a região que mostrou melhor resultado foi a Região Norte (77%).88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. II Pesquisa de prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal. Brasília, DF; 2009. v.1 50-62p.

Dados mais recentes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2013, observou uma prevalência de AM no primeiro ano de vida de 45%.99 Boccolini CS, Boccolini PMM, Monteiro FR, Venâncio SI, Giugliani ERJ. Tendência de indicadores do aleitamento materno no Brasil em três décadas. Rev Saúde Pública. 2017, 51: 108. Em análise dos dados da PNS,1010 Flores TR, Nunes BP, Neves RG, Wendt AT, Costa CS, Wehrmeister FC, Bertoldi AD. Consumo de leite materno e fatores associados em crianças menores de dois anos: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Cad Saúde Pública. 2017; 33 (11): e00068816. a faixa etária de 12 a menores de 24 meses apresentou prevalência de AM de 40%. A maior prevalência do AM continuado foi associada ao consumo de alimentos e líquidos saudáveis, à residência em zona urbana, maior escolaridade do chefe da família e famílias com posse de maior número de bens.1010 Flores TR, Nunes BP, Neves RG, Wendt AT, Costa CS, Wehrmeister FC, Bertoldi AD. Consumo de leite materno e fatores associados em crianças menores de dois anos: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Cad Saúde Pública. 2017; 33 (11): e00068816.

Nas últimas três décadas observou-se um aumento na frequência das práticas de AME e AM continuado até um ano, sendo que os principais ganhos se deram, principalmente, entre 1989 e 2006, seguida de estabilização em 2013.99 Boccolini CS, Boccolini PMM, Monteiro FR, Venâncio SI, Giugliani ERJ. Tendência de indicadores do aleitamento materno no Brasil em três décadas. Rev Saúde Pública. 2017, 51: 108. Apesar deste avanço, o país ainda está longe das metas propostas pela OMS.11 WHO (World Health Organization). The optimal duration of breastfeeding: a systematic review. Geneva; 2002.,77 Wenzel D, Souza SB. Prevalência do aleitamento materno no Brasil segundo condições socioeconómicas e demográficas. J Hum Growth Dev. 2011; 21 (2): 251-8. O presente estudo tem como objetivo investigar a frequência e fatores associados ao aleitamento materno continuado em um município da Amazônia Ocidental Brasileira.

Métodos

Dados do Estudo MINA-Brasil: Saúde Materna Infantil no Acre, estudo de coorte de nascimentos em Cruzeiro do Sul, Acre, foram utilizados na presente análise. O recrutamento de mães e bebês participantes desta coorte foi realizado entre julho de 2015 e junho de 2016 por meio de visitas diárias ao Hospital Estadual da Mulher e da Criança do Juruá em Cruzeiro do Sul, Acre, conforme descrição detalhada em publicação anterior.1111 Cardoso M, Matijasevich A, Malta MB, Lourenco BH, Gimeno SGA, Ferreira MU, Castro MC for the MINA-Brazil Study Group. Cohort profile: the Maternal and Child Health and Nutrition in Acre, Brazil, birth cohort study (MINA-Brazil). BMJ Open. 2020; 10: e034513. Nesse período, pesquisadores da equipe MINA-Brasil identificaram e convidaram à participação no estudo as mães que residiam no município de Cruzeiro do Sul. Após concordância com a participação, por escrito e ainda durante a estadia hospitalar, as mães responderam a um formulário estruturado sobre questões socio-econômicas, demográficas e história de saúde.

Durante o período de recrutamento das participantes na maternidade, registraram-se 1.881 internações para parto. Destas, 128 (6,9%) foram consideradas não elegíveis, sendo 112 abortos e 16 natimortos, totalizando 1.753 nascidos vivos, dos quais 184 se recusaram a participar do estudo e 18 não foram contatados pela equipe de pesquisa. Dentre as 1.551 mães contatadas, 305 residiam em área rural, sendo elegíveis ao seguimento 1.246 mães e seus bebês residentes em área urbana, incluindo os bebês gemelares e suas mães (22 bebês e 10 mães). Para o seguimento de 1 ano de idade dos bebês, 25 (2,0% dos 1246 elegíveis) recusaram participação nesta fase do estudo, 4 crianças faleceram e 433 (33,8%) bebês não foram avaliados (38 mudaram-se para área rural ou outros municípios, 110 não compareceram à avaliação após 3 tentativas de agendamentos e 285 não foram localizados). Ao final, 784 bebês foram avaliados no primeiro ano de vida. Para a presente análise, foram excluídos 10 gêmeos, constituindo a amostra de 774 bebês.1111 Cardoso M, Matijasevich A, Malta MB, Lourenco BH, Gimeno SGA, Ferreira MU, Castro MC for the MINA-Brazil Study Group. Cohort profile: the Maternal and Child Health and Nutrition in Acre, Brazil, birth cohort study (MINA-Brazil). BMJ Open. 2020; 10: e034513.

O estudo MINA-Brasil foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (Protocolo de aprovação do Projeto MINA n° 872.613, de 13/11/2014).

O seguimento do primeiro ano de vida dos bebês participantes da coorte foi realizado em avaliações presenciais pela equipe de campo, em Unidades Básicas de Saúde do município, em parceria com a Estratégia Saúde da Família.1212 Dal Bom JP. Fatores associados ao crescimento linear e ao peso atingido no primeiro ano de vida em Cruzeiro do Sul, Acre [dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2019. A avaliação incluiu medidas antropométricas das mães e crianças, atualização dos dados sociodemográficos e aplicação de formulários estruturados sobre práticas alimentares e as condições de saúde e morbidade recente da criança. O questionário incluiu histórico de frequência dos alimentos consumidos no dia anterior, tempo de aleitamento materno e questões sobre cuidado com a criança e uso de mamadeira e chupeta. A avaliação antropométrica de bebês foi realizada em duplicata e seguindo procedimentos padronizados, com equipamentos devidamente cali-brados.1313 WHO (World Health Organization). The World Health Report. Bridging the gaps. Geneva; 1995. O peso dos bebês foi obtido a partir da diferença entre a medida do peso da mãe ou acompanhante e a medida do peso combinado (peso da mãe ou acompanhante segurando o bebê no colo) utilizando balança portátil digital eletrônica (Tanita, modelo UM061), com capacidade de 150 kg e variação de 0,1 kg, e medidas de estatura foram obtidas em infantômetro portátil (Seca, modelo 218), dividida em centímetros e subdividida em milímetros.

Para a presente análise, o desfecho de interesse do estudo foi o AM no primeiro ano de vida, obtido pela questão “a criança mama no peito atualmente (sim ou não)”. Como variáveis independentes, foram analisadas: a) características socioeconómicas, demográficas e obstétricas das mães: idade (<21 ou >21 anos), escolaridade (<9 ou >10 anos), cor da pele autoreferida (branca, negra/indígena/amarela, parda), recebe bolsa família (sim ou não), vive com companheiro (sim ou não), mãe chefe de domicílio (sim ou não), exerce atividade remunerada (sim ou não), paridade (primigesta ou multigesta); b) características de nascimento dos bebês: tipo de parto (normal ou cesárea), idade gestacional do bebê (<36 ou >37 semanas), peso ao nascer (<2500g, 2500-4000g, >4000g), peso ao nascer segundo idade gestacional (<-2, -2 a +2 ou>+2 escore Z); c) características no primeiro ano de vida: índices antropométricos, uso de mamadeira (sim ou não) e uso de chupeta (sim ou não). As variáveis relacionadas às características de nascimento dos bebês foram obtidas pela análise do prontuário hospitalar e demais variáveis por questionários estruturados no primeiro ano de vida.

Cálculos dos índices peso/idade (P/I), peso/estatura (P/E) e estatura/idade (E/I) em escores Z foram analisados segundo padrão de referência da OMS,1313 WHO (World Health Organization). The World Health Report. Bridging the gaps. Geneva; 1995. sendo consideradas desnutridas (stunting, em inglês) crianças cujos índices de estatura para idade forem abaixo ou igual ao valor de -2 escores z, e com sobrepeso crianças cujos índices de peso para estatura forem maior que +2 escores z.

As informações coletadas pela equipe de campo foram registradas em equipamentos do tipo tablet, no programa CSPro (U.S. Census Bureau, ICF International), sendo exportadas semanalmente e submetidas a análises de consistência de dados supervisionadas pela equipe de coordenação do Estudo MINA. Uma base de dados foi organizada para análises estatísticas no programa Stata versão 13 (StataCorp, TX, EUA).

Realizou-se análise descritiva de fatores sócio-demográficos das mães segundo prática de aleitamento materno, mediante comparações pelo teste de qui-quadrado, adotando-se valor de p<0.10 para seleção inicial de variáveis independentes segundo modelo conceitual hierarquizado por níveis de determinação distal (fatores socioeconômicos e demográficos), intermediário (fatores obstétricos) e proximal (características do bebê ao nascimento e no primeiro ano de vida).1212 Dal Bom JP. Fatores associados ao crescimento linear e ao peso atingido no primeiro ano de vida em Cruzeiro do Sul, Acre [dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2019. Em seguida, modelos de regressão múltipla de Poisson com variância robusta foram utilizados para analisar a razão de prevalências (RP) e respectivos intervalos com 95% de confiança (IC95%).

Resultados

A população de estudo foi composta em sua maioria por mães com mais de 21 anos de idade, que referiram ser de cor parda, viver com companheiro e que não possuíam atividade remunerada. Um percentual de 13% das mães referiram ser chefe do domicílio e 37% eram beneficiárias do programa de transferência de renda Bolsa Família.

Em relação às características obstétricas, 42% eram primigestas, 52% tiveram parto normal, sendo a maior parte dos nascimentos em idade gestacional entre 37 e 42 semanas (92%) (Tabela 1). Em relação aos bebês, em sua maioria (95%), nasceram com peso adequado para idade gestacional (entre 2.500 g e 3.999g). No seguimento do primeiro ano da coorte de nascimentos, a idade dos bebês avaliados variou de 10 a 15 meses. A maioria dos bebês usava mamadeira (63%) enquanto 22% ainda usavam chupeta. A frequência de stunting e sobrepeso foram 2,2% e 7,6%, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 1
Características maternas no parto segundo prática do aleitamento materno continuado no primeiro ano de vida na coorte MINA-Brasil. Cruzeiro do Sul, Acre. 2016-2017.
Tabela 2
Características dos bebês segundo prática do aleitamento materno continuado no primeiro ano de vida na coorte MINA-Brasil. Cruzeiro do Sul, Acre. 2016-2017.

A frequência do aleitamento materno continuado foi de 69,3% (IC95%: 65,9-72,5). Entre as crianças que não recebiam mais AM, a duração mediana do AM foi de 152 dias (5 meses). Ao nascimento, 90% dos bebês foram colocados no peito na 1a hora de vida e 96% receberam aleitamento materno no primeiro dia de vida.

Em análise de ajuste múltiplo, o uso de mamadeira e de chupeta foram inversamente associados ao AM continuado aos 10-15 meses de idade (Tabela 2). Essa associação permaneceu estatisticamente significante após ajuste para idade materna, mãe morar com companheiro e ser beneficiária do Programa Bolsa Família no momento do parto (Tabela 3).

Tabela 3
Razão de prevalências (RP) e intervalo com 95% de confiança (IC95%) para fatores associados à descontinuidade do aleitamento materno no primeiro ano de vida. Cruzeiro do Sul, Acre. 2016-2017 (N=759).

Discussão

No presente estudo, os fatores associados à interrupção do AM continuado no primeiro ano de vida foram o uso de mamadeira e chupeta, após ajuste por fatores socioeconómicos e idade materna. A frequência de AM continuado deste estudo (69,3%) foi semelhante às estimativas da II Pesquisa de Prevalência de AM nas capitais brasileiras e Distrito Federal (2008).88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. II Pesquisa de prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal. Brasília, DF; 2009. v.1 50-62p. A prevalência de AM continuado nacional foi de 58,74% e 62,8% na capital do Estado do Acre, Rio Branco. O uso de mamadeira observado no Estudo MINA foi superior ao encontrado na região norte (50%), na capital Rio Branco (56,5%) e na média nacional (58,4%). Já em relação ao uso de chupeta, a frequência encontrada neste estudo (22%) foi inferior à média nacional (42,6%), ao registrado na região norte (25,5%) e em Rio Branco (32,2%).8 Esses achados corroboram resultados de estudos anteriores sobre uso de bicos artificias e interrupção do AM. Em estudo realizado por Buccini et al.1515 Buccini GS, Benício MHA, Venâncio SI. Determinantes do uso de chupeta e mamadeira. Rev Saúde Pública. 2014; 48 (4): 571-1. foram analisados os fatores associados com uso de chupeta e mamadeira em menores de um ano. Os resultados mostraram que mães mais jovens, primíparas e que trabalham fora do lar ofereceram mais bicos artificiais aos seus filhos, enquanto que outros fatores como nascer em um Hospital Amigo da Criança, ter mamado na 1° hora de vida e frequentar unidades básicas de saúde como serviço de rotina estavam relacionados com uma menor frequência no uso de uso de bicos artificiais. Outro estudo publicado em 2018, em uma coorte conduzida em São Luiz, estado do Maranhão, onde foram acompanhadas 3302 crianças, a prevalência do uso de chupeta foi de 30,4%, sendo maior na classe econômica A e menor nas classes C e D/E. O uso de chupeta foi maior entre crianças com mães adolescentes, com baixo peso ao nascer, que nunca foram amamentadas e não tiveram AME até os seis meses.1616 Martins RFM, Lima AASJ, Ribeiro CCC, Alves CMC, da Silva AAM, Thomaz EBAF. Lower birthweight, shorter breastfeeding and lack of primary health care contributed to higher pacifier use in a birth cohort. Acta Paediatr. 2018; 107: 1650-1.

Recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicadas em 2017 com base em revisão da literatura, indicam o uso de chupeta para redução do risco da Síndrome da Morte Súbita Infantil (SMSI), manejo da dor e para estimulação da sucção não-nutritiva na transição de nutrição enteral para via oral em recém-nascidos pré-termo, destacando-se que para cada um desses possíveis efeitos positivos há sempre um contraponto em prol do aleitamento materno.1717 SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). Uso de chupeta em crianças amamentadas: prós e contras. Guia Prático de Atualização. Departamento Científico de Aleitamento Materno. Rio de Janeiro, 2017. Apesar da recomendação da Academia Americana de Pediatria (AAP) de oferecer chupeta durante o sono como forma de prevenção da SMSI,1818 American Academy of Pediatrics. The Changing Concept of Sudden Infant Death Syndrome: Diagnostic Coding Shifts, Controversies Regarding the Sleeping Environment, and New Variables to Consider in Reducing Risk. Pediatrics. 2005; 116 (5): 1245-55. uma metanálise observou que o aleitamento materno é também protetor contra SMSI e têm efeito ainda mais forte quando exclu-sivo.1919 Hauck FR, Thompson JMD, Tanabe KO, Moon RY, Vennemann MM. Breastfeeding and Reduced Risk of Sudden Infant Death Syndrome: A Meta-analysis. Pediatrics. 2011; 128 (1): 103-10. Por sua vez, a OMS, em parceria com a UNICEF, recomendam aconselhar as mães sobre os riscos de oferecer chupetas e bicos artificiais, em os “Dez passos para o sucesso do aleitamento materno”.20

Uma metanálise que avaliou os efeitos do uso de chupeta no AME, encontrou que estudos observa-cionais e ensaios clínicos randomizados sugerem fortemente que o uso de chupeta pode ser um fator de risco para a descontinuidade precoce do AME.2121 Buccini GDS, Pérez-Escamilla R, Paulino LM, Araújo CL, Venancio SI. Pacifier use and interruption of exclusive breastfeeding: systematic review and meta-analysis. Matern Child Nutr. 2016; 13: e12384. No Brasil, estudos transversais realizados em Londrina (n = 770), Paraná,2222 Souza SNDH, Migoto MT, Rossetto EG, Mello DF. Prevalência de aleitamento materno e fatores associados no município de Londrina-PR. Acta Paul Enferm. 2012; 25 (1): 29-35. e em Feira de Santana (n = 2319), Bahia2323 Vieira GO, Almeida JAG, Silva LR, Cabral VA, Netto PVS. Fatores associados ao aleitamento materno e desmame em Feira de Santana, Bahia. Rev Bras Saúde Matern. Infant. 2004; 4 (2): 143-50. encontraram frequências de AM continuado dos 9 aos 12 meses de 51,5% e 69,2%, respectivamente, com uso de chupeta e mamadeira também associados ao desmame, concordando com os achados do presente estudo.

Tendo em vista que uso de chupetas e bicos fazem parte de um hábito cultural muito difundido no Brasil, é preciso esclarecer tanto profissionais de saúde quanto as mães e a população em geral sobre as consequências da introdução de bicos artifi-ciais.2424 Ali GH, Hasan SS. Disadvantages of using pacifier in infants: a systematic review. TMR Integrative Nursing. 2019; 3 (4): 130-4.,2525 Buccini GDS, Pérez-Escamilla R, Paulino LM, Araújo CL, Venancio SI. Pacifier use and interruption of exclusive breastfeeding: Systematic review and meta-analysis. Matern Child Nutr. 2017; 13 (3): e12384. Por sua vez, a SBP recomenda que os profissionais de saúde forneçam informações claras e cientificamente embasadas para que os pais possam tomar suas próprias decisões de maneira consciente.1717 SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). Uso de chupeta em crianças amamentadas: prós e contras. Guia Prático de Atualização. Departamento Científico de Aleitamento Materno. Rio de Janeiro, 2017. Por outro lado, o Ministério da Saúde do Brasil desencoraja o uso de mamadeira, sugerindo a utilização do copinho ou colher para oferecer água e outros líquidos.2626 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para crianças menores de dois anos: um guia para o profissional da saúde na atenção básica. 2 ed. Brasília, DF; 2013. As diretrizes para promoção do AM da OMS também recomendam que familiares devem ser aconselhados adequadamente para poderem tomar decisões informadas sobre o uso de mamadeiras, bicos e chupetas. Aponta, ainda, que para bebês pré-termo, o uso de colheres ou xícaras é preferível à mamadeiras e bicos. Destaca também que evitar o uso de chupeta envolve ensinar aos cuidadores métodos alternativos para acalmar bebês.22 WHO (World Health Organization). Protecting, promoting and supporting breastfeeding in facilities providing maternity and newborn services. Geneva: WHO/UNICEF; 2017.

Como limitações deste estudo, deve-se considerar que esses achados se referem às crianças residentes em área urbana de município Amazônico devido dificuldades de localização e acesso à grande extensão da área rural. Os motivos para oferta de chupetas e mamadeiras nos primeiros meses de vida não foram coletados neste estudo. Essas informações poderiam ser úteis ao planej amento de ações para proteção e apoio ao aleitamento materno uma vez que grande maioria das crianças (96%) receberam AM no 1° dia de vida.

Em conclusão, a frequência de aleitamento materno continuado em Cruzeiro do Sul, Acre, foi acima da média nacional, segundo Pesquisa Nacional de Saúde (2013)99 Boccolini CS, Boccolini PMM, Monteiro FR, Venâncio SI, Giugliani ERJ. Tendência de indicadores do aleitamento materno no Brasil em três décadas. Rev Saúde Pública. 2017, 51: 108. de 45,4%, contudo, ainda não é satisfatória, considerando que a OMS recomenda o aleitamento materno até dois anos de idade.11 WHO (World Health Organization). The optimal duration of breastfeeding: a systematic review. Geneva; 2002. De acordo com os achados deste estudo, bebês que usam chupeta e mamadeira apresentaram risco para desmame no primeiro ano de vida, após ajuste por indicadores demográficos e de suporte socioeconômico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2019
  • Revisado
    14 Dez 2020
  • Aceito
    29 Dez 2020
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