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Migrações, trabalho de cuidado e saúde de cuidadoras: revisão integrativa

Migrations, care work and caregivers’ occupational health: an integrative review

Resumo

Introdução:

o trabalho remunerado de cuidado em domicílio é exercido predominantemente por mulheres e caracterizado por baixos salários e pouca valoração social.

Objetivo:

analisar a migração no trabalho de cuidado e as suas relações com as condições de trabalho e saúde de cuidadoras latino-americanas.

Método:

foi realizada uma revisão integrativa da literatura com busca nas bases de dados BVS, SciELO, PubMed, Sociological Abstract, Scopus e Web of Science. Foram incluídos estudos sobre a América Latina, publicados no período de 2010 a agosto de 2019.

Resultados:

foram incluídos 21 artigos, dos quais 20 relatam estudos qualitativos. A migração influencia as trajetórias de cuidadoras ao se deslocarem pela América Latina, Estados Unidos e Europa; foram identificadas contradições entre cuidar de outras pessoas enquanto os filhos/família ficam no país de origem; dificuldades com a língua; ausência de permissões para o exercício do trabalho; condições de trabalho precárias; situações de exploração e maus-tratos, discriminações, racismo, problemas de saúde físicos e emocionais.

Conclusão:

as trajetórias de migração das cuidadoras latino-americanas revelam dificuldades que estão relacionadas a condições de trabalho precárias e situações de violência no trabalho.

Palavras-chave:
violência no trabalho; análise de gênero; condições de trabalho; emigração e imigração; saúde do trabalhador

Abstract

Introduction:

paid home care is largely performed by women and characterized by low wages and little social status.

Objective:

to analyse migration in care work and its relationship with Latin American caregivers’ working conditions and health status.

Methods:

We collected data by searching the BVS, SciELO, PubMed, Sociological Abstract, Scopus and Web of Science databases. Studies carried out about Latin America, published between 2010 and August 2019, were included in the review.

Results:

of the 21 papers included, 20 had a qualitative approach. Migration influences caregivers’ trajectories as they move through Latin America, the United States, and Europe. The analysis found contradictions between caring for others while their own children/family stay in their home country; difficulties with the language; lack of work permits; precarious working conditions; exploitation, mistreatment, discrimination, racism, emotional and physical health problems.

Conclusion:

the Latin American caregivers’ migrations trajectories reveal difficulties related to precarious working conditions and workplace violence.

Keywords:
workplace violence; gender analysis; working conditions; emigration and immigration; occupational health

Introdução

Este artigo parte da tríade trabalho de cuidado, migração e saúde para entender os deslocamentos de mulheres da América Latina que realizam o cuidado, nas esferas privada ou pública, fora de seus países de origem. Tratamos o trabalho de cuidado como aquele que está relacionado com a emissão de atenção, ao atendimento das necessidades das pessoas, ou seja: “[…] podemos defini-lo como uma relação de serviço, apoio e assistência, remunerada ou não, que implica um sentido de responsabilidade à vida e ao bem-estar de outrem”11. Kergoat D. Relações sociais de sexo e divisão sexual do trabalho. In: Lopes MJ, Meyer DE, Waldow VR, organizadores. Gênero e saúde. Porto Alegre: Artmed; 1996. p. 19-27. (p. 17). Nesse sentido, interessa-nos interrogar também as relações entre a saúde e o trabalho, já que este não é neutro, pois é central para a dinâmica da vida social, para além da questão econômica. É por meio dele que se elabora e se constrói a subjetividade, o reconhecimento e o pertencimento a um grupo social22. Wlosko M, Ros C. El trabajo del cuidado en el sector salud desde la psicodinâmica del trabajo y la perspectiva del care: Entrevista a Pascale Molinier. Salud Colect. 2015;11(3):445-54..

O trabalho de cuidado na esfera pública e privada (a contratação de profissionais como babás, empregadas domésticas e cuidadoras de idosos/as, por exemplo) tem crescido, sobretudo pela inserção das mulheres no mercado de trabalho33. Ehrenreich B, Hochschild AR, editores. Global woman: nannies, maids, and sex workers in the new economy. New York: Holt McDougal; 2004. e pelo envelhecimento populacional, pois há uma demanda por cuidados específicos nas diversas fases do desenvolvimento humano. Ele é central no modo de organizar a vida em sociedade, ou seja, cuidar das pessoas, adultos/as, idosos/as e em fase de crescimento é uma das formas de se garantir a produção da vida social e biológica.

Considerando que o trabalho de cuidado está histórica e culturalmente associado com o desenvolvimento da sociedade capitalista, Hirata44. Hirata H. O cuidado em domicílio na França e no Brasil. In: Abreu ARP, Hirata H, Lombardi MR, organizadores. Gênero e trabalho no Brasil e na França: perspectivas interseccionais. São Paulo: Boitempo; 2016. p. 193-202. salienta que esta é uma atividade tida como destinada à responsabilidade das mulheres, é desvalorizada, mal remunerada e com baixo status social. Em países da Europa, são as migrantes indocumentadas e, no Brasil, são mulheres em situação informal que trabalham como domésticas, diaristas44. Hirata H. O cuidado em domicílio na França e no Brasil. In: Abreu ARP, Hirata H, Lombardi MR, organizadores. Gênero e trabalho no Brasil e na França: perspectivas interseccionais. São Paulo: Boitempo; 2016. p. 193-202., babás e cuidadoras de idosos/as. Tomar como estudo o trabalho de cuidado - permeado pela divisão sexual do trabalho - e os fluxos e dinâmicas de migração internos e externos é profícuo para o entendimento de como as mulheres traçam suas trajetórias ao longo do percurso profissional.55. Hirata H. O que mudou e o que permanece no panorama da desigualdade entre homens e mulheres? Divisão sexual do trabalho e relações de gênero numa perspectiva comparativa. In: Leone ET, Krein JD, Teixeira MO, organizadores. Mundo do trabalho das mulheres: ampliar direitos e promover a igualdade. Campinas: Unicamp; 2017. p. 143-73.

Nos países europeus, a migração internacional é uma realidade para muitas mulheres que têm suas vidas modificadas pela inserção no mercado de trabalho, mas também vivem constrangimentos, como a discriminação em seus cotidianos. No Brasil, por exemplo, condições de vida como a pobreza, o desemprego, a informalidade e a vulnerabilidade são fatores fundamentais44. Hirata H. O cuidado em domicílio na França e no Brasil. In: Abreu ARP, Hirata H, Lombardi MR, organizadores. Gênero e trabalho no Brasil e na França: perspectivas interseccionais. São Paulo: Boitempo; 2016. p. 193-202. na dinâmica entre condições de trabalho, saúde e migração de mulheres.

A questão da migração entre as mulheres de diversos países vem ganhando destaque, ainda que de maneira incipiente, dado que, nessa área de pesquisa, muitos são os estudos voltados para a migração de homens66. Lenoël A, Pailhé A. Gênero, trabalho e migrações. In: Maruani M, organizador. Trabalho, logo existo: perspectivas feministas. Sao Paulo: FGV; 2019. p. 215-28.. Embora as mulheres não tenham sido o foco principal nas pesquisas sobre migração, estudos recentes na área do trabalho de care têm possibilitado a compreensão da dinâmica da inserção profissional na atividade do cuidado44. Hirata H. O cuidado em domicílio na França e no Brasil. In: Abreu ARP, Hirata H, Lombardi MR, organizadores. Gênero e trabalho no Brasil e na França: perspectivas interseccionais. São Paulo: Boitempo; 2016. p. 193-202.),(55. Hirata H. O que mudou e o que permanece no panorama da desigualdade entre homens e mulheres? Divisão sexual do trabalho e relações de gênero numa perspectiva comparativa. In: Leone ET, Krein JD, Teixeira MO, organizadores. Mundo do trabalho das mulheres: ampliar direitos e promover a igualdade. Campinas: Unicamp; 2017. p. 143-73.),(77. Anderson B. A very private business: exploring the demand for migrant domestic workers. Eur J Womens Stud. 2007;14(3):247-64.),(88. Roulleau-Berger L. Migrer au féminin. Paris: Presses Universitaires de France; 2010..

A relação entre migração e classe social é parte do debate, pois é comum o fluxo migratório ocorrer entre mulheres de classes populares de países mais pobres migrando para os mais ricos. Essas mulheres, para sobreviverem em outros países - considerando que, muitas vezes, a condição de migrante pode limitá-las, oferecendo um número escasso de possibilidades para trabalhar - tendem a oferecer a sua força de trabalho em atividades pautadas no cuidado “do outro”, sejam este outro os filhos, as famílias e as casas de outras mulheres, ao passo que seus próprios filhos permanecem em seus países de origem. Além disso, os salários recebidos pelas migrantes são utilizados para o seu próprio sustento, para os estudos dos filhos e complementação de renda familiar. Considera-se que esta realidade nem sempre é vivida por essas mulheres sem conflitos emocionais motivados pelas novas dinâmicas familiares vivenciadas na migração33. Ehrenreich B, Hochschild AR, editores. Global woman: nannies, maids, and sex workers in the new economy. New York: Holt McDougal; 2004..

Influenciadas especialmente pela necessidade econômica e pelas demandas do trabalho de cuidado nos países mais ricos, trabalhadoras tentam a inserção no mercado formal. No entanto, sua entrada e permanência irão depender, de modo geral, da regularidade no processo migratório. Muitas mulheres que não possuem documentação para entrar e permanecer nos países de destino acabam por se inserir em empregos informais, sem direitos trabalhistas, proteção social e seguro-saúde. Além disso, aquelas que possuem a formação profissional para o cuidado em saúde, mas, ao adentrar no novo país, não alcançam a documentação e/ou validação de diplomas para o exercício da profissão, acabam em empregos sem vínculos laborais e sem proteção social99. World Health Organization. Women on the move: migration, care work and health: policy brief [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [citado em 11 novembro 2018]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259495/WHO-FWC-GER-17.2-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
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Baseada em dados da literatura, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apresentou os problemas de saúde mais comuns entre essas trabalhadoras, tais como doenças musculoesqueléticas, sexuais e reprodutivas, além de violência física, sexual e o assédio moral. Assim como as condições de trabalho dependem do status de migração, o acesso aos sistemas de saúde nos países de destino também é influenciado pela situação da regularidade de migração99. World Health Organization. Women on the move: migration, care work and health: policy brief [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [citado em 11 novembro 2018]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259495/WHO-FWC-GER-17.2-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
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Este estudo tem como objetivo analisar a migração no trabalho de cuidado e as suas relações com as condições de trabalho e saúde de cuidadoras latino-americanas.

Métodos

Foi realizado um estudo de revisão integrativa da literatura, método que proporciona identificação, análise e síntese dos achados sobre determinado assunto, a fim de garantir a produção de conhecimento para as práticas de atenção em saúde. Esta revisão foi realizada em seis etapas. A primeira delas é a elaboração das questões norteadoras, seguida da busca na literatura sobre o tema, extração dos dados da amostra selecionada, análise crítica dos resultados, discussão dos resultados e, por último, apresentação da revisão integrativa1010. Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein (Sao Paulo). 2010;8(1 Pt 1):102-6.),(1111. Mendes KD, Campos RC, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64..

Dessa forma, esta pesquisa procura responder às perguntas: quais são os conhecimentos produzidos na literatura científica a respeito dos fluxos migratórios no trabalho de cuidadoras latino-americanas? Quais são as condições de trabalho e de saúde dessas trabalhadoras? Existem casos, relatados na literatura, sobre situações de violência no trabalho contra esta população?

Foram selecionados os descritores utilizados na literatura e elaboradas as estratégias de busca, com combinações de descritores e o uso de operadores booleanos “AND” e “OR” (Quadro 1). Foram selecionadas seis bases de dados: SciELO, BVS-Regional, MEDLINE, Web of Science, Scopus e Sociological Abstracts. Utilizaram-se apenas descritores em língua inglesa, pois todos os documentos dessas bases, independente da língua original, possuem resumo em inglês. Não foram utilizadas estratégias adicionais de buscas. Foram incluídos artigos originais e estudos de revisão. A busca dos artigos foi realizada em agosto de 2019, referente ao recorte temporal de 2010 a agosto de 2019, tendo em vista a identificação dos artigos mais recentes então publicados sobre o contexto latino-americano.

Quadro 1
Bases de dados, descritores e estratégias de buscas, número de documentos encontrados

Durante a fase de seleção da amostra, duas pesquisadoras leram os títulos e os resumos dos artigos para verificar sua pertinência para inclusão na revisão. Quando houve discordância entre elas, foram lidos os textos na íntegra1212. Galvão TF, Pansani TS, Harrad D. Principais itens para relatar revisões sistemáticas e meta-análises: a recomendação PRISMA. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(2):335-42..

Para a análise dos resultados, foram elencados subtemas para melhor compreensão das configurações do trabalho de cuidado realizado por mulheres migrantes na América Latina, a saber: a) ausências e/ou precariedade dos direitos trabalhistas para cuidadoras migrantes; b) jornadas de trabalho e diferenciações dos/as trabalhadores/as nativos/as; c) desvalorização e invisibilidade social; d) motivos para migração e apoio social às migrantes; e) aspectos geracionais no trabalho de cuidado; f) saúde das cuidadoras migrantes; g) violências vividas no trabalho de cuidado de migrantes.

Resultados

A partir da busca inicial, foram recuperados 976 documentos. Todos eles foram inseridos no gerenciador de referências Zotero para a identificação de duplicatas, restando 808 após esse processo. Destes, foram selecionados 496, que correspondiam àqueles publicados entre os anos de 2010 e 2019 (meses de janeiro a agosto). Dentre os 496 textos no período analisado, 21 foram selecionados para a revisão. O fluxo de seleção e os motivos de exclusão são apresentados na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma de seleção dos documentos

O Quadro 2 apresenta a síntese de cada um dos estudos incluídos1313. Alvarado B. Del campo a la ciudad: experiencias sobre migración y trabajo doméstico en adolescentes rurales. Revista Venezolana de Estudios de la Mujer. 2010;15(35):117-33.)-(3333. Borgeaud-Garciandía N. Trayectorias de vida y relaciones de dominación. Las trabajadoras migrantes en Buenos Aires. Estud Fem. 2017;25(2):757-76.. Do total de 21 artigos, 20 relatam resultados de pesquisas qualitativas e apenas um de quantitativa (o único que centraliza as análises na saúde e qualidade de vida de cuidadoras migrantes). As pesquisas se debruçam sobre a migração dentro do próprio país na América Latina (n = 3), da América Latina para os países da Europa (n = 8) e da América Latina para os Estados Unidos (n = 4). Encontramos também pesquisas que verificaram a mobilidade de mulheres para outros países da América Latina (n = 8). Ressaltamos que entre os 21 estudos selecionados há estudos que tratam do tema da migração em mais de um país, em continentes diferentes1616. Acosta González E. Entre la necesidad y el reconocimiento: la valoración de la dimensión temporal en las estrategias familiares para la contratatación de cuidadoras domésticas inmigrantes en Espanã y Chile. Si Somos Americanos. 2013;13(2):141-64.),(1717. Acosta González E. Mujeres migrantes cuidadoras en flujos migratorios sur-sur y sur-norte: expectativas, experiencias y valoraciones. Polis (Santiago). 2013;12(35):35-62.),(2121. Hirata H. O trabalho de cuidado: comprando Brasil, França e Japão. Sur Rev Int Direitos Human. 2016;13(24):53-63.),(2828. Vianello FA, Escrivá A. Late-career international migration and reproductive work. A comparison between Peruvian and Ukrainian women in the Southern Europe. Investigaciones Feministas. 2016;7(1):89-113..

Quadro 2
Títulos dos artigos, autores, ano de publicação, local/país de origem e de destino, objetivos e métodos dos estudos

Em relação aos aspectos gerais das pesquisas desta revisão, constata-se o seguinte: a grande maioria dos estudos descreve-as problematizando criticamente as precárias condições de trabalho na área de cuidado, como os baixos rendimentos e a pouca valoração social das atividades desenvolvidas por empregadas domésticas, cuidadoras domiciliares e babás.

Além disso, também verificamos, nesta revisão, a ausência e/ou precariedade de direitos trabalhistas e sociais, sobretudo nas situações de migração em que as documentações de entrada e permanência nos países de destino não foram obtidas. Tal fato impede as mulheres migrantes de manterem vínculos empregatícios adequados, com seguridade social e direitos trabalhistas. Também foram apontadas as intensas e extensas jornadas de trabalho, que, de certa maneira, influenciam na vida das cuidadoras domiciliares, como vemos a seguir.

Em contrapartida, uma das diferenciações nas produções analisadas diz respeito ao aspecto geracional de migrantes no trabalho de cuidado. Em duas pesquisas, as mulheres mais experientes e idosas acabam por ter prioridades na contratação profissional2929. Debert GG. Les migrations et le marché de soins aux personnes âgées. Vibrant (Brasilia). 2016;13(1):89-101., além de serem as únicas responsáveis pelo cuidado domicilar2828. Vianello FA, Escrivá A. Late-career international migration and reproductive work. A comparison between Peruvian and Ukrainian women in the Southern Europe. Investigaciones Feministas. 2016;7(1):89-113..

Ausências e/ou precariedade dos direitos trabalhistas para cuidadoras migrantes

As condições de trabalho e de vida das imigrantes trabalhadoras do cuidado são centrais para a maioria das pesquisas encontradas. Sobre isso, Carpenedo y Caetano Nardi1818. Carpenedo M, Caetano Nardi H. Mulheres Brasileiras na divisão internacional do trabalho reprodutivo: construindo subjetividade(s). Revista de Estudios Sociales. 2013;(45):96-109. mostram as condições precárias e a vulnerabilidade que muitas delas vivenciam, sobretudo pela irregularidade na migração. Além dos baixos salários, pouca ou nenhuma seguridade social e a realização de atividades exaustivas1515. Savas G. Social inequality at low-wage work in neo-liberal economy: the case of women of color domestic workers in the United States. Race Gend Cl. 2010;17(3-4):314-26., existe, também, ausência de legislação trabalhista para as empregadas domésticas latinas na Europa, que são constantemente exploradas e violadas em seus direitos1919. Gutiérrez-Rodríguez E. Trabajo doméstico-trabajo afectivo: sobre heteronormatividad y la colonialidad del trabajo en el contexto de las políticas migratorias de la UE. Revista de Estudios Sociales. 2013;(45):123-34..

Essas mesmas condições de trabalho hostis são percebidas nas pesquisas de Mora e Undurraga2020. Mora C, Undurraga EA. Racialisation of immigrants at work: labour mobility and segmentation of Peruvian migrants in Chile. Bull Lat Am Res. 2013;32(3):294-310., Gutiérrez-Rodríguez1919. Gutiérrez-Rodríguez E. Trabajo doméstico-trabajo afectivo: sobre heteronormatividad y la colonialidad del trabajo en el contexto de las políticas migratorias de la UE. Revista de Estudios Sociales. 2013;(45):123-34., Peréz e Stallaert2222. Pérez I, Stallaert C. The professionalization of paid domestic work and its limits: experiences of Latin American migrants in Brussels. Eur J Womens Stud. 2016;23(2):155-68., Courtis e Inés Pacecca3030. Courtis C, Inés Pacecca M. Domestic work and international migration in Latin America: exploring trajectories of regional migrant women in domestic service in Argentina. Womens Stud Int Forum. 2014;46(SI):24-32. e Acosta González1616. Acosta González E. Entre la necesidad y el reconocimiento: la valoración de la dimensión temporal en las estrategias familiares para la contratatación de cuidadoras domésticas inmigrantes en Espanã y Chile. Si Somos Americanos. 2013;13(2):141-64.),(1717. Acosta González E. Mujeres migrantes cuidadoras en flujos migratorios sur-sur y sur-norte: expectativas, experiencias y valoraciones. Polis (Santiago). 2013;12(35):35-62., que relatam a ausência de regulamentação da migração das mulheres como um fator que as impede de obter um vínculo de trabalho formal. Nesse sentido, Mora e Undurraga2020. Mora C, Undurraga EA. Racialisation of immigrants at work: labour mobility and segmentation of Peruvian migrants in Chile. Bull Lat Am Res. 2013;32(3):294-310. também salientam que há dificuldades relacionadas à documentação trabalhistas e à migração, que resultam em situações de vulnerabilidade e exploração.2222. Pérez I, Stallaert C. The professionalization of paid domestic work and its limits: experiences of Latin American migrants in Brussels. Eur J Womens Stud. 2016;23(2):155-68..

Ainda sobre as condições de trabalho, nas pesquisas de Leiva Goméz et al.2424. Leiva Gómez S, Mansilla Agüero MA, Comelin Fornes A. Condiciones laborales de migrantes bolivianas que realizan trabajo de cuidado en Iquique. Si Somos Americanos. 2017;17(1):11-37. e Gómez y Ross Orellana2525. Leiva Gómez S, Ross Orellana C. Migración circular y trabajo de cuidado: fragmentación de trayectorias laborales de migrantes bolivianas en Tarapacá. Psicoperspectivas. 2016;15(3):56-66., comprovam-se que as mulheres bolivianas não têm licença para trabalhar no Chile; portanto, a condição de indocumentadas reafirma a precarização do trabalho de cuidado, pois impede que os direitos trabalhistas sejam assegurados; por não terem contrato, recebem menos, se comparadas às cuidadoras chilenas. Mesmo assim, trabalham mais do que é permitido na legislação. Além disso, todas enviam grande parte do dinheiro para suas famílias2424. Leiva Gómez S, Mansilla Agüero MA, Comelin Fornes A. Condiciones laborales de migrantes bolivianas que realizan trabajo de cuidado en Iquique. Si Somos Americanos. 2017;17(1):11-37. na Bolívia, conforme informaram as autoras2525. Leiva Gómez S, Ross Orellana C. Migración circular y trabajo de cuidado: fragmentación de trayectorias laborales de migrantes bolivianas en Tarapacá. Psicoperspectivas. 2016;15(3):56-66..

O estudo de Pérez e Stallaert2222. Pérez I, Stallaert C. The professionalization of paid domestic work and its limits: experiences of Latin American migrants in Brussels. Eur J Womens Stud. 2016;23(2):155-68. com migrantes latinas em Bruxelas, considera que existem benefícios como o aumento do status social de trabalhadora doméstica com contrato de trabalho, que regulariza e oferece direitos aos seus trabalhadores/as, por meio da padronização dos conjuntos das tarefas que compõem o trabalho doméstico, como salário-mínimo, horário de trabalho, horas extras, licença e seguro de saúde, seguro-desemprego e perspectiva de aposentadoria. Entretanto, reproduz desigualdades para as migrantes latino-americanas, com diferenças salariais, se comparadas às migrantes intra-europeias e às belgas. Sobre essas dificuldades, as autoras relataram a dificuldade com o idioma, ou seja, por não falarem a língua, as migrantes precisam aceitar e se submeter às difíceis condições de trabalho. Contudo, recebem apoio de centros religiosos, algo que tem se tornado fundamental para permanecerem no país de destino e conseguir emprego2222. Pérez I, Stallaert C. The professionalization of paid domestic work and its limits: experiences of Latin American migrants in Brussels. Eur J Womens Stud. 2016;23(2):155-68..

Portanto, sinalizamos que, na amostra analisada, é comum a discussão sobre o trabalho de cuidado como campo de atuação de mulheres, com baixos salários, pouca possibilidade de ascensão social e perspectiva na carreira, sendo as migrantes frequentemente prestadoras desse tipo de atividade2121. Hirata H. O trabalho de cuidado: comprando Brasil, França e Japão. Sur Rev Int Direitos Human. 2016;13(24):53-63.),(2626. Guimarães NA, Hirata H, Sugita K. Care et travail du care dans une perspective comparative: Brésil, France, Japon. Regards croisés sur l'économie. 2014;2(15):327-40.. Hirata2121. Hirata H. O trabalho de cuidado: comprando Brasil, França e Japão. Sur Rev Int Direitos Human. 2016;13(24):53-63. compreende a necessidade de se considerar os fluxos migratórios para se analisar a divisão sexual e internacional do trabalho em um contexto de globalização, constatando a necessidade de se pensar em políticas de cuidado e analisar as diferenças de gênero e classe social que envolvem as cuidadoras2121. Hirata H. O trabalho de cuidado: comprando Brasil, França e Japão. Sur Rev Int Direitos Human. 2016;13(24):53-63..

Jornadas de trabalho e diferenciações dos/as trabalhadores/as nativos/as

Sobre as jornadas de trabalho, Acosta González1616. Acosta González E. Entre la necesidad y el reconocimiento: la valoración de la dimensión temporal en las estrategias familiares para la contratatación de cuidadoras domésticas inmigrantes en Espanã y Chile. Si Somos Americanos. 2013;13(2):141-64. e Debert2929. Debert GG. Les migrations et le marché de soins aux personnes âgées. Vibrant (Brasilia). 2016;13(1):89-101. mostraram-nas como extenuantes e intensas, com pouco tempo para descanso e/ou lazer, e marcadas pelo isolamento, pois as tarefas são realizadas em espaços domésticos. Os motivos das escolhas das empregadoras pela contratação de mão de obra das migrantes são a pouca oferta de trabalhadoras nacionais, a disponibilidade para trabalhar em casas de família, o baixo custo na contratação, exigências menores com relação às condições de trabalho1616. Acosta González E. Entre la necesidad y el reconocimiento: la valoración de la dimensión temporal en las estrategias familiares para la contratatación de cuidadoras domésticas inmigrantes en Espanã y Chile. Si Somos Americanos. 2013;13(2):141-64. e a facilidade de sujeitá-las a atrasos no pagamento dos salários, sem que haja reclamações trabalhistas2929. Debert GG. Les migrations et le marché de soins aux personnes âgées. Vibrant (Brasilia). 2016;13(1):89-101..

As discrepâncias salariais e de jornada de trabalho são acirradas com relação aos grupos não nativos de crianças/jovens e mulheres idosas. Alvarado1313. Alvarado B. Del campo a la ciudad: experiencias sobre migración y trabajo doméstico en adolescentes rurales. Revista Venezolana de Estudios de la Mujer. 2010;15(35):117-33. analisou os depoimentos de dezesseis jovens de uma área rural do Peru que buscam trabalho na região central do país e mostram que sete deixaram de estudar para trabalhar em período integral. Os que continuaram estudando tiveram problemas com horários para estudar, queda no rendimento e absenteísmo escolar. As atividades de cuidado têm jornadas de mais de doze horas, fazendo com que tenham necessidade de dormir na casa dos empregadores. Ficam evidenciadas, assim, as desigualdades sociais, os perigos, as explorações e as vulnerabilidades diante de uma infância sem direitos e sem educação, além do trabalho precoce e intenso na agricultura1313. Alvarado B. Del campo a la ciudad: experiencias sobre migración y trabajo doméstico en adolescentes rurales. Revista Venezolana de Estudios de la Mujer. 2010;15(35):117-33..

Desvalorização e invisibilidade social

A impossibilidade de reinserção laboral das mulheres migrantes é evidenciada nos fluxos migratórios pelos baixos salários, pois muitas não conseguem empregos de acordo com a escolaridade que possuem, o que acarreta a aceitação de postos de trabalho de baixa qualificação e remuneração2020. Mora C, Undurraga EA. Racialisation of immigrants at work: labour mobility and segmentation of Peruvian migrants in Chile. Bull Lat Am Res. 2013;32(3):294-310..

Existe uma tentativa de camuflar essa ausência de regulamentação e de direitos trabalhistas com um falso reconhecimento das atividades das cuidadoras, nas situações em que as empregadoras dizem que elas são “como se fossem da família”. Tal fato, além de sobrecarregar as atividades dessas mulheres, também aumenta o controle das empregadoras sobre elas. No entanto, as cuidadoras resistem, negando o discurso de que são membros da família, com consciência da desvalorização profissional a que estão sujeitas, quando procuram manter sua cultura e memorar suas origens1414. Aquino Moreschi A. Las lógicas del no-reconocimiento y la lucha cotidiana de las migrantes zapotecas en Estados Unidos: breve etnografía del servicio doméstico. Cuicuilco. 2010;17(49):221-42..

Com relação à desvalorização e à invisibilidade social, destacam-se as representações da cuidadora imigrante e latina nas produções científicas analisadas. Os sentimentos e as representações sociais de ser cuidadora são expostos, de modo mais enfático, nas pesquisas de Aquino Moreschi1414. Aquino Moreschi A. Las lógicas del no-reconocimiento y la lucha cotidiana de las migrantes zapotecas en Estados Unidos: breve etnografía del servicio doméstico. Cuicuilco. 2010;17(49):221-42., Capernedo y Caetano Nardi1818. Carpenedo M, Caetano Nardi H. Mulheres Brasileiras na divisão internacional do trabalho reprodutivo: construindo subjetividade(s). Revista de Estudios Sociales. 2013;(45):96-109., Leiva Goméz et al.2424. Leiva Gómez S, Mansilla Agüero MA, Comelin Fornes A. Condiciones laborales de migrantes bolivianas que realizan trabajo de cuidado en Iquique. Si Somos Americanos. 2017;17(1):11-37., Montes y Pombo2323. Montes V, Pombo MD. Ethics of care, emotional work, and collective action of solidarity: the Patronas in Mexico. Gend Place Cult. 2019;26(4):559-80., Pérez y Stallaert2222. Pérez I, Stallaert C. The professionalization of paid domestic work and its limits: experiences of Latin American migrants in Brussels. Eur J Womens Stud. 2016;23(2):155-68. e Vianello y Escrivá2828. Vianello FA, Escrivá A. Late-career international migration and reproductive work. A comparison between Peruvian and Ukrainian women in the Southern Europe. Investigaciones Feministas. 2016;7(1):89-113..

A ausência de regulamentação e de direitos trabalhistas potencializa a desvalorização e a invisibilidade social, em que se percebem sentimentos de inferioridade, medo de serem deportadas e, ainda, medo do tráfico humano. Potencializam a dupla invisibilidade social: a de serem estrangeiras e a de realizarem o trabalho de cuidado reprodutivo1818. Carpenedo M, Caetano Nardi H. Mulheres Brasileiras na divisão internacional do trabalho reprodutivo: construindo subjetividade(s). Revista de Estudios Sociales. 2013;(45):96-109..

Motivos para a migração e apoio social às migrantes

Mesmo com a ausência de regulamentação dos direitos trabalhistas nos países de destino, as mulheres latinas continuam migrando em busca de melhores condições de trabalho e vida1515. Savas G. Social inequality at low-wage work in neo-liberal economy: the case of women of color domestic workers in the United States. Race Gend Cl. 2010;17(3-4):314-26..

Existem diversas motivações para que busquem empregos em outro país: a questão econômica, como a necessidade de obtenção de emprego que possibilite o seu sustento e da família; o desejo de maior independência pessoal e social1717. Acosta González E. Mujeres migrantes cuidadoras en flujos migratorios sur-sur y sur-norte: expectativas, experiencias y valoraciones. Polis (Santiago). 2013;12(35):35-62., sendo que a decisão de migrar é tomada por elas, como consequência de um contexto familiar “turbulento” devido ao desemprego e às carências materiais2727. Dutra D. Marcas de uma origem e uma profissão: trabalhadoras domésticas peruanas em Brasília. Caderno CRH. 2015;28(73):181-97.. A violência no país de origem torna mais atrativa a ideia de se mudar para outro lugar3333. Borgeaud-Garciandía N. Trayectorias de vida y relaciones de dominación. Las trabajadoras migrantes en Buenos Aires. Estud Fem. 2017;25(2):757-76..

Outra pesquisa que apresenta a migração atrelada à questão econômica é a de Debert2929. Debert GG. Les migrations et le marché de soins aux personnes âgées. Vibrant (Brasilia). 2016;13(1):89-101.. Nela, a autora percebe que as cuidadoras também enviam dinheiro para a família no país de origem, mantendo, assim, os laços familiares. Estas mulheres entram em contato com seus filhos através de diversos meios de comunicação (Facebook, WhatsApp, Skype e telefone), reforçando os vínculos2424. Leiva Gómez S, Mansilla Agüero MA, Comelin Fornes A. Condiciones laborales de migrantes bolivianas que realizan trabajo de cuidado en Iquique. Si Somos Americanos. 2017;17(1):11-37..

Na mesma perspectiva das motivações para migrar, Pérez e Stallaert2222. Pérez I, Stallaert C. The professionalization of paid domestic work and its limits: experiences of Latin American migrants in Brussels. Eur J Womens Stud. 2016;23(2):155-68. relatam a racialização nas atividades, pois as trabalhadoras latinas, mesmo sendo qualificadas, sentem que só poderiam realizar o trabalho doméstico na Europa. Apresentam as ambiguidades deste sistema, mostrando uma política de migração executada no país europeu, que, ao mesmo tempo em que mostra alguns benefícios para migrantes (horário, salário, contrato de trabalho), também aponta os maus-tratos e o cuidado como degradante, por ser visto como um trabalho “sujo”2222. Pérez I, Stallaert C. The professionalization of paid domestic work and its limits: experiences of Latin American migrants in Brussels. Eur J Womens Stud. 2016;23(2):155-68. - o que corrobora a desvalorização e a invisibilidade social mencionados por Aquino Moreschi1414. Aquino Moreschi A. Las lógicas del no-reconocimiento y la lucha cotidiana de las migrantes zapotecas en Estados Unidos: breve etnografía del servicio doméstico. Cuicuilco. 2010;17(49):221-42. Capernedo e Caetano Nardi1818. Carpenedo M, Caetano Nardi H. Mulheres Brasileiras na divisão internacional do trabalho reprodutivo: construindo subjetividade(s). Revista de Estudios Sociales. 2013;(45):96-109., Leiva Goméz et al.2424. Leiva Gómez S, Mansilla Agüero MA, Comelin Fornes A. Condiciones laborales de migrantes bolivianas que realizan trabajo de cuidado en Iquique. Si Somos Americanos. 2017;17(1):11-37., Montes e Pombo2323. Montes V, Pombo MD. Ethics of care, emotional work, and collective action of solidarity: the Patronas in Mexico. Gend Place Cult. 2019;26(4):559-80. e Vianello e Escrivá2828. Vianello FA, Escrivá A. Late-career international migration and reproductive work. A comparison between Peruvian and Ukrainian women in the Southern Europe. Investigaciones Feministas. 2016;7(1):89-113..

O trabalho emocional e o apoio social são temas da pesquisa de Montes e Pombo2323. Montes V, Pombo MD. Ethics of care, emotional work, and collective action of solidarity: the Patronas in Mexico. Gend Place Cult. 2019;26(4):559-80.. O trabalho de solidariedade é desenvolvido pelas “patronas” no México, que, por meio do ato de cozinhar, têm contribuído para a percepção dos migrantes como um grupo social que precisa ser reconhecido e respeitado. As “patronas” não oferecem apenas comida, mas abrigo aos migrantes, a fim de ajudá-los a enfrentar a perigosa jornada de cruzar a fronteira. Também constitui ato de humanização dos migrantes, representação maternal, solidariedade coletiva e empatia pelos vulneráveis. Estas mulheres exercem uma ética feminista do cuidado, entendido como um conjunto de políticas baseadas em confiança, reciprocidade e solidariedade2323. Montes V, Pombo MD. Ethics of care, emotional work, and collective action of solidarity: the Patronas in Mexico. Gend Place Cult. 2019;26(4):559-80..

Aspectos geracionais no trabalho de cuidado

Outra dimensão trazida por alguns artigos é a dos aspectos geracionais e de trabalho. A relação entre idade e a experiência de ser cuidadora é tema de duas pesquisas2828. Vianello FA, Escrivá A. Late-career international migration and reproductive work. A comparison between Peruvian and Ukrainian women in the Southern Europe. Investigaciones Feministas. 2016;7(1):89-113.),(2929. Debert GG. Les migrations et le marché de soins aux personnes âgées. Vibrant (Brasilia). 2016;13(1):89-101..

As imigrantes do leste europeu mais velhas, experientes e escolarizadas têm preferência no mercado de trabalho italiano, se comparadas às latinas. Ademais, os contratantes do serviço de cuidado consideram que elas não precisam cuidar de filhos e são mais dedicadas ao trabalho, visto que algumas peruanas deixam seus filhos com as avós2929. Debert GG. Les migrations et le marché de soins aux personnes âgées. Vibrant (Brasilia). 2016;13(1):89-101..

Do mesmo modo, mulheres em idade avançada, peruanas e ucranianas, entrevistadas na Itália e na Espanha, disseram ser as únicas pessoas responsáveis pelo trabalho doméstico e de assistência, às custas de suas vidas profissionais2828. Vianello FA, Escrivá A. Late-career international migration and reproductive work. A comparison between Peruvian and Ukrainian women in the Southern Europe. Investigaciones Feministas. 2016;7(1):89-113.. Esse fato é importante para se compreender a saúde de cuidadoras, já que, com o processo de envelhecimento, a garantia de saúde dessas trabalhadoras deve ser uma das prioridades no cuidado às idosas que ainda precisam do emprego para a manutenção da renda familiar.

A saúde das cuidadoras migrantes

Embora, na amostra analisada, tenham sido inexpressivos os artigos que versavam diretamente sobre a saúde das migrantes cuidadoras, foi possível constatar que as condições de trabalho influenciam a saúde destas trabalhadoras, de modo que o adoecimento, sobretudo o psíquico, tem sido objeto da discussão na literatura sobre migração, mesmo que de maneira incipiente.

Esse fato é evidenciado na pesquisa de Bover et al.3131. Bover A, Taltavull JM, Gastaldo D, Luengo R, Izquierdo MD, Juando-Prats C, et al. Calidad de vida de trabajadoras inmigrantes latinoamericanas como cuidadoras en España. Gac Sanit. 2015;29(2):123-6., que analisaram a qualidade de vida de cuidadoras migrantes, sendo que as que estavam em situação migratória irregular apresentaram as piores pontuações na dimensão vitalidade, e as mais jovens tinham as piores pontuações na interpretação de papéis. Por fim, quando o trabalho de cuidado também envolvia as tarefas domésticas, elas apresentavam os piores escores no estado geral de saúde3131. Bover A, Taltavull JM, Gastaldo D, Luengo R, Izquierdo MD, Juando-Prats C, et al. Calidad de vida de trabajadoras inmigrantes latinoamericanas como cuidadoras en España. Gac Sanit. 2015;29(2):123-6.. Pérez e Stallaert2222. Pérez I, Stallaert C. The professionalization of paid domestic work and its limits: experiences of Latin American migrants in Brussels. Eur J Womens Stud. 2016;23(2):155-68. concluem que a situação de migrante e cuidadora pode contribuir para desencadear sofrimentos psíquicos e emocionais.

De acordo com a pesquisa de Alvarado1313. Alvarado B. Del campo a la ciudad: experiencias sobre migración y trabajo doméstico en adolescentes rurales. Revista Venezolana de Estudios de la Mujer. 2010;15(35):117-33., os principais problemas de saúde encontrados foram casos de depressão, estresse, tristeza e solidão. Contudo, se as violências físicas, psicológicas e sexuais não foram verbalizadas pelas cuidadoras, isto não quer dizer que estas violências não possam ocorrer durante o trabalho realizado por estas mulheres migrantes, já que o medo de sofrer retaliação por parte de seus empregadores pode se sobrepujar e camuflar as violências sofridas no ambiente de trabalho por estas mulheres1313. Alvarado B. Del campo a la ciudad: experiencias sobre migración y trabajo doméstico en adolescentes rurales. Revista Venezolana de Estudios de la Mujer. 2010;15(35):117-33..

Sobre as experiências no trabalho emocional do cuidado e sua relação com a saúde, é possível dizer que a interação das trabalhadoras e as pessoas cuidadas é um ponto a ser considerado. Ou seja, com a deterioração da saúde, morte, doença e fragilidades de crianças ou idosos/as cuidados/as, as emoções das trabalhadoras podem ser afetadas e, portanto, essas relações podem ser permeadas por tensões e conflitos1717. Acosta González E. Mujeres migrantes cuidadoras en flujos migratorios sur-sur y sur-norte: expectativas, experiencias y valoraciones. Polis (Santiago). 2013;12(35):35-62..

Ainda que a saúde emocional seja um desafio para as mulheres, estas mostram níveis variados de satisfação pessoal e profissional, bem como diferentes padrões na vida profissional e familiar e otimismo em relação ao futuro2828. Vianello FA, Escrivá A. Late-career international migration and reproductive work. A comparison between Peruvian and Ukrainian women in the Southern Europe. Investigaciones Feministas. 2016;7(1):89-113..

O tempo de descanso como fator para a preservação da saúde dessas trabalhadoras é trazido na pesquisa de Acosta González1616. Acosta González E. Entre la necesidad y el reconocimiento: la valoración de la dimensión temporal en las estrategias familiares para la contratatación de cuidadoras domésticas inmigrantes en Espanã y Chile. Si Somos Americanos. 2013;13(2):141-64.. Em decorrência das jornadas exaustivas, o trabalho semanal das cuidadoras pode chegar até 51 horas, interferindo no tempo de descanso dessas mulheres, e, portanto, pode comprometer a relação entre a saúde e o desenvolvimento das atividades. Nesse sentido, as marcas no corpo de uma atividade que exige esforços físicos são apontadas por uma cuidadora, que aos 50 anos se encontra impedida de carregar peso, o que reafirma a exploração que essas mulheres vivenciam no cotidiano de trabalho e em suas trajetórias de vida3333. Borgeaud-Garciandía N. Trayectorias de vida y relaciones de dominación. Las trabajadoras migrantes en Buenos Aires. Estud Fem. 2017;25(2):757-76..

Se, por um lado, as produções científicas sinalizam as questões de saúde, ainda que incipientes, por outro, as políticas de atenção à saúde de mulheres migrantes que buscam o emprego na área de cuidado não foram abordadas por nenhum artigo de modo mais específico.

As violências vividas no trabalho de cuidado de migrantes

Se a questão da saúde foi apresentada de maneira ainda incipiente, o mesmo não ocorreu com relação às violências vividas pelas cuidadoras migrantes, que aparecem relacionadas com o fato de serem migrantes e cuidadoras (baixo status profissional, desvalorização salarial e pouca valoração social do trabalho de cuidado). Apresentam-se nas formas de racismo, xenofobia, estigmas, assédio sexual e humilhações.

De modo geral, cuidadoras vivenciam práticas discriminatórias, intensas jornadas de trabalho e dificuldades nas relações sociais no trabalho, o que as faz procurar outro emprego. Além das desigualdades salariais, a autora constatou discriminação (racismo), violência verbal das pessoas beneficiárias de cuidados, desvalorização e poucas chances dessas trabalhadoras terem seguridade social2121. Hirata H. O trabalho de cuidado: comprando Brasil, França e Japão. Sur Rev Int Direitos Human. 2016;13(24):53-63..

As práticas discriminatórias dentro dos países latinos são tema da pesquisa que mostra que peruanas, devido às diferenciações físicas das chilenas, sofrem com estigmas2020. Mora C, Undurraga EA. Racialisation of immigrants at work: labour mobility and segmentation of Peruvian migrants in Chile. Bull Lat Am Res. 2013;32(3):294-310.. Cuidadoras relatam que as humilhações envolvem ações racistas, desconfianças e suspeitas de roubo de objetos da casa, a identificação com inúmeros estereótipos por serem latinas, desprezo, vergonha, baixo reconhecimento social, maus-tratos, realização de tarefas desagradáveis, restrições aos espaços da casa e de alimentos, havendo uma “suposta superioridade de classe e raça da patroa”1414. Aquino Moreschi A. Las lógicas del no-reconocimiento y la lucha cotidiana de las migrantes zapotecas en Estados Unidos: breve etnografía del servicio doméstico. Cuicuilco. 2010;17(49):221-42. (p. 227).

As humilhações no trabalho de cuidado são vividas tanto por homens quanto por mulheres, pois o serviço doméstico ainda é visto e sentido como degradante, humilhante e “sujo”, de modo que suas executoras são submetidas a “limpar a nojeira do empregador”. Isso é relatado por uma entrevistada, que sente “nojo” de ter que limpar o quarto com peças íntimas sujas e preservativos embaixo da cama de sua empregadora belga2222. Pérez I, Stallaert C. The professionalization of paid domestic work and its limits: experiences of Latin American migrants in Brussels. Eur J Womens Stud. 2016;23(2):155-68..

As cuidadoras da pesquisa de Leiva Gómez e Ross Orellana2525. Leiva Gómez S, Ross Orellana C. Migración circular y trabajo de cuidado: fragmentación de trayectorias laborales de migrantes bolivianas en Tarapacá. Psicoperspectivas. 2016;15(3):56-66. relatam situações de violência simbólica, como os maus-tratos e humilhações perpetradas por empregadores e seus filhos. Esses fatores reforçam a desvalorização do trabalho doméstico, a precarização e a falta de direitos trabalhistas para quem o exerce2525. Leiva Gómez S, Ross Orellana C. Migración circular y trabajo de cuidado: fragmentación de trayectorias laborales de migrantes bolivianas en Tarapacá. Psicoperspectivas. 2016;15(3):56-66.. Resultados semelhantes são vistos na pesquisa de Debert2929. Debert GG. Les migrations et le marché de soins aux personnes âgées. Vibrant (Brasilia). 2016;13(1):89-101., pois as discriminações são sentidas pelas cuidadoras, já que as agências contratantes reiteram a necessidade de elas serem gentis, femininas, cuidadosas etc., evocando a feminilidade como natural e não como uma construção social do ser mulher.

As violências também passam pela questão do direito ao trabalho decente, como o acesso à alimentação nas casas dos/as empregadores/as e ao exercício da maternidade pelas trabalhadoras. Por meio das falas das cuidadoras bolivianas, Leiva Gómez et al.2424. Leiva Gómez S, Mansilla Agüero MA, Comelin Fornes A. Condiciones laborales de migrantes bolivianas que realizan trabajo de cuidado en Iquique. Si Somos Americanos. 2017;17(1):11-37. constatam maus tratos e situações de humilhação, como comer sobras de comidas de seus empregadores ou ter salários reduzidos em decorrência da maternidade. Uma informante relatou que, após o nascimento de seu filho, sua empregadora diminuiu seu salário, pois a criança gastaria recursos da sua casa, como comida, água e luz2424. Leiva Gómez S, Mansilla Agüero MA, Comelin Fornes A. Condiciones laborales de migrantes bolivianas que realizan trabajo de cuidado en Iquique. Si Somos Americanos. 2017;17(1):11-37..

Outra violência vivida pelas trabalhadoras é com relação ao assédio sexual, de que duas pesquisas tratam. Savas1515. Savas G. Social inequality at low-wage work in neo-liberal economy: the case of women of color domestic workers in the United States. Race Gend Cl. 2010;17(3-4):314-26., com base em outros autores, aborda os casos de assédio sexual, bem como de abuso verbal e físico que as mulheres migrantes enfrentam no trabalho de cuidado.

Ademais, os estereótipos relacionados à condição de latina - como aqueles relacionados ao erotismo e à mulher sexualmente acessível - são encontrados nas narrativas de trabalhadoras na pesquisa de Gutiérrez-Rodríguez1919. Gutiérrez-Rodríguez E. Trabajo doméstico-trabajo afectivo: sobre heteronormatividad y la colonialidad del trabajo en el contexto de las políticas migratorias de la UE. Revista de Estudios Sociales. 2013;(45):123-34.. As construções de afeto são realizadas com conflitos e contradições, de modo que o desânimo diante do processo migratório (por não terem autorização para entrada e permanência no país) e a desvalorização da atividade de cuidado são vistos pela autora como dificuldades na vida dessas mulheres1919. Gutiérrez-Rodríguez E. Trabajo doméstico-trabajo afectivo: sobre heteronormatividad y la colonialidad del trabajo en el contexto de las políticas migratorias de la UE. Revista de Estudios Sociales. 2013;(45):123-34..

Importante sinalizarmos que as violências não são apenas vividas pelas mulheres no processo de migração e/ou no desempenho das atividades de cuidado. Essa afirmativa ganha destaque na pesquisa de Borgeaud-Garciandía3333. Borgeaud-Garciandía N. Trayectorias de vida y relaciones de dominación. Las trabajadoras migrantes en Buenos Aires. Estud Fem. 2017;25(2):757-76., que traz a discussão sobre a violência infantil e doméstica (perpetrada pelo marido) que uma cuidadora relatou em depoimento sobre a sua história, antes da decisão de migrar para outro país.

Discussão

A necessidade de uma reflexão crítica sobre a divisão sexual e internacional do trabalho nos estudos apresentados contribui para verificarmos como os marcadores sociais - sejam estes classe, raça, gênero, nacionalidade, geração ou outros - operam nos cenários em que são realizados os trabalhos de cuidado na América Latina e em países da Europa, confirmando as desigualdades sociais que vivenciam as cuidadoras nos mais diferentes contextos44. Hirata H. O cuidado em domicílio na França e no Brasil. In: Abreu ARP, Hirata H, Lombardi MR, organizadores. Gênero e trabalho no Brasil e na França: perspectivas interseccionais. São Paulo: Boitempo; 2016. p. 193-202.),(55. Hirata H. O que mudou e o que permanece no panorama da desigualdade entre homens e mulheres? Divisão sexual do trabalho e relações de gênero numa perspectiva comparativa. In: Leone ET, Krein JD, Teixeira MO, organizadores. Mundo do trabalho das mulheres: ampliar direitos e promover a igualdade. Campinas: Unicamp; 2017. p. 143-73..

O que se apresenta como evidente nas produções sobre migração é que tanto as condições de trabalho55. Hirata H. O que mudou e o que permanece no panorama da desigualdade entre homens e mulheres? Divisão sexual do trabalho e relações de gênero numa perspectiva comparativa. In: Leone ET, Krein JD, Teixeira MO, organizadores. Mundo do trabalho das mulheres: ampliar direitos e promover a igualdade. Campinas: Unicamp; 2017. p. 143-73. quanto o processo de migração irregular podem influenciar os aspectos do processo de saúde e doença3434. Arruda-Barbosa L, Sales AF, Souza IL. Reflexos da imigração venezuelana na assistência em saúde no maior hospital de Roraima: análise qualitativa. Saude Soc. 2020;29(2):e190730..

O não reconhecimento social deste tipo de trabalho contribui para endossar desigualdades de gênero, pois as trabalhadoras que realizam esse tipo de atividade no contexto contemporâneo têm sido cada vez mais necessária: são contratadas por mulheres e homens das classes média e alta para que possam continuar a planejar as suas rotinas diárias3535. Sorj B. Arenas de cuidado nas interseções entre gênero e classe social no Brasil. Cad Pesqui. 2013;43(149):478-91.),(3636. Costa SG. Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde reprodutiva. Revista Estudos Feministas. 2002;10(2):301-23., assim como seguir em seus projetos de vida3737. Velho G, Kuschnir K, organizadores. Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Zahar; 2003..

Considerando todas as atividades que envolvem cuidado, as pesquisas apresentadas2121. Hirata H. O trabalho de cuidado: comprando Brasil, França e Japão. Sur Rev Int Direitos Human. 2016;13(24):53-63.),(2222. Pérez I, Stallaert C. The professionalization of paid domestic work and its limits: experiences of Latin American migrants in Brussels. Eur J Womens Stud. 2016;23(2):155-68.),(2424. Leiva Gómez S, Mansilla Agüero MA, Comelin Fornes A. Condiciones laborales de migrantes bolivianas que realizan trabajo de cuidado en Iquique. Si Somos Americanos. 2017;17(1):11-37.),(2525. Leiva Gómez S, Ross Orellana C. Migración circular y trabajo de cuidado: fragmentación de trayectorias laborales de migrantes bolivianas en Tarapacá. Psicoperspectivas. 2016;15(3):56-66. demonstram como as condições de trabalho, especialmente para as mulheres latinas, são desfavoráveis2222. Pérez I, Stallaert C. The professionalization of paid domestic work and its limits: experiences of Latin American migrants in Brussels. Eur J Womens Stud. 2016;23(2):155-68., considerando todo o discurso colonial que justificou o racismo, a xenofobia e as violências por meio de uma história de servidão e de dominação masculina3838. Santos BS. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 3a ed. São Paulo: Cortez; 2001..

O “ser latina” nos estudos analisados apresentou-se como um estigma ainda presente em cenários de países colonizadores europeus (exemplo de pesquisas contextualizadas na Itália, Franca, Bélgica e Alemanha). Esses países não reconhecem a identidade de quem não é da Europa, apenas toleram-na. Cabe ressaltar que a Europa é um continente com muitos países econômica e culturalmente vistos como “superiores” na história do homem branco ocidental3939. Nanda M. O quanto somos modernos? As contradições culturais da modernidade da Índia. Revista de Estudos da Religião. 2007;(3):164-82..

Assim, as trabalhadoras latinas vendem a sua força de trabalho por menos e são vistas como “presa” fácil para o capital, pela condição irregular nos países para o qual decidiram migrar. Elas são mães que precisam trabalhar para sustentar seus filhos e família, considerando que a maternidade ainda marca a desigualdade de gênero, pois as mulheres ainda são responsabilizadas e cobradas pela sociedade movida pela ideia da maternagem4040. O'Reilly A, organizador. Feminist mothering. Albany: State University of New York Press; 2008..

Nos últimos anos, diante do cenário da entrada em massa das mulheres no mercado de trabalho e do envelhecimento populacional, o trabalho de cuidado remunerado é uma garantia para algumas mulheres construírem carreiras e delegar grande parte do trabalho doméstico e de cuidado dos filhos e idosos para outras mulheres. No entanto, os estudos apresentados mostram como estas cuidadoras migrantes sofrem nestas trajetórias, pois, diante das condições precárias de trabalho em seus países de origem (desemprego e a falta de recursos materiais), decidiram migrar, renunciando ao convívio com as suas famílias, especialmente seus filhos.

Nesse sentido, é relevante pensarmos no retorno que estas migrantes almejam2424. Leiva Gómez S, Mansilla Agüero MA, Comelin Fornes A. Condiciones laborales de migrantes bolivianas que realizan trabajo de cuidado en Iquique. Si Somos Americanos. 2017;17(1):11-37.),(2525. Leiva Gómez S, Ross Orellana C. Migración circular y trabajo de cuidado: fragmentación de trayectorias laborales de migrantes bolivianas en Tarapacá. Psicoperspectivas. 2016;15(3):56-66., diante das condições de trabalho em que se encontram, enquanto trabalhadoras em situação migratória irregular. Entretanto, alguns trabalhos já mostram exemplos de resistência de mulheres que valorizam o saber cuidar, o cozinhar, como as patronas mães no México2323. Montes V, Pombo MD. Ethics of care, emotional work, and collective action of solidarity: the Patronas in Mexico. Gend Place Cult. 2019;26(4):559-80., que desenvolveram o seu empoderamento na atividade de cozinhar, mostrando que o cuidado, assim como quem cuida, precisa ser reconhecido e respeitado. Nesse sentido, o avanço nos estudos do trabalho de cuidado de migrantes é a análise das formas de resistências encontradas por essas mulheres, como a criação e a participação em redes de solidariedades1818. Carpenedo M, Caetano Nardi H. Mulheres Brasileiras na divisão internacional do trabalho reprodutivo: construindo subjetividade(s). Revista de Estudios Sociales. 2013;(45):96-109..

Podemos dizer que a ausência de artigos específicos sobre a saúde dessas mulheres que vivenciam o processo de migração e realizam o trabalho de cuidado remunerado pode apontar para duas questões: a primeira diz respeito ao fato de que, por se tratar de um campo específico da área da saúde, os estudos que dialogam com o processo de trabalho e o adoecimento de trabalhadoras do cuidado são ainda incipientes na América Latina. Por outro lado, a aparição de estudos, sobretudo das ciências sociais, foi capaz de tomar como centralidade o trabalho e, por meio dele, trazer à tona as situações em que as vivências dessas mulheres são permeadas pelo estresse, depressão e ansiedade.

Outro ponto sobre o qual chamamos a atenção é a regularidade da situação migratória, visto que, quanto mais ajustada à legislação do país de destino, maior é a facilidade para o ingresso no mercado de trabalho e nos sistemas sociais de saúde e educação99. World Health Organization. Women on the move: migration, care work and health: policy brief [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [citado em 11 novembro 2018]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259495/WHO-FWC-GER-17.2-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
. Isso foi bem posto pelo conjunto de artigos, que abordou a problemática da vulnerabilidade dessas mulheres quando estão indocumentadas no novo país de destino.

A partir desse cenário desigual, sem reconhecimento das atividades de cuidado e com intensas jornadas de trabalho, é evidente que o sofrimento, as dores e as emoções manifestam-se em seus corpos. Nos estudos discutidos, verificamos que a falta de possibilidades de autocuidado (por falta de tempo, por exemplo), a dificuldade de acesso aos sistemas de saúde e a precarização do trabalho podem acelerar as doenças relativas ao trabalho de cuidado, como encontrado em estudo de Andrade e Monteiro4141. Andrade CB, Monteiro I. Desvelando o trabalho e a saúde de trabalhadores(as) de limpeza hospitalar. Trabajo y Sociedad. 2020;34:109-22.. Embora as pesquisas analisadas não tenham explorado o cansaço físico, as dores, as doenças musculoesqueléticas, os problemas físicos e emocionais como resultados de uma jornada de trabalho intensa e extensa no cuidado, que pode levar o corpo ao adoecimento4141. Andrade CB, Monteiro I. Desvelando o trabalho e a saúde de trabalhadores(as) de limpeza hospitalar. Trabajo y Sociedad. 2020;34:109-22., entendemos que este seja um tema necessário para futuras pesquisas, com a finalidade de dar visibilidade à saúde de cuidadoras que estão em atividades precárias e mal remuneradas, e que têm por objetivo o sustento familiar.

Outro destaque vai para o processo de migração que pode influenciar intensamente a saúde, dada a dificuldade de adaptação dessas mulheres ao país de destino, os sentimentos de insegurança e a ausência ao acesso aos serviços de saúde. A pesquisa de Gutiérrez-Rodríguez1919. Gutiérrez-Rodríguez E. Trabajo doméstico-trabajo afectivo: sobre heteronormatividad y la colonialidad del trabajo en el contexto de las políticas migratorias de la UE. Revista de Estudios Sociales. 2013;(45):123-34., por exemplo, traz avanços ao sinalizar que existe o sentimento de insegurança do processo de regularização da migração, pois o fato de não possuírem a documentação para a permanência no país pode acarretar preocupações. Embora a autora não fale dos aspectos de adoecimento, este é um ponto a ser considerado sobre as diferenciações entre ser migrante em processo irregular ou não e a saúde dessas mulheres.

Impressionaram-nos os achados expressivos sobre as violências que as cuidadoras sofrem nos cotidianos de trabalho, que envolvem a violência verbal, física e psicológica, os maus-tratos, os casos de racismo e as discriminações. Na perspectiva apontada por Hernandéz et al.4242. Hernández Lara I, Baca Tavira N. El trabajo de cuidado como elemento constitutivo de las comunidades transnacionales en la migración México-EU. Si Somos Americanos. 2016;16(2):101-26., as violências vividas pelas migrantes perpassam as precárias condições de trabalho, mas também podem se relacionar com a experiência migratória das mulheres, que as colocam em situação de vulnerabilidade, como a inexistência de políticas públicas de migração que garantam o direito ao trabalho, saúde e seguridade social.

Nesse sentido, considerando que a violência influencia a saúde e a qualidade de vida de indivíduos e das pessoas, gerando traumas físicos ou psicológicos4343. Minayo MC, Souza ER, Silva MM, Assis SG. Institucionalização do tema da violência no SUS: avanços e desafios. Cien Saude Colet. 2018;23(6):2007-16., podemos interpretar que essas violências sofridas talvez tenham tido alguma repercussão na saúde dessas mulheres, pois, “sutil ou explícita, a violência atinge os espaços públicos e privados: fere, estressa, mutila, faz adoecer e mata seres humanos”4444. Lucena MF. Saúde, gênero e violência: um estudo comparativo Brasil-França sobre a saúde da mulher negra. Recife: UFPE; 2014. (p. 22). No entanto, por meio dessa revisão da literatura, não foi possível fazer essa aproximação entre as violências e a saúde dessas trabalhadoras.

Ressaltamos que, ao tratar do tema da migração interdisciplinar, este estudo pode apresentar limitações das evidências encontradas e do processo da revisão relacionados à não inclusão de teses e dissertações da área de ciências humanas, nem sempre encontradas nas bases de dados da área da saúde, que poderiam contribuir para elucidar as complexidades que o tema propõe.

Considerações finais

As condições de trabalho no cuidado e as trajetórias de migração de cuidadoras impõem dificuldades que podem ser superadas à medida que essas trabalhadoras encontram, nos países de destino, condições de trabalho adequadas, redes de solidariedade, apoio social e um sistema de saúde que garanta os seus direitos sociais.

Acreditamos que a análise de literatura apresentada pode contribuir para delinear um cenário de mulheres que têm, como aspecto central de suas vidas, o saber-fazer do cuidado. Salientamos que existe a necessidade de pesquisas sobre a saúde e sua conexão com os aspectos do trabalho, do processo de migração e das possíveis violências que esse grupo possa enfrentar. Articular o trabalho, a migração e as violências com a questão da saúde é primordial para que políticas públicas sejam colocadas em prática e, no tempo devido, avaliadas.

Além disso, compreender como se dão os processos de resistências individuais e coletivas é um tema a ser explorado em futuras pesquisas, para a compreensão dos movimentos sociais realizados por essas mulheres ao longo de seus percursos de vida e de trabalho.

Os resultados apresentados lançam possibilidades de pesquisas que considerem as relações de gênero, entendendo-as em configurações do trabalho de cuidado, em que mulheres saem de seus países na tentativa de obtenção de emprego na América Latina ou nos países do Norte. A isso, soma-se a necessidade de considerar que, no processo migratório, as vulnerabilidades estão postas, pois nem sempre essas trabalhadoras conseguem a estabilidade e/ou seus direitos trabalhistas assegurados nos países de destino, como também enfrentam as dificuldades no acesso ao sistema de saúde público - tal como o Sistema Único de Saúde (SUS), na realidade brasileira.

Embora, nesta revisão, não tenhamos encontrado situações de refúgio entre as cuidadoras, este é um tema a ser pesquisado e contemplado nas políticas de saúde de migrantes e de trabalhadores/as, pois têm sido comuns, na América Latina, os deslocamentos de venezuelanas que chegam a outros países, inclusive em território brasileiro. Estas necessitam (re)começar a vida em outro país e carregam em seus corpos marcas de desigualdades sociais, de violação de direitos e, portanto, de violência4545. Andrade CB, Bitencourt SM, Santos DL, Vedovato TG. Venezuelanas no Brasil: trabalho e gênero no contexto da covid-19. In: Baeninger R, Vedovato LR, Nandy S, coordenadores. Migrações internacionais e a pandemia de COVID-19. Campinas: Unicamp; 2020. p. 426-34..

Reafirmamos a ideia de que, na política de atenção à saúde dos/as trabalhadores/as, a tríade migração, gênero e saúde possa ser articulada e pensada para a garantia da saúde dessa classe, que vive e precisa do trabalho para a sua subsistência. E, em se tratando do processo de migração, os direitos ao trabalho digno e decente devem ser assegurados para todos/as aqueles/as que estão em processo de deslocamento.

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    As autoras informam que o trabalho não foi apresentado em evento científico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2020
  • Revisado
    22 Out 2020
  • Aceito
    05 Jan 2021
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