Acessibilidade / Reportar erro

Custos de pacientes com infecções da corrente sanguínea associadas a cateter central causadas por microrganismos multirresistentes em uma unidade de terapia intensiva pública no Brasil: um estudo de coorte retrospectivo

AO EDITOR,

As infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAs) são grave ameaça aos pacientes e aos sistemas de saúde.(11 Vincent JL, Rello J, Marshall J, Silva E, Anzueto A, Martin CD, Moreno R, Lipman J, Gomersall C, Sakr Y, Reinhart K; EPIC II Group of Investigators. International study of the prevalence and outcomes of infection in intensive care units. JAMA. 2009;302(21):2323-9.) As IRAs estão associadas ao aumento da mortalidade e ao tempo prolongado de internação hospitalar.(22 van Vught LA, Klein Klouwenberg PM, Spitoni C, Scicluna BP, Wiewel MA, Horn J, Schultz MJ, Nürnberg P, Bonten MJ, Cremer OL, van der Poll T; MARS Consortium. Incidence, risk factors, and attributable mortality of secondary infections in the intensive care unit after admission for sepsis. JAMA. 2016;315(14):1469-79.) Entretanto, não está claro se IRAs causadas por microrganismos multirresistentes (MMRs), adquiridos em unidades de terapia intensiva (UTIs), estão associadas ao aumento dos custos quando comparadas às IRAs causadas por agentes patogênicos suscetíveis (nMMRs).(33 Serra-Burriel M, Keys M, Campillo-Artero C, Agodi A, Barchitta M, Gikas A, et al. Impact of multi-drug resistant bacteria on economic and clinical outcomes of healthcare-associated infections in adults: systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2020;15(1):e0227139.)

Infecções primárias de corrente sanguínea (IPCSs) associadas a cateter venoso central (CVC) estão entre as IRAs mais comuns nas UTIs.(44 Bell T, O’Grady NP. Prevention of central line-associated bloodstream infections. Infect Dis Clin North Am. 2017;31(3):551-9.) As IPCS também estão associadas ao aumento de custos, mas não está claro se IPCS causadas por MMRs impõem custos adicionais àqueles já existentes pelas infecções causadas por nMMRs.(55 Baier C, Linke L, Eder M, Schwab F, Chaberny IF, Vonberg RP, et al. Incidence, risk factors and healthcare costs of central line-associated nosocomial bloodstream infections in hematologic and oncologic patients. PLoS One. 2020;15(1):e0227772.) Este estudo teve como objetivo avaliar o ônus econômico de IPCS MMRs em uma UTI de hospital público no Brasil.

Realizamos um estudo de coorte retrospectivo realizado na UTI de hospital público terciário localizado na cidade de São Paulo (SP). O Comitê de Revisão Institucional local e municipal aprovou o estudo (CAAE 20732619.6.0000.0071 e CAAE 20732619.6.3001.0086).

Incluímos todos os pacientes com 18 anos ou mais admitidos na UTI que utilizaram CVC durante sua internação na UTI, de 1º de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2020. Excluímos pacientes que foram admitidos para transplantes de órgãos sólidos, porque a cirurgia para transplante per se foi realizada em outro hospital. Também excluímos pacientes admitidas devido a gestação, parto e puerpério.

Classificamos os pacientes como aqueles com IPCS MMRs e aqueles com IPCSs nMMRs. Foram definidos como MMRs as seguintes bactérias e fungos: Acinetobacter baumannii e Pseudomonas aeruginosa resistentes a carbapenêmicos e/ou polimixinas; Enterobacteriaceae resistentes às cefalosporinas de terceira e quarta gerações, carbapenêmicos e/ou polimixinas; Enterococcus faecium resistente à vancomicina; Staphylococcus aureus resistente à meticilina; Staphylococcus coagulase-negativos resistente à meticilina; e espécies de Candida resistentes a imidazolas.

O método de custeio por absorção foi aplicado com abordagem descendente.(66 Mogyorosy Z, Smith P. The main methodological issues in costing health care services: a literature review. Working Papers 007cherp Centre for Health Economics, University of York; 2005. Available from: https://ideas.repec.org/p/chy/respap/7cherp.html
https://ideas.repec.org/p/chy/respap/7ch...
) O custo total de uma hospitalização é a soma de cinco categorias de custo: custos fixos (atividades realizadas por clínicos, custos de água e energia), laboratório e imagem, material médico, medicamentos e procedimentos. Calculamos todos os custos considerando os custos atuais na UTI em fevereiro de 2021. Convertemos os custos em dólares americanos considerando a taxa de câmbio média em fevereiro de 2021 (US$ 1 = R$ 5,4159).

O desfecho primário foi o custo hospitalar total por paciente. Os desfechos secundários foram os custos diários fixos, variáveis e por categoria. Os desfechos terciários foram mortalidade hospitalar, tempo de internação na UTI e tempo de internação hospitalar.

Todos os dados categóricos são apresentados como número absoluto e percentual e comparados com o teste do qui-quadrado ou teste de Fisher, conforme o caso. Todos os dados contínuos são apresentados como mediana e intervalo interquartil e são comparados com o teste de Mann-Whitney.

A principal comparação foi feita entre pacientes com IPCS MMRs e IPCS nMMRs. Em segundo lugar, utilizamos o método de correspondência de escores de propensão para comparar pacientes com IPCS MMRs e pacientes sem IPCS e comparar pacientes com IPCS nMMRs e pacientes sem IPCS. O escore de propensão foi calculado ajustando-se dois modelos de regressão logística. A variável dependente das regressões logísticas foi ocorrência de IPCS e as variáveis independentes (confundidores) foram idade, sexo, diagnóstico na admissão, índice de comorbidade de Charlson e Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS) 3. Utilizamos o método de comparação por vizinho mais próximo para comparar pacientes com IPCS e pacientes sem IPCS. Cada paciente com IPCS foi combinado com dez pacientes sem IPCS.

Admitiram-se 5.326 pacientes na UTI durante o período de estudo e 596 (11,2%) pacientes usavam CVC (Figura 1). Ao todo, 66 (11,1%) tinham IPCS. Trinta e três pacientes tinham IPCS MMRs e 33 pacientes tinham IPCS nMMRs.

Figura 1
Fluxograma de estudo.

Os pacientes com e sem IPCS não eram diferentes em relação à idade, ao sexo, a comorbidades, ao tipo e à gravidade na admissão. O motivo mais comum de admissão foram doenças infecciosas. Entretanto, pacientes com IPCS MMRs tiveram mais admissões devido a doenças respiratórias e geniturinárias e menos admissões devido a doenças circulatórias. Pacientes com IPCS MMRs ficaram mais tempo internados na UTI e no hospital. Pacientes com IPCS MMRs tiveram maior mortalidade hospitalar do que pacientes com IPCS nMMRs e pacientes sem IPCS na coorte não pareada (Tabela 1). Os agentes etiológicos das IPCSs são mostrados na tabela 2.

Tabela 1
Características basais e desfechos de pacientes incluídos antes da correspondência de escore de propensão
Tabela 2
Agentes etiológicos de infecções primárias da corrente sanguínea associadas a cateter central

Quando comparados aos pacientes com correspondência de propensão sem IPCS, os pacientes com IPCS nMMRs permaneceram mais tempo na UTI, mas não tiveram mais internação hospitalar nem mortalidade hospitalar. Por outro lado, pacientes com IPCS MMRs permaneceram mais tempo internados na UTI e no hospital, e a taxa de mortalidade hospitalar foi maior do que a de pacientes com correspondência de propensão sem IPCS (Tabela 3).

Tabela 3
Características clínicas e desfechos de pacientes com infecção da corrente sanguínea relacionada com cateteres e pacientes com correspondência de propensão sem infecção da corrente sanguínea relacionada com cateteres

Pacientes com IPCS MMRs aumentaram os custos hospitalares em comparação com pacientes com correspondência de escore de propensão sem IPCS [$33.808,92 ($24.554,20 - $46.555,88) versus $10.189,69 (5.583,13 - 19.132,20); p < 0,01] (Tabela 3). Pacientes com IPCS MMRs também tiveram custos hospitalares totais mais altos que pacientes com correspondência de escore de propensão sem IPCS [$30.814,39 ($23.600,30 - $62.951,80) versus $10.580,27 (5.634,85 - 19.102,36); p < 0,01] (Tabela 3).

Não houve diferenças entre pacientes com IPCS MMRs e IPCS nMMR nos custos hospitalares totais [$33.808,92 ($24.554,20 - $46.555,88) versus $30.814,39 ($23.600,30 - $62.951,80); p = 0,99]. Da mesma forma, não houve diferenças nos custos totais fixos e variáveis (laboratório e imagem, material médico, medicamentos e custos de procedimentos) (Tabela 4). Os custos totais diários e fixos diários também não foram diferentes entre pacientes com IPCS MMRs e IPCS nMMRs. No entanto, pacientes com IPCS MMRs tiveram custos diários variáveis maiores em comparação com pacientes com IPCS nMMRs [$397,73 ($251,12 - $717,18) versus $291,42 ($128,12 - $526,37); p = 0,04]. Essa diferença foi explicada principalmente pelos custos mais altos de materiais e procedimentos médicos em pacientes com IPCS MMRs.

Tabela 4
Categorias de custo direto da infecção da corrente sanguínea associada a cateter central

Assim, nessa coorte, as IPCSs MMRs não foram associadas ao aumento dos custos hospitalares na UTI quando comparadas às IPCSs nMMRs. Não obstante, elas estavam associadas ao aumento do consumo de materiais e procedimentos médicos e à maior mortalidade hospitalar. Tanto IPCSs MMRs quanto IPCSs nMMRs foram associadas ao aumento de aproximadamente três vezes nas despesas hospitalares. Este foi, contudo, um estudo pequeno, de centro único, com incidência ligeiramente maior de IPCSs do que estudos similares.(77 Schwanke AA, Danski MT, Pontes L, Kusma SZ, Lind J. Central venous catheter for hemodialysis: incidence of infection and risk factors. Rev Bras Enferm. 2018;71(3):1115-21.) O tamanho pequeno da amostra também pode não ter tido poder suficiente para detectar pequenas diferenças de custo. Além disso, não podemos excluir a possibilidade de que tenha havido algum viés de seleção, uma vez que não pudemos recuperar dados de 1.086 pacientes. Estudos maiores avaliando custos diretos devem avaliar se IPCSs MMRs são mais caras, especialmente para os sistemas de saúde pública e se as medidas de intervenção que podem diminuir as IRAs são economicamente viáveis nesses ambientes.

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa foi apoiada pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), do Ministério da Saúde brasileiro, como parte do projeto “IMPACTO MR - Custos” (subvenção número 25000.049837/2018-15, de novembro de 2018).

AP Nassar Júnior recebeu financiamento pessoal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

REFERÊNCIAS

  • 1
    Vincent JL, Rello J, Marshall J, Silva E, Anzueto A, Martin CD, Moreno R, Lipman J, Gomersall C, Sakr Y, Reinhart K; EPIC II Group of Investigators. International study of the prevalence and outcomes of infection in intensive care units. JAMA. 2009;302(21):2323-9.
  • 2
    van Vught LA, Klein Klouwenberg PM, Spitoni C, Scicluna BP, Wiewel MA, Horn J, Schultz MJ, Nürnberg P, Bonten MJ, Cremer OL, van der Poll T; MARS Consortium. Incidence, risk factors, and attributable mortality of secondary infections in the intensive care unit after admission for sepsis. JAMA. 2016;315(14):1469-79.
  • 3
    Serra-Burriel M, Keys M, Campillo-Artero C, Agodi A, Barchitta M, Gikas A, et al. Impact of multi-drug resistant bacteria on economic and clinical outcomes of healthcare-associated infections in adults: systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2020;15(1):e0227139.
  • 4
    Bell T, O’Grady NP. Prevention of central line-associated bloodstream infections. Infect Dis Clin North Am. 2017;31(3):551-9.
  • 5
    Baier C, Linke L, Eder M, Schwab F, Chaberny IF, Vonberg RP, et al. Incidence, risk factors and healthcare costs of central line-associated nosocomial bloodstream infections in hematologic and oncologic patients. PLoS One. 2020;15(1):e0227772.
  • 6
    Mogyorosy Z, Smith P. The main methodological issues in costing health care services: a literature review. Working Papers 007cherp Centre for Health Economics, University of York; 2005. Available from: https://ideas.repec.org/p/chy/respap/7cherp.html
    » https://ideas.repec.org/p/chy/respap/7cherp.html
  • 7
    Schwanke AA, Danski MT, Pontes L, Kusma SZ, Lind J. Central venous catheter for hemodialysis: incidence of infection and risk factors. Rev Bras Enferm. 2018;71(3):1115-21.
Editor responsável: Pedro Póvoa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2022
  • Aceito
    30 Out 2022
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br