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Terapia nutricional e sepse neonatal

Resumos

O objetivo do presente artigo é revisar a literatura acerca dos conhecimentos atuais relativos à terapia nutricional - enteral e parenteral - para os recém-nascidos pré-termo, principalmente os de muito baixo peso, destacando seu efeito protetor na sepse neonatal e na enterocolite necrosante. As diferentes modalidades de alimentação do recém-nascido prematuro - especialmente para aqueles de muito baixo peso - e seu efeito protetor na diminuição de complicações (mormente as infecciosas) foram analisadas. A utilização preferencial do leite materno na nutrição enteral, o controle das ofertas energético-protéicas, o início precoce da nutrição enteral mínima, a introdução precoce da alimentação parenteral - nas primeiras 24 horas - e a utilização dos imunonutrientes que tenham estudos suficientes para fundamentar sua indicação podem se constituir em boas diretrizes adjuvantes na prevenção da sepse neonatal e da enterocolite necrosante. Sem embargo, percebe-se a necessidade de mais estudos - preferencialmente multicêntricos, controlados e randomizados - para esclarecer o papel protetor da nutrição no RNPT, não somente na prevenção de infecções, mas também para auxiliar o desenvolvimento neural e a prevenção de consequências deletérias futuras.

Nutrição; Sepse; Recém-nascido


This article reviews the current understanding of enteral and parenteral nutrition therapy in preterm infants, with an emphasis on very low birth weight babies. The protective effects of nutrition therapy against neonatal sepsis and necrotizing enterocolitis are discussed. Different methods of feeding preterm infants are evaluated. Special attention is given to the problems of very low birth weight babies and the protective effects of nutrition to counteract complications, especially infection. The preferential use of breast milk for enteral nutrition, the management of protein and energy offers, the use of early and minimal enteral nutrition, the early introduction of parenteral nutrition (within the first 24 hours of life) and the use of immunonutrients that are appropriately supported by a sufficient number of studies can provide good adjuvant therapy guidelines to prevent neonatal sepsis and necrotizing enterocolitis. However, we conclude that additional multicenter, randomized controlled studies are necessary to clarify the protective role of nutrition in preterm infants. Appropriate nutrition is not only effective in treating and preventing infective complications, but it also promotes neurodevelopment and prevents future harmful consequences.

Nutrition; Sepsis; Infant, newborn


ARTIGO DE REVISÃO

Terapia nutricional e sepse neonatal

Brunnella Alcantara Chagas de FreitasI; Renata Teixeira LeãoII; Andréia Patrícia GomesI; Rodrigo Siqueira-BatistaI

IDepartamento de Medicina e Enfermagem, Universidade Federal de Viçosa - UFV - Viçosa (MG), Brasil

IIDepartamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa - UFV - Viçosa (MG), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Brunnella Alcantara Chagas de Freitas Universidade Federal de Viçosa Departamento de Medicina e Enfermagem (DEM) Avenida P. H. Rolfs s/n, Campus Universitário CEP: 36571-000 - Viçosa (MG), Brasil Fone: (31) 3899-3738 E-mail: brupediatria@gmail.com

RESUMO

O objetivo do presente artigo é revisar a literatura acerca dos conhecimentos atuais relativos à terapia nutricional - enteral e parenteral - para os recém-nascidos pré-termo, principalmente os de muito baixo peso, destacando seu efeito protetor na sepse neonatal e na enterocolite necrosante. As diferentes modalidades de alimentação do recém-nascido prematuro - especialmente para aqueles de muito baixo peso - e seu efeito protetor na diminuição de complicações (mormente as infecciosas) foram analisadas. A utilização preferencial do leite materno na nutrição enteral, o controle das ofertas energético-protéicas, o início precoce da nutrição enteral mínima, a introdução precoce da alimentação parenteral - nas primeiras 24 horas - e a utilização dos imunonutrientes que tenham estudos suficientes para fundamentar sua indicação podem se constituir em boas diretrizes adjuvantes na prevenção da sepse neonatal e da enterocolite necrosante. Sem embargo, percebe-se a necessidade de mais estudos - preferencialmente multicêntricos, controlados e randomizados - para esclarecer o papel protetor da nutrição no RNPT, não somente na prevenção de infecções, mas também para auxiliar o desenvolvimento neural e a prevenção de consequências deletérias futuras.

Descritores: Nutrição; Sepse; Recém-nascido

INTRODUÇÃO

A sepse neonatal mantém-se, ainda hoje, como uma das principais causas de morbidade e mortalidade - a despeito dos avanços nos cuidados intensivos, os quais têm possibilitado maior sobrevida aos recém-nascidos pré-termos (RNPT) -, de modo inversamente proporcional à idade gestacional.(1-5) Esse fato se relaciona às reduzidas funções imunológicas e à imaturidade da imunidade inata, além da necessidade de intervenções terapêuticas específicas.(6-8) Para se adaptar a essa condição, o RNPT séptico apresenta-se em um estado hipermetabólico, o qual é iniciado e perpetuado por uma combinação de estímulos hormonais, neurais e ambientais, resultando em perda de proteína celular somática e depleção dos estoques de nutrientes orgânicos e subsequente disfunção orgânica.(2,3,9)

A maior frequência de enterocolite necrosante (ECN) - associada à perda da função de barreira intestinal e à translocação bacteriana - se deve usualmente à sepse, ao jejum e à ausência de alimentação com leite humano.(9) Com efeito, o início precoce de alimentação, tanto enteral como parenteral, são fundamentais para minimizar o prejuízo do estado nutricional e estimular o desenvolvimento do trato gastrointestinal dos RNPT. Nos recém-nascidos de muito baixo peso (RNMBP), a nutrição deve receber atenção especial para garantir o crescimento e o desenvolvimento neuropsicomotor adequados e evitar sequelas futuras. A introdução de nutrição parenteral e/ou enteral precoces deve ser considerada uma rotina, com a finalidade de garantir um ganho de peso adequado e a recuperação mais rápida durante a hospitalização.(10,11)

Nesse contexto, o objetivo do presente artigo é apresentar revisão da literatura acerca da terapia nutricional, enteral e parenteral, para os recém-nascidos pré-termo - principalmente os de muito baixo peso -, enfatizando seu efeito protetor na sepse neonatal e na enterocolite necrosante.

MÉTODOS

Foram consultadas, na base BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), as fontes de dados MEDLINE (Literatura Internacional em Ciências da Saúde), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SciELO (Scientific Eletronic Library onLine) e Cochrane Library. Também foram utilizados artigos referenciados nas publicações selecionadas e livros-texto como parte integrante do levantamento bibliográfico. Os descritores utilizados e combinados foram nutrição, sepse, prematuro, bem como seus correspondentes em inglês nutrition, sepsis e premature.

Foram selecionadas publicações completas - em inglês ou português - e que, no título ou no resumo, dissessem respeito à interface sepse neonatal e nutrição. A ordem para seleção foi realizada da seguinte forma: leitura do título e do resumo e apreciação pormenorizada do artigo. Foram excluídas publicações que não faziam referência a recém-nascidos prematuros e/ou seres humanos e aquelas que, após a leitura pormenorizada do artigo, não associassem sepse neonatal e nutrição.

O quadro 1 ilustra as estratégias de busca utilizadas quanto às bases, descritores pesquisados, número de citações obtidas e selecionadas.


SEPSE E NUTRIÇÃO

O nascimento antes do final do terceiro trimestre de gestação expõe o recém-nascido a grande risco nutricional, em razão dos baixos níveis de disponibilidade dos nutrientes, do crescimento rápido e da imaturidade do trato gastrointestinal.(12-15)

Para o diagnóstico precoce da sepse neonatal, a avaliação e a observação clínica continuam sendo as formas mais práticas. A presença de sinais clínicos são substantivos para o diagnóstico da infecção, apresentando-se como achados importantes as alterações na atividade motora e na perfusão periférica, bem como o desconforto respiratório.(6,16,17) Como exames complementares, destacam-se o leucograma, a proteína C-reativa (PCR) e a cultura para bactérias piogênicas.(18)

O RNPT pode ser considerado imunodeprimido e, desta feita, toda infecção é considerada grave, podendo evoluir rapidamente de bacteremia para sepse e choque séptico, com falência de múltiplos órgãos e sistemas e coagulação intravascular disseminada.(17,18) As alterações fisiopatológicas dependem principalmente da resposta do hospedeiro às toxinas liberadas pelo microrganismo na circulação,(5,19) com ativação da cascata de mediadores de resposta inflamatória aguda(20) e aumento de circulação de citocinas pró-inflamatórias e antiinflamatórias, cujo balanço determinará a sua evolução.(17) A instituição precoce e adequada do tratamento antibiótico associado a todas as medidas de suporte é fundamental para a sua sobrevivência.(2,21)

O RNPT apresenta-se, desde o nascimento, em processo de hipercatabolismo - acentuado pela sepse -, o qual tem como objetivo fornecer aminoácidos para a síntese de componentes essenciais à resposta inflamatória e à ativação do sistema imunológico, além de produzir glicose, pela neoglicogênese hepática, para a produção de energia. Os glicídios e os lipídios são direcionados para a produção de energia, ao passo que os aminoácidos liberados pelos músculos serão transportados ao fígado para a produção de glicose, intensificando ainda mais a neoglicogênese.(8) Devem ser destacadas ainda, como alterações do metabolismo lipídico, a ocorrência de lipólise e o aumento plasmático dos ácidos graxos.(9) A síntese hepática de proteínas será igualmente direcionada para a produção de proteína C-reativa e fibrinogênio.(8) Os processos catabólicos e a utilização dos aminoácidos para produção de energia levam a um balanço nitrogenado negativo, o qual é pouco revertido pelo uso de nitrogênio exógeno,(10) com consequente desnutrição progressiva e alterações da nutrição celular.(18)

O intestino possui um expressivo contingente de tecido linfóide (GALT - gut-associated lymphoid tissue) e o desenvolvimento da função imunológica e digestiva do RNPT depende das funções de digestão, absorção, regulação da osmolaridade e da presença de componentes do sistema linfóide.(9) Especialmente nos RNPT com sepse, a barreira intestinal apresenta-se imatura e favorece a translocação bacteriana,(19) por meio de 1) alterações na microbiota intestinal, 2) diminuição da resposta imune e 3) incompetência da barreira epitelial intestinal. A perda da função de barreira - associada à translocação bacteriana - e a maior frequência de ECN são ocasionadas pela sepse, pelo jejum e pela não alimentação com leite humano,(9) acarretando aumento da morbimortalidade.(22)

A nutrição do RNPT - principalmente daqueles RNMBP (11) - representa, com base nestas premissas, um contínuo desafio, pois a desnutrição no período inicial da vida pode ter consequências permanentes no desenvolvimento do sistema nervoso central e no crescimento somático.(20,21,23)

Nas formas enteral e parenteral, a nutrição tem papel importante na prevenção da sepse neonatal, visando minimizar perdas de nutrientes e estimular a maturação do trato gastrointestinal. Destaca-se o importante papel da promoção do uso do leite humano e a oferta enteral precoce, no intuito de diminuir o risco de infecção.(4,10,17,24) Ademais, a oferta de nutrição enteral precoce possibilita a fermentação bacteriana de carboidratos, a qual resulta em ácidos graxos de cadeia curta - principalmente o butírico - os quais apresentam função trófica sobre o epitélio intestinal. A nutrição enteral também melhora a tolerância à glicose, por gerar precursores neoglicogênicos (piruvatos, lactatos, alanina e glicerol), ácidos graxos não esterificados e corpos cetônicos (beta-hidroxibutirato e acetoacetatos).(9)

A RELEVÂNCIA DO LEITE HUMANO

O leite humano desempenha papel primordial no amadurecimento intestinal e nutrição do RNPT criticamente enfermo. As unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN) devem promover o aleitamento materno, pois este representa o melhor suporte nutricional metabólico para os RN.(9) De fato, a ação protetora do leite humano relaciona-se às suas características nutritivas e às múltiplas funções dos seus componentes não nutritivos. O uso exclusivo e/ou parcial de volumes de pelo menos 50mL/kg/dia - quando comparados ao uso de fórmulas - diminui o risco de infecções e de ECN. (25-32)

OFERTA DE NUTRIENTES OU DE IMUNONUTRIENTES

A oferta de energia por via parenteral - durante a fase aguda - deve ser suficiente para manter o metabolismo basal, devendo-se preferir a glicose como fonte energética. São indicadas ofertas de 3 a 5mg/kg/dia para taxas de oxidação de glicose de 5 a 6mg/kg/min , a fim de manter suas concentrações dentro dos limites fisiológicos, evitando-se hiperglicemia.(8) As ofertas lipídicas devem ser de, no máximo, 20 a 35% das calorias não-proteicas, devido às limitações metabólicas e ao clareamento de lipídeos, não existindo associação entre administração precoce de lipídeos e a ocorrência de sepse ou ECN, conforme metanálise de Simmer et al.(33) Em relação às proteínas, recomenda-se um mínimo de 1 a 1,5g/kg/dia de aminoácidos para uma oferta energética de 30kcal/kg/dia.(8) A glutamina é um aminoácido que se encontra em grande quantidade nos tecidos em divisão celular rápida - como o sistema imune e o intestinal, com importante papel na manutenção do trofismo da mucosa intestinal e da barreira mucosa, além da regulação da resposta inflamatória mediada pelo intestino,(25,34) tornando-se um aminoácido essencial nos RNPT, devido à sua síntese insuficiente em situações de estresse.(8) No entanto, díspares investigações não encontraram benefícios clínicos significativos da suplementação deste elemento - por via oral e parenteral - na ocorrência de sepse ou de ECN.(35-38)

Tendo em vista a participação da arginina como substrato para a síntese de óxido nítrico tecidual - cuja diminuição pode estar relacionada com a ECN - alguns estudos tentaram elucidar essa associação, mas ainda não há dados sugerindo sua suplementação - oral ou parenteral - sendo necessários mais estudos multicêntricos, controlados e randomizados.(37)

Em metanálise recente, Pammi et al. não encontraram evidências de que a suplementação oral com lactoferrina, um componente do colostro e do leite humano, reduza a incidência de sepse tardia ou de ECN nos RNMBP.(39) Metanálise de Mohan et al. também não encontrou evidência - para recomendação ou abstenção - do uso de lactoferrina oral como adjunto no tratamento da sepse neonatal ou da ECN.(40) Estudo de Berseth et al. não mostrou mudança na incidência de ECN em recém-nascidos que receberam leite humano fortificado com ferro, entretanto, salienta que o leite fortificado pode reduzir a necessidade de transfusões em RNMBP.(41)

Quanto ao selênio, um elemento traço, conhecido por ter um papel na imunocompetência, apresentando-se em menores concentrações nos prematuros, sua suplementação pode estar associada com benefícios na redução da incidência de sepse. Foi realizada uma grande pesquisa em um país com baixas concentrações de selênio, com resultados benéficos na suplementação parenteral; sem embargo, tais dados não podem ainda ser extrapolados para outras populações.(42)

Díspares pesquisas têm demonstrado que o emprego de probióticos, por via enteral, ajuda a prevenir a ECN grave e, igualmente, todas as causas mais significativas atinentes à mortalidade nos prematuros, sugerindo-se uma revisão das práticas atuais. Todavia, reconhece-se a necessidade de novas investigações para avaliar sua eficácia nos RNEBP (recém-nascidos de extremo baixo peso), bem como sua formulação e as doses efetivas.(22,43) Deshpande et al., em metanálise, confirmam os resultados benéficos dos probióticos na redução da ECN e da sepse neonatal entre os prematuros com consequente redução do êxito letal, preconizando, ato contínuo, seu uso rotineiro.(44)

Os antioxidantes, por participarem de diferentes etapas da resposta imune - função fagocitária, produção de citocinas, resposta mediada por células e produção de imunoglobulinas - também são considerados imunonutrientes.(45) Destacam-se, neste grupo, as vitaminas A e E, cuja manutenção de níveis plasmáticos e teciduais adequados poderá constituir mais uma contribuição à resposta anti-infecciosa;(8) no entanto, mais estudos serão ainda necessários.

NUTRIÇÃO ENTERAL E PARENTERAL

A literatura recomenda a nutrição enteral (NE) mínima - de forma mais precoce possível e desde que o intestino esteja funcionante - visando acelerar a recuperação e o desenvolvimento do trato intestinal, favorecendo, assim, a retomada do crescimento e a redução das infecções.(46,47) A NE, mesmo que mínima, preferencialmente com leite materno, em associação com a nutrição parenteral, ajudará a minorar o grau de atrofia da mucosa do intestino e a translocação bacteriana, além de reduzir a duração da nutrição por via parenteral.(48-51)

A nutrição parenteral (NP) é indicada em contextos nos quais as necessidades metabólicas e nutricionais normais não são satisfeitas com a NE. Com efeito, é considerada de extrema importância logo ao nascimento de um RNPT - dentro das primeiras 24 horas de vida - e necessária nos casos de sepse.(2,33,35,48) A oferta de NP resulta em importante melhora do estado nutricional e em significativa minimização da mortalidade neonatal.(8)

A conduta alimentar dos prematuros é bem variável, alicerçando-se na experiência de cada UTIN. Para os RNMBP, a rotina nutricional hodierna baseia-se na NP total precoce (nas primeiras 24 horas de vida)(45) e na introdução cuidadosa de NE, com progressão lenta do volume oferecido. Com essa oferta alimentar, a maioria dos prematuros atinge a nutrição enteral plena ao final da segunda semana de vida, destacando-se que essa conduta - mais cautelosa - usualmente resulta em diminuição da incidência de ECN e no retardo do seu aparecimento para a terceira semana de vida.(52) Em contraposição, as revisões de Morgan et al. não encontraram evidências de que a progressão mais lenta da alimentação enteral reduza o risco de ECN nos RNMBP, sem diferenças claras entre a progressão lenta e os avanços mais rápidos (30-35 mL/kg/dia).(53,54)

Há evidências de uma relação significativa entre a idade em que os RNPT atingem a NE plena e a ocorrência de sepse tardia. Quanto mais precoce - a idade de 12,5 dias tem sido identificada como limite -, mais se reduz o risco de sepse tardia,(8) como nos estudos de Flidel-Rimon et al., embora sem modificações no risco de ECN(55) e de Brotschi et al., com menor incidência de sepse relacionada ao cateter.(56) Entretanto, algumas investigações apontam que, até o momento, os efeitos clínicos, benéficos ou maléficos - da nutrição trófica e do atraso da NE plena - não se encontram bem estabelecidos, de modo que os resultados são ainda insuficientes para ditar a prática clínica.(53,54,57)

Torna-se igualmente relevante destacar a teoria da origem fetal das doenças degenerativas do adulto, amplamente estudada nos últimos 15 anos, baseando-se no conceito de que agravos nutricionais ocorridos na vida fetal - ou no período neonatal - poderiam gerar deletérias consequências futuras, tanto nos processos de crescimento e de desenvolvimento, quanto no surgimento de moléstias metabólicas e degenerativas na infância, na adolescência e na vida adulta. Tais fatos levaram à necessidade de se reformular os objetivos da nutrição do RNPT, ou seja, além de se buscar um crescimento semelhante ao ocorrido na existência intrauterina, deve-se também considerar, seriamente, os limites impostos pela imaturidade, tendo em conta as futuras implicações das ações atinentes à nutrição dessas crianças prematuras.(58-61)

Há muito desconhecimento em relação à alimentação dos RNPT, de modo que nem sempre as práticas se sustentam em evidências científicas - mesmo porque muitas vezes elas, de fato, não existem, havendo grande discrepância nas propostas apresentadas na literatura.(48,62) O manejo nutricional deve ser enfatizado como boa prática clínica, apesar da grande variabilidade de propostas, pois se sabe que favorece o restabelecimento e diminui a incidência de complicações infecciosas dos RNPT.(63)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem dos RNPT com sepse mantém-se como um grande desafio na medicina contemporânea. Neste âmbito, o que se deseja é nutrir o RNPT de forma a promover um crescimento adequado capaz de refletir o que ocorreria no desenvolvimento intrauterino, além de garantir um bom desenvolvimento neurológico, evitando sequelas futuras. Ainda se desconhecem muitos aspectos da nutrição dos prematuros - mormente os de muito baixo peso -, bem como suas repercussões. Em muitos casos, as propostas alimentares não são claramente baseadas em evidências.

Os princípios nutricionais descritos no presente trabalho - a utilização preferencial do leite materno na NE, o controle das ofertas energético-proteicas, o início precoce da nutrição enteral mínima, a introdução precoce da nutrição parenteral já nas primeiras 24 horas e a utilização dos imunonutrientes que tenham estudos suficientes para fundamentar sua indicação - podem se constituir em boas diretrizes adjuvantes na prevenção e no tratamento da sepse neonatal e da enterocolite necrosante.

Diante de tantas controvérsias, percebe-se a necessidade de mais estudos - multicêntricos, controlados e randomizados - para esclarecer a nutrição do RNPT e seu papel protetor, não somente na profilaxia de infecções, mas também no neurodesenvolvimento e na prevenção de consequências deletérias futuras.

Contribuições dos autores

B. A. C. de Freitas e R. T. Leão conceberam a estrutura do presente artigo e elaboraram a primeira versão do mesmo. Ambas - juntamente com A. P. Gomes e R. Siqueira-Batista - procederam a revisão final do texto.

Submetido em 28 de Abril de 2011

Aceito em 12 de Setembro de 2011

Conflitos de interesse: Nenhum.

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  • Autor correspondente:
    Brunnella Alcantara Chagas de Freitas
    Universidade Federal de Viçosa
    Departamento de Medicina e Enfermagem (DEM)
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      28 Abr 2011
    • Aceito
      12 Set 2011
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