Acessibilidade / Reportar erro

Near miss materno em unidade de terapia intensiva: aspectos clínicos e epidemiológicos

RESUMO

Objetivos:

Analisar o perfil clínico epidemiológico de mulheres com near miss materno segundo os novos critérios da Organização Mundial da Saúde.

Métodos:

Foi realizado um estudo descritivo, tipo corte transversal, analisando- se os prontuários das pacientes admitidas na unidade de terapia intensiva obstétrica de um hospital terciário do Recife (Brasil), em um período de quatro anos. Foram incluídas as mulheres que apresentavam pelo menos um dos critérios de near miss. As variáveis estudadas foram: idade, raça/cor, estado civil, escolaridade, procedência, número de gestações e consultas de pré-natal, complicações e procedimentos realizados, via de parto, idade gestacional no parto e critérios de near miss materno. A análise descritiva foi executada utilizando-se o programa Epi-Info 3.5.1.

Resultados:

Foram identificados 255 casos de near miss materno, totalizando uma razão de near miss materno de 12,8/1.000 nascidos vivos. Dentre esses casos, 43,2% das mulheres apresentavam ensino fundamental incompleto; 44,7% eram primigestas e 20,5% tinham realizado cesariana prévia. Quanto aos diagnósticos específicos, houve predominância dos distúrbios hipertensivos (62,7%), sendo que muitos deles foram complicados pela síndrome HELLP (41,2%). Os critérios laboratoriais de near miss foram os mais observados (59,6%), em função, principalmente, da elevada frequência de plaquetopenia aguda (32,5%).

Conclusões:

Evidenciou-se uma frequência elevada de mulheres com baixa escolaridade e primigestas. Com os novos critérios propostos pela Organização Mundial da Saúde, os distúrbios hipertensivos da gestação continuam sendo os mais comuns entre os casos de near miss materno. Destaca-se ainda a elevada frequência da síndrome HELLP, o que contribuiu para que a trombocitopenia aguda fosse o critério mais frequente de near miss.

Descritores
Complicações na gravidez; Morbidade; Mortalidade materna; Gravidez de alto risco; Pré-eclâmpsia; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective:

To analyze the epidemiological clinical profile of women with maternal near miss according to the new World Health Organization criteria.

Methods:

A descriptive crosssectional study was conducted, in which the records of patients admitted to the obstetric intensive care unit of a tertiary hospital in Recife (Brazil) over a period of four years were analyzed. Women who presented at least one near miss criterion were included. The variables studied were age, race/color, civil status, education, place of origin, number of pregnancies and prenatal consultations, complications and procedures performed, mode of delivery, gestational age at delivery, and maternal near miss criteria. The descriptive analysis was performed using the program Epi-Info 3.5.1.

Results:

Two hundred fifty-five cases of maternal near miss were identified, with an overall ratio of maternal near miss of 12.8/1,000 live births. Among these cases, 43.2% of the women had incomplete primary education, 44.7% were primiparous, and 20.5% had undergone a previous cesarean section. Regarding specific diagnoses, there was a predominance of hypertensive disorders (62.7%), many of which were complicated by HELLP (hemolysis, elevated liver enzymes, and low platelets) syndrome (41.2%). The laboratory near miss criteria were the most often observed (59.6%), due mainly to the high frequency of acute thrombocytopenia (32.5%).

Conclusions:

A high frequency of women who had a low level of education and who were primiparous was observed. According to the new criteria proposed by the World Health Organization, hypertensive pregnancy disorders are still the most common among maternal near miss cases. The high frequency of HELLP syndrome was also striking, which contributed to acute thrombocytopenia being the most frequent near miss criterion.

Keywords:
Pregnancy complications; Morbidity; Maternal mortality; Pregnancy, high risk; Pre-eclampsia; Intensive care units

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma mulher que, durante a gestação, o parto ou até 42 dias após o término da gravidez, vivencia situações ameaçadoras da vida e sobrevive corresponde a um caso de near missmaterno.(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.) Sua incidência é superior à dos óbitos, sendo considerado atualmente um problema de saúde pública na América Latina.(2Souza JP, Cecatti JG, Faundes A, Morais SS, Villar J, Carroli G, Gulmezoglu M, Wojdyla D, Zavaleta N, Donner A, Velazco A, Bataglia V, Valladares E, Kublickas M, Acosta A; World Health Organization 2005 Global Survey on Maternal and Perinatal Health Research Group. Maternal near miss and maternal death in the World Health Organization’s 2005 global survey on maternal and perinatal health. Bull World Health Organ. 2010;88(2):113-9.) Estima-se que, para cada morte materna, ocorram, em média, 15 casos de near miss.(3Penney G, Brace V. Near miss audit in obstetrics. Curr Opin Obstet Gynecol. 2007;19(2):145-50.,4Lewis G. Beyond the numbers: reviewing maternal deaths and complications to make pregnancy safer. Br Med Bull. 2003;67:27-37.)

À medida que fornece informações para o entendimento dos fatores que contribuem para o desfecho fatal, o near miss é um melhor indicador da qualidade dos serviços de saúde materna do que os óbitos; portanto, utiliza-se como base para a adoção de medidas que visem à melhoria da assistência materna.(5Nashef SA. What is a near miss? Lancet. 2003;361(9352):180-1.,6Stones W, Lim W, Al-Azzawi F, Kelly M. An investigation of maternal morbidity with identification of life-threatening ‘near miss’ episodes. Health Trends. 1991;23(1):13-5.)

Desde a introdução do conceito de near miss, em 1991, por Stones et al.,(6Stones W, Lim W, Al-Azzawi F, Kelly M. An investigation of maternal morbidity with identification of life-threatening ‘near miss’ episodes. Health Trends. 1991;23(1):13-5.) foram inúmeros os critérios utilizados para caracterizá-lo.(7Mantel GD, Buchmann E, Rees H, Pattinson RC. Severe acute maternal morbidity: a pilot study of a definition for near miss. Br J Obstet Gynaecol. 1998;105(9):985-90.

Waterstone M, Bewley S, Wolfe C. Incidence and predictors of severe obstetric morbidity: case-control study. BMJ. 2001;322(7294):1089-93; discussion 1093-4.
-9Geller SE, Rosenberg D, Cox S, Brown ML, Simonson L, Kilpatrick S. A scoring system to identify near-miss maternal morbidity during pregnancy. J Clin Epidemiol. 2004;57(7):716-20.) Eles podem ser agrupados em: critérios clínicos relacionados à doença específica; critérios relacionados a intervenções ou procedimentos e critérios baseados em disfunção orgânica.(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.) A razão de near miss materno (número dos casos de near misspor 1.000 nascidos vivos - NV), quando são considerados os critérios baseados em sinais e sintomas, é de 27,8/1.000 NV, maior do que aquela baseada nos critérios de disfunção orgânica (10,2) ou manejo (2,1), tais como: hemotransfusão, intubação, intervenção cirúrgica ou hemodiálise.(1010 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Serruya SJ. Revisão sistemática sobre morbidade materna near miss. Cad Saúde Pública. 2006; 22(2):255-64.) Por outro lado, identifica-se uma maior tendência de mortalidade quando são adotados os critérios de disfunção orgânica, ocorrendo um caso de morte materna a cada seis de near miss. Por outro lado, quando são empregados sinais e sintomas, como critérios definidores, ocorre um caso de óbito a cada 35 de near miss.(1010 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Serruya SJ. Revisão sistemática sobre morbidade materna near miss. Cad Saúde Pública. 2006; 22(2):255-64.)

Tendo em vista a heterogeneidade dos critérios de near miss materno e a necessidade de uniformizá-los, a OMS estabeleceu, em 2009, novos critérios definidores (Quadro 1), os quais, teoricamente, podem ser usados em qualquer nível hospitalar, seja de baixa, média ou alta complexidade.(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.) A adoção dos critérios laboratoriais e de manejo da OMS para a identificação dos casos de near miss materno é um método válido e efetivo, conforme a conclusão de um estudo de pré-validação.(1111 Cecatti JG, Souza JP, Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Souza MH, Say L, et al. Pre-validation of the WHO organ dysfunction based criteria for identification of maternal near miss. Reprod Health. 2011;8:22.) Esta investigação também deu suporte para a recomendação do uso de tais parâmetros em todo o mundo.(1111 Cecatti JG, Souza JP, Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Souza MH, Say L, et al. Pre-validation of the WHO organ dysfunction based criteria for identification of maternal near miss. Reprod Health. 2011;8:22.)

Quadro 1
Critérios diagnósticos de near miss materno segundo a Organização Mundial da Saúde(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.)

Com relação aos perfis clínico e epidemiológico de mulheres com near miss materno, idade acima de 35 anos, mulheres sem parceiros, primiparidade ou antecedente de cesariana são fatores que apresentam uma associação independente com a ocorrência de near miss materno, conforme conclui um estudo multicêntrico, publicado em 2010, que incluiu 120 hospitais de oito países da América Latina.(2Souza JP, Cecatti JG, Faundes A, Morais SS, Villar J, Carroli G, Gulmezoglu M, Wojdyla D, Zavaleta N, Donner A, Velazco A, Bataglia V, Valladares E, Kublickas M, Acosta A; World Health Organization 2005 Global Survey on Maternal and Perinatal Health Research Group. Maternal near miss and maternal death in the World Health Organization’s 2005 global survey on maternal and perinatal health. Bull World Health Organ. 2010;88(2):113-9.) Uma análise secundária dos dados de uma pesquisa de saúde demográfica brasileira, realizada em 2006 e 2007, que envolveu as cinco regiões geográficas brasileiras, demonstrou que mulheres com mais de 40 anos e com menos de oito anos de estudo apresentam um risco significativamente maior de se tornarem um caso de near missmaterno.(1212 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Lago TG, Pacagnella RC, et al. Maternal morbidity and near miss in the community: findings from the 2006 Brazilian demographic health survey. BJOG. 2010;117(13):1586-92.) Por outro lado, nenhuma associação foi encontrada entre o estado civil, a raça, a renda, o local de residência ou a paridade.(1212 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Lago TG, Pacagnella RC, et al. Maternal morbidity and near miss in the community: findings from the 2006 Brazilian demographic health survey. BJOG. 2010;117(13):1586-92.) Essas pesquisas foram conduzidas antes da definição dos critérios de near miss materno pela OMS; portanto, alguns deles são diferentes dos atuais.(2Souza JP, Cecatti JG, Faundes A, Morais SS, Villar J, Carroli G, Gulmezoglu M, Wojdyla D, Zavaleta N, Donner A, Velazco A, Bataglia V, Valladares E, Kublickas M, Acosta A; World Health Organization 2005 Global Survey on Maternal and Perinatal Health Research Group. Maternal near miss and maternal death in the World Health Organization’s 2005 global survey on maternal and perinatal health. Bull World Health Organ. 2010;88(2):113-9.,1212 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Lago TG, Pacagnella RC, et al. Maternal morbidity and near miss in the community: findings from the 2006 Brazilian demographic health survey. BJOG. 2010;117(13):1586-92.)

Diante da elevada frequência dos casos de near miss materno, de sua utilização como indicador da saúde materna e do surgimento de novos critérios definidores, este artigo teve como objetivo descrever o perfil clínico e epidemiológico das pacientes com near miss materno, segundo os novos critérios da OMS admitidas em uma unidade de terapia intensiva (UTI) de um hospital de referência terciária do Recife.(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.,1313 Pattinson RC, Hall M. Near misses: a useful adjunct to maternal death enquiries. Br Med Bull. 2003;67:231-43.)

MÉTODOS

O presente trabalho foi realizado após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), conforme os princípios que regulam as pesquisas em seres humanos, resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sob o número 2028-10, em 19 de novembro de 2010. Considerando ainda que o estudo foi retrospectivo e avaliou apenas dados coletados de prontuários, solicitou-se ao CEP a dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O estudo foi realizado no IMIP, uma entidade filantrópica localizada em Recife (Pernambuco, Brasil), que tem uma UTI Obstétrica com 12 leitos exclusivos para as gestantes e puérperas de alta gravidade e internamento anual próximo a 800 pacientes.

Trata-se de um estudo de corte transversal que identificou, a partir do livro de admissões e alta da UTI Obstétrica do IMIP, 2.997 pacientes no ciclo gravídico puerperal, as quais estiveram internadas entre janeiro de 2007 e dezembro de 2010. Tais pacientes tiveram seus prontuários solicitados no arquivo do hospital e, após sua análise, foram incluídas no estudo aquelas que apresentaram pelo menos um dos critérios de near miss materno definidos pela OMS (Quadro 1), totalizando 255 casos (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma de captação dos participantes.

UTI - unidade de terapia intensiva; IMIP - Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira.


Os dados foram coletados pelo pesquisador principal e por duas auxiliares de pesquisa treinadas, do curso de medicina da Faculdade Pernambucana de Saúde, vinculadas ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).

As variáveis estudadas foram: idade (expressa em anos completos); raça (variável categórica, policotômica classificada a partir de dados do prontuário como branca, negra, parda); situação conjugal (variável nominal dicotômica classificada em com ou sem companheiro); escolaridade (categorizada em menos de oito anos de estudos e oito ou mais anos); procedência (variável nominal, expressa como pacientes procedentes do Recife ou oriundas do interior do estado de Pernambuco ou de sua região metropolitana); história reprodutiva (número de gestações e partos, antecedente de aborto, natimorto, cesariana); doenças preexistentes; assistência pré-natal; diagnósticos durante o internamento (pré-eclâmpsia grave, hipertensão agravada pela gestação, eclâmpsia, síndrome HELLP, hemorragia pós-parto, descolamento prematuro da placenta, hemoperitônio, sepse, endometrite, pneumonia, pielonefrite, insuficiência renal aguda, plaquetopenia, necessidade de transfusão de hemoderivados ou realização de laparotomia); tempo de internamento; idade gestacional no parto; via de parto e os tipos dos critérios de near miss materno da OMS.

Com relação à definição dos critérios de near miss materno, adotaram-se aqueles recomendados pela OMS (Quadro 1). Todos os dados foram digitados em arquivos específicos criados no programa Microsoft Excel, versão 2003. A análise estatística foi realizada por meio do programa Epi-Info 3.5.1. Para as variáveis categóricas, realizou-se análise descritiva com estudo de frequência, enquanto que foram calculadas as medidas de tendência central e suas dispersões para as variáveis quantitativas.

RESULTADOS

Foram identificados 255 casos de near miss materno entre as pacientes admitidas na UTI obstétrica do IMIP. No período do estudo, ocorreram 19.940 NV, obtendo-se uma razão de near miss materno de 12,8/1.000 NV. O tempo de internamento variou de cinco a 86 dias, com média de 14,8 ± 10,27.

A idade das participantes esteve entre 14 a 45 anos, com média de 25,6 ± 6,99, e entre elas 57,3% eram pardas, 64,3% possuíam parceiros, 43,2% apresentavam menos de oito anos de estudo e apenas 18,8% eram provenientes do Recife (Tabela 1).

Tabela 1
Características biológicas e sociodemográficas e antecedentes obstétricos dos near miss materno

Quanto aos antecedentes obstétricos, 44,7% das pacientes eram primigestas, 18,8% tinham antecedente de aborto e 20,5% de cesariana prévia (Tabela 1). As principais doenças preexistentes à gravidez foram: hipertensão (6,7%), doenças hematológicas (4%), cardiopatia (2,7%), asma (2%), diabetes (2,4%) e epilepsia (1,2%). Já na análise da assistência pré-natal, apenas 12 (4,9%) não frequentaram o pré-natal e 121 (49,2%) tiveram menos de seis consultas. Cesariana foi a principal via de terminação com 188 casos (76,4%). A mediana da idade gestacional no parto foi de 35 semanas, com 54,5% de partos prematuros.

Os principais distúrbios apresentados pelas participantes do estudo foram: hipertensivos (62,7%), hemorrágicos (53,7%), infecciosos (49%), cardiopatias (4,7%) e tromboembolismo (2,4%). Entre os 160 casos de distúrbios hipertensivos, houve 108 (42,3%) de pré-eclâmpsia grave, 35 de eclâmpsia (13,7%) e 17 (6,7%) de hipertensão arterial crônica agravada pela gestação. A síndrome HELLP ocorreu em 105 (41,2%) participantes.

O distúrbio infeccioso mais frequente foi a endometrite (25,1%), seguido da pneumonia (19,6%), sendo que sepse ocorreu em 16,9% das pacientes. Em relação aos distúrbios hemorrágicos, ocorreram 90 casos (35,3%) de hemorragia pós-parto, 29 (11,4%) de descolamento prematuro da placenta e quatro de acretismo placentário. Houve ainda rotura uterina (três) e placenta prévia (um). Outras complicações e procedimentos realizados nas participantes foram: edema agudo de pulmão (13,7%), transfusão de hemoderivados (65,1%), cateterização de veia central (18,8%), laparotomia (14,5%) e traqueostomia (2,4%).

Os critérios de near miss laboratorial estiveram presentes em 59,6% das participantes, enquanto os clínicos e de manejo ocorreram em 50,2 e 49%, respectivamente (Tabela 2). A maioria das pacientes era gestante (46,7%), quando apresentou algum destes critérios, com uma mediana de apenas um critério por paciente.

Tabela 2
Critérios de near miss materno

Os principais critérios clínicos de near miss materno incluíam: choque (17,6%), frequência respiratória superior a 40ipm (16,5%) e perda da consciência por 12 ou mais horas (13,7%). Por outro lado, os principais critérios laboratoriais foram: contagem de plaquetas menor que 50.000 (32,5%); creatinina superior a 3,5mg/dL (16,1%) e saturação de oxigênio menor que 90% por mais de 60 minutos (10,6%). Entre os critérios de manejo, a intubação orotraqueal (23,5%), a histerectomia (20%) e a transfusão de cinco ou mais concentrados de hemácias (19,2%) foram os mais prevalentes (Tabela 3). Os critérios clínicos e laboratoriais surgiram, principalmente, durante a gestação (42,2 e 57,9%, respectivamente), enquanto que os de manejo ocorreram, especialmente, no puerpério (45,6%).

Tabela 3
Critérios de near miss materno apresentados pelas mulheres admitidas na unidade de terapia intensiva obstétrica

Entre os indicadores propostos pela OMS para monitorar a qualidade dos cuidados obstétricos estão o Índice de Mortalidade (número de mortes maternas dividida pelo número de mulheres com condições ameaçadoras de vida, expresso em porcentagem) e a taxa near miss materno/mortalidade materna (proporção entre os casos de near miss materno e morte materna).(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.) Neste estudo, esses indicadores foram de 18% e 4,5:1, respectivamente; uma vez que o número de mortes maternas entre as pacientes admitidas na UTI obstétrica do IMIP no período do estudo foi de 56.

DISCUSSÃO

A incidência de near miss materno descrita na literatura varia, amplamente, entre 0,7 a 101,7 casos por 1.000 partos.(1010 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Serruya SJ. Revisão sistemática sobre morbidade materna near miss. Cad Saúde Pública. 2006; 22(2):255-64.,1414 Say L, Pattinson RC, Gülmezoglu AM. WHO systematic review of maternal morbidity and mortality: the prevalence of severe acute maternal morbidity (near miss). Reprod Health. 2004;1(1):3.,1515 Tunçalp O, Hindin MJ, Souza JP, Chou D, Say L. The prevalence of maternal near miss: a systematic review. BJOG. 2012;119(6):653-61.) Em uma pesquisa de saúde demográfica brasileira, realizada em 2006, com mais de 5.000 mulheres, que adotou os critérios de Mantel e Waterstone, esta razão foi de 21,1/1.000 NV, acima daquela encontrada em nosso estudo, que foi de 12,8/1.000 NV.(1212 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Lago TG, Pacagnella RC, et al. Maternal morbidity and near miss in the community: findings from the 2006 Brazilian demographic health survey. BJOG. 2010;117(13):1586-92.) Tal diferença se deve, em parte, aos diferentes tipos de critérios utilizados.(1010 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Serruya SJ. Revisão sistemática sobre morbidade materna near miss. Cad Saúde Pública. 2006; 22(2):255-64.) Com a uniformização dos critérios de near miss materno propostos pela OMS, esta ampla variação poderá ser reduzida, permitindo, assim, comparações mais fidedignas.(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.) Em outros dois estudos brasileiros que adotaram a nova classificação da OMS, a razão já foi de 9,35 e 13,5/1.000 NV, próxima ao resultado encontrado em nosso estudo.(1111 Cecatti JG, Souza JP, Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Souza MH, Say L, et al. Pre-validation of the WHO organ dysfunction based criteria for identification of maternal near miss. Reprod Health. 2011;8:22.,1616 Morse ML, Fonseca SC, Gottgtroy CL, Waldmann CS, Gueller E. Morbidade materna grave e near misses em hospital de referência regional. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(2):310-22.) Vale ainda destacar que a OMS recomenda usar, para o cálculo da razão de near miss materno, NV no denominador e não mais o número de partos, como relatado em pesquisas anteriores.(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.)

Alguns estudos caracterizam o near miss materno como um problema de mulheres com idade mais avançada, solteiras e primigestas.(8Waterstone M, Bewley S, Wolfe C. Incidence and predictors of severe obstetric morbidity: case-control study. BMJ. 2001;322(7294):1089-93; discussion 1093-4.,1212 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Lago TG, Pacagnella RC, et al. Maternal morbidity and near miss in the community: findings from the 2006 Brazilian demographic health survey. BJOG. 2010;117(13):1586-92.,1616 Morse ML, Fonseca SC, Gottgtroy CL, Waldmann CS, Gueller E. Morbidade materna grave e near misses em hospital de referência regional. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(2):310-22.) Nesta pesquisa, a porcentagem de pacientes com mais de 35 anos (11,8%), sem parceiros (18,8%) e primigesta (44,7%) foi semelhante àquela encontrada em um estudo multicêntrico com quase 3.000 casos (14,1, 23,6 e 36%, respectivamente).(2Souza JP, Cecatti JG, Faundes A, Morais SS, Villar J, Carroli G, Gulmezoglu M, Wojdyla D, Zavaleta N, Donner A, Velazco A, Bataglia V, Valladares E, Kublickas M, Acosta A; World Health Organization 2005 Global Survey on Maternal and Perinatal Health Research Group. Maternal near miss and maternal death in the World Health Organization’s 2005 global survey on maternal and perinatal health. Bull World Health Organ. 2010;88(2):113-9.) O mesmo estudo ainda identificou uma associação independente e positiva entre esses três fatores e a ocorrência de near miss.(2Souza JP, Cecatti JG, Faundes A, Morais SS, Villar J, Carroli G, Gulmezoglu M, Wojdyla D, Zavaleta N, Donner A, Velazco A, Bataglia V, Valladares E, Kublickas M, Acosta A; World Health Organization 2005 Global Survey on Maternal and Perinatal Health Research Group. Maternal near miss and maternal death in the World Health Organization’s 2005 global survey on maternal and perinatal health. Bull World Health Organ. 2010;88(2):113-9.)

Em outra pesquisa brasileira, retrospectiva e do banco de dados, que incluiu mais de 5.000 mulheres das cinco regiões do país, o risco de near miss materno foi quase duas vezes superior entre mulheres com mais de 40 anos e baixa escolaridade.(1212 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Lago TG, Pacagnella RC, et al. Maternal morbidity and near miss in the community: findings from the 2006 Brazilian demographic health survey. BJOG. 2010;117(13):1586-92.) No presente estudo, a frequência de mulheres com menos de oito anos de estudo (43,2%) foi um pouco inferior àquela encontrada naquela pesquisa (54,5%).(1212 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Lago TG, Pacagnella RC, et al. Maternal morbidity and near miss in the community: findings from the 2006 Brazilian demographic health survey. BJOG. 2010;117(13):1586-92.) Desta forma, parece realmente existir uma tendência para uma maior associação do near miss entre mulheres mais velhas, solteiras, primigestas e com baixa escolaridade.

Apesar de não estar demonstrada a associação entre near miss materno e o local de residência, chama atenção em nosso estudo a elevada porcentagem de mulheres provenientes de municípios do interior do estado.(1212 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Lago TG, Pacagnella RC, et al. Maternal morbidity and near miss in the community: findings from the 2006 Brazilian demographic health survey. BJOG. 2010;117(13):1586-92.) Isso provavelmente reflete a precariedade da assistência prestada nestas localidades e a necessidade de melhorias, que podem ser alcançadas com a organização de uma assistência regional e a descentralização do atendimento de pré-natal e parto de alto risco, fornecendo a essas regiões equipamentos, exames complementares, medicamentos e profissionais especializados.

A porcentagem de pacientes que não realizou pré-natal foi baixa, menor do que a encontrada em um estudo, retrospectivo, realizado no Recife, em 2007 (9,7%).(1717 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Serruya SJ, Amaral E. Appropriate criteria for identification of near-miss maternal morbidity in tertiary care facilities: a cross sectional study. BMC Pregnancy Childbirth. 2007;7:20.) Isso demonstra a expansão da assistência pré-natal e sugere uma melhora no alcance à população. No entanto, indica uma baixa qualidade destes serviços, já que, apesar da maioria das mulheres terem tido acesso a consultas de pré-natal, quase metade delas apresentou near miss. Pesquisar apenas o número de consultas pode ter se tornado um ato inadequado para avaliar a assistência pré-natal; outras variáveis, como o momento do início do pré-natal, o número de exames realizados ou o preenchimento adequado do cartão de pré-natal, podem ser utilizadas futuramente.

Em um trabalho na Itália, retrospectivo e observacional, com mais de 1.200 casos de near miss materno e outro da OMS, transversal e multicêntrico, com quase 3.000, a cesariana foi a principal via de parto com frequência de 70 e 59,5%, respectivamente, semelhante ao que foi encontrado neste estudo (76,4%).(2Souza JP, Cecatti JG, Faundes A, Morais SS, Villar J, Carroli G, Gulmezoglu M, Wojdyla D, Zavaleta N, Donner A, Velazco A, Bataglia V, Valladares E, Kublickas M, Acosta A; World Health Organization 2005 Global Survey on Maternal and Perinatal Health Research Group. Maternal near miss and maternal death in the World Health Organization’s 2005 global survey on maternal and perinatal health. Bull World Health Organ. 2010;88(2):113-9.,1818 Donati S, Senatore S, Ronconi A; Regional Maternal Mortality Working Group. Obstetric near-miss cases among women admitted to intensive care units in Italy. Acta Obstet Gynecol Scand. 2012;91(4):452-7.) Alguns autores consideram a cesariana como um fator que aumenta em até cinco vezes a chance de uma mulher tornar-se um caso de near miss; no entanto, esta associação pode sofrer a influência de fatores de confusão.(1919 Zanette E, Parpinelli MA, Surita FG, Costa ML, Haddad SM, Sousa ML, E Silva JL, Souza JP, Cecatti JG; Brazilian Network for Surveillance of Severe Maternal Morbidity Group. Maternal near miss and death among women with severe hypertensive disorders: a Brazilian multicenter surveillance study. Reprod Health. 2014;11(1):4.,2020 van Dillen J, Zwart JJ, Schutte J, Bloemenkamp KW, van Roosmalen J. Severe acute maternal morbidity and mode of delivery in the Netherlands. Acta Obstet Gynecol Scand. 2010;89(11):1460-5.) Diante disso, ainda é questionado se a cesariana é um fator de risco para near miss, ou se é, na verdade, uma consequência desta condição.(2Souza JP, Cecatti JG, Faundes A, Morais SS, Villar J, Carroli G, Gulmezoglu M, Wojdyla D, Zavaleta N, Donner A, Velazco A, Bataglia V, Valladares E, Kublickas M, Acosta A; World Health Organization 2005 Global Survey on Maternal and Perinatal Health Research Group. Maternal near miss and maternal death in the World Health Organization’s 2005 global survey on maternal and perinatal health. Bull World Health Organ. 2010;88(2):113-9.,2020 van Dillen J, Zwart JJ, Schutte J, Bloemenkamp KW, van Roosmalen J. Severe acute maternal morbidity and mode of delivery in the Netherlands. Acta Obstet Gynecol Scand. 2010;89(11):1460-5.) Outro estudo multicêntrico ainda postula que os altos índices de cesarianas podem ser aceitáveis entre tais pacientes, em função de urgência para a resolução da gestação e as condições cervicais ou fetais desfavoráveis.(1919 Zanette E, Parpinelli MA, Surita FG, Costa ML, Haddad SM, Sousa ML, E Silva JL, Souza JP, Cecatti JG; Brazilian Network for Surveillance of Severe Maternal Morbidity Group. Maternal near miss and death among women with severe hypertensive disorders: a Brazilian multicenter surveillance study. Reprod Health. 2014;11(1):4.)

Por outro lado, a cesariana pode resultar em repercussões em uma próxima gravidez, sendo reconhecidamente um fator de risco independente para a morbidade materna.(2121 Villar J, Valladares E, Wojdyla D, Zavaleta N, Carroli G, Velazco A, Shah A, Campodónico L, Bataglia V, Faundes A, Langer A, Narváez A, Donner A, Romero M, Reynoso S, de Pádua KS, Giordano D, Kublickas M, Acosta A; WHO 2005 global survey on maternal and perinatal health research group. Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes: the 2005 WHO global survey on maternal and perinatal health in Latin America. Lancet. 2006;367(9535):1819-29. Erratum in Lancet. 2006;368(9535):580.) Em nosso estudo, o antecedente de cesariana em uma gestação prévia foi de 20,5%, muito próximo ao encontrado em uma pesquisa da OMS (18,2%), que evidenciou uma associação independente e positiva entre o antecedente de cesárea e a ocorrência de near miss (OR ajustado = 1,63; IC 95% = 1,47 - 1,81).(2Souza JP, Cecatti JG, Faundes A, Morais SS, Villar J, Carroli G, Gulmezoglu M, Wojdyla D, Zavaleta N, Donner A, Velazco A, Bataglia V, Valladares E, Kublickas M, Acosta A; World Health Organization 2005 Global Survey on Maternal and Perinatal Health Research Group. Maternal near miss and maternal death in the World Health Organization’s 2005 global survey on maternal and perinatal health. Bull World Health Organ. 2010;88(2):113-9.)

A pré-eclâmpsia grave foi o principal diagnóstico associado ao near miss, coincidindo com os achados de outros estudos brasileiros.(1111 Cecatti JG, Souza JP, Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Souza MH, Say L, et al. Pre-validation of the WHO organ dysfunction based criteria for identification of maternal near miss. Reprod Health. 2011;8:22.,1717 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Serruya SJ, Amaral E. Appropriate criteria for identification of near-miss maternal morbidity in tertiary care facilities: a cross sectional study. BMC Pregnancy Childbirth. 2007;7:20.,1919 Zanette E, Parpinelli MA, Surita FG, Costa ML, Haddad SM, Sousa ML, E Silva JL, Souza JP, Cecatti JG; Brazilian Network for Surveillance of Severe Maternal Morbidity Group. Maternal near miss and death among women with severe hypertensive disorders: a Brazilian multicenter surveillance study. Reprod Health. 2014;11(1):4.) Em contrapartida, ele se difere de pesquisas realizadas em países desenvolvidos, nos quais a hemorragia aparece em primeiro lugar.(1919 Zanette E, Parpinelli MA, Surita FG, Costa ML, Haddad SM, Sousa ML, E Silva JL, Souza JP, Cecatti JG; Brazilian Network for Surveillance of Severe Maternal Morbidity Group. Maternal near miss and death among women with severe hypertensive disorders: a Brazilian multicenter surveillance study. Reprod Health. 2014;11(1):4.,2222 Zhang WH, Alexander S, Bouvier-Colle MH, Macfarlane A; MOMS-B Group. Incidence of severe pre-eclampsia, postpartum haemorrhage and sepsis as a surrogate marker for severe maternal morbidity in a European population-based study: the MOMS-B survey. BJOG. 2005;112(1):89-96.) A principal causa de morte materna no Brasil também são as síndromes hipertensivas, o que denota a gravidade destas situações e a sua contribuição na morbimortalidade de mulheres no ciclo gravídico puerperal.(2323 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual dos comitês de mortalidade materna. 3a ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2007. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/comites_mortalidade_materna_3ed.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
)

Os distúrbios hemorrágicos foram a segunda complicação mais frequente entre os casos de near miss, ao mesmo tempo em que o principal procedimento realizado foi a hemotransfusão (65,1%), o que foi semelhante ao encontrado em um estudo holandês (66,2%) e em uma pesquisa no Recife (66,2%).(1717 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Serruya SJ, Amaral E. Appropriate criteria for identification of near-miss maternal morbidity in tertiary care facilities: a cross sectional study. BMC Pregnancy Childbirth. 2007;7:20.,2424 Keizer JL, Zwart JJ, Meerman RH, Harinck BI, Feuth HD, van Roosmalen J. Obstetric intensive care admissions: a 12-year review in a tertiary care centre. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2006;128(1-2):152-6.) Esse fato pode ser explicado pelos inúmeros fatores de risco para hemorragia puerperal, apresentados pelas pacientes com near miss, tais como: pré-eclâmpsia, cesariana, infecção intrauterina, entre outros.(2525 American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Practice Bulletin: Clinical Management Guidelines for Obstetrician-Gynecologists Number 76, October 2006: postpartum hemorrhage. Obstet Gynecol. 2006;108(4):1039-47.,2626 Lotufo FA, Parpinelli MA, Haddad SM, Surita FG, Cecatti JG. Applying the new concept of maternal near-miss in an intensive care unit. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(3):225-30.)

A sepse ocorreu em 16,9% das pacientes, porém em outro estudo brasileiro, seu resultado foi de 23,7%.(2727 Sousa MH, Cecatti JG, Hardy EE, Serruya SJ. Severe maternal morbidity (near miss) as a sentinel event of maternal death. An attempt to use routine data for surveillance. Reprod Health. 2008;5:6.) Apesar dessa enfermidade não aparecer entre as complicações mais frequentes, muitos estudos consideram-na como detentora de um maior índice de mortalidade (7,4%), superando os distúrbios hemorrágicos (2,8%) e hipertensivos (0,4%).(2828 Almerie Y, Almerie MQ, Matar HE, Shahrour Y, Al Chamat AA, Abdulsalam A. Obstetric near-miss and maternal mortality in maternity university hospital, Damascus, Syria: a retrospective study. BMC Pregnancy and Childbirth. 2010;10:65.,2929 Rööst M, Altamirano VC, Liljestrand J, Essén B. Priorities in emergency obstetric care in Bolivia--maternal mortality and near-miss morbidity in metropolitan La Paz. BJOG. 2009;116(9):1210-7.)

Com relação aos critérios de near miss, o mais frequente foi o laboratorial, seguido do clínico e de manejo. Em um estudo retrospectivo, de cinco anos, realizado na cidade de Campinas, com 194 casos de near miss, que adotou apenas os critérios laboratoriais e de manejo, o mais comum foi o de manejo, com necessidade de ventilação mecânica em quase metade (49,6%) das pacientes com near miss.(1111 Cecatti JG, Souza JP, Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Souza MH, Say L, et al. Pre-validation of the WHO organ dysfunction based criteria for identification of maternal near miss. Reprod Health. 2011;8:22.) Já em nosso estudo, a ventilação mecânica foi necessária em menos de um quarto dos casos. Isso pode ser atribuído às diferenças locais na acessibilidade aos recursos e intervenções.(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.) Essa é uma das desvantagens dos critérios baseados apenas no manejo, pois demandam uma estrutura hospitalar e laboratorial de maior complexidade.(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.)

Dentre todos os critérios de near miss materno, o mais prevalente foi a trombocitopenia aguda, possivelmente em função da elevada frequência de síndrome HELLP. Ela reconhecidamente aumenta o risco de óbito materno, e um atraso em seu reconhecimento pode expor a mulher às condições ameaçadoras de vida.(3030 Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Cecatti JG, Souza JP, Sousa MH. Factors associated with maternal death in women admitted to an intensive care unit with severe maternal morbidity. Int J Gynecol Obstet. 2009;105(3):252-6.) A contagem de plaquetas é um exame de baixo custo e acessível, podendo ser solicitado para a identificação precoce desses casos.

Os principais critérios clínicos de near miss materno observados foram: choque, frequência respiratória superior a 40ipm e perda da consciência por 12 ou mais horas. Tais características se diferem do que foi observado no estudo de Morse, no qual encontrou-se oligúria, choque e distúrbio da coagulação como as mais frequentes.(1616 Morse ML, Fonseca SC, Gottgtroy CL, Waldmann CS, Gueller E. Morbidade materna grave e near misses em hospital de referência regional. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(2):310-22.) Estudos com casuísticas maiores são necessários para possíveis comparações. Uma vantagem desses critérios é que não necessitam de estrutura laboratorial ou hospitalar de grande complexidade, e podem ser aplicados em unidades hospitalares de baixa complexidade. Vale ressaltar ainda que, em um estudo de validação dos critérios da OMS para definição de near miss materno, os critérios clínicos não foram testados, apenas o de manejo e o laboratorial foram validados.(1111 Cecatti JG, Souza JP, Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Souza MH, Say L, et al. Pre-validation of the WHO organ dysfunction based criteria for identification of maternal near miss. Reprod Health. 2011;8:22.) A mesma pesquisa ainda aponta a necessidade de estudos para validação específica dos critérios clínicos.(1111 Cecatti JG, Souza JP, Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Souza MH, Say L, et al. Pre-validation of the WHO organ dysfunction based criteria for identification of maternal near miss. Reprod Health. 2011;8:22.)

Nas mulheres participantes do estudo, o parto prematuro ocorreu em mais da metade dos casos. Essa elevada taxa de prematuridade, também observada em um estudo de Campinas (65%), pode ser explicada pelas graves situações vivenciadas por estas pacientes, as quais podem comprometer o feto e necessitam, na maior parte dos casos, de resolução imediata.(1717 Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Serruya SJ, Amaral E. Appropriate criteria for identification of near-miss maternal morbidity in tertiary care facilities: a cross sectional study. BMC Pregnancy Childbirth. 2007;7:20.)

Pode-se aliar ao estudo do near miss materno o uso de indicadores que facilitam a comparação entre serviços, países e tempo.(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.) O índice de mortalidade e a proporção entre casos de near miss e óbitos maternos foram elevados neste estudo. A cada 4,5 casos de near miss materno, ocorreu um óbito materno, indicando que muitas mulheres com condições ameaçadoras de vida morrem; portanto, melhorias na assistência à gestação, ao parto ou ao puerpério ainda são necessárias.(3030 Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Cecatti JG, Souza JP, Sousa MH. Factors associated with maternal death in women admitted to an intensive care unit with severe maternal morbidity. Int J Gynecol Obstet. 2009;105(3):252-6.) O caminho para isso passa pelo estudo das mulheres que estiveram próximas de morrer e sobreviveram e pelo estudo do near miss materno.(1Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.,3030 Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Cecatti JG, Souza JP, Sousa MH. Factors associated with maternal death in women admitted to an intensive care unit with severe maternal morbidity. Int J Gynecol Obstet. 2009;105(3):252-6.)

Podem ser apontadas como limitações do estudo o não seguimento prospectivo das pacientes, que poderia trazer mais informações e diminuir as perdas, assim como o fato dos dados terem sidos coletados de prontuários, o que não permitiu identificar alguns critérios de near miss, como gasping, presença de cianose e dosagem do lactato. No entanto, este desenho de estudo permitiu incluir um número razoável dos casos de near miss, assunto de interesse de saúde pública, diretamente ligado à redução das mortes maternas.

Este estudo permitiu conhecer e caracterizar a população de mulheres admitidas na unidade de terapia intensiva obstétrica do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira que apresentam near miss materno, sendo o primeiro passo para ajudar a identificar os fatores relacionados a essas situações ameaçadoras da vida. Estudos multicêntricos, que envolvem um maior número de casos e adotem os critérios estabelecidos pela OMS para near miss materno, podem ir além e permitirem o desenvolvimento de medidas preventivas.

CONCLUSÕES

O presente estudo evidenciou, entre as pacientes com near miss materno, uma frequência elevada de mulheres com baixa escolaridade, primigestas e com antecedentes de cesariana. Pode-se ainda determinar o critério mais frequente de near miss, o laboratorial, e a elevada prevalência de partos prematuros entre essas mulheres. Além disso, com a adoção dos novos critérios de near miss materno da Organização Mundial da Saúde, constatou-se que os distúrbios hipertensivos da gestação continuam sendo o diagnóstico mais frequente entre tais casos.

  • Editor responsável: Jorge Ibrain Figueira Salluh

REFERÊNCIAS

  • 1
    Say L, Souza JP, Pattinson RC; WHO working group on Maternal Mortality and Morbidity classifications. Maternal near miss-towards a standard tool for monitoring quality of maternal health care. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2009;23(3):287-96.
  • 2
    Souza JP, Cecatti JG, Faundes A, Morais SS, Villar J, Carroli G, Gulmezoglu M, Wojdyla D, Zavaleta N, Donner A, Velazco A, Bataglia V, Valladares E, Kublickas M, Acosta A; World Health Organization 2005 Global Survey on Maternal and Perinatal Health Research Group. Maternal near miss and maternal death in the World Health Organization’s 2005 global survey on maternal and perinatal health. Bull World Health Organ. 2010;88(2):113-9.
  • 3
    Penney G, Brace V. Near miss audit in obstetrics. Curr Opin Obstet Gynecol. 2007;19(2):145-50.
  • 4
    Lewis G. Beyond the numbers: reviewing maternal deaths and complications to make pregnancy safer. Br Med Bull. 2003;67:27-37.
  • 5
    Nashef SA. What is a near miss? Lancet. 2003;361(9352):180-1.
  • 6
    Stones W, Lim W, Al-Azzawi F, Kelly M. An investigation of maternal morbidity with identification of life-threatening ‘near miss’ episodes. Health Trends. 1991;23(1):13-5.
  • 7
    Mantel GD, Buchmann E, Rees H, Pattinson RC. Severe acute maternal morbidity: a pilot study of a definition for near miss. Br J Obstet Gynaecol. 1998;105(9):985-90.
  • 8
    Waterstone M, Bewley S, Wolfe C. Incidence and predictors of severe obstetric morbidity: case-control study. BMJ. 2001;322(7294):1089-93; discussion 1093-4.
  • 9
    Geller SE, Rosenberg D, Cox S, Brown ML, Simonson L, Kilpatrick S. A scoring system to identify near-miss maternal morbidity during pregnancy. J Clin Epidemiol. 2004;57(7):716-20.
  • 10
    Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Serruya SJ. Revisão sistemática sobre morbidade materna near miss. Cad Saúde Pública. 2006; 22(2):255-64.
  • 11
    Cecatti JG, Souza JP, Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Souza MH, Say L, et al. Pre-validation of the WHO organ dysfunction based criteria for identification of maternal near miss. Reprod Health. 2011;8:22.
  • 12
    Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Sousa MH, Lago TG, Pacagnella RC, et al. Maternal morbidity and near miss in the community: findings from the 2006 Brazilian demographic health survey. BJOG. 2010;117(13):1586-92.
  • 13
    Pattinson RC, Hall M. Near misses: a useful adjunct to maternal death enquiries. Br Med Bull. 2003;67:231-43.
  • 14
    Say L, Pattinson RC, Gülmezoglu AM. WHO systematic review of maternal morbidity and mortality: the prevalence of severe acute maternal morbidity (near miss). Reprod Health. 2004;1(1):3.
  • 15
    Tunçalp O, Hindin MJ, Souza JP, Chou D, Say L. The prevalence of maternal near miss: a systematic review. BJOG. 2012;119(6):653-61.
  • 16
    Morse ML, Fonseca SC, Gottgtroy CL, Waldmann CS, Gueller E. Morbidade materna grave e near misses em hospital de referência regional. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(2):310-22.
  • 17
    Souza JP, Cecatti JG, Parpinelli MA, Serruya SJ, Amaral E. Appropriate criteria for identification of near-miss maternal morbidity in tertiary care facilities: a cross sectional study. BMC Pregnancy Childbirth. 2007;7:20.
  • 18
    Donati S, Senatore S, Ronconi A; Regional Maternal Mortality Working Group. Obstetric near-miss cases among women admitted to intensive care units in Italy. Acta Obstet Gynecol Scand. 2012;91(4):452-7.
  • 19
    Zanette E, Parpinelli MA, Surita FG, Costa ML, Haddad SM, Sousa ML, E Silva JL, Souza JP, Cecatti JG; Brazilian Network for Surveillance of Severe Maternal Morbidity Group. Maternal near miss and death among women with severe hypertensive disorders: a Brazilian multicenter surveillance study. Reprod Health. 2014;11(1):4.
  • 20
    van Dillen J, Zwart JJ, Schutte J, Bloemenkamp KW, van Roosmalen J. Severe acute maternal morbidity and mode of delivery in the Netherlands. Acta Obstet Gynecol Scand. 2010;89(11):1460-5.
  • 21
    Villar J, Valladares E, Wojdyla D, Zavaleta N, Carroli G, Velazco A, Shah A, Campodónico L, Bataglia V, Faundes A, Langer A, Narváez A, Donner A, Romero M, Reynoso S, de Pádua KS, Giordano D, Kublickas M, Acosta A; WHO 2005 global survey on maternal and perinatal health research group. Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes: the 2005 WHO global survey on maternal and perinatal health in Latin America. Lancet. 2006;367(9535):1819-29. Erratum in Lancet. 2006;368(9535):580.
  • 22
    Zhang WH, Alexander S, Bouvier-Colle MH, Macfarlane A; MOMS-B Group. Incidence of severe pre-eclampsia, postpartum haemorrhage and sepsis as a surrogate marker for severe maternal morbidity in a European population-based study: the MOMS-B survey. BJOG. 2005;112(1):89-96.
  • 23
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual dos comitês de mortalidade materna. 3a ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2007. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/comites_mortalidade_materna_3ed.pdf.
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/comites_mortalidade_materna_3ed.pdf
  • 24
    Keizer JL, Zwart JJ, Meerman RH, Harinck BI, Feuth HD, van Roosmalen J. Obstetric intensive care admissions: a 12-year review in a tertiary care centre. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2006;128(1-2):152-6.
  • 25
    American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Practice Bulletin: Clinical Management Guidelines for Obstetrician-Gynecologists Number 76, October 2006: postpartum hemorrhage. Obstet Gynecol. 2006;108(4):1039-47.
  • 26
    Lotufo FA, Parpinelli MA, Haddad SM, Surita FG, Cecatti JG. Applying the new concept of maternal near-miss in an intensive care unit. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(3):225-30.
  • 27
    Sousa MH, Cecatti JG, Hardy EE, Serruya SJ. Severe maternal morbidity (near miss) as a sentinel event of maternal death. An attempt to use routine data for surveillance. Reprod Health. 2008;5:6.
  • 28
    Almerie Y, Almerie MQ, Matar HE, Shahrour Y, Al Chamat AA, Abdulsalam A. Obstetric near-miss and maternal mortality in maternity university hospital, Damascus, Syria: a retrospective study. BMC Pregnancy and Childbirth. 2010;10:65.
  • 29
    Rööst M, Altamirano VC, Liljestrand J, Essén B. Priorities in emergency obstetric care in Bolivia--maternal mortality and near-miss morbidity in metropolitan La Paz. BJOG. 2009;116(9):1210-7.
  • 30
    Oliveira Neto AF, Parpinelli MA, Cecatti JG, Souza JP, Sousa MH. Factors associated with maternal death in women admitted to an intensive care unit with severe maternal morbidity. Int J Gynecol Obstet. 2009;105(3):252-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2015
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2015
  • Aceito
    25 Maio 2015
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br