RESUMO
O transplante de órgãos é a única alternativa para muitos pacientes portadores de algumas doenças terminais. Ao mesmo tempo, é preocupante a crescente desproporção entre a alta demanda por transplantes de órgãos e o baixo índice de transplantes efetivados. Dentre as diferentes causas que alimentam essa desproporção, estão os equívocos na identificação do potencial doador de órgãos e as contraindicações mal atribuídas pela equipe assistente. Assim, o presente documento pretende fornecer subsídios à equipe multiprofissional da terapia intensiva para o reconhecimento, a avaliação e a validação do potencial doador de órgãos.
ABSTRACT
Organ transplantation is the only alternative for many patients with terminal diseases. The increasing disproportion between the high demand for organ transplants and the low rate of transplants actually performed is worrisome. Some of the causes of this disproportion are errors in the identification of potential organ donors and in the determination of contraindications by the attending staff. Therefore, the aim of the present document is to provide guidelines for intensive care multi-professional staffs for the recognition, assessment and acceptance of potential organ donors.
INTRODUÇÃO
O transplante de órgãos é, em muitos casos, a única alternativa terapêutica em pacientes portadores de insuficiência funcional terminal de diferentes órgãos essenciais. Observa-se, no Brasil e em outros países, uma preocupante desproporção entre a demanda de órgãos para transplante e o número de transplantes efetivados.
Há, neste sentido, grande mobilização das autoridades médicas brasileiras para que as discrepâncias entre demanda e oferta de órgãos sejam minimizadas. Verifica-se que muitos dos problemas de oferta estão associados a falhas nos processos de reconhecimento da morte encefálica, de entrevista familiar, da manutenção clínica do doador falecido e de contraindicações mal atribuídas. Embora pareçam óbvias as medidas a serem tomadas, não se observa, em grande parte das unidades de terapia intensiva (UTI) brasileiras, a devida valorização do problema, fato evidenciado pela ausência quase absoluta da sistematização do atendimento ao potencial doador de múltiplos órgãos. Trata-se de algo que suplanta a esfera técnica, uma questão humanitária e de cidadania de todos os atores envolvidos na manutenção do potencial doador falecido, dentre os quais o intensivista, que deve exercer papel de liderança. A carência de evidências mais robustas sobre o tema ressalta a importância de orientações formais (ainda que meramente consensuais em muitos aspectos) para que se proporcione o mínimo de homogeneidade na condução de protocolos de avaliação e validação do potencial doador em morte encefálica. Diante da fragilidade das evidências, é importante salientar a possibilidade de divergências em relação a orientações emanadas do Conselho Federal de Medicina (CFM). Nesses casos, deve ser seguido o que foi estabelecido pelo CFM.
A presente diretriz aborda aspectos essenciais do protocolo de avaliação e validação do potencial doador em morte encefálica, e tem o propósito de fornecer subsídios para realização do diagnóstivo da morte encefálica e a definição da eligibilidade dos potenciais doadores de múltiplos órgãos.
O objetivo desta diretriz foi contribuir com a terapia intensiva e as coordenações institucionais de transplantes, de forma a nortear e a uniformizar os cuidados prestados ao doador falecido, buscando otimizar quantitativa e qualitativamente os transplantes de órgãos com medidas aplicáveis à realidade brasileira.
METODOS
A partir de ampla pesquisa da literatura realizada pela Comissão de Redação e Planejamento, constituída por médicos da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), formularam-se questões preliminares enviadas a todos os autores, como ponto de partida para sugestões, substituições e elaboração de novas perguntas. As questões formuladas foram revisadas pela Comissão Executiva e encaminhadas aos autores para o desenvolvimento do texto.
As fontes primárias de consulta foram as bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Embase e MEDLINE®, por meio do acesso ao serviço PubMed de Pesquisa Bibliográfica em Publicações Médicas. As buscas foram direcionadas para atender perguntas estruturadas na metodologia PICO (Population, Intervention, Comparison, Outcome). Pela interface Medical Subject Heading (MeSH), inseriram-se os descritores da seguinte forma: (potential brain-death donor OR brain death diagnosis OR brain death definitions OR brain death criteria AND consensus), (potential brain-death donor OR brain death diagnosis AND clinical test OR ancillary test), (organ donor OR potential brain-death donor AND mechanical ventilation OR strategies of ventilation OR apnea test), (potential brain-death donor OR brain death diagnosis AND lazarus phenomenon OR lazarus sign), (potential brain-death donor OR brain death diagnosis AND sedation OR sedatives OR drugs OR neuromuscular blockers OR anesthetics OR neurologic depressors), (potential brain-death donor OR expanded criteria donors), (potential brain-death donor OR clinical evaluation AND expanded criteria donors OR expanding the donor pool), (potential brain-death donor OR organ donation AND increased infectious risk donors OR infectious disease OR virus transmisson OR bacterial transmission OR fungal transmission), (potential brain-death donor OR organ donation AND tumoral disease OR cancer AND neoplasia), (potential brain-death donor OR organ donation AND older adults OR aging), (organ donor OR lung transplantation AND contraindications AND expanded criteria donors), (organ donor OR kidney transplantation AND contraindications AND expanded criteria donors), (organ donor OR liver transplantation AND contraindications AND expanded criteria donors OR expanding the donor pool), (brain-death OR organ donor AND renal donation), (renal function AND brain-death organ donation), (brain-death organ donor AND kidney transplantation), (organ transplantation OR donor kidneys OR management donor kidneys), (transplantability AND liver OR hepatic AND donor), (cadaveric donor AND timing AND liver transplantation), (expanding the donor pool AND liver OR marginal donor liver AND outcome OR extended criteria donor AND MELD), (deceased cardiac donor AND cardiac transplantation AND contraindications AND expanded criteria donors OR expanding the donor pool).
Considerando a natureza do presente documento, também foram consideradas como fontes bibliográficas leis, decretos, portarias e resoluções. As referências encontradas foram analisadas criticamente e categorizadas conforme força de evidência e de acordo com o que foi sugerido pelo Projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira (AMB) e do CFM (Quadro 1).
Os temas foram divididos em quatro subgrupos: (1) conceitos e rastreamento de possíveis doadores, (2) diagnóstico da morte encefálica, (3) critérios para seleção do potencial doador e (4) contraindicações órgão-específicas.
Os textos gerados a partir das perguntas foram organizados pela Comissão de Redação e Planejamento, submetidos à revisão da Comissão Executiva e devolvidos aos autores para revisão. O texto integral foi finalizado e distribuído a todos os membros da diretriz e discutido em duas reuniões plenárias realizadas em maio e em outubro de 2015.
Os coordenadores apresentaram as recomendações que foram submetidas à discussão. Considerando a baixa força de evidência de boa parte das recomendações, agregou-se a definição do grau de recomendação de acordo com o sistema Grading of Recommendation, Assessment, Development and Evaluation (GRADE) (Quadro 1). Este sistema classifica a qualidade das recomendações como forte (deve ser feito), fraca (talvez deva ser feito) e inespecífica (não há vantagens nem desvantagens). Uma recomendação forte em favor de uma intervenção reflete os efeitos desejáveis e compensam claramente os efeitos indesejáveis. A recomendação fraca em favor de uma intervenção indica que os efeitos desejáveis da adesão provavelmente serão superiores aos indesejáveis, mas o grupo não está confiante sobre isso, quer porque algumas das provas são de baixa qualidade ou porque são necessários mais estudos sobre o tema. A recomendação inespecífica considera que os benefícios e desvantagens estão equilibrados, devendo ser avaliada caso a caso. Recomendações fortes deverão ser interpretadas como "recomendamos" e recomendações fracas, como "sugerimos".
PARTE 1: CONCEITOS E RASTREAMENTO DE POSSÍVEIS DOADORES
1. Como definir morte encefálica?
Comentário - Morte encefálica é definida como a perda irreversível de todas as funções encefálicas, incluindo as funções de tronco encefálico (D).(1-6) Morte encefálica equivale à morte, apesar da manutenção dos batimentos cardíacos e das funções da medula espinhal (D).(1) A determinação da morte encefálica requer a confirmação da perda irreversível da consciência, reflexos de tronco encefálico e da capacidade para respirar (D).(5)
Recomendação - Morte encefálica é definida pela perda irreversível das funções do encéfalo (cérebro e tronco encefálico), manifestada por coma aperceptivo, ausência dos reflexos de tronco encefálico e apneia (D). Recomendação Forte.
2. Quais os critérios e a nomenclatura que definem um paciente com possibilidades de se tornar um doador de órgãos e tecidos?
Comentário: As causas mais frequentes de morte encefálica são o traumatismo cranioencefálico (TCE) e o acidente vascular encefálico (AVE) que somam mais de 90% de todos os potenciais doadores. Outras causas incluem tumores cerebrais, infecções do sistema nervoso central (SNC) e anoxia pós-parada cardiorrespiratória (B).(7,8) Historicamente, o trauma craniano vinha se apresentando como a principal causa de morte encefálica, no entanto essa situação vem mudando em alguns Estados brasileiros.
Antes da evolução para morte encefálica, no entanto, muitos pacientes apresentam-se na condição de "morte encefálica iminente" e podem evoluir para o status de possível doador de órgãos (D).(9) Essas condições devem ser claramente definidas e reconhecidas nas unidades de atendimento de pacientes graves, sendo importante enfatizar que pacientes nessas condições não estão em morte encefálica e, portanto, devem ter todos os cuidados intensivos mantidos e garantidos até que se confirme quadro de irreversibilidade.
Em 2008, um grupo de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da The Transplantation Society (TTS) unificou a nomenclatura para o processo doação - transplante. Após três encontros, a nova nomenclatura foi apresentada como recomendação da OMS em 2010 (D).(10) Essa unificação foi necessária porque a terminologia era empregada de forma diferente, dificultando a comparação dos resultados entre os países.
A nomenclatura recomendada pela OMS e TTS é a seguinte:
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- Possível doador: paciente que apresenta lesão encefálica grave e necessita de ventilação mecânica (D).(10)
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- Potencial doador: quando a condição clínica é suspeita de preencher os critérios de morte encefálica, ou seja, um paciente é considerado potencial doador a partir do momento que se inicia (abre) o protocolo de morte encefálica.
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- Elegível para a doação: quando se confirma o diagnóstico de morte encefálica e não há contraindicação, conhecida previamente, para doação.
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- Doador efetivo: quando inicia a operação para remoção dos órgãos.
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- Doador com órgãos transplantados: quando pelo menos um dos órgãos removidos é transplantado.
Recomendação: Pacientes com lesão neurológica grave ou morte encefálica devem ser classificados de acordo com a nomenclatura definida pela OMS (D). Recomendação Fraca.
3. Deve haver estratégia de busca sistemática por possíveis doadores ou pacientes em morte encefálica? Quais critérios clínicos são considerados essenciais para essa busca sistemática? Quais os aspectos considerados essenciais no protocolo nesse processo? Quem deve executar tal protocolo?
Comentário: A Terceira Consulta Global sobre Doação e Transplantes da OMS convocou os diferentes países a buscarem a autossuficiência em transplantes (D).(11) Esse documento incluía a maximização de doações a partir da incorporação de protocolos apropriados de cuidados de fim de vida. A convocação da OMS está em consonância com o princípio de que as decisões de cuidados no fim da vida devem ser fundamentadas na avaliação dos interesses do paciente, que vão além das necessidades físicas, para abrangerem questões mais amplas, como aspectos sociais, éticos e morais, incluindo o desejo para doação de órgãos. Programas de doação de sucesso dependem fundamentalmente da identificação e da notificação de todos os potenciais doadores. Desse modo, é igualmente importante que a morte encefálica seja identificada assim que possível para instaurar medidas de manutenção efetivas e mitigar os riscos de recusa familiar (D).(11,12)
Até o ano de 2010, mais da metade dos indivíduos falecidos na condição de morte encefálica no Brasil não era sequer identificada, levando-se em conta uma estimativa subestimada de 70 mortes encefálicas por milhão de população a cada ano. Desde então, pouco mais de 70% têm sido identificados, ou seja, de cada dez mortes encefálicas ocorridas no Brasil, três não são sequer identificadas (C).(13) Resultados semelhantes foram observados na Europa e no Canadá (C)(14) (D).(15) O ACCORD consortium demonstrou que 35% dos pacientes que morrem em decorrência de lesões cerebrais catastróficas em hospitais europeus não são reportados como tal. Consequentemente, qualquer possibilidade de doação de órgãos não foi sequer considerada (D).(14)
Assim, a sistematização da busca de indivíduos em morte encefálica é fundamental para corrigir falhas de identificação (D).(16,17) O processo de identificação de possíveis e potenciais doadores prevê, idealmente, os seguintes aspectos:
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Estabelecer os locais em que os possíveis doadores normalmente são identificados. Todas as unidades hospitalares em que possa haver pacientes com ventilação mecânica invasiva, com ênfase nas unidades de pacientes críticos.
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Conhecer os critérios para identificação de possíveis e potenciais doadores. Identificar e notificar a Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) e a Central de Captação, Notificação e Distribuição de Órgãos e Tecidos do Estado (CNCDO) todos os possíveis doadores que preencham os seguintes critérios: ventilação mecânica, lesão encefálica catastrófica e irreversível de origem conhecida, escala de coma de Glasgow 3, ausência de um ou mais reflexos de tronco (D);(12,18) e todos os pacientes que preencham os critérios de morte encefálica definidos pelo CFM e descritos na questão 4.
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Estabelecer frequência mínima para realização da busca. Frequência mínima de duas vezes ao dia (D).(16,17)
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Identificar lideranças da UTI e da coordenação de transplante que reúnam condições para realizar a sistematização da identificação desses indivíduos. Em instituições onde a coordenação de transplantes esteja consolidada, a busca ativa deve ser realizada por coordenadores de transplante (médicos ou enfermeiros). Nas demais instituições, a busca ativa deve ser realizada por profissionais experientes no manejo de pacientes neurocríticos (D).(16,17) O envolvimento ativo de profissionais de terapia intensiva no processo de doação tem se mostrado fundamental por favorecer a sensibilização da equipe, prover educação e treinamento, e facilitar a interface entre equipe da UTI e coordenação intra-hospitalar de transplantes.
Recomendação: A visita diária deve ser dirigida à identificação de pacientes em morte encefálica e de possíveis doadores com lesão catastrófica irreversível, escala de coma de Glasgow 3 e ausência de 1 ou mais reflexos de tronco (D). Recomendação Forte.
Recomendação: A visita diária para identificar possíveis doadores deve ser realizada sistematicamente pelos coordenadores de transplantes e/ou profissionais responsáveis pelas unidades onde se encontrem pacientes críticos, em todos os setores que possuam ventilador mecânico (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Realizar interrupção diária da sedação, quando não houver contraindicação clínica, e avaliar os possíveis doadores com lesão catastrófica irreversível durante essa interrupção (D). Recomendação Fraca.
Recomendação: Sugere-se que a periodicidade das visitas seja de, no mínimo, duas vezes ao dia (D). Recomendação Fraca.
Recomendação: Notificar todos os potenciais doadores à CIHDOTT ou à Organização de Procura de Órgãos (OPO) ou à CNCDO do seu Estado (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Notificar todos os possíveis doadores com lesão cerebral catastrófica e irreversível, Glasgow 3 e ausência de pelo menos um reflexo de tronco à CIHDOTT ou à OPO ou à CNCDO do seu Estado (D). Recomendação Fraca.
PARTE 2: DIAGNÓSTICO DA MORTE ENCEFÁLICA
4. Quais os critérios clínicos para o diagnóstico de morte encefálica?
Comentário: Para atender o estabelecido na lei 9.434, o CFM aprovou a resolução CFM 1.480 que "estabelece os critérios para caracterização da Morte Encefálica" (D).(18,19) Nela, são definidos critérios, procedimentos e etapas a serem cumpridas para determinação da morte encefálica. Por essa definição legal e ética, o diagnóstico da morte encefálica em nosso país deve seguir estritamente o estabelecido nestes dois documentos legais.
A resolução CFM 1.480 determina, em seu Art. 4º que "Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supraespinal, ausência de reflexos de tronco e apneia" e, em seu anexo "Termo de Declaração de Morte Encefálica" define os "elementos do exame neurológico" que, quando presentes, na ausência de causas reversíveis do coma, comprovam a morte encefálica, o que é por si só incompatível com a vida:
Para confirmação clínica da morte encefálica, é necessário:
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1. Identificação de coma aperceptivo, de etiologia definida, com ausência de movimentos espontâneos e ausência de resposta motora supraespinal mediada por estímulos aplicados em áreas de distribuição de nervos cranianos, em ambos os lados do corpo (D).(2,18-20)
Importante: Alguns indivíduos em morte encefálica podem apresentar reflexos medulares, o que não exclui o diagnóstico (D).(18,20) (Ver questão 10).
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2. Ausência de reflexos de tronco encefálico (D):(2,18-20)
Reflexo pupilar: ausência de contração do músculo circular da pupila em resposta à luz em ambos os olhos, resultando em pupilas fixas de tamanho médio ou dilatadas.
Reflexo corneano: ausência de resposta ao toque das córneas.
Reflexo óculo-cefálico: ausência de motilidade ocular quando da movimentação lateral da cabeça.
Resposta vestíbulo-ocular: ausência de movimento dos olhos diante de prova calórica.
Reflexo de tosse: ausência do reflexo de tosse.
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3. Ausência de movimento respiratório confirmado pelo teste de apneia (D).(2,18,19,21)
Recomendação: Para diagnóstico clínico da morte encefálica é necessário haver coma aperceptivo de causa conhecida, ausência de todos os reflexos de tronco encefálico (pupilar, córneo-palpebral, óculo-cefálico, vestíbulo-ocular, reflexo de tosse) e apneia (D). Recomendação Forte.
5. Como avaliar clinicamente o coma no paciente com suspeita de morte encefálica?
Comentário: Antes da avaliação do coma propriamente dito, alguns pré-requisitos devem ser preenchidos para afastar causas reversíveis de coma (ver questão 10): (1) lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de provocar o quadro; (2) ausência de evidências de intoxicação exógena ou uso de drogas depressoras do SNC; (3) ausência de distúrbios hidroeletrolíticos ou acidobásicos graves, que não sejam consequência da patologia que causou o coma, mas que podem ser a causa do coma; (4) temperatura corporal central idealmente ≥ 35ºC (temperatura sanguínea central ou retal ou vesical ou esofagiana); (5) pressão arterial média (PAM) ≥ 60mmHg ou pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 100mmHg. Paciente em morte encefálica deve apresentar coma aperceptivo com ausência de atividade motora supraespinal acompanhada de ausência de reflexos do tronco encefálico e apneia (D).(2,3,6,22)
O coma deve ser avaliado pela presença ou ausência de resposta motora a estímulos dolorosos padronizados, como pressão sobre o nervo supraorbital e/ou articulação temporomandibular e/ou leito ungueal. O paciente não deve apresentar evidências de resposta motora supraespinal aos estímulos dolorosos, porém reflexos medulares podem estar presentes.
Recomendação: Afastar causas reversíveis de coma e constatar ausência de resposta motora supraespinal a estímulos dolorosos padronizados (pressão sobre o nervo supraorbital e/ou articulação temporomandibular e/ou leito ungueal) (D). Recomendação Forte.
6. Como devem ser testados os reflexos do tronco encefálico?
Comentário: Os reflexos de tronco encefálico devem ser pesquisados conforme abaixo (D):(2,3,6,20,22)
Reflexo pupilar: ausência de resposta à luz documentada em ambos os olhos, usualmente com pupilas fixas de tamanho médio ou dilatadas. Alterações preexistentes na pupila ou cirurgia prévia podem interferir no exame.
Reflexo córneo-palpebral: ausência de resposta ao toque das córneas com dispositivo não traumático à córnea (por exemplo: gota de salina a 0,9% e algodão).
Reflexo óculo-cefálico: certificar-se previamente da integridade da coluna cervical. Manter os olhos do paciente abertos enquanto subitamente gira-se a posição da cabeça para ambos os lados; esse reflexo está ausente quando os olhos se movimentam para o mesmo lado da cabeça sem movimentação dentro da órbita.
Reflexo vestíbulo-ocular: confirmar previamente a integridade da membrana timpânica e que o conduto auditivo externo esteja pérvio. Não se recomenda a realização deste teste se existirem sinais de fratura de base do crânio. Manter a cabeça em posição neutra e elevada em 30º, irrigar cada orelha com 50mL de líquido gelado (prova calórica) e observar cerca de 1 minuto para certificar-se da ausência de movimento dos olhos. Fazer em um conduto auditivo de cada vez com intervalo de 5 minutos. Atentar para uso de volumes menores em crianças com menos de 2 anos de idade.
Reflexo de tosse: verificar a ausência de tosse durante estimulação delicada da carina traqueal com a introdução de cânula de aspiração pelo tubo orotraqueal.
Recomendação: Após constatação do coma aperceptivo, todos os reflexos dependentes dos pares nervosos cranianos devem ser testados (pupilar, córneo-palpebral, óculo-cefálico, vestíbulo-ocular, reflexo de tosse) e apneia, conforme técnica padronizada (D). Recomendação Forte.
7. Como deve ser realizado o teste de apneia?
Comentário: Para a realização do teste de apneia, o paciente deve estar normotenso, euvolêmico, normotérmico, com oxigenação satisfatória e pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2) entre 40 e 45mmHg. A ausência de drive respiratório é testada com retenção de dióxido de carbono (CO2). Diretrizes norte-americanas recomendam um limiar de apneia com PaCO2 ≥ 60mmHg, o Reino Unido exige limiar ≥ 50mmHg, a diretriz canadense recomenda limiar ≥ 60mmHg e valor ≥ 20mmHg acima do pré-teste (D).(6,22,23) No Brasil, é recomendado um valor de PaCO2 ≥ 55mmHg no exame pós-teste (D).(19)
O teste deve ser realizado conforme descrição abaixo (D):(3,6,23,24)
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- Manter PAS ≥ 100mmHg.
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- Pré-oxigenar com fração inspirada de oxigênio (FiO2) 100% por 10 minutos.
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- Ajustar a frequência do ventilador para obter normocapnia (40 - 45mmHg).
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- Coletar sangue arterial para gasometria basal.
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- Desconectar o ventilador.
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- Introduzir um cateter através do tubo traqueal, até o nível da carina traqueal, e instilar oxigênio com fluxo de 6L∕minuto.
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- Observar movimentos respiratórios durante 8 a 10 minutos.
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- Interromper o teste se PAS < 90mmHg ou saturação de oxigênio (SatO2) < 85% ou arritmia cardíaca.
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- Coletar nova amostra de sangue para nova gasometria arterial.
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- Reconectar o ventilador e reduzir a FiO2 (suficiente para manter SatO2 > 90%) e reajustar os parâmetros ventilatórios anteriores ao teste. Manobras de recrutamento alveolar podem ser necessárias após o teste de apneia.(25)
As alternativas para pacientes que não toleraram a desconexão do ventilador são:
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Conectar ao tubo orotraqueal uma "peça em T" acoplado a uma válvula de pressão positiva contínua em vias aéreas (CPAP - continuous positive airway pressure) com 10cmH2O e fluxo de oxigênio a 12L/minuto (B).(26)
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Realizar o teste de apneia em equipamento específico para ventilação não invasiva, que permita conexão com fluxo de oxigênio suplementar, colocar em modo CPAP a 10cmH2O e fluxo de oxigênio a 10 - 12L/minuto. O teste de apneia não deve ser realizado em ventiladores que não garantamfluxo de oxigênio no modo CPAP, o que resulta em hipoxemia (D).(25,27,28)
O teste é compatível com morte encefálica se o paciente não apresentar incursões respiratórias e a gasometria pós-teste demonstrar PaCO2 ≥ 55mmHg (D).(19)
Para pacientes com doença pulmonar grave, previamente retentores de CO2 (hipercapnia prévia), é preciso ter cautela ao considerar a validade do teste de apneia (D).(23) PaCO2 entre 55 e 60mmHg pode não ser suficiente para provocar estímulo respiratório quando a PaCO2 inicial é de apenas alguns pontos inferiores. Nestas situações deve-se considerar, além do PaCO2 ≥ 55mmHg, uma variação maior que 20mmHg em relação à PaCO2 da gasometria basal (D).(26)
Recomendação: O teste de apneia deve ser realizado em até 10 minutos, e acompanhado à beira do leito pelo médico. O teste é considerado positivo para morte encefálica quando, na presença de PaCO2 ≥ 55mmHg, não houver movimentos ventilatórios espontâneos (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Se o teste for interrompido antes de 10 minutos, os resultados devem ser interpretados da seguinte forma:
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- PaCO2 ≥ 55mmHg: compatível com morte encefálica (D).Recomendação Forte.
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- PaCO2 < 55mmHg: teste inconclusivo (deve ser repetido) (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Ajustar os parâmetros ventilatórios para obtenção de valores de uma PaCO2 entre 40 e 45mmHg. Em pacientes com lesão pulmonar grave, são aceitáveis valores iniciais de PaCO2 mais elevados (D). Recomendação Fraca.
Recomendação: O teste de apneia pode ser realizado de três formas.
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Desconexão do ventilador e suplementação de oxigênio a 6L/minuto (D). Recomendação Fraca.
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Desconexão do ventilador, suplementação de oxigênio a 6L/minuto e uso de válvula de CPAP em 10cmH2O (B). Recomendação Fraca.
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Em respirador específico para ventilação não invasiva, ajustar em modo CPAP 10cmH2O e fluxo de oxigênio 10 - 12L/minuto (D). Recomendação Fraca.
8. Quem deve realizar os testes clínicos de morte encefálica e qual o intervalo de tempo mínimo exigido entre os testes clínicos?
Comentário: A lei 9.434 (4/2/97), conhecida como Lei dos Transplantes, estabelece, em seu Art. 3º que "A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina" (D).(19,29)
De acordo com o decreto 2.268, de 30 de junho de 1997, o diagnóstico de morte encefálica deve ser confirmado por, no mínimo, dois médicos, sendo um deles especialista em neurologia (D).(29) A ordem de avaliação não importa, sendo indiferente se o primeiro ou o segundo exame é feito por um especialista em neurologia. Um parecer posterior do CFM define que um neurocirurgião ou um neuropediatra podem substituir o especialista em neurologia na realização do diagnóstico de morte encefálica.
O intervalo mínimo entre as duas avaliações clínicas necessárias para a caracterização da morte encefálica varia conforme a faixa etária (D):(19) sendo de 48 horas para 7 dias a 2 meses incompletos; de 24 horas para 2 meses a 1 ano incompleto; de 12 horas para 1 ano a 2 anos incompletos; de 6 horas se acima de 2 anos.
O período de observação entre as avaliações clínicas varia amplamente em todo o mundo (D).(30,31) Embora haja uma regulamentação do intervalo na resolução 1.480 do CFM, a definição do intervalo de tempo para o diagnóstico de morte encefálica de acordo com a faixa etária é arbitrária (D).(3)
Recomendação: Enquanto não for publicada a legislação que regulamentará os novos critérios para definição de morte encefálica, a recomendação é para que os testes clínicos para confirmação de morte encefálica sejam realizados por, no mínimo, dois médicos distintos, sendo um deles neurologista ou neurocirurgião, em intervalos de tempo definidos pela faixa etária (D). Recomendação Forte.
9. Os reflexos medulares excluem o diagnóstico de morte encefálica? Qual a sua frequência? Bloqueadores neuromusculares podem ser utilizados para inibir tais reflexos?
Comentário: Um dos critérios essenciais usados para definir morte encefálica é a completa ausência de resposta, a ausência de reflexos de tronco encefálico e apneia permanente (D).(2) No entanto, uma variedade de movimentos reflexos tem sido relatada em pacientes com morte encefálica, como a presença de resposta flexora e extensora plantar, reflexos de estiramento muscular e reflexos abdominais de contrações musculares em dedos (D).(32) Como a ocorrência desses eventos são reflexos espinhais, sua presença não exclui o diagnóstico de morte encefálica.
Existem relatos descrevendo a ocorrência dos movimentos reflexos em mais de 75% dos pacientes com morte encefálica. A frequência e o tipo de movimento variam de acordo com a presença de estímulo desencadeador e com a causa da lesão encefálica determinante do diagnóstico. São descritos movimentos reflexos de pronação e extensão de membros superiores, contrações abdominais, contrações repetitivas em dedos e em membros inferiores, e o sinal de Lázaro (reflexo medular complexo visto em indivíduos com morte encefálica em que, durante o teste da apneia ou à movimentação passiva da cabeça, há flexão dos braços e, eventualmente, flexão do tronco) (B).(33)
Existem muitas teorias para justificar a ocorrências desses movimentos reflexos. No entanto, não há uma fundamentação clara dos mecanismos subjacentes. Um dos mecanismos propostos sugere que esses movimentos são desencadeados pela hipóxia e pela hipercapnia induzida sobre os neurônios da medula cervical (D).(32) Outro mecanismo sugerido é de que há desinibição de neurônios geradores de movimento na medula espinhal. Também há a hipótese de que a compressão/descompressão das raízes cervicais e medular gerada pela flexão do pescoço pode desencadear o movimento (B).(33) A mesma medula que desencadeia os movimentos musculares reflexos também pode induzir a liberação de catecolaminas através da alça adrenérgica, determinando consequências sistêmicas deletérias, se não prevenidas ou tratadas (D).(34)
O uso de bloqueadores neuromusculares pode ser considerado no manejo pré e transoperatório, na prevenção de reflexos medulares durante a estimulação perioperatória e após a conclusão do diagnóstico definitivo de morte encefálica (D).(34)
Recomendação: Não excluir o diagnóstico de morte encefálica em caso de ocorrência de reflexos espinhais (B). Recomendação Forte.
Recomendação: Reflexos espinhais podem ser inibidos com relaxantes musculares após a conclusão do diagnóstico de morte encefálica (D). Recomendação Fraca.
10. Quais as causas reversíveis de coma aperceptivo que devem ser excluídas?
Comentário: Para excluir as causas reversíveis do coma aperceptivo o primeiro passo consiste em determinar objetivamente a etiologia do coma, por meio de história clínica, exame físico, neuroimagem e exames laboratoriais. Uma vez definida a etiologia do coma, deve-se buscar ativamente excluir cinco causas frequentemente citadas na literatura como potenciais mimetizadoras de morte encefálica: (1) uso de drogas depressoras do SNC; (2) distúrbios metabólicos graves; (3) hipotermia grave; (4) hipotensão grave; e (5) drogas ou doenças causadoras de paralisia motora.
O uso de drogas depressoras do SNC está detalhado na questão 11. Os distúrbios metabólicos graves, definidos por valores laboratoriais marcadamente desviados do normal, como alterações glicêmicas, eletrolíticas (sódio, fósforo e cálcio), acidobásicas e insuficiência renal e hepática, podem ocasionar coma, embora não haja evidências de que essas alterações causem abolição de reflexos do tronco encefálico. Cabe o julgamento clínico criterioso para estabelecer o nexo causal entre o coma e os desvios metabólicos encontrados. IMPORTANTE: Distúrbios metabólicos que se desenvolvem após o estabelecimento do coma aperceptivo não devem ser implicados como causa desta condição e não impossibilitam a determinação de morte encefálica (D).(3,35)
A hipotermia grave também é um fator que pode mimetizar morte encefálica, pois o reflexo fotomotor é perdido com temperaturas entre 28 e 32oC, e os outros reflexos de tronco encefálico tornam-se ausentes com temperaturas inferiores a 28oC (C).(36) É necessário corrigir a hipotermia, obtendo-se temperatura corporal (temperatura sanguínea central ou retal ou vesical ou esofágica) (D)(3,36-38) idealmente ≥ 35oC antes de iniciar a exploração neurológica em pacientes com suspeita de morte encefálica (D).
A hipotensão grave, independentemente da causa, pode levar a coma. O ideal é realizar os exames clínicos para determinação de morte encefálica com PAM ≥ 60mmHg ou PAS ≥ 100mmHg. É apropriado realizar a correção da hipotensão com infusão de fluidos e/ou drogas vasopressoras (D).(3)
Síndrome do encarcerado, trauma raquimedular alto e ação de bloqueadores neuromusculares ou de toxinas paralisantes entram no diagnóstico diferencial da irresponsividade motora (C).(39) Entretanto, essas condições não completam os critérios necessários para abertura do protocolo de morte encefálica.
Recomendação: Excluir ação de fármacos depressores do SNC e bloqueadores neuromusculares, assim como PAM < 60mmHg ou PAS < 100mmHg e temperatura < 35oC para realizar o diagnóstico de morte encefálica (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Distúrbios eletrolíticos desenvolvidos após o estabelecimento do coma aperceptivo não impedem a realização do diagnóstico da morte encefálica (D). Recomendação Forte.
11. Como excluir e avaliar o uso de medicamentos depressores do sistema nervoso central durante a avaliação do paciente com suspeita de morte encefálica?
Comentário: Pacientes em morte encefálica quase sempre apresentam hipotensão, hipotermia, baixa taxa metabólica e diminuição da perfusão tecidual, o que desencadeia uma metabolização e/ou eliminação deficiente e imprevisível dos medicamentos (D).(40) Além disso, muitos medicamentos depressores do SNC (MDSNC) têm metabólitos farmacologicamente ativos, com vida média muito mais elevada que a do medicamento prescrito. Isso resulta em um efeito mais acentuado e duradouro, particularmente na presença de insuficiência hepática ou renal, que o previsto para pessoas saudáveis (D).(36,41-44) O uso de MDSNC deve ser avaliado pela história clínica ou, quando possível, pela determinação do nível sérico. Quando há história conhecida de intoxicação, de utilização de doses maiores que a posologia recomendada, de uso prolongado em infusão contínua, em situações em que o nível sérico não pode ser quantificado, Wijdicks et al. sugerem aguardar de quatro a cinco meias-vidas do fármaco antes de iniciar a determinação da morte encefálica para pacientes com função hepática e função renal normais, e sem uso de hipotermia, o que pode retardar a eliminação dos fármacos (D).(41) Entretanto, cabe ressaltar que se trata de uma sugestão privada de grau de evidência mais robusta e voltada à realidade de países onde não há exigência do exame complementar confirmatório. Como no Brasil a lei exige a realização de exame complementar, podemos, com segurança, adotar o intervalo de quatro a cinco vezes a meia-vida do fármaco nas situações sem insuficiência renal, sem insuficiência hepática e sem utilização de hipotermia terapêutica, utilizando preferencialmente um teste gráfico que avalie fluxo sanguíneo encefálico, uma vez que estes não são alterados por efeito de MDSNC. No caso de utilização de barbitúricos endovenosos, o teste gráfico utilizado deve ser, obrigatoriamente, de fluxo, uma vez que estes alteram profundamente o metabolismo e a atividade elétrica cerebral. Pacientes que apresentam quadro de coma aperceptivo e vinham utilizando fármacos potencialmente depressores do SNC, mas que não são capazes de causar coma aperceptivo e arreflexo em suas doses terapêuticas usuais (por exemplo: fenobarbital enteral, fenitoína, clonidina, dexmedetomidina e morfina), não devem ter a causa do coma imputada ao efeito desses fármacos e não precisam ter o início do protocolo de diagnóstico de morte encefálica retardado. Por outro lado, na insuficiência renal, na insuficiência hepática e no pós-hipotermia terapêutica, a farmacocinética dos fármacos pode ser profundamente alterada e seus efeitos, prolongados. Nessas situações, para determinar o intervalo de tempo entre a suspensão do fármaco e a abertura do protocolo para diagnóstico da morte encefálica, deve-se avaliar cada caso individualmente, levando em consideração a gravidade das disfunções hepática e/ou renal, podendo-se utilizar a dosagem sérica do MDSNC e, obrigatoriamente, realizar uma prova de fluxo. A realização do eletroencefalograma deve ser desencorajada quando houver história de utilização de MDSNC, hipotermia induzida, distúrbios metabólicos, e impedimento da metabolização e excreção dos MDSNC, uma vez que este pode ser alterado por estes fatores, podendo mesmo demonstrar inatividade elétrica em pacientes com fluxo intracraniano preservado e levar a um diagnóstico falso-positivo de morte encefálica (D).(40-42) A determinação dos níveis séricos dos MDSNC abaixo do nível terapêutico permite excluir os MDSNC como causa do coma, mas, em nosso meio, esses exames não são usualmente disponibilizados em caráter de urgência, sendo pouco utilizados (D).(40,41) Seria possível utilizar fármacos antagonistas dos benzodiazepínicos e opioides, como flumazenil e naloxone, respectivamente, mas isto só teria utilidade no caso de revelar atividade encefálica, antes encoberta pelos MDSNC, e não teria nenhum valor para afastar efeito dos MDSNC, caso o paciente permanecesse em coma arreflexo após sua administração (C).(13) Também deve-se ter cuidado com relação ao uso de bloqueadores neuromusculares, mesmo nas doses usuais, uma vez que causam paralisia e apneia, confundindo o exame neurológico, sendo necessário seguir as mesmas orientações determinadas para os MDSNC (Quadro 2).
Principais medicamentos depressores do sistema nervoso central e intervalo de tempo da suspensão do uso até o início da determinação da morte encefálica
Recomendação: Excluir ação de MDSNC ara realizar o diagnóstico de morte encefálica da seguinte maneira (D). Recomendação Forte:
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A causa do coma aperceptivo e arreflexo não deve ser imputada aos MDSNC que não apresentam potencial para causar coma arreflexo, quando utilizados em doses terapêuticas usuais (por exemplo: fenobarbital enteral, fenitoína, clonidina, dexmedetomidina e morfina).
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Aguardar de quatro a cinco vezes a meia-vida dos MDSNC após sua suspensão, sempre que utilizados em infusão contínua nas doses terapêuticas usuais, utilizando-se preferencialmente uma prova de fluxo. Em caso de barbitúrico venoso, utilizar obrigatoriamente prova de fluxo.
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Na presença de insuficiência hepática, insuficiência renal ou após hipotermia terapêutica induzida, determinar o intervalo entre a suspensão do fármaco e a abertura do protocolo, considerando a gravidade das disfunções hepática e/ou renal. Nestes casos, é possível considerar a dosagem sérica do MDSNC e, obrigatoriamente, utilizar uma prova gráfica de fluxo como exame complementar.
Recomendação: Qualquer decisão baseada em critérios de utilização de MDSNC deve ser registrada de forma detalhada e justificada no prontuário do paciente (D). Recomendação Fraca.
12. Quais exames complementares podem ser usados para diagnóstico da morte encefálica? Há situações que impõem a utilização de algum exame em detrimento de outros?
Comentário: O diagnóstico técnico-científico de morte encefálica faz-se por meio de exame clínico (D).(3) Entretanto, quando o exame neurológico não pode ser realizado por dificuldades técnicas (exemplos: trauma ocular; impossibilidade da realização do teste de apneia por hipoxemia) ou pode ser alterado por fatores de confusão, como hipotermia, distúrbios metabólicos e uso de MDSNC, e para fins legais em alguns países, como no Brasil, há exigência de um exame gráfico, que comprove ausência de fluxo sanguíneo intracraniano ou de atividade elétrica encefálica ou de atividade metabólica e cefálica (D).(3,23,45) O exame complementar ideal para este fim deve ter boa sensibilidade, mas principalmente 100% de especificidade, significando que não haverá casos de pacientes que apresentem qualquer evidência de atividade cerebral ou de tronco encefálico ao exame clínico, nos quais o teste gráfico demonstre ausência de fluxo ou de atividade elétrica ou da atividade metabólica (falso-positivo). Também são características desejadas para o exame gráfico que seja seguro e esteja prontamente disponível. Devemos obter, para realização de todos os exames gráficos, PAS ≥ 100mmHg e PAM ≥ 60mmHg, para fins de evitar resultado falso-positivo (D).(46,47)
Existem vários exames aceitos internacionalmente para esse fim (D).(3,32,45-48) A arteriografia cerebral, que avalia a presença de fluxo sanguíneo na porção intracraniana das artérias carótidas internas e vertebrais, é usada como referência para comparação com novos testes gráficos. As desvantagens da arteriografia são necessidades de transporte do doente para fora da UTI, de infusão de contraste potencialmente nefrotóxico e de punção arterial (D).(45,46) O Doppler transcraniano avalia a presença de fluxo sanguíneo encefálico nas artérias carótidas internas intracranianas, cerebrais médias, vertebrais e basilar. Embora necessite de profissional com elevado nível de treinamento, apresenta as seguintes vantagens: estar disponível à beira do leito, ser não invasivo e dispensar o uso de contraste (D).(45,46) Ainda entre os exames de fluxo amplamente aceitos, temos a cintilografia cerebral, que avalia a perfusão encefálica por meio da captação do radionuclídeo tecnécio pelo parênquima. Este não usa contraste iodado, é de fácil interpretação e tem elevada concordância com a arteriografia cerebral (D).(45,46) Todos estes exames, que avaliam a presença de fluxo sanguíneo encefálico, apresentam a grande vantagem de não serem influenciados por MDSNC, por hipotermia e por alterações metabólicas, sendo recomendados em tais situações, em detrimento de exames que avaliam atividade elétrica cerebral. A limitação principal dos exames de fluxo está no fato de poderem apresentar fluxo sanguíneo encefálico em pacientes que apresentam algum grau de abertura da caixa craniana, como crianças abaixo de 1 ano, vítimas de TCE aberto e pós-operatório de craniotomia extensa. Nestas situações, pode-se preferir métodos que avaliem a atividade elétrica cerebral, embora um exame que confirme ausência de fluxo nesta condição seja definitivo (D).(45,46) Ainda como exame gráfico de ampla utilização, existe a eletroencefalografia, que avalia a presença de atividade elétrica cerebral. Apresenta como vantagens o fato de ser realizado à beira do leito, sem necessidade de contraste e estar amplamente disponível. A desvantagem principal reside no fato de poder resultar em inatividade elétrica cerebral na presença de fatores confundidores: distúrbios metabólicos graves, hipotermia e efeito de MDSNC (D).(45,46) Nestes casos, deve-se utilizar exames gráficos de fluxo. Neste contexto, salienta-se o uso contínuo de barbitúrico, que tem efeito cumulativo, podendo resultar em eletroencefalograma sem atividade elétrica cerebral por várias horas após sua interrupção (D).(3,23,45-48)
Outros exames têm sido avaliados. Entre estes, temos na categoria exames de fluxo, a angiotomografia computadorizada, que já foi validada e está sendo utilizada em alguns países, com aceitação crescente ao redor do mundo. Apresenta como apelos o fato de estar amplamente disponível na maioria dos hospitais de médio e grande porte, ser de execução rápida, sem a necessidade de punção invasiva e utilizar uma menor quantidade de contraste iodado quando comparado à arteriografia. A maioria dos estudos avaliou apenas pacientes com diagnóstico clínico comprovado de morte encefálica sem grupo controle (B),(49-51) entretanto, o estudo de Dupas et al. utilizou grupo controle, ou seja, pacientes em coma que ainda apresentavam evidências de atividade neuronal encefálica, e encontrou especificidade de 100% pelo método (B).(52) Ainda não existe uniformização internacional dos critérios radiológicos para interpretação pelo método, embora a Société Française de Radiologie já tenha publicado diretriz utilizando a chamada "four point scale", que avalia a opacificação das artérias cerebrais médias e veias cerebrais internas, apresentando uma sensibilidade de 85% (D).(53) Duas revisões sistemáticas recentes concluíram que a angiotomografia pode ser utilizada como método adicional ao exame clínico para o diagnóstico de morte encefálica (B).(54,55)
O potencial evocado, que avalia atividade elétrica encefálica, é limitado pelo fato de avaliar vias neuronais específicas, mesmo quando integra o potencial evocado somatossensorial e o potencial evocado auditivo, que demonstram a resposta elétrica à estimulação do nervo mediano e do nervo vestibulococlear, respectivamente. Seu princípio foge ao conceito e à lógica de avaliação integral e global da função encefálica, necessária para o diagnóstico acurado da morte encefálica. Assim, pode resultar em ausência de sinal elétrico em lesões proximais às vias avaliadas, quando outras áreas podem estar preservadas anatômica e funcionalmente. Existem poucos estudos com potencial evocado em pacientes comatosos, com lesões encefálicas graves, mas que não preencham os critérios clínicos de morte encefálica, o que prejudica a avaliação da especificidade do método. Semelhante ao eletroencefalograma, pode resultar em falso-positivo na presença de hipotermia, de distúrbios metabólicos graves e de MDSNC (B).(56-58)
A monitorização da pressão intracraniana é baseada em racional fisiológico e foi avaliada em poucos estudos observacionais, com número limitados de pacientes, consistindo na observação contínua da pressão intracraniana acima da PAS durante pelo menos 20 minutos. Outra limitação diz respeito às dificuldades técnicas relacionadas aos métodos de monitorização da pressão intracraniana, que podem resultar em aquisição de valores pouco acurados. Assim, a monitorização da pressão intracraniana não deve ser utilizada para diagnóstico de morte encefálica (C).(59-61)
A monitorização da saturação jugular de oxigênio baseia-se no racional fisiológico de queda na taxa de extração cerebral de oxigênio na morte encefálica. Existe apenas um estudo observacional prospectivo, que avaliou a razão da saturação venosa central/saturação jugular de oxigênio < 1 como preditor de morte encefálica, com uma sensibilidade de 96,6% e especificidade de 99,3% em 118 pacientes com diagnóstico clínico de morte encefálica e 152 pacientes com lesão encefálica sobreviventes, respectivamente. Neste estudo o exame gráfico utilizado para comparação foi a eletroencefalografia. Também é limitado por dificuldades técnicas relacionadas à posição dos cateteres e pela influência de diferentes PaO2 sobre os resultados. Assim, a monitorização da saturação jugular de oxigênio não deve ser utilizada para o diagnóstico de morte encefálica (B).(62)
Recomendação: Os testes gráficos preferenciais para o diagnóstico de morte encefálica são: angiografia cerebral, Doppler transcraniano, cintilografia cerebral e eletroencefalograma (D). Recomendação Forte.
Recomendação: A pressão intracraniana e a saturação jugular de oxigênio não devem ser usadas como teste gráfico no diagnóstico de morte encefálica (C). Recomendação Forte.
Recomendação: Na presença de distúrbios metabólicos graves, de hipotermia e de MDSNC, estão indicados os exames de fluxo intracraniano: angiografia cerebral, Doppler transcraniano e cintilografia cerebral (D). Recomendação Forte.
Recomendação: A angiotomografia cerebral computadorizada pode ser utilizada como método gráfico complementar para o diagnóstico de morte encefálica em instituições com protocolo de interpretação padronizado, como a "four point scale" da Société Française de Radiologie (B). Recomendação Fraca.
Recomendação: Na presença de algum grau de abertura da caixa craniana, como crianças abaixo de 1 ano, vítimas de TCE aberto e pós-operatório de craniotomia extensa, pode-se preferir a eletroencefalografia, principalmente após demonstração de fluxo residual por outros métodos (D). Recomendação Forte.
13. Em situações como traumatismo grave de face, otorragias, agenesia de globo ocular, lesão medular cervical alta, em que há impedimento da realização de parte do exame clínico, é possível a determinação do diagnóstico de morte encefálica?
Comentário: A determinação da morte encefálica no Brasil é baseada na constatação da perda irreversível de toda a função do tronco encefálico, definida pelo exame clínico e pelo teste de apneia, cabendo a realização de um exame complementar para acrescentar um nível de segurança (morte encefálica) e uma prova documental da situação. Deste modo, qualquer impossibilidade de realizar uma parte da avaliação da função do tronco encefálico poderia levantar dúvidas sobre o diagnóstico de morte encefálica e configuraria uma não conformidade de ordem ético-legal com a lei 9.434 e a resolução CFM 1.480 (D).(18,19)
Não existem dados na literatura nem na prática do dia a dia, que contraindiquem prosseguir a determinação da morte encefálica quando for impossível avaliar um dos reflexos de tronco encefálico, estando todo o restante do exame clínico compatível com a morte encefálica (D).
Os 18 anos de utilização da resolução 1.480 mostraram que ela deveria ser alterada (D).(19) Em 2011, a Câmara Técnica de Morte Encefálica do CFM aprovou o texto de uma nova resolução para determinação da morte encefálica, que ainda não está em vigor e o qual estabelece, no Art. 3º, parágrafo 4º, que "na presença de alterações estruturais, congênitas ou adquiridas, que impossibilitem a avaliação dos reflexos mencionados no caput desse artigo, e o restante do exame clínico for confirmatório para morte encefálica, deverá ser fundamentada no prontuário a causa desta impossibilidade e prosseguir a determinação". Apenas quando a nova resolução entrar em vigor haverá suporte legal e ético para prosseguir com a determinação da morte encefálica nas situações citadas no questionamento acima.
Recomendação: De acordo com a resolução CFM 1.480 e a lei 9.434, não é possível prosseguir o exame de morte encefálica quando não for possível avaliar todos os reflexos do tronco encefálico (D). Recomendação Forte.
14. Quem é o responsável pelo preenchimento e a assinatura da declaração de óbito? Qual o horário do óbito a ser registrado nessa declaração? É possível suspender o suporte terapêutico após o diagnóstico de morte encefálica?
Comentário: A atestação do óbito é atividade privativa do médico (D),(63) exceto em casos de morte natural em localidade em que não haja médico, conforme a lei 12.842/2013 (D),(63) que dispõe sobre o exercício da medicina.
O preenchimento dos dados constantes na declaração de óbito é da responsabilidade do médico que atestou a morte, segundo resolução do CFM (D).(64) No caso de pacientes em morte encefálica, após o preenchimento de todo o termo de declaração de morte encefálica,(18) quando o óbito decorrer de causa natural, a declaração de óbito deve ser preenchida pelo médico que prestava assistência ao paciente ou, em sua falta, pelo médico substituto ou plantonista (D).(64,65) "Os Serviços de Verificação de Óbitos são instituições que têm por finalidade a determinação da realidade da morte, bem como a sua causa - desde que natural e não sob suspeita de violência - nos casos de óbitos ocorridos sem assistência médica ou com assistência médica, mas em que este sobreveio por moléstia mal definida". Portanto, nas localidades em que houver Serviço de Verificação de Óbito, este pode ser acionado, caso o médico não consiga correlacionar o óbito com o quadro clínico concernente ao acompanhamento registrado nos prontuários ou fichas médicas dessas instituições (D).(65)
Nas situações de morte não natural, também chamada de morte por causas externas (homicídios, acidentes, suicídios e mortes suspeitas), a declaração de óbito deve ser preenchida pelo médico perito legista, em localidades com Instituto Médico Legal (IML) (D),(64,65) cabendo ao médico assistente o preenchimento da Guia de Encaminhamento de Cadáver ao IML. Na ausência de IML, qualquer médico da localidade, investido pela autoridade judicial ou policial, na função de perito legista eventual, deve preencher a declaração de óbito (D).(64,65)
A data e a hora registradas na declaração de óbito serão as mesmas da determinação de morte encefálica, conforme Resolução CFM 1.826/2007 (D).(66)
A morte encefálica equivale à morte. Portanto, do ponto de vista ético e legal, após seu diagnóstico, é dever do médico, no caso de não doadores, retirar os procedimentos de suporte que mantinham artificialmente o funcionamento dos órgãos vitais utilizados até o momento de sua determinação. A suspensão desses recursos não caracteriza ortotanásia, eutanásia nem qualquer espécie de agravo contra a vida, visto que não se trata de um paciente terminal, e sim de um cadáver. Esta mesma resolução 1.826/2007 dita que "é legal e ética a suspensão dos procedimentos de suportes terapêuticos quando determinada a morte encefálica em não-doador de órgãos" (D).(66) Aqui a expressão "não-doador de órgãos" inclui não somente o não doador por recusa dos familiares, mas também por contraindicação médica e/ou problemas logísticos/administrativos. O médico deve também informar, de modo claro e detalhado, aos familiares ou representantes legais, o falecimento do paciente, devendo relatar no prontuário a data, o local, a hora e as pessoas presentes no momento da informação. A manutenção dos suportes terapêuticos em não doador em morte encefálica pode ser considerada no caso de gestantes com feto vivo, em que a conduta é determinada pelo obstetra.
Recomendação: Em caso de morte por causa natural, o responsável pelo preenchimento e a assinatura da declaração de óbito é o médico que assistiu o paciente e atestou a morte encefálica ou seu substituto (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Nas situações de morte por causa não natural, o responsável pelo preenchimento e a assinatura da declaração de óbito é o médico perito legista, cabendo ao médico assistente ou substituto ou plantonista o fornecimento das informações relevantes acerca do caso concreto (D). Recomendação Forte.
Recomendação: A data e a hora registradas na declaração de óbito serão as mesmas do último procedimento de determinação da morte encefálica (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Suspender todos os suportes terapêuticos em pacientes em morte encefálica quando não doador de órgãos após informação e esclarecimento da morte pelos familiares (D). Recomendação Forte.
PARTE 3: CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DO POTENCIAL DOADOR
15. Como deve ser estruturada e realizada a avaliação clínica e laboratorial do potencial doador de órgãos e tecidos?
Comentário: O risco de transmissão de doença infecciosa ou neoplásica não pode ser totalmente eliminado nos transplantes de órgãos e tecidos. O risco do procedimento sempre deve ser considerado em relação ao alto risco do falecimento em lista de espera para transplante. O aumento das listas de espera e da necessidade de órgãos para transplante tem levado as equipes transplantadoras à utilização de órgãos de doadores com critérios expandidos, com resultados satisfatórios, mas com maior potencial de complicações, como a transmissão de doenças. Devem ser realizados todos os procedimentos para obtenção de informações clínicas e laboratoriais, que vão embasar a decisão da utilização dos órgãos e tecidos para transplante, com o mínimo de risco para o receptor. A avalição do potencial doador falecido deve ser realizada em um espaço de tempo bastante exíguo, especialmente nos doadores de órgãos sólidos.(17,67,68) Para isto, são necessárias abordagens estruturadas realizadas pelos profissionais de saúde que têm relação direta com o processo de doação e transplantes. É recomendável a cobertura em tempo integral por profissional treinado, de modo a garantir a segurança e a qualidade durante todo o processo de doação e transplante, o que inclui a avaliação clínica do potencial doador de órgãos, bem como a realização de exames complementares (D).(17)
A avaliação deve ser estruturada em (1) história clínica (análise do prontuário e entrevista familiar), (2) exame físico e medidas antropométricas, (3) exames complementares e (4) inventário durante a cirurgia de remoção dos órgãos.
1. História clínica: visa descartar doenças transmissíveis do doador (infecciosas e neoplásicas), além da análise funcional dos órgãos a serem extraídos e transplantados. Faz-se necessária, para tanto, uma revisão pormenorizada da história clínica do doador para subsidiar a indicação de exames complementares direcionados (D).(68)
A avaliação do prontuário médico permite conhecer a causa da morte, dados da história da doença atual, história mórbida pregressa bem como tratamentos empregados e informações sobre intercorrências (D).(68)
A histórica clínica detalhada proporciona a confirmação de antecedentes médicos (atentar para doenças neoplásicas e infecciosas), hábitos sociais (alimentação, uso de álcool, tabaco e/ou substâncias ilícitas), comportamento sexual, informações sobre irregularidades menstruais após gravidezes (coriocarcinoma) internações/permanências institucionais (detenção/hospitais psiquiátricos), além da origem e da procedência geográfica (D).(68)
2. Exame físico e medidas antropométricas: permite avaliar condições clínicas que possam contraindicar a doação e/ou subsidiar a solicitação de exames laboratoriais que permitam dirimir dúvidas sobre a elegibilidade do doador, além de avaliar a compatibilidade das dimensões dos órgãos a serem doados com o biotipo do receptor. As variáveis a serem exploradas no exame físico dos potenciais doadores são cicatrizes/sinais de punções por uso de drogas ilícitas, lesões traumáticas, tatuagens, características geográficas, massas/linfonodomegalias, neoplasias cutâneas ou cicatrizes de intervenções cirúrgicas antigas.
As variáveis antropométricas a serem determinadas são:
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- Peso e altura: todos doadores
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- Doador de rim pediátrico: > 15kg, retirada em separado; < 15kg, retirada dos rins em bloco.
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- Doador de fígado: em torno de 10 - 20% de variação com o peso do doador e 1% de relação entre o peso do órgão e receptor - esta última principalmente em crianças.
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- Doador de pâncreas: aceitável com peso corporal entre 30 e 90kg.
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- Doador de coração: peso com diferença < 20% para menor
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- Medida de circunferência torácica a nível do mamilo: doadores de pulmão.
3. Exames complementares: permitem monitorar parâmetros clínicos durante a manutenção, identificar disfunções orgânicas, avaliar a existência de doenças transmissíveis, além de orientar a priorização de possíveis receptores em lista conforme o tipo sanguíneo.
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- Dosagens bioquímicas periódicas, pelo menos a cada 24 horas, com o objetivo de normalizar parâmetros fisiológicos e garantir a função dos órgãos a serem doados (D).(69,70)
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- Coleta de exames conforme as particularidades dos órgãos a serem transplantados: Doador de coração: isoenzima MB da creatina quinase (CK-MB) e/ou troponina a cada 24 horas, eletrocardiograma e ecocardiograma. Cateterismo cardíaco pode ser considerado se > 45 anos. Doador de fígado: aminotransferase de aspartate (AST), alanina aminotransferase (ALT), bilirrubinas pelo menos a cada 24 horas. Doador de rim: ureia e creatinina (Cr) a cada 24 horas e urinálise. Doador de pâncreas: amilase e glicemia a cada 24 horas. Doador de pulmão: gasometria arterial com FiO2 a 100% e radiografia de tórax (D).(68,69,71)
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- Afastar doenças transmissíveis com sorologias para doença de Chagas, anti-toxoplasma, Venereal Disease Research Laboratory (VDRL, se positiva realizar teste de absorção de anticorpos treponêmico fluorescente - FTA-ABS), anti-HIV, antivírus T-linfotrópico humano (anti-HTLV) 1 e 2, antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBsAG), anticorpo core da hepatite B (anti-HBc), anti-HBs, anti-HCV, anticitomegalovírus (anti-CMV), antivírus Epstein-Barr (anti-EBV) e sorologia para plasmodium em regiões endêmicas (Região Norte).
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- Realizar duas hemoculturas e cultura de urina em todos os potenciais doadores. Coletar material para culturas em outros sítios se houver suspeita clínica de infecção e, posteriormente, repassar os resultados para as equipes transplantadoras e/ou centrais de transplantes (D).(71,72)
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- Marcadores tumorais: ver questão 21.
4. Inventário cirúrgico durante a remoção dos órgãos: Durante a cirurgia de remoção, devem ser examinados os órgãos intratorácicos e intra-abdominais, para detectar possíveis tumores ocultos ou linfoadenopatias patológicas. Enfatiza-se a revisão cuidadosa dos rins e do fígado, devido ao elevado número de tumores encontrados nos rins posteriormente a sua extração (D).(73,74)
Recomendação: Realizar história clínica completa, incluindo antecedentes mórbidos, exame físico minucioso, solicitar exames complementares (Quadro 3) e inventário cirúrgico durante a remoção dos órgãos (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Documentar a avaliação clínica completa em prontuário do potencial doador (D). Recomendação Forte.
16. Quais órgãos e tecidos podem ser doados a partir de doadores em morte encefálica?
Comentário: O doador falecido de morte encefálica constitui a principal fonte de órgãos e tecidos para transplante (D).(75) De acordo com a portaria do Ministério da Saúde de número 2.600 de 21 de setembro de 2009 (D),(76) os órgãos que podem ser doados e usados individualmente para fins de transplante são coração, pulmões, rins, fígado, pâncreas e intestino (B).(69,76-78) O transplante pode ser também multivisceral, que envolve a doação e implante de fígado, pâncreas, estômago, duodeno e intestino delgado conjuntamente em um único receptor, e ainda conjugado rim-pâncreas e fígado-rim. Os tecidos que podem ser doados para transplante são córneas, esclera, pele, ossos, cartilagens, tendões, meniscos, fáscia muscular, válvulas cardíacas, pericárdio e vasos (B).(69,76-78) Células-tronco hematopoiéticas de medula óssea, sangue periférico e de cordão umbilical/placenta também são passíveis de doação em vida. Existem relatos na literatura de transplante de membros (C),(79,80) face (C),(81) laringe e traqueia (C),(82) que não são realizados no Brasil.
Recomendação: Os órgãos que podem ser doados provenientes de doador em morte encefálica são: coração, pulmões, rins, fígado, pâncreas, intestino (B). Recomendação Forte.
Recomendação: Os tecidos que podem ser doados provenientes de doador falecido são: córneas, esclera, pele, ossos, cartilagens, tendões, meniscos, fáscia muscular, válvulas cardíacas e vasos sanguíneos (B). Recomendação Forte.
17. O que caracteriza o doador de órgãos com critérios expandidos?
Comentário: Há várias denominações para doadores que estão nos limites dos critérios de seleção, como: subótimos, inadequados, de alto risco, marginais, limítrofes, com critérios expandidos ou liberalizados de aceitação. Os termos "doador limítrofe" e "doador com critérios liberalizados ou expandidos" são os mais utilizados (D).(83) Não há uma definição universal do que constitui um órgão limítrofe. Entretanto, a presença de certas condições que se correlacionam com o risco de menor sobrevida ou diminuição da função do enxerto, ou com o risco de transmissão de doenças, tem sido utilizada para caracterizar um órgão como de qualidade "limítrofe" (D).(83-85)
O doadores limítrofes podem ser assim classificados (D):(83-85)
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- Quanto à função do enxerto: maior morbidade a curto prazo (função retardada do enxerto ou enxerto nunca funcionante) e menor duração do enxerto. Essas alterações podem ser condicionadas por idade, história mórbida pregressa do doador, dados antropométricos, causa da morte e função prévia do órgão a ser doado, alterações anatômicas, intoxicações e envenenamentos, instabilidade hemodinâmica, tempo de isquemia fria prolongado e doadores em morte circulatória (D).(86-93)
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- Quanto à transmissão de doenças: infecções e neoplasias.
O uso dos doadores limítrofes justifica-se apenas se a expectativa de vida com o transplante for superior à obtida com o tratamento clínico convencional. Em situações limítrofes, a decisão sobre a utilização dos órgãos é da equipe de transplante, com o consentimento informado do receptor. Nessas situações os órgãos devem ser removidos e, se não forem implantados no Estado, devem ser oferecidos à Central Nacional de Transplantes para alocação em outros estados.
Recomendação: São considerados de critérios expandidos ou limítrofes aqueles doadores que apresentam condições clínicas que possam diminuir a sobrevida ou comprometer a função do enxerto e aqueles com risco de transmissão de doenças (D). Recomendação Forte.
Recomendação: O uso dos doadores limítrofes justifica-se apenas se a expectativa de vida com o transplante for superior à obtida com o tratamento clínico convencional (D). Recomendação Forte.
18. Qual a faixa etária para ser doador de múltiplos órgãos e tecidos?
Comentário: Qualquer paciente em morte encefálica deve ser considerado potencial doador, independente da idade (D).(94) A idade mínima para a realização do diagnóstico de morte encefálica e para a caracterização de doador de órgãos, no Brasil, é de 7 dias (D).(18,76) Também não há limite máximo de idade para a doação, entretanto, com o aumento da idade, as comorbidades tornam a doação menos aceitável (D).(95)
Para o rim, há comprometimento na função e sobrevida do enxerto nos doadores com idade superior a 60 anos (D).(95) Serão considerados rins de critérios expandidos aqueles obtidos de doadores com mais de 70 anos sem outros fatores de risco e entre 60 e 70 anos com história de diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, proteinúria significativa (acima de 1g/24 horas) e sinais de lesão de órgãos-alvo pela hipertensão ou diabetes mellitus. Rins de doadores nessas condições estão relacionados com risco aumentado de morte e perda do enxerto, especialmente quando transplantados em receptores com menos de 60 anos de idade (D)(96,97) (B).(98)
Para o fígado, a idade isoladamente não define uma contraindicação, mas nos doadores com idade superior a 60 anos pode haver comprometimento na função e na sobrevida do enxerto, (D)(95) e fígados de doadores com mais de 90 anos não devem ser utilizados (D).(99) Doadores com mais de 65 anos em que se encontre esteatose hepática, elevação de gamaglutamiltransferase (gama GT) acima de três vezes o normal ou tempo de protrombina menor que 40%, ou plaquetas em número inferior a 60 mil também contraindicam a doação (D).(100)
Apesar da maior mortalidade nos pacientes que receberam corações provenientes de doadores acima de 64 anos, a idade não representa contraindicação absoluta para doação do coração (D).(101) O limite de idade depende de protocolos locais e de condições do receptor (D).(95) Existe a sugestão do emprego da cineangiocoronariografia para excluir coronariopatias nos doadores de coração com idade > 45 anos (D).(96) O regulamento técnico do Sistema Nacional de Transplantes deixa a decisão sobre a idade máxima a cargo das equipes de transplante (D).(76)
Para o pulmão, a idade do doador considerada ideal é < 55 anos (D)(102) e está limitada a 60 anos pelo regulamento técnico (D).(76) Porém, é necessária a avaliação individual do doador e do protocolo das equipes de transplantes (D),(76) podendo chegar a 65 anos.
No transplante simultâneo de pâncreas e rim, a idade do doador é limitada entre 18 e 45 anos. Essa limitação é uma forma de regular a distribuição, pois a lista de espera para o transplante renal isolado é muito maior que a lista do transplante simultâneo de rim e pâncreas. No transplante isolado de pâncreas, de acordo com o regulamento técnico, a idade mínima é de 7 dias e a máxima de 50 anos (D).(76) No entanto, há referências à idade entre 10 e 40 anos como faixa etária ideal dos doadores de pâncreas (D).(103)
No caso dos tecidos, a restrição de idade aplica-se a alguns deles, na dependência de protocolos individuais (D).(95) No Brasil, a doação de córneas tem a idade limitada entre 2 e 80 anos, para tecido ósseo de 2 a 70 anos, para tecido tendinoso de 18 a 55 anos, e para tecido osteocondral de 15 a 45 anos (D).(76)
Recomendação: Para receptores com idade < 45 anos, os limites de idade dos doadores falecidos considerados ideais para doação de diferentes órgãos são: rins, até 60 anos; fígado, até 60 anos; rim-pâncreas, 18 a 45 anos; pâncreas, 7 dias a 50 anos; coração, até 45 anos; pulmão, 60 a 65 anos (D). Recomendação Fraca.
Recomendação: Podem ser considerados doadores inclusive aqueles com idade superior a 80 anos (D). Recomendação Fraca.
19. Quais as contraindicações absolutas para doação de órgãos para transplantes?
Comentário: A contraindicação absoluta da utilização de órgãos de um potencial doador ocorre quando o risco da transmissão de alguma doença supera a possibilidade de benefício dos potenciais receptores dos órgãos. As principais contraindicações absolutas estão relacionadas à transmissão de algumas condições infecciosas(72) e neoplásicas.(104)
1. Condições infecciosas que desqualificam de modo absoluto o potencial doador: A presença de infecção por HIV no potencial doador era considerada uma contraindicação absoluta há até pouco tempo. Existe registro de transmissão de HIV para receptores de órgãos de doadores com sorologia negativa.(104) Há publicação de série de casos na África do Sul de transplante entre doadores falecidos HIV positivos e receptores também com esta infecção com acompanhamento por 1 a 5 anos com bons resultados, comparáveis a outras populações.(104,105) Apesar de ser sugerido como uma alternativa para a escassez de órgãos em zonas com alta prevalência de HIV, o efeito da transmissão de diferentes vírus e o comportamento em longo prazo destes doentes não é conhecido.
Sabe-se que a incidência de HTLV I/II em regiões não endêmicas é baixa (menor que 1%) e que há elevada taxa de falsos-positivos; apenas o HTLV I transmite a leucemia/linfoma de células T do adulto (ATLL) e a paraparesia espástica tropical. O risco durante a vida de indivíduos infectados desenvolverem ATLL é de 2 a 5%, e paraparesia de 1 a 2%. Embora haja relatos de seis casos de transmissão da doença para o receptor, de quatro doadores, apenas um deles com HTLV confirmado, não há nenhuma morte de receptor decorrente da infecção por HTLV relatada na literatura (D).(73,74,106,107) Baseados nestas premissas, alguns países com baixa prevalência (Estados Unidos e Inglaterra) e com número insuficiente de doadores para atender a crescente demanda autorizam a realização do transplante sem o prévio conhecimento da sorologia HTLV do doador (D).(73,74,106,107)
Foram descritos óbitos devido à transmissão de raiva,(108,109) vírus do Oeste do Nilo,(110) coriomeningite linfocítica e criptococo(111) de doadores para receptores de órgãos. Em doadores com esses diagnósticos ou com encefalite de causa não estabelecida, é contraindicada a seleção dos órgãos para transplante.
Devido ao período de janela imunológica para detecção de anticorpos em algumas infecções virais, a detecção laboratorial é retardada em relação ao momento da infecção (HIV: média 22 dias; HCV: média de 60 dias). O risco de transmissão dessas doenças é considerado inferior em realação ao risco de morte em lista de espera de órgão para transplante. O risco de transmissão durante o período de janela imunológica é maior para doadores com risco aumentado (Quadro 4). A utilização de testagem com ácido nucleico (NAT) reduz o período de janela para a detecção das infecções virais (de 22 para 9 dias para HIV, e de 60 para 7 dias para HCV), reduzindo o risco de transmissão.(112-116)
Fatores associados ao risco aumentado de infecção recente por HIV, vírus da hepatite B ou vírus da hepatite C
2. Condições neoplásicas que desqualificam de modo absoluto o potencial doador: História recente ou ativa de qualquer neoplasia maligna, exceto casos de neoplasias nos quais os riscos de transmissão são muito baixos, como(117) carcinoma basocelular de pele, carcinoma in situ de colo uterino e tumores primários do SNC (exceto meduloblastomas, glioblastomas e astrocitomas de alto grau) (C).(118,119) Com relação a tumores primários do SNC, existem somente dois relatos de transmissão, ambos com glioblastoma multiforme (C).(120,121) Decisões são difíceis quando há história de neoplasia de longa data ou, teoricamente, já curada. Existem relatos de surgimento de neoplasia de mama (C)(122) e melanoma (C)(123) no receptor após 8 e 32 anos, respectivamente, do diagnóstico de cura no doador. Portanto, a decisão deve se basear no intervalo livre de doença, na histologia da neoplasia e no estádio do tumor (C).(124,125)
A sepse não controlada clinicamente contraindica a doação de órgãos. O potencial doador que se apresente séptico, mas com estabilidade hemodinâmica e/ou redução progressiva de vasopressores, pode ser doador. Todos os resultados de culturas devem ser verificados e informados para a central de transplantes.(126,127)
Recomendação: Para os doadores com risco aumentado de transmissão de doenças infecciosas virais, são recomendados a informação e o consentimento do receptor e, se possível, a realização de NAT (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Contraindicar o transplante de órgãos a partir de doadores portadores das seguintes condições infecciosas: infecção por HIV, sorologia positiva para HTLV I e II, hepatite aguda, tuberculose em atividade, malária, infecções virais agudas (exemplos: rubéola, raiva, vírus do Oeste do Nilo, adenovírus, enterovírus, parvovírus, e meningoencefalite viral ou de causa desconhecida), menigoencefalite por criptococo e doenças priônicas (C). Recomendação Forte.
Recomendação: A sepse não controlada clinicamente (ex.: dose estável ou ausência de vasopressor) contraindica a doação de órgãos. O potencial doador que se apresente séptico, mas com estabilidade hemodinâmica e/ou redução progressiva de vasopressores, pode ser doador. Todos os resultados de culturas devem ser verificados e informados para a central de transplantes (C). Recomendação Forte.
Recomendação: Contraindicar a doação de órgãos a partir de doadores portadores de qualquer condição neoplásica maligna, excetuando carcinoma in situ de pele, carcinoma in situ de colo uterino e alguns tumores primários do SNC. Os tumores primários do SNC que contraindicam a doação estão apresentados no quadro 5(C). Recomendação Forte.
20. Como lidar com o doador com histórico de infecção? Como prevenir a transmissão de infecção?
Comentário: A transmissão de infecção pelo doador é um evento raro, porém associado a significativas morbidade e mortalidade (A).(128,129) Infecções bacterianas, virais, fúngicas e parasitárias têm sido descritas em transmissão por meio do transplante de órgãos (A).(130) Por outro lado, o conhecimento de infecções, ativas ou latentes, no doador pode permitir uma melhor avaliação do risco e a adoção de medidas preventivas. Considerando-se a escassez de órgãos, em relação ao número de pacientes em lista de espera para o transplante, o uso de órgãos limítrofes, incluindo aqueles com risco de transmissão de infecção, é uma realidade presente. Conhecer esse risco, por meio de adequada avaliação epidemiológica, clínica e laboratorial do doador, é essencial para diminuir as consequências e melhorar a sobrevida do receptor do órgão. Essa avaliação e seleção são mais difíceis no doador falecido, devido ao curto período de tempo disponível (B).(131)
Infecções bacterianas
Em relação às infecções bacterianas, o maior risco de transmissão ocorre em doadores com bacteremias, tanto por cocos Gram-positivos quanto por bacilos Gram-negativos (B).(127,132) Avaliações programadas, com coletas de hemoculturas dos doadores, detectam bacteremia em aproximadamente 5% dos casos, mesmo sem evidência clínica de infecção (A).(133,134) Estudos de intervenção têm demonstrado, no entanto, diminuição significativa no risco de transmissão, quando o doador recebeu pelo menos 48 horas de antibioticoterapia, com melhora clínica, e o receptor recebe tratamento orientado pelo agente isolado no doador, por pelo menos 7 dias. Os estudos foram realizados principalmente em doadores com endocardite e meningite (B).(135-137) A realização de hemoculturas deve, portanto, ser realizada em todo doador, para investigar infecção e agentes eventualmente não diagnosticados e orientar a terapia com antibióticos no receptor (B).(127,131) No caso de doação de pulmão, a obtenção de secreção respiratória também deve ser realizada, pois há evidências de infecção no receptor pelos microrganismos que colonizam as das vias aéreas do doador (B).(138) Um aspecto importante e controverso é o uso de órgãos de doadores colonizados ou infectado por bactéria classificada como multidroga resistente. Não há dados na literatura que suportem o uso ou não de desses órgãos (C).(130,139,140)
Transmissão de tuberculose por órgãos transplantados também tem sido descrita. (B).(141) A evolução da infecção no receptor pode ser fatal, e doador com infecção conhecida deve ser descartado. A avaliação de infecção latente no doador, utilizando métodos radiológicos, teste cutâneo de sensibilidade ou testes de avaliação de liberação de interferon gama, é de mais difícil realização, e um resultado positivo não necessariamente exclui o doador, mas pode orientar medida preventiva no receptor (C).(142)
A sífilis é outra infecção bacteriana que pode estar latente ou assintomática no doador, e casos de transmissão por transplante de órgãos foram relatados. A infecção não constitui contraindicação para a doação, no entanto o receptor deve receber curso adequado de tratamento após o transplante (B).(143)
Recomendação: Coletar pelo menos um par de hemoculturas de todos os doadores. Em caso de doação de pulmão, coletar também secreção de vias aéreas para cultura (B). Recomendação Forte.
Recomendação: Coletar urocultura em caso de doação de rim (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Não contraindicar a doação a partir de doadores com infecção bacteriana, desde que o doador esteja recebendo antibioticoterapia eficaz, preferencialmente, por pelo menos 48 horas (B). Recomendação Forte.
Recomendação: Antibioticoterapia, orientada pelo microrganismo isolado no doador ou pelos antibióticos utilizados no mesmo, deve ser mantida no receptor por pelo menos 7 dias (C). Recomendação Forte.
Recomendação: A colonização do doador por bactéria multidroga resistente não contraindica a doação, exceto nas seguintes situações: colonização por bactéria sem opção de terapêutica eficaz e colonização no sítio a ser transplantado (vias urinárias para transplante renal; trato gastrintestinal para transplantes de fígado, pâncreas e intestino; trato respiratório para transplante de pulmão e relacionada a cateter venoso central para transplante de coração) (C). Recomendação Fraca.
Recomendação: Órgão de doador com tuberculose ativa, sem pelo menos 2 meses de terapia eficaz, não deve ser utilizado (C). Recomendação Forte.
Recomendação: Sorologia para sífilis não contraindica doação, mas o receptor deve receber tratamento específico após o transplante (C). Recomendação Forte.
Infecções virais
As infecções virais também podem ser transmitidas pelo órgão transplantado, porém há muitas séries de casos utilizando doadores positivos para diversos vírus, com risco diminuído, especialmente se utilizados em receptores também positivos e quando medidas preventivas são adotadas (C).(130) Dessa forma, doador com evidência de infecção resolvida pelo vírus da hepatite B (anti-HBc positivo isolado ou com anti-HBs positivo) tem sido utilizado em receptores portadores do vírus da hepatite B (VHB) ou pacientes com imunidade (anti-HBs positivo), com risco mínimo de transmissão ou reativação quando profilaxia antiviral específica é instituída (C).(144-146) De maneira semelhante, órgãos de doadores positivos para o vírus da hepatite C (VHC) têm sido utilizados em receptores também positivos e com viremia presente, em transplantes de fígado e de rim, com uma boa relação risco-benefício, em análises que incluem sobrevida em lista de espera (C).(147,148) Os herpesvírus (CMV, vírus do herpes simples humano- HSV, EBV, herpes virus humano - 6 - HHV-6) também podem ser transmitidos pelo órgão, e a infecção primária pós-transplante, ou seja, a que ocorre em pacientes previamente soronegativos, em geral está associada a maior risco de manifestações clínicas e à gravidade. Existem, no entanto, medidas preventivas, seja com profilaxia ou terapia preemptiva, que permitem a realização do transplante entre pares sorodiscordantes para os herpesvírus (B).(149-151) Uma discussão atual é o uso de doadores portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) em receptores também positivos. Apesar dessa medida ter sido adotada em pouco mais de 30 pacientes na África do Sul, com resultados iniciais satisfatórios, mais dados são necessários para se considerar essa indicação (C).(152)
A avaliação por sorologia para VHB, VHC e HIV pode resultar negativa em infecções no período de janela imunológica. Por esse motivo, a avaliação por NAT tem sido recomendada, especialmente em casos de alto risco para essas infecções (D).(130)
Recomendação: Todo doador deve ser investigado, por sorologia, para as seguintes infecções virais: VHB, VHC, HIV, HTLV-1/2, CMV, HSV e EBV (A). Recomendação Forte.
Recomendação: Doador com risco aumentado para infecção (Quadro 4) por VHB, VHC e HIV pode ser avaliado também por NAT, em locais onde o teste for disponível (C). Recomendação Fraca.
Recomendação: Órgão de doador com sorologia positiva para o VHC pode ser utilizado em receptores de rim ou de fígado portadores de VHC (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Doadores com presença de anti-HBs positivo isolado (vacina) podem doar todos os órgãos para qualquer receptor, independentemente da sorologia deste (A). Recomendação Forte.
Recomendação: Doadores com anti-HBs positivo e anti-HBc positivo ou com anti-HBc positivo isolado (HBsAg e anti-HBs negativos) podem doar órgãos para receptores portadores do VHB e receptores com evidência de imunidade (anti-HBs positivo). Nestes casos deve-se realizar profilaxia pós-transplante (C). Recomendação Forte.
Recomendação: Doadores com HBsAG positivo podem, a critério da equipe transplantadora, ser considerados para doação de rins para receptores HBsAG positivos ou com anti-HBs positivo (imunizados) com profilaxia pós-transplante (D). Recomendação Fraca.
Recomendação: Sorologia positiva para CMV, HSV ou EBV não contraindica doação. O resultado da sorologia é útil para a adoção de medidas preventivas pós-transplante (B). Recomendação Forte.
Recomendação: Órgão de doador positivo para HIV ou HTLV-I/II não deve ser utilizado (C). Recomendação Forte.
Infecções fúngicas
Infecção fúngica invasiva sistêmica no potencial doador é, em geral, uma contraindicação à doação. As micoses endêmicas, como a histoplasmose e a paracoccidiodomicose, são mais difíceis de diagnosticar, e há casos relatados de transmissão. Não há recomendações uniformes para a avaliação e a seleção desses casos (C).(131,153)
Recomendação: Órgão de doador com infecção fúngica invasiva não deve ser utilizado (C). Recomendação Forte.
Recomendação: Proceder à investigação de dados clínicos e epidemiológicos de micoses endêmicas em todos os doadores (D). Recomendação Fraca.
Infecções parasitárias
Em relação às infecções parasitárias, uma importante questão é o risco de transmissão de toxoplasmose, especialmente no transplante de coração. O risco é significativamente maior quando o doador é soropositivo e o receptor soronegativo. A doação não é contraindicada nesses casos, mas profilaxia deve ser adotada no receptor (B).(154) Outra infecção parasitária de grande interesse é a doença de Chagas. Transmissão inadvertida já foi relatada, e a investigação sorológica deve ser feita em todos os doadores de áreas endêmicas, como no Brasil. Há pequenas séries de casos, em transplante de rim e transplante de fígado, com uso de doador soropositivo para receptor soronegativo, com adoção de profilaxia pós-transplante com benzonidazol, sem evidência de transmissão (C).(155,156) A recomendação de aceite, no entanto, não pode ser feita de forma generalizada e, nos casos de urgência que ocorrerem, deve ser periodicamente realizada vigilância de infecção aguda no receptor, por meio de métodos que detectem alta parasitemia, mesmo se a profilaxia for utilizada (D).(157)
Recomendação: Todo doador deve ser investigado, por sorologia, para toxoplasmose e doença de Chagas (A). Recomendação Forte.
Recomendação: Órgão de doador soropositivo para toxoplasmose pode ser utilizado. Se o receptor for soronegativo, recomenda-se profilaxia específica nestes casos, especialmente em transplante de coração (B). Recomendação Forte.
Sugestão: Órgão de doador soropositivo para doença de Chagas pode ser considerado tanto para receptor soropositivo quanto soronegativo. Nestes casos, proceder à profilaxia e/ou ao monitoramento de doença aguda ou reativação pós-transplante (D). Recomendação Fraca.
21. Como lidar com o doador com histórico de neoplasia?
Comentário: O risco de transmissão acidental de neoplasias de doadores a receptores é raro.(73,158) No registro da United Network for Organ Sharing (UNOS), de abril de 1994 a dezembro de 2000, foram avaliados 35.503 doadores falecidos e 109.749 órgãos transplantados, e 9 doadores transmitiram neoplasias (taxa de transmissão da doação de 0,025%) a 12 receptores (taxa de transmissão no órgão de 0,01%).(159) Porém, devido a graves consequências, deve-se realizar um estudo cuidadoso de todos os potenciais doadores para evitar a transmissão inadvertida,(158-161) assim como os doadores diagnosticados com neoplasias não devem ser considerados para a doação de órgãos (D)(73,160,162,163) ou tecidos e células (D),(164,165) exceto aquelas com baixo grau de malignização ou localizadas como (D):(73,160,162-165)
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Tumores de pele, como o carcinoma basocelular e o epidermoide.
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Carcinomas in situ, como o de colo de útero.
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Tumor renal diagnosticado durante a remoção ou o implante, que pode ser aceito se tiver tamanho ≤ 4 cm, as margens estiverem livres e apresentar grau histológico I-II de Fuhrman (C).(73,162,166,167)
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Tumores primários do SNC, de acordo com a recomendação do Conselho Europeu (Quadro 5):(74)
Grupo 1 - Raramente cursam com metástase fora do SNC e podem ser considerados para a doação.
Grupo 2 - Apresentam risco de transmissão quando coexistem com outros fatores de risco e só devem ser usados na ausência desses fatores.
Grupo 3 - Apresentam importante risco de transmissão e só podem ser utilizados nos casos de urgência e informando o receptor.
Para o caso específico de doadores de córneas, doadores com doença maligna podem ser avaliados e considerados, exceto aqueles com retinoblastoma, doenças hematológicas e tumores do segmento anterior do olho (D).(165)
Embora existam alguns relatos de transmissão de tumor primário do SNC para o receptor,(159,168-175) os registros do Reino Unido,(175) Austrália, Nova Zelândia,(176) República Checa(177) e Espanha(178) dos transplantes realizados na década de 1990, antes da recomendação da Comunidade Europeia, não revelaram nenhum caso de transmissão do tumor e, no relato da UNOS, nos Estados Unidos, com 175 receptores e que o tumor do doador era glioblastoma multiforme, a transmissão ocorreu em três receptores (1,7%) de um doador.(179) Baseado nesses dados, o Advisory Committee on the Safety of Blood, Tissues and Organs considerou como maior o risco de morrer na lista sem realizar transplante, do que o risco de contrair o tumor e, a partir de 2012, deixou de contraindicar a doação nos casos de tumor primário do SNC, independente do tipo histológico, considerando como "doador limítrofe".(180) Esta situação está sendo utilizada apenas no Reino Unido, e os pacientes considerados para transplante são informados do pequeno (mas definitivo) risco de transmissão, assim como das chances de sobrevida se escolhem permanecer em lista de espera.(181)
Os maiores fatores de risco envolvidos na transmissão de tumores primários do SNC são:(162,168,176) tipo histológico e grau de malignidade; antecedentes de craniotomia ou cirurgia estereotáxica; presença de derivação ventrículo-sistêmica; antecedentes de quimioterapia ou radioterapia; e duração da doença e tempo de sobrevida depois da cirurgia.
Para doadores com câncer no passado, não existe evidência suficiente para aconselhar um período de tempo livre de doença neoplásica para aceitá-lo como doador. Entretanto, algumas neoplasias no passado, independente do período de tempo decorrido, como câncer de mama, sarcoma de partes moles e melanoma, desenvolvem metástases tardias com maior frequência, com maior risco de transmissão da neoplasia.
O doador deve ser sempre cuidadosamente avaliado (história clínica, exame físico, exames complementares e inventário cirúrgico durante a retirada dos órgãos) para evitar a transmissão acidental de neoplasias (ver questão 15):(73,158,182)
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- A solicitação de marcadores tumorais deve ser restrita a situações específicas como:
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a) Betagonadotrofina humana (beta-HCG) em mulheres em idade fértil, pois está aumentada nos casos de coriocarcinoma (D).(73)
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b) Antígeno prostático específico (PSA) não está indicado (D).(183)
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c) Outros marcadores tumorais só devem ser considerados diante da suspeita consistente do tumor, ou para conhecer a evolução ou possível recidiva de um tumor prévio (D).(73)
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- O exame anatomopatológico está indicado em três situações (D):(73)
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a) Presença de tumor ou linfoadenpatia suspeita de neoplasia observada na extração (anatomopatológico por congelação).
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b) Morte encefálica ocasionada por lesão intracraniana suspeita de metástase ou para caracterizar o grau histológico de malignidade de tumor primário (cortes por congelação em 2-3 horas, e incluir em parafina por 24 horas).
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c) Na suspeita de tumor maligno de próstata, ela é extraída em bloco para exame anatomopatológico por congelação, seguido posteriormente por anatomopatológico completo.
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Recomendação: Deve-se avaliar individualmente cada caso, pesando o risco de transmissão tumoral do doador com o grau de urgência do receptor e seu risco de falecer em lista de espera (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Contraindicar a doação de órgãos, tecidos e células quando houver (independentemente do tempo decorrido da doença) história de tumor de mama, melanoma, sarcoma de partes moles e neoplasia hematológica. Pode configurar exceção a existência de pacientes em situações de urgência máxima para transplante (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Considerar a validação do doador de órgãos em caso de outras neoplasias com período livre de enfermidade de 3 anos, 5 anos ou mesmo de 10 anos sem recidiva tumoral. A decisão deve ser individualizada de acordo com o tipo e as características do tumor (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Em doadores com tumores primários do SNC, a validação do doador deve ser analisada mediante classificação criteriosa conforme recomendação do Conselho Europeu (Quadro 5) (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Realizar beta-HCG em mulheres em idade fértil. Demais marcadores tumorais só devem ser solicitados na presença de dados clínicos de suspeita de tumor (D). Recomendação Fraca.
22. Como são caracterizados os pacientes de alto risco de transmissão de doenças virais? Quais os cuidados a serem tomados na avaliação de pacientes de alto risco?
Comentário: Doadores de alto risco são aqueles que apresentam um risco aumentado de transmissão de HIV, bem como de hepatites B e C durante o período da janela imunológica, tempo entre aquisição da infecção e a detecção sorológica, e fazem parte das categorias de comportamento de risco criadas pela Organ Procurement and Transplant Network (OPTN). Os critérios para definição de doadores de alto risco estão demonstrados no quadro 4(B).(113) Os órgãos desses doadores, apresentam um risco maior de transmissão de doença que o risco associado com órgãos de outros doadores. O risco é baixo, mas não é insignificante.
Em uma revisão sistemática sobre doadores classificados de alto risco para transmissão de HIV, o risco variou de 0,09 - 12,1 por 10 mil doadores quando realizado pelo enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA), e 0,04 - 4,9 por 10 mil doadores com base no NAT. Os doadores da categoria usuário de drogas injetáveis apresentaram o maior risco de transmitir infecção no período da janela imunológica quando comparados com outras categorias (B).(114) Outra revisão sistemática também concluiu haver risco bastante significativo de transmissão de hepatite C no período da janela imunológica em doadores usuários de drogas injetáveis (B).(113) Entretanto, para muitos receptores, o risco de uma infecção nesse período não se aproxima do risco de morte na lista de espera (D).(184)
O risco de transmissão pelos órgãos desses doadores de alto risco deve ser balanceado com o risco do receptor em morrer na lista de espera, enquanto aguarda um órgão (C).(185) A decisão da utilização desses órgãos deve ser dividida com a equipe transplantadora juntamente do consentimento informado do receptor (D).(186)
De modo geral, para doadores de alto risco, é recomentada a realização do teste de amplificação do NAT para HIV, para o VHB e para VHC, com o objetivo de diminuir o risco de transmissão e aumentar a utilização do órgão (D).(112,186)
Recomendação: Potenciais doadores de alto risco de transmissão de algumas doenças virais devem ser caracterizados conforme categorias definidas pela OPTN (Quadro 4) e devem ser avaliados em relação ao risco aumentado de infecção recente por HIV, VHB ou VHC (D). Recomendação Forte.
Recomendação: Em doadores de alto risco, a relação risco/benefício deve ser avaliada criteriosamente pela equipe transplantadora. A efetivação do transplante de órgãos de doadores de alto risco deve ser informada e expressamente consentida pelo receptor (D). Recomendação Fraca.
Recomendação: Os profissionais de unidades de pacientes graves não devem contraindicar potenciais doadores, pois esta atribuição compete aos coordenadores de transplantes e transplantadores (D). Recomendação Forte.
PARTE 4: CONTRAINDICAÇÕES ÓRGÃO-ESPECÍFICAS
23. Quais condições constituem contraindicações órgão-específicas para a doação dos rins? Como se caracterizam os doadores ideais e doadores limítrofes de rins?
Comentário: a doação dos rins para transplantes pode ser contraindicada por (1) risco de transmissão de doenças, (2) função renal do doador, (3) idade do doador e (4) condição histológica do órgão.
1. A principal contraindicação absoluta é o risco de transmissão de doenças infecciosas ou neoplásicas com prognóstico ou evolução pior que a manutenção em terapia renal substitutiva - ver questão 19 (B).(187)
2. Condição vascular e função renal no doador:
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a) Devem ser avaliados os valores de Cr inicial (da internação ou do início do evento) e final (última Cr antes da remoção).
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b) Cr inicial de 1,5mg/dL (D)(188) ou 2mg/dL (D)(189) são consideradas como os valores máximos para rim adequado para doação (D).(190) Valores acima desses caracterizam o rim como critério expandido (RCE) ou excluem sua utilização.
-
c) Alguns autores recomendam o cálculo da filtração glomerular, utilizando a fórmula de Cockroft-Gault, que corrige peso, sexo e idade. No entanto, seu uso no doente grave é limitado.(191) Em pacientes com pequena variação da Cr plasmática em relação à admissão, o clearence de Cr calculado deve ser ≥ 50mL/min (D).(94)
Por outro lado, há relatos de uso de doadores em vigência de insuficiência renal aguda, com bons resultados (C).(71,91,95,192-194)
3. Idade do doador: Atualmente não há contraindicação absoluta para idade no transplante renal, porém doadores com mais de 70 anos devem ser considerados como RCE e estão relacionados com risco aumentado de morte e perda do enxerto, especialmente quando transplantados em receptores com menos de 60 anos de idade (B).(95)
4. Histologia: Se disponível, esclerose glomerular maior que 20%, em uma amostra de ambos os rins com mais de 25 glomérulos (D),(94) poderia contraindicar a doação. Possíveis indicações para biópsia intraoperatória do rim falecido são (D):(190)
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i) Doador com idade acima de 65 anos.
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ii) Cr acima de 1,5mg/dL.
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iii) História de hipertensão arterial sistêmica.
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iv) Presença de diabetes mellitus.
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v) Urinálise com anormalidades que possam sugerir doença glomerular.
Podem ser considerados doadores limítrofes, ou indicados apenas como RCE (D).(94,187)
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a) Idade acima de 70 anos, sem outros fatores de risco.
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b) Entre 60 e 70 anos de idade, história de diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, proteinúria significativa (acima de 1g/24 horas) e sinais de lesão de órgãos-alvo pela hipertensão ou diabetes mellitus.
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c) Se a taxa de filtração glomerular é inferior a 50mL/min, considerar transplante renal duplo ou exclusão do órgão.
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d) Biópsia renal evidenciando entre 5 e 20% de esclerose, em uma amostra de ambos os rins com mais de 25 glomérulos.
Recomendação: Contraindicar doação de rins sempre que a eventual transmissão de doença infecciosa ou neoplásica possa resultar em pior prognóstico ou evolução que a doença renal existente (D). Recomendação Forte.
Recomendação:A priori, Cr plasmática inicial acima de 2,0mg/dL contraindica o uso dos rins, ou então devem ser avaliados, do ponto de vista macroscópico e por biópsia (D). Recomendação Forte. Casos de insuficiência renal aguda, caracterizados pela elevação da Cr final, podem ser aceitos para a doação dos rins (C). Recomendação Forte. O uso sistemático da biópsia renal pode auxiliar na definição da contraindicação absoluta em alguns casos (D). Recomendação Forte.
Recomendação: São características dos doadores renais de critérios expandidos: idade > 70 anos (sem outros fatores de risco) ou entre 60 e 70 anos mais, diabetes mellitus ou hipertensão arterial sistêmica, ou proteinúria > 1g/24 horas); Cr > 2mg/dL, taxa de filtração glomerular < 50mL/min; biópsia renal evidenciando entre 5 e 20% de esclerose (amostra de ambos os rins com mais de 25 glomérulos) (D). Recomendação Fraca.
Recomendação: São características do doador de rins ideal: idade < 60 anos e Cr basal < 1,5 a 2mg/dL (D). Recomendação Fraca.
24. Quais condições constituem contraindicação para a doação do fígado? Como se caracterizam os doadores ideais e doadores limítrofes de fígado?
Comentário: A principal contraindicação absoluta é o risco de transmissão de doenças infecciosas ou neoplásicas com prognóstico ou evolução pior que doença hepática existente - ver questão 19 (B).(195) Atenção redobrada deve ser destinada às possíveis metástases hepáticas de coriocarcinomas, pois macroscopicamente são semelhantes a hemangiomas hepáticos (um tumor benigno muito prevalente em mulheres jovens). As vezes, metástases cerebrais de coriocarcinoma são responsáveis por sangramento no SNC e morte cerebral, fato que já facilitou que ocorressem transplantes de fígados com metástases hepáticas de coriocarcinoma descritos na literatura.
Um fígado cirrótico evidentemente preenche esse critério absoluto, mas a fibrose hepática a partir do grau 3 já torna o transplante temerário. Biópsia mostrando necrose superior a 20%, como em doadores relacionados com intoxicação por cocaína, determina sua negativa de uso (C).(196) Sabe-se também que a esteatose macrovesicular maior que 60%, associada ao tempo de isquemia fria maior que 12 horas, define risco elevado de inviabilidade do enxerto (B).(197) Se esse nível de esteatose está associado a idade maior que 65 anos com qualquer outro fator de risco e/ou elevação de gama GT acima de três vezes o normal e/ou tempo de protrombina menor que 40% e/ou plaquetas em número inferior a 60 mil, também contraindica, independentemente do tempo de isquemia (C).(100) Isoladamente, a idade do doador pouco contribui na decisão de aproveitamento do órgão, mas fígados de doadores com mais de 90 anos tendem ser descartados. Já com o diagnóstico de infecção, lesão ou trauma grave localizado no fígado, a contraindicação é definitiva. Elevações de transaminases espelham lesão hepatocelular, e níveis superiores a 300U/L com tendência de elevação devem ser analisados individualmente (D).(100,198,199)
Alguns aspectos clínico-laboratoriais podem ter pouca importância quando avaliados isoladamente, mas a combinação de variáveis pode criar um mosaico difícil de ser avaliado em qualquer estudo clínico.
Esteatose, tempo internação, idade, isquemia (por uso de vasopressores em doses altas), AST/ALT, gama GT e tempo de isquemia fria devem ser avaliados em conjunto. Raramente apenas um fator alterado vai ser contraindicação absoluta à doação. Trauma hepático é muito frequente em doadores falecidos cuja causa da morte encefálica seja TCE. Apenas lesões hepáticas mais graves são contraindicação à doação, como lesões com sangramento ativo, lesão de pedículos segmentares e grandes avulsões no parênquima.
Devemos sempre pesar o risco do enxerto do fígado não funcionar e o risco de mortalidade em lista de espera. O não funcionamento do fígado provoca um retransplante ou óbito do receptor. Apesar do mundo caminhar cada vez mais para ser mais elástico no aceite de enxertos não ideais, observa-se uma diminuição na incidência de não funcionamento primário. Somando-se a isso, a mortalidade em lista de espera continua aumentando, e considera-se que seja pelo menos oito vezes maior que o não funcionamento primário do fígado. Certamente um enxerto que funciona mal no período pós-operatório imediato provoca aumento do tempo de permanência na UTI e total, aumentando em muito o custo de um transplante de fígado.
Recomendação: Contraindicar doação de fígado sempre que a eventual transmissão de doença infecciosa ou neoplásica possa resultar em pior prognóstico ou evolução que a doença hepática existente (B). Recomendação Forte.
Recomendação: São contraindicações órgão-específicas para utilização do fígado para transplante: cirrose, infecção, lesões ou trauma tanto parenquimatosos como pediculares. Valores de transaminases por si só não contraindicam a doação. Valores maiores que 300U/L e com tendência de elevação devem ser avaliados pela equipe transplantadora (D). Recomendação Forte.
Recomendação: A idade isoladamente não caracteriza contraindicação para doação do fígado (D). Recomendação Forte.
Recomendação: A biópsia de fígado do potencial doador pode nortear a decisão de utilização desse órgão em associação com variáveis como tempo de isquemia fria, idade e valores laboratoriais (D). Recomendação Forte.
Recomendação: São características dos doadores hepáticos de critérios expandidos: idade > 60 anos, tempo de isquemia fria > 12 horas, presença de esteatose > 30% e tempo de internação na UTI > 5 dias. O conceito de critérios expandidos para doação de fígado não deve sobrepor às contraindicações absolutas à doação (D). Recomendação Fraca.
Recomendação: São características do doador ideal de fígado: até 50 anos de idade, menos de 5 dias de internação na UTI, sem alterações relevantes de provas e imagens hepáticas até a remoção, e/ou infusão de baixas doses de drogas vasopressoras (D). Recomendação Fraca.
25. Quais condições constituem contraindicação para a doação do coração? Como se caracterizam os doadores ideais e doadores limítrofes de coração?
Comentário: O transplante cardíaco bem-sucedido inicia-se com a seleção apropriada do doador. Entre diferentes variáveis presentes nas etapas do transplante, podemos afirmar que o sucesso tem seu ponto de partida, na troca de informações a partir do primeiro contato telefônico, quando deve ser estabelecida uma estreita colaboração entre a coordenação responsável pela captação de órgãos e o cirurgião cardíaco responsável pelo transplante. Os dois conceitos centrais e unificadores na seleção de um coração são: (1) a qualidade do coração do doador e (2) a adequação do coração do doador para necessidades individuais do receptor (D).(200) A utilização de um doador limítrofe só é justificada em situações em que o risco de morte do paciente devido à doença cardíaca é maior do que a oferecida pelo doador (D).(101) Porém observa-se um cenário de necessidades crescentes quanto à utilização de doadores limítrofes, provavelmente em razão da mudança no atual perfil dos pacientes em lista de espera. Receptores em uso de dispositivo de assistência uni ou biventricular como ponte para o transplante estão cada vez mais presentes mundialmente, e há também a presença maior de receptores com hipertensão pulmonar e disfunção renal em relação ao passado. O tempo de espera e o estado crítico de muitos receptores em lista são alguns dos elementos responsáveis por considerável pressão na equipe médica para o uso de doadores limítrofes. Diante desses fatores, torna-se importante uma análise crítica e individualizada, pela equipe, das características de um doador ideal, doador limítrofe e as contraindicações para doação. Essa análise deve conduzir a equipe à melhor opção entre aceitar ou negar o órgão ofertado, objetivando a melhor expectativa de sobrevida, seja para o receptor transplantado com um enxerto de doador limítrofe, ou para o caso de continuar em lista de espera aguardando um doador ideal.
A principal contraindicação absoluta é o risco de transmissão de doenças infecciosas ou neoplásicas com prognóstico ou evolução pior que doença cardíaca existente - ver questão 19.
Apesar da maior mortalidade nos pacientes que receberam corações provenientes de doadores acima de 64 anos, a idade não representa contraindicação absoluta para doação do coração (D).(101)
O aumento de enzimas cardíacas é extremamente comum em potenciais doadores. No entanto, níveis séricos de troponina não devem ser usados isoladamente como dado para contraindicar o transplante (D).(201)
A hipertrofia ventricular, isoladamente, não representa risco de mortalidade maior após o transplante (B),(202) mas deve ser considerada quando associada a outros fatores de risco, como idade do doador acima de 55 anos e tempo de isquemia superior a 4 horas (C).(202)
Parâmetros considerados desfavoráveis para a realização do transplante cardíaco são: acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico como causa do óbito do doador; idade > 50 anos; tempo de isquemia prolongado (acima de 240 min) (D);(101) uso de vasopressores em dose > 15mcg/kg/minuto; relação de peso doador/receptor < 0,8.
É consenso na literatura a relação entre idade avançada dos doadores e a maior mortalidade pós-transplante. Encontramos variações em relação ao limite de idade nas publicações. O artigo de revisão publicado por Kilic et al. aponta como doador tradicionalmente aceito aquele com idade inferior a 55 anos (D).(200) Fiorelli et al. concluíram, após coleta e análise de dados de instituições transplantadoras no Estado de São Paulo, que a idade do doador superior a 40 anos representa importante fator de risco para a sobrevivência após transplante cardíaco, contudo, o estudo merece considerações especiais em relação à população de doadores analisadas (C).(203) No entanto, um estudo de um único centro em Portugal (C)(204) mostrou incidência semelhante de rejeição aguda e mortalidade em 5 anos nos receptores que receberam o coração de doadores de 50 anos ou mais (média 52 anos) em comparação àqueles que receberam o coração de doadores com idade inferior a 40 anos (média 28 anos). Uma diferença estatística importante entre os grupos de doadores foi o tempo de isquemia significativamente menor no grupo de doadores mais velhos. Na verdade, em 58% do grupo de doadores mais velhos, o tempo de isquemia total foi abaixo de 60 minutos. Estudo multicêntrico da Espanha chegou a uma conclusão semelhante, sem diferença nas rejeições agudas e na mortalidade global entre os receptores de coração vindo de doadores acima e abaixo de 50 anos após ajuste para fatores de possível confusão, como idade do receptor e o regime de imunossupressão (C).(205)
A presença de bacteremia não contraindica o transplante, mas pacientes em choque séptico não são aceitos (D).(132,206,207) Recente publicação avaliando 26.813 transplantes de coração nos Estados Unidos, 995 dos quais receberam corações de doadores com cultura de sangue positiva, mostrou não ter influência na sobrevivência dos transplantados, apesar do fato de esses receptores apresentarem maior morbidade no momento do transplante (D).(208) É contraindicação a utilização de corações de potenciais doadores infectados pelo Trypanosoma cruzi (C),(206,209) assim como com hepatite B ou C crônica (D).(206) São infecções que configuram contraindicação absoluta à doação: HIV, HTLV-1, infecção viral sistêmica (exemplos: rubéola, raiva, adenovírus, enterovírus e parvovírus) e meningoencefalite viral (D).(206) Não há definição na literatura da doação de pacientes com infecção recente por dengue ou influenza. CMV e doadores com sífilis não contraindicam o transplante cardíaco (D).(206)
O uso de vasopressores (dopamina, noradrenalina e vasopressina) é muito comum no potencial doador e não contraindica, per se, a doação do coração para transplante. Somente pacientes considerados com choque refratário à reposição volêmica, altas doses de vasopressores, reposição hormonal e ainda persistindo com hipotensão arterial grave, principalmente com disfunção de múltiplos órgãos, representam contraindicação ao transplante cardíaco (D).(132,206,207) Além disso, problemas estruturais e alterações irreversíveis de contratilidade devem ser considerados contraindicação (C).(201-203,208-215)
Recomendação: Contraindicar doação de coração sempre que a eventual transmissão de doença infecciosa ou neoplásica possa resultar em pior prognóstico que o previsto para a doença cardíaca existente (B). Recomendação Forte.
Recomendação: É contraindicação órgão-específica para doação de coração: infecção por T. cruzi, malformação cardíaca grave, hipertrofia ventricular esquerda maior que 13mm, doença coronariana com mais de um vaso comprometido, arritmias malignas e persistência de instabilidade cardiovascular a despeito da maximização da terapia hemodinâmica (D). Recomendação Forte.
Recomendação: A terapia vasopressora e beta-agonista em altas doses pode comprometer o sucesso do transplante cardíaco, mas não o contraindica (D). Recomendação Fraca.
Recomendação: A elevação dos biomarcadores não contraindica o transplante cardíaco de modo absoluto, devendo-se relacioná-la com disfunção miocárdica persistente (D). Recomendação Forte.
Recomendação: São características dos doadores de coração com critérios expandidos: AVC hemorrágico como causa do óbito do doador, idade > 50 anos, tempo de isquemia fria > 240 minutos, uso de vasopressores em dose elevada e relação de peso doador/receptor < 0,8 (D). Recomendação Fraca.
Recomendação: São características dos doadores ideais de coração: fração de ejeção do ventrículo esquerdo > 50%; ausência de alterações estruturais e da contratilidade, índice cardíaco > 2,5L/min/m2 e pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP) ≤ 15mmHg. Mesmo que os valores não sejam alcançados, a doação de coração não deve ser descartada (D). Recomendação Fraca.
26. Quais condições constituem contraindicação para a doação do pulmão? Como se caracterizam doadores ideais e limítrofes de pulmão?
Comentário: Os critérios atualmente aceitos para validação do doador de pulmão são baseados em impressão clínica, ao invés de evidências consolidadas. Mesmo nos casos em que a radiografia de tórax sugere lesão pulmonar bilateral ou o doador tem alguma infecção, a decisão final sobre a doação deve ser compartilhada com a equipe transplantadora. A decisão final da utilização do pulmão para transplante deve ser realizada caso a caso com base nas características dos doadores e receptores (D).(102,112,113,216-219) Nos últimos 20 anos, a experiência tem demonstrado que muitos pulmões que não foram utilizados para transplante seguindo os critérios ideais para a doação poderiam ter sido utilizados sem prejuízo aos receptores. Há uma nítida necessidade de ampliação dos critérios tradicionais dos doadores, com o objetivo de diminuir a escassez de pulmões de doadores. No entanto, estudos de seguimento e acompanhamento são necessários para validar a eficácia e segurança dos critérios expandidos de aceitação. Neste contexto, os parâmetros de doação pulmonar foram ampliados nos últimos anos.
Os critérios expandidos para doadores de pulmão atualmente aceitos são: idade > 55 anos, radiograma do tórax com alterações localizadas ou unilaterais, tabagismo < 40 maços/ano, PaO2/FiO2 > 250 (com pressão positiva expiratória final - PEEP = 5cmH2O), ausência de trauma torácico extenso, sangue compatível, ventilação mecânica < 5 dias e presença de secreção de vias aéreas superiores (B).(216,217)
O doador ideal caracteriza-se por: idade < 55 anos, compatibilidade sanguínea, radiograma do tórax normal, tabagismo < 20 maços/ano, PaO2/FiO2 > 300 (com PEEP = 5cmH2O), ausência de trauma torácico significativo, ausência de história de cirurgia cardiopulmonar, ausência de germes à bacterioscopia, fibrobroncoscopia demonstrando árvore brônquica normal, sem sinais de broncoaspiração ou infecção, ventilação mecânica < 3 dias, ausência de história de neoplasia ativa ou recente (excluindo-se carcinoma escamoso ou basocelular de pele, câncer de colo de útero localizado, neoplasia cerebral primária com baixo potencial metastático e na ausência de procedimentos invasivos no cérebro e crânio), ausência de infecção por HIV, HBV ou HCV e de sepse não controlada (B).(102,113,216)
A principal contraindicação absoluta é o risco de transmissão de doenças infecciosas ou neoplásicas com prognóstico ou evolução pior que a doença pulmonar existente - ver questão 19 (D).(76,107,108,114-118,175,220-224)
Além destas, anormalidades pulmonares bilaterais na radiografia de tórax (C)(219,220) contraindicam o transplante de pulmão. Alguns relatos de casos também demonstraram que a utilização de enxertos de doadores com pulmão asmático pode estar associada a pobres resultados funcionais de curto e longo prazo (D).(219)
O desenvolvimento de sistemas de perfusão ex vivo para recondicionamento de pulmões lesados antes da implantação acrescenta uma nova ferramenta para a utilização de doadores marginais ou inicialmente considerados não adequados ao transplante (A).(225,226) Embora atualmente disponíveis em apenas um pequeno número de centros, a perfusão pulmonar ex vivo tem demonstrado melhorar significativamente a oxigenação e permite o transplante bem-sucedido de pulmões inicialmente considerados inadequados (A).(225,227,228)
Recomendação: Contraindicar doação de pulmão sempre que a eventual transmissão de doença infecciosa ou neoplásica possa resultar em em pior prognóstico que o previsto para a doença pulmonar existente (B). Recomendação Forte.
Recomendação: São contraindicações órgão-específicas de doação de pulmão: anormalidades pulmonares bilaterais na radiografia de tórax e doador com história de asma brônquica (C). Recomendação Forte.
Recomendação: Os doadores de pulmão de critérios expandidos são: idade > 55 anos, radiograma do tórax com alterações localizadas ou unilaterais, tabagismo < 40 maços/ano, PaO2/FiO2 > 250 (com PEEP = 5cmH2O), ausência de trauma torácico extenso, sangue compatível, mas não idêntico, ventilação mecânica < 5 dias e presença de secreção de vias aéreas superiores (B). Recomendação Fraca.
Recomendação: O doador de pulmão ideal caracteriza-se por: idade < 55 anos, compatibilidade sanguínea, radiografia do tórax normal, tabagismo < 20 maços/ano, PaO2/FIO2 > 300 (com PEEP = 5cmH2O), ausência de trauma torácico significativo, ausência de história de cirurgia cardiopulmonar, ausência de germes à bacterioscopia, fibrobroncoscopia demonstrando árvore brônquica normal, sem sinais de broncoaspiração ou infecção, e ventilação mecânica < 3 dias (B). Recomendação Fraca.
27. Quais condições contraindicam a doação do pâncreas? Como se caracterizam doadores ideais e doadores limítrofes de pâncreas?
Comentário: Em razão do transplante de pâncreas não ser considerado fundamental para salvar a vida do receptor, a avaliação clínica e laboratorial adequadas do potencial doador são essenciais tanto para a obtenção de um enxerto de qualidade, como para evitar a transmissão de enfermidades infecciosas ou neoplásicas ao receptor.
Devido à escassez da doação de órgãos, os critérios de aceitação têm sido cada vez mais ampliados, sendo aceitos doadores considerados "limítrofes". Atualmente, são poucas as contraindicações absolutas para doação de órgãos. A principal contraindicação absoluta é o risco de transmissão de doenças infecciosas ou neoplásicas com prognóstico ou evolução pior que doença existente - ver questão 19. Além disso, há outras situações que contraindicam a doação, que estão relacionadas à avaliação geral pela equipe de captação de órgãos ou a critério do cirurgião, no momento da retirada do órgão (D).(69,229) No caso específico da doação de pâncreas, descam-se: diabetes mellitus confirmada, pancreatite (aguda/crônica), esteatose ou edema pancreáticos importantes e cirurgia pancreática prévia.
Apesar de poucos critérios de contraindicação absoluta para doação de pâncreas, até 43% dos pâncreas oferecidos para transplante são recusados, e 23% descartados após avaliação macroscópica, evidenciando alto grau de subjetividade nessas contraindicações (B).(230) As variáveis demográficas relacionadas a um doador próximo do ideal para pâncreas podem ser definidas como (B):(101) doação após morte encefálica; idade entre 10 e 40 anos; índice de massa corporal (IMC) < 27,5kg/m2; e morte encefálica de causa não cerebrovascular.
Ressalva-se que a portaria do Ministério da Saúde 2.600, de outubro de 2009, estabelece 50 anos como limite superior de idade para doação de pâncreas e até 30kg/m2 como limite de IMC (B).(76)
Recentemente, o International Pancreas Transplant Registry (IPTR) publicou dados que confirmaram a importância de variáveis demográficas do doador, principalmente os mais jovens e com causa não cerebrovascular da morte encefálica, relacionadas a aumento da sobrevida a longo prazo (> 1 ano) do enxerto pancreático (B).(231)
Devido ao elevado índice de perda do enxerto pancreático com menos de 1 ano, a aceitação de um órgão doado depende da interpretação pessoal do cirurgião responsável pelo transplante, implicando em altos porcentuais de recusa, que podem não ser baseados em critérios formais. Com a tentativa de sistematizar a aceitação ou a recusa de pâncreas doados, alguns índices foram estabelecidos para auxiliar nessa escolha. Um deles é o Preprocurement-Pancreas-Suitability-Score (P-PASS), desenvolvido pelo Eurotransplant Pancreas Advisory Committee. Esse escore baseia-se em dados do doador avaliados no momento da notificação, resultando em um espectro de pontuação que varia de 9 a 28. Valores acima de 17 demonstraram três vezes mais recusa de órgão (B).(232) Os parâmetros incluídos são idade, IMC, tempo de internação em UTI, parada cardíaca, sódio, amilase, lípase e dose de catecolaminas. Apesar de ter sido desenvolvido para avaliar a chance de aceitação do órgão alguns centros testaram se poderia também predizer a sobrevida do enxerto em órgãos transplantados, e os resultados foram conflitantes. Uma avaliação retrospectiva do Eurotransplant mostrou sobrevida do enxerto pancreático em pacientes submetidos a transplante pâncreas-rim significativamente maior que 1 ano para órgãos de doadores com P-PASS < 17 (B).(233) Porém, dados de centros únicos não demonstraram diferença na presença de lesão de isquemia/reperfusão e nem na sobrevida do enxerto > 1 ano com a utilização desse mesmo índice (B).(234-236)
Outro índice foi desenvolvido a partir da análise retrospectiva de dados do Scientific Registry of Transplant Recipients. Trata-se do Pancreas-Donor-Risk-Index (P-DRI), com uma avaliação da qualidade do órgão para predizer a sobrevida do enxerto > 1 ano (B).(237) Fatores como sexo, idade, altura, raça, IMC, causa da morte encefálica, Cr, tempo de preservação e doação após morte cardíaca são avaliados. Um doador ideal teria P-DRI = 1. Idade maior que 45 anos, IMC > 30kg/m2, doação após morte cardíaca aumentam o P-DRI respectivamente para 1,56, 1,17 e 1,39, resultando em maior taxa de perda do enxerto pancreático em menos de 1 ano. Porém, alguns dados de centros únicos demostraram dados conflitantes relacionados aos critérios utilizados por esse índice, com resultados similares em pacientes com IMC > 30kg/m2 (B),(238) assim como com doadores com mais de 45 anos de idade (B).(239,240) Portanto, há ainda muito a se definir sobre critérios de indicação e contraindicação para doação de pâncreas e, para isso, um grande trial, o EXPAND study (Extended Pancreas Donor Program) está em andamento para avaliar critérios extendidos para doação e aceitação de pâncreas, e sua comparação na morbimortalidade, quando comparados aos critérios atualmente utilizados (A).(241)
Recomendação: Contraindicar doação de pâncreas sempre que a eventual transmissão de doença infecciosa ou neoplásica possa resultar em pior prognóstico ou evolução que a doença pancreática existente (B). Recomendação Forte.
Recomendação: São contraindicações órgão-específicas de doação de pâncreas: diabetes mellitus confirmada, evidências macroscópicas de pancreatite aguda ou crônica, esteatose ou edema pancreático importantes e cirurgia pancreática prévia (D). Recomendação Forte.
Recomendação: O doador de pâncreas ideal estaria na faixa etária de 10 - 40 anos, IMC < 27,5kg/m2 e com morte encefálica de causa não cerebrovascular (B). Recomendação Fraca.
Recomendação: Não há definição sobre as características do doador de pâncreas de critérios expandidos (D). Recomendação Forte.
28. Quais condições constituem contraindicação para a doação do intestino?
Comentário: Os critérios de seleção dos doadores são semelhantes aos considerados para os doadores do pâncreas, com atenção especial às alterações hemodinâmicas e à sorologia para CMV (C).(242-245)
De modo geral, para os doadores de intestino, respeitam-se as contraindicações absolutas gerais de qualquer órgão, que implicam em risco de transmissão de doenças infecciosas ou neoplásicas com prognóstico ou evolução pior que doença intestinal existente - ver questão 19.
Algumas particularidades referem-se ao limite de idade, idealmente até 50 anos, estabilidade hemodinâmica e manutenção de valores adequados de glicemia durante o período de manutenção do doador. Apesar de haver alguma evidência sobre efeitos deletérios da hiperglicemia e da hiperamilasemia do doador sobre a função dos enxertos, estas alterações bioquímicas isoladamente não representam critérios de exclusão para o aproveitamento do órgão (C).(242)
Doadores que recebem doses altas de droga vasoativas devem ser descartados. Um dos critérios mais importantes de avaliação é a análise macroscópica do órgão durante a retirada. Aspectos como líquido turvo e fibrina na cavidade peritoneal, edema das alças intestinais, hematomas, infiltração gordurosa do mesentério e sinais de má perfusão, constituem fatores de risco para possíveis problemas após o transplante (C).(241-247)
Os critérios para seleção de doadores de intestino são: idade entre 10 e 50 anos (para receptores adultos); peso entre 5 e 90Kg (para receptores crianças e adultos); e ausência de história de alcoolismo crônico.
Recomendação: Contraindicar doação de intestino sempre que a eventual transmissão de doença infecciosa ou neoplásica possa resultar em pior prognóstico ou evolução que a doença intestinal existente (B). Recomendação Forte.
Recomendação: Contraindicar a doação quando houver evidências macroscópicas de isquemia intestinal, doador com história de alcoolismo crônico, idade fora dos limites de 10 a 50 anos (para receptores adultos) e peso fora dos limites de 5 a 90kg (C). Recomendação Forte.
29. Quais condições constituem contraindicação absoluta para a doação de tecidos?
Comentário: A doação de tecidos se baseia na identificação de potenciais doadores de córneas, tecidos musculoesqueléticos (osso, tendão, meniscos e tecido osteocondral), válvulas cardíacas e vasos, além de pele. A cada ano, mais de 2 milhões de tecidos são implantados mundialmente (C).(247) Tal processo de reconhecimento dos doadores é complexo, tendo em vista que cada tecido possui contraindicações específicas, o que torna a abordagem do tema extremamente extensa. Tal fato se explica pela peculiaridade que envolve este tipo de doação, pois, diferente da doação de órgãos, os tecidos usualmente são utilizados em transplantes para a reabilitação de pacientes. Para tanto, a avaliação e exclusão de potenciais doadores inclui uma lista bastante abrangente de contraindicações e um padrão bastante rigoroso de seleção, normalmente maiores do que as contraindicações para doação de órgãos (C).(248)
Para fins didáticos, foram aqui listadas e discutidas as evidências relacionadas apenas às contraindicações absolutas mais comuns aos tecidos acima descritos, situações nas quais os possíveis doadores precisam ser excluídos, sem reservas, do pool de tecidos doados.
Os critérios para exclusão absoluta de potenciais doadores de tecidos podem ser didaticamente divididos em critérios associados a fatores de risco do doador, incluindo informações coletadas em prontuário, com familiares e exame físico do doador cadáver, e critérios laboratoriais, com destaque para métodos sorológicos.
Os fatores de risco selecionados a seguir são critérios considerados absolutos para a exclusão de doadores, pelo risco aumentado de transmissão de doenças, a saber:
1. Fatores associados a comportamento considerado de risco, nos 12 meses antecedentes a doação (item aplicável a todos os tecidos):
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Por uso de drogas ilícitas injetáveis, pelo risco aumentado de HIV, hepatite B e C, por meio da suposta prática de compartilhamento de agulhas contaminadas (C).(249) Sabe-se, por levantamento epidemiológico desde a década de 1990, do risco de transmissão viral entre doadores de sangue usuários de drogas (C),(250) e as evidências extrapoladas para o âmbito da doação de tecidos, por motivos de segurança, na ausência de fortes evidências científicas focadas no assunto.
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Pela prática de relações sexuais em troca de dinheiro, com múltiplos parceiros ou pela exposição a relações com parceiros sabidamente infectados, considerando-se a ocorrência do risco maior de atividades sexuais múltiplas desprotegidas. Estudos epidemiológicos abordando clínicas de doenças sexualmente transmissíveis (DST), em não usuários de drogas injetáveis, como descrito por Thomas et al. (C),(251) demonstravam, há quase 20 anos, a alta prevalência de HIV e vírus B e C em pessoas com práticas sexuais de risco. Outros estudos da mesma época, envolvendo especificamente profissionais do sexo (C),(251-253) (D)(254) também demonstraram alta incidência de contaminação viral entre essas pessoas.
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Pela prática de relações homossexuais entre homens, visto apresentarem relatos de maior incidência em relacionamentos com múltiplos parceiros e sem uso de preservativos. Em 1998, em uma coorte de homens homossexuais HIV negativos, Tabet et al. já descreviam aumento da incidência de DST nessa população (C).(255) Outro estudo epidemiológico, feito por Katz et al., publicado no mesmo ano, também corroborou essa realidade (C).(256)
2. Fatores associados a patologias diagnosticadas ou suspeitadas antes da doação, a saber:
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Presença sabida de neoplasia maligna com potencial metastático, HIV, DST, hepatite B ou C ou tuberculose ativa ou doença fúngica local ou sistêmica, pelo risco já estabelecido de contaminação do receptor (C). Também são contraindicações os casos em que há infecção bacteriana local. A infecção bacteriana sistêmica contraindica a doação de tecidos nos casos em que não foi possível controlar clinicamente o quadro séptico (ex.: manutenção da febre ou piora da febre da curva térmica, leucometria crescente, dependência de doses elevadas crescentes de vasopressores) até o momento da doação (B).(249,257-259) Chandrasekar et al., ao analisarem os registros de 1.000 doadores de tecidos, em 6% dos casos observou a exclusão dos mesmos, sendo que 53% dos casos excluídos estavam relacionado à infecção local significativa ou sistêmica (C).(260) Em estudo de Erbs et al. (C),(261) os doadores sépticos foram critério de exclusão em 29% dos casos avaliados para doação de córnea. Nesses casos, é consenso entre especialistas que os riscos de transplantar tecidos de doentes sépticos não compensam os benefícios, principalmente diante das hipóteses atuais de que pacientes sépticos são funcionalmente imunossuprimidos (B),(262) podendo aumentar o risco de infecções graves nos tecidos em questão.
Recomendação: Contraindicar doação de tecidos para transplantes sempre que a eventual transmissão de doença infecciosa ou neoplásica possa resultar em pior prognóstico ou evolução que a doença existente (B). Recomendação Forte.
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A presente diretriz é uma realização conjunta da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), com apoio da Central de Notificação, Captação, Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Estado de Santa Catarina (CNCDO/SC).
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Final da elaboração: fevereiro de 2016
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Editor responsável: Alexandre Biasi Cavalcanti
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2016