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Modelagem por compartimentos para integrar e comunicar conhecimento em nutrição

Compartmental modeling to integrate and communicate nutritional knowledge

Resumos

Esta palestra tem o objetivo de apresentar e discutir metodologias utilizadas para modelar e integrar o conhecimento clássico em nutrição animal, e o produzido por novas ciências moleculares como nutrigenoma, proteoma e metaboloma. Estas ciências e a bioinformática estão ajudando a expandir rapidamente o conhecimento dos sistemas biológicos de interesse em nutrição animal. Na palestra discutirei como é importante dedicar parte de nosso tempo a integrar o conhecimento existente para esclarecer os problemas em pesquisa, utilizando as ferramentas mais adequadas para evitar duplicação de pesquisas, que causam desperdício de recursos humanos, econômicos, e de tempo. A modelagem matemática por compartimentos utilizando programas de computador pode ser a melhor maneira de acumular estas informações, integrar diferentes descobertas, e comunicar o conhecimento atual dos sistemas, e do metabolismo de nutrientes às novas gerações, e avançar na determinação mais adequada das exigências nutricionais.

metaboloma; modelagem por compartimentos; nutrição; sistemas biológicos


This presentation aims to present and discuss methodologies used to model and integrate classical knowledge in animal nutrition, and new discoveries produced by new molecular sciences like nutrigenomics, proteomics and metabolomics. These sciences and bioinformatics are helping to expand >very quickly the knowledge of the biological systems of interest in animal nutrition. I will discuss the importance of dedicating part of our efforts to integrate current knowledge to prioritize research problems using the most adequate tools. This will help to avoid research duplication that causes waste of valuable resources. Compartmental mathematical modeling using computer software could be one of the best ways to accumulate this information. It can help to integrate new discoveries, communicate the knowledge about animal systems and nutrient metabolism to a new generation of scientists, and advance to more accurate determination of nutrient requirements.

biological systems; compartmental modeling; metabolomics; nutrition


NUTRIÇÃO DE NÃO RUMINANTES

Modelagem por compartimentos para integrar e comunicar conhecimento em nutrição

Compartmental modeling to integrate and communicate nutritional knowledge

Edgar O. Oviedo-Rondón

MVZ, MSc., PhD., Dipl. ACPV. Department of Poultry Science, College of Agriculture and Life Sciences. North Carolina State University, Raleigh, NC 27695-7608. USA

RESUMO

Esta palestra tem o objetivo de apresentar e discutir metodologias utilizadas para modelar e integrar o conhecimento clássico em nutrição animal, e o produzido por novas ciências moleculares como nutrigenoma, proteoma e metaboloma. Estas ciências e a bioinformática estão ajudando a expandir rapidamente o conhecimento dos sistemas biológicos de interesse em nutrição animal. Na palestra discutirei como é importante dedicar parte de nosso tempo a integrar o conhecimento existente para esclarecer os problemas em pesquisa, utilizando as ferramentas mais adequadas para evitar duplicação de pesquisas, que causam desperdício de recursos humanos, econômicos, e de tempo. A modelagem matemática por compartimentos utilizando programas de computador pode ser a melhor maneira de acumular estas informações, integrar diferentes descobertas, e comunicar o conhecimento atual dos sistemas, e do metabolismo de nutrientes às novas gerações, e avançar na determinação mais adequada das exigências nutricionais.

Palavras chaves: metaboloma, modelagem por compartimentos, nutrição, sistemas biológicos

ABSTRACT

This presentation aims to present and discuss methodologies used to model and integrate classical knowledge in animal nutrition, and new discoveries produced by new molecular sciences like nutrigenomics, proteomics and metabolomics. These sciences and bioinformatics are helping to expand >very quickly the knowledge of the biological systems of interest in animal nutrition. I will discuss the importance of dedicating part of our efforts to integrate current knowledge to prioritize research problems using the most adequate tools. This will help to avoid research duplication that causes waste of valuable resources. Compartmental mathematical modeling using computer software could be one of the best ways to accumulate this information. It can help to integrate new discoveries, communicate the knowledge about animal systems and nutrient metabolism to a new generation of scientists, and advance to more accurate determination of nutrient requirements.

Key words: biological systems, compartmental modeling, metabolomics, nutrition

A nutrição animal é uma ciência em contínua evolução. Porém, os pesquisadores da área de nutrição animal, em muitas partes do mundo, ainda vêm os animais como uma caixa preta. Geralmente, em nutrição animal aplicada avaliamos as entradas de nutrientes e as possíveis conseqüências no crescimento, produção e excretas. Estas metodologias têm sido suficientes para determinar exigências nutricionais, formular dietas e melhorar o desempenho animal. Temos conseguido grandes avanços para produzir suficiente proteína de origem animal para alimentar o mundo. Porém, a pressão nos custos de produção, na disponibilidade de recursos para pesquisa, na necessidade de reduzir o impacto ambiental dos animais, melhorar a saúde animal, e a constante seleção genética, nos leva a pensar que temos que evoluir na maneira de conduzir pesquisa em nutrição de monogástricos.

Avanços em nutrição animal

A pesar do trabalho dos pesquisadores nos últimos 150 anos, alguns dos mecanismos internos de utilização de nutrientes ainda são desconhecidos, ignorados, não quantificados, ou são simplesmente teorizados. A falta de conhecimento e quantificação do metabolismo de nutrientes obriga a contínua reavaliação das exigências nutricionais, cada vez que um novo genótipo aparece. Entretanto, na produção animal podemos ter animais com potenciais genéticos diferentes a cada dois anos no caso dos suínos, e a cada ano em aves, isso ocorre devido ao constante esforço feito na seleção genética. Esta situação demanda altos custos para a pesquisa em nutrição, e a impossibilidade de que a nutrição prática acompanhe a evolução na genética.

As modificações que um nutricionista faz na dieta afetam cada órgão e sistema fisiológico dos animais. Em pesquisa nutricional, cada dieta experimental afeta muito mais que um nutriente, mesmo com os cuidados dos pesquisadores para procurar avaliar um fator de cada vez. Vários nutrientes podem ter efeitos sinérgicos, mas outros têm efeitos antagônicos. É difícil compreender detalhadamente todos os mecanismos de utilização dos nutrientes. Mais difícil ainda é diferençar entre os efeitos de cada dieta com múltiplos nutrientes dentro de cada órgão, e relacionar isto com a resposta animal como um todo. A nutrição tem efeitos crônicos na fisiologia do animal, que está constantemente variando durante a sua vida.

Conhecer em detalhe a interação genótipo e nutriente, com seus efeitos no metabolismo de cada animal é fundamental para poder atualizar rapidamente as exigências nutricionais e levar à sua utilização prática nas empresas comerciais de aves e suínos. Só com a compreensão destas interações é possível encontrar nossas falhas nutricionais, e assim obter o máximo desempenho, discernindo os limites de produção, e fazendo as alterações adequadas para melhorar a produção. Vários grupos de pesquisa têm entendido a importância deste assunto, e grandes avanços têm sido possíveis nos últimos anos utilizando modelagem do crescimento, composição corporal e embasamento bioquímico (Baldwin, 1995, Stevens, 1996; Oviedo-Rondón & Waldroup, 2002; Sakomura et al., 2005; McNamara, 2006). Estes avanços têm permitido gerar modelos para estimar com maior precisão as exigências nutricionais e predizer o consumo de alimento, o peso vivo, a conversão alimentar e as características da carcaça dos animais (Baldwin, 1995; Pettigrew, 1998; Oviedo & Murakami, 2002; Oviedo et al., 2002, 2003; France & Dijkstra, 2006; McNamara, 2006).

Apesar dos avanços, a maioria dos modelos utilizados atualmente são empíricos, baseados em dados de observações experimentais. Os modelos mecanísticos existentes consideram a composição química do animal (proteína, gordura, cinza e teor de umidade), ou os acréscimos de energia, ou o tamanho de alguns órgãos ou tecidos, porém não integram, nem estabelecem interações entre estes compartimentos. Os modelos atuais também não conseguem explicar interações entre minerais, vitaminas, aminoácidos específicos e os outros nutrientes. Estes modelos também não conseguem incorporar facilmente informações do genoma, metaboloma e outras novas ciências moleculares.

Isto indica que se devem desenvolver metodologias para modelar a resposta animal como sistemas ainda mais mecanicistas que considerem as diferenças na fisiologia celular entre tecidos (fígado, tecido conectivo vs muscular, tecidos esplânicos), o turnover de nutrientes, as transações entre os sub-componentes do sistema, a hierarquia entre nutrientes para a formação/degradação de tecido, e ao mesmo tempo permitam integrar as partes para dar a resposta do animal como um todo (Moughan, 2003; McNamara, 2006; Bequette et al., 2006). Esta proposta de pesquisa compreende um trabalho longo e coordenado entre pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, mas principalmente uma mudança no pensamento dos pesquisadores do empirismo para o mecanicismo e a pesquisa guiada por hipóteses originadas por conhecimento integrado de todos os fatores que afetam ao animal.

Não quero indicar que os outros tipos de modelos devem ser abandonados, ou seu desenvolvimento não seja válido. Muito pelo contrário, estes modelos mecânicos ao nível de componentes químicos ou de tecidos, ou ainda aqueles totalmente empíricos são válidos para estabelecer simulações e predições que podem complementar as descobertas em modelagem mecanicista. Roush (2006) discutiu com detalhes várias das metodologias de modelagem empíricas que podem ter grande acurácia de predição das respostas dos animais, e a integração de fatores na pesquisa e na indústria animal. Todas estas aproximações têm seu valor na aquisição e na integração do conhecimento.

Nutrigenoma e os novos conhecimentos disponíveis

As respostas dos animais aos nutrientes, e a todos os componentes da dieta, incluindo respostas aos fatores antinutricionais são mediadas por metabólitos. Estes metabólitos regulam a secreção de hormônios, e ao mesmo tempo são o resultado das modificações na expressão gênica. Nem todos os indivíduos de uma população respondem da mesma forma às intervenções nutricionais. Nem todas as comunidades microbianas que afetam o intestino dos animais respondem da mesma maneira as mudanças nas rações. A variabilidade na resposta entre indivíduos é baseada no código genético de cada animal, a interação com seu ambiente e com os microorganismos comensais. Entender essas diferenças é importante para poder melhorar os balanços nutricionais permitindo melhorar a eficiência no desempenho das populações animais, e reduzir seu impacto ambiental.

Graças ao término do mapeamento dos códigos genéticos de várias espécies animais de interesse econômico para a produção animal, o conhecimento da nutrição e do metabolismo tem se expandido mais rapidamente nos últimos 10 anos que em tudo o último século. Novas ciências têm surgido para ajudar a nutrição utilizando metodologias da biologia molecular como a expressão gênica (transcriptoma), proteoma, metaboloma, glycoma, fluxoma e bioinformática (Figura 1). A fusão da expressão gênica (genoma) com a nutrição foi inicialmente chamada de Nutrigenoma (Muller & Kersten, 2003), e rapidamente evoluiu para Sistemas Biológicos (Westerhoff & Hofmeyr, 2005) que incluem a integração de todas as novas ciências para compreender o sistema biológico como um todo, incluindo a resposta do animal, mas sempre dependendo de cada um de seus principais órgãos (Ashwell, 2005).


Os métodos moleculares oferecem importantes informações qualitativas e quantitativas dos sistemas vivos, esclarecendo o embasamento bioquímico que, em alguns casos, não tinham sido avaliados em células animais. Além disso, permitem encontrar diferenças em funções ou eficiências de utilização de nutrientes entre os diferentes tecidos ou entre indivíduos com diferente potencial genético (Ashwell, 2005). Métodos como RT-PCR, microimpressão de oligonucleotídeos (microarrays), entre outras, produzem grandes quantidades de dados, e uma vez que só alguns deles podem ser publicados, o restante permanece em bancos de dados disponíveis na internet. Curiosamente, muitos pesquisadores da área genoma, proteoma e bioinformática concordam que o fluxo de informações é tão grande, que com cada nova publicação parece que entendemos menos o sistema e o metabolismo (Lazebnik, 2002; Hood, 2003; Westerhoff & Alberghina, 2005).

Estas novas áreas de pesquisa têm ocupado a maioria dos recursos econômicos disponíveis nos países desenvolvidos. Muitos pesquisadores vêem com preocupação a falta de integração do conhecimento (Baldwin, 1995; Lazebnik, 2002; Hood, 2003; McNamara, 2005; Westerhoff & Alberghina, 2005). Este tema é ainda mais transcendental em países em desenvolvimento em que os recursos para pesquisa não só são escassos, mas também precisam ter um retorno sócio-econômico mais rápido. Por isso, apesar dos benefícios das novas descobertas serem imensos, é indispensável tentar organizar os novos conhecimentos. A modelagem matemática compartimentalizada utilizando computadores tem sido utilizada por muitos anos para descrever sistemas complexos. Agora é mais importante ainda treinar os novos pesquisadores nestas áreas de modelagem para permitir essa integração do conhecimento.

Modelagem por compartimentos integrando o conhecimento

A mente humana ao contrário dos computadores pode analisar apenas alguns fatores de cada vez, sendo mais qualitativa do que quantitativa. Nosso entendimento é baseado principalmente em criar leis empíricas baseadas em poucos padrões de dados, mas quando um sistema como o metabolismo é influenciado ao mesmo tempo por três o quatro fatores, é impossível para a mente humana prever o resultado. O metabolismo é especialmente difícil de compreender porque estas reações bioquímicas têm comportamentos geralmente não lineares, podendo ser antagônicas, outras sinérgicas, outras independentes e algumas interagentes.

A modelagem tem ajudado por mais de cinqüenta anos a melhorar a compreensão da nutrição animal (Baldwin, 1995; McNamara, 2005; Oviedo & Waldroup, 2002). Os objetivos da pesquisa baseada em modelagem matemática são:

  • Integrar os conceitos existentes e dados em um formato compatível com as análises quantitativas e dinâmicas.

  • Reduzir as dificuldades conceituais em análises de interações entre elementos de sistemas complexos.

  • Avaliar conceitos e dados para estimar sua validade quantitativa e dinâmica.

  • Pré-avaliar hipóteses alternativas quando os conceitos são inadequados, e indicar necessidade de experimentação.

  • Estimar os valores dos parâmetros que não podem ser medidos diretamente e/ou ajudarem na interpretação de novos dados.

Áreas do conhecimento que podem ser integradas

Um animal é um sistema biológico dinâmico complexo que pode ser descrito por partes, descrevendo os sistemas fisiológicos ou órgãos que compartilham materiais, energia, ou nutrientes transformados (Atkins, 1969; Green & Green, 1990). A taxa de transferência de um material de um compartimento para outro é proporcional à quantidade ou concentração do material dentro de cada compartimento. Esta classe de modelos está governada pela lei de conservação de massas. O sistema pode ser descrito através de uma série de equações diferenciais lineares e não lineares. Os modelos por compartimentos agrupam e interconectam séries finitas de variáveis dinâmicas cujos parâmetros são estimados por cada uma das equações diferenciais antes definidas. As análises deste modelo matemático permitem obter informações sobre o comportamento cinético do material dentro das partes do sistema e do sistema em geral. Este tipo de análise é chamado de análise por compartimentos (Atkins, 1969). Os compartimentos do modelo são a representações mais simples da variação damassa Q em função dotempo t, pois, através da integração de equações diferenciais, é possível prever o comportamento dessa variação. Levando em consideração as partes, o pesquisador pode analisar as células, órgãos, sistemas e a resposta do animal em geral, formalizando a intuição física que se percebe sobre o sistema numa forma simples e razoável (Green & Green, 1990; Cobelli & Foster, 1998).

Dependendo do conhecimento do sistema, do metabolismo do nutriente, e os dados disponíveis, os modelos podem ser determinísticos ou estocásticos, dinâmicos ou estáticos (Baldwin, 1995; Oviedo-Rondón et al., 2002; France & Dijkstra, 2006). Para definir a resposta de um animal, um modelo determinístico pode ser apropriado, respeitando algumas condições. Mas, definitivamente para entender a variabilidade genética de uma população de animais é importante que o modelo evolua ao nível estocástico. Um modelo estocástico pode incluir informações da expressão gênica, proteoma, glycoma e fazer mais simples a compreensão do metaboloma. Os compartimentos de um sistema podem ser aditivos e podem estimar a resposta do animal como um todo.

Desenvolvendo os modelos

O conhecimento anatômico e fisiológico do animal, e do metabolismo e bioquímica dos nutrientes são absolutamente necessários para começar a modelagem por compartimentos. Uma vez que os compartimentos tenham sido definidos é necessário obter dados dinâmicos que permitam ter idéia do dinamismo do sistema e os fluxos de massas e nutrientes dos sistemas. Esta é a principal dificuldade para utilizar esta metodologia avançada de modelagem por compartimentos e poder integrar o metabolismo em animais monogástricos. Experimentalmente é difícil, mas não impossível obter estes valores, pelo tamanho dos órgãos, veias e artérias. Porém, este tipo de pesquisa tem sido realizado por muitos anos para farmacologia, toxicologia, nutrição e metabolismo em ratos e camundongos (Tuey & Matthews, 1980; Lao & Kamei, 2006) de menor tamanho que as aves e os suínos. Existem poucos dados de fluxo dinâmico entre órgãos em suínos (Pettigrew, 1995; Van der Meulun & Jansman, 1997; Ytrebø et al., 2006) e os dados são quase inexistentes em aves (Stevens, 1996). Um grupo de pesquisa da Universidade do Arkansas tem feito as primeiras tentativas para descrever fluxos de transporte de metabólitos de aminoácidos entre órgãos em aves (Wang et al., 1998; Song et al., 2000 a,b; Song et al. 2001).

Para obter dados de fluxo de massas entre órgãos, as ferramentas de eleição são os isótopos estáveis como traçadores (Green & Green, 1990; Cobelli & Foster, 1998). Os isótopos estáveis se comportam exatamente como os metabólitos (Bequette, 2006), proteínas (Stoll & Burrin, 2006), minerais (Turnlund, 2006), lipídeos (Murphy, 2006) ou qualquer outra massa a ser estudada, com as vantagens que o pesquisador controla a entrada do marcador no sistema, e não tem interferência da produção de metabólitos em cada compartimento.

Os isótopos estáveis de elementos leves ocorrem na natureza em concentrações mais baixas que seus homólogos, e por possuírem maior massa, com exceção do boro, são denominadas de isótopos pesados. Os isótopos pesados possuem comportamento químico muito próximo ao daqueles de maior abundância natural. Assim, são usados como traçadores em diferentes áreas da ciência, tanto com o uso de compostos contendo o elemento de interesse, com razão isotópica diferente daquela de ocorrência natural (compostos enriquecidos ou empobrecidos no isótopo pesado), como através do uso de variações na razão isotópica natural. A principal técnica de análise para isótopos estáveis é a espectrometria de massas, existindo outras técnicas, como a espectrometria de emissão (EMS) para a análise de abundância isotópica de 15N. Recentes revisões de literatura descrevem detalhadamente os protocolos, experimentos e análises de dados para utilizar diferentes isótopos estáveis no estudo do metabolismo intermediário de nutrientes (Bequette et al., 2006), o metabolismo de aminoácidos a nível esplâncnico (Stoll & Burrin, 2006), a lipogênese e o metabolismo de triglicerídeos (Murphy, 2006), e a biodisponibilidade e metabolismo de minerais (Turnlund, 2006).

Teoria de modelos por compartimentos

Em modelagem, um compartimento é uma quantidade de material definido que atua como se fosse uma mistura uniforme e cineticamente homogênea, localizada num espaço físico ou imaginário (Atkins, 1969; Green & Green, 1990). Cineticamente homogênea significa que cada partícula da substância a modelar tem a mesma probabilidade de tomar qualquer dos caminhos saindo do compartimento. O modelo por compartimentos vai ser representado por um número finito de compartimentos com interconexões específicos entre eles (Figura 2). Estas interconexões representam o fluxo de um material ou/e a transformação química deste. Os sinais de controle dos fluxos provenientes dos sistemas de controle endócrino, genético e metabólico podem também ser descritos em cada compartimento. Nestes casos, cada compartimento pode ser subdivido em compartimentos para o hormônio ou expressão de uma enzima e para o substrato especifico, os quais interagem para gerar novos produtos (Cobelli & Foster, 1998).


Tendo em consideração as definições anteriores, pode-se pensar em compartimentos como espaços físicos ou anatômicos dentro do animal. Desta forma, o plasma, as células do sangue, os músculos, as vísceras, o fígado, os rins, a glândula mamaria, e ou aparelho reprodutivo, entre outros, podem ser os compartimentos a serem escolhidos para modelar o metabolismo num animal (Cobelli & Foster, 1998; McNamara, 2006).

Experimentalmente nem todos os metabólitos podem ser mensurados e quantificados adequadamente. Para solucionar este problema a descrição matemática do modelo pode definir equações diferencias que permitem estimar aqueles parâmetros desconhecidos. Para solucionar adequadamente estas equações de um modelo por compartimentos num sistema complexo, devem ser modeladas tanto as moléculas (metabólitos, nutrientes) a serem estudadas ou rastreadas, chamadas de tracee model; como os isótopos estáveis utilizados como traçadores, chamados de tracer model. Algumas das fases de transformação do sistema podem ser determinadas quantitativamente por análises de laboratório na experimentação, se os dados não estão já disponíveis na literatura, mas algumas outras fases (compartimentos) não podem ser quantificadas experimentalmente. Juntando os dois modelos (tracee e traçador) é possível derivar as propriedades dos aspectos inacessíveis do sistema (Cobelli & Foster, 1998).

Lovatto e Sauvant (2001) descreveram muito bem as possíveis condições que as reações dentro de cada compartimento podem ter. Os fluxos de entrada e saída obedecem, na grande maioria dos casos, a dois tipos de modelos matemáticos: linear e não linear. Os modelos lineares (Figura 3) são baseados na lei de ação de massa, no qual o controle de fluxo é feito pelo compartimento doador numa função do tipo dQ/dt = k * Q. Essa forma de controle é observada principalmente em modelos nos quais os substratos não são limitantes e k pode ser estimado a partir de dados da literatura.


A outra forma de estabelecer o fluxo é a utilização de um modelo não linear, principalmente baseados na lei de Michaelis-Menten (Figura 4). Nesse caso, o fluxo entre dois compartimentos ij é controlado por Qi e por Qj de forma não-linear. Esse processo é clássico em cinética enzimática, na qual o fluxo é controlado pela concentração do substrato [E + S] e pelo produto de reação [E - S]. A vantagem da equação de Michaelis-Menten é que ela não necessita, para o estudo da velocidade da reação, das quantificações das variáveis [E] e [E - S], o que facilita sua resolução. Essa representação do controle dos fluxos entre os compartimentos, que vão determinar as trocas tissulares, visa reproduzir a função dos nutrientes oriundos dos alimentos e/ou da mobilização tecidual (Lovatto & Sauvant, 2001).


Resolvendo e avaliando os modelos por compartimentos

Uma vez que os compartimentos são definidos e os dados iniciais dentro de cada compartimento são obtidos, é possível começar a resolver o modelo. Para este processo, a maioria dos pesquisadores começa por considerar o sistema em estado estável (steady-state). O estado estável existe num sistema, se as massas de transferência e/ou transformação

de um compartimento a outro, tem taxas de remoção iguais às taxas de renovação, e consequentemente suas concentrações em cada compartimento permanecem constantes durante o intervalo de tempo onde as observações são medidas. Nos sistemas fechados, o estado estável é também um estado de equilíbrio dinâmico, mas logo que o sistema é aberto o equilíbrio desaparece. Conseqüentemente, para descrever situações reais do metabolismo de um animal é necessário modelar vários estados estáveis ou condições para obter as possíveis respostas do sistema às variações dos fatores que lhe afetam.

O passo seguinte é determinar os valores numéricos dos parâmetros desconhecidos no modelo a partir dos valores conhecidos. Este processo é chamado de Identificação do Modelo. Neste passo, pode-se identificar se os dados disponíveis são suficientes para determinar os parâmetros desconhecidos, ou se é necessário pesquisar alguns aspectos para derivar aqueles que não são conhecidos. Existem vários métodos matemáticos para avaliar como o modelo inicial pode servir para identificar ou estimar os outros parâmetros (Cobelli & Foster, 1998).

A identificação do modelo leva a estimar os valores numéricos que melhor se ajustam aos dados, ao desvio padrão, e aos coeficientes de variação. No caso de modelos lineares, os métodos mais comumente utilizados são métodos interativos como os quadrados mínimos não lineares sobrecarregados. Uma vez que os valores dos parâmetros são obtidos é importante fazer uma inspeção visual entre os dados e o modelo predito, e rodar testes sobre os resíduos ou erros do modelo. Dependendo da precisão do modelo, este pode ser considerado como adequado, subparametrizado ou sob-parametrizado. Análises de resíduos e a matriz de covariância das estimativas dos parâmetros podem ajudar nesta avaliação inicial.

A validação final do modelo depende da acurácia para predizer e dar resposta a variações do sistema. Isto é, o modelo pode simular o mundo real, pode estimar a resposta real do animal e aquelas respostas que não são facilmente mensuráveis. Simulação é a maneira mais econômica de experimentação. O valor final dos resultados de simulação depende da qualidade ou validez do modelo para descrever o sistema.

Grande parte deste processo de desenvolvimento dos modelos é feito no papel. No entanto, o manejo de dados experimentais, integração e derivação de parâmetros, e simulações podem ser feitas no computador com pacotes (software) estatísticos, ou com software específicos para modelagem por compartimentos como o WINSAAM II (Stefanovski et al., 2003), ou o Advanced Continous Simulation Language (ACSL) da AEgis Technologies Group, Inc. (http://www.aegistg.com/AEgisTechnologies.html).

Conclusões

E importante começar a integrar o conhecimento disponível em nutrição animal, o metabolismo e a expressão gênica para poder aplicar estas novas informações na vida prática e definir áreas de pesquisa cruciais para a evolução da nutrição animal.

A modelagem matemática por compartimentos é uma ferramenta valiosa para este processo de integração do conhecimento. Há necessidade de quantificar o metabolismo animal, os fluxos de nutrientes, e encontrar as diferenças em eficiências entre tecidos, órgãos e entre animais. Os isótopos estáveis são uma das metodologias necessárias para quantificar os fluxos de nutrientes entre tecidos no animal in vivo. O desenvolvimento de modelos mecanicistas para integrar metabolismo e expressão gênica deve seguir em paralelo aos trabalhos de modelagem clássica e mesmo aos trabalhos empíricos.

Os pesquisadores e profissionais em nutrição animal devem receber treinamento em modelagem matemática, e nas novas tecnologias moleculares da nutrigenoma e bioinformática para acompanhar a evolução de nossa ciência nos próximos anos.

Literatura citada

Correspondências devem ser enviadas para: edgar_oviedo@ncsu.edu

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Jul 2007
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