Parâmetros bioquímicos e estado nutricional de pacientes cirúrgicos com câncer gastrointestinal: revisão de literatura

RESUMO

Trata-se de revisão integrativa da literatura com o objetivo de identificar a relação dos parâmetros bioquímicos com o estado nutricional de pacientes cirúrgicos com câncer do trato gastrointestinal, desenvolvida em abril de 2019, incluindo as bases de dados SCOPUS (Elsevier), PubMed Central® (PMC) e Biblioteca Cochrane: Biblioteca Virtual em Saúde (BIREME). Utilizou-se a associação dos descritores “Gastrointestinal Neoplasm” AND “Nutritional Status” AND “Blood Chemical Analysis” com o auxílio do Programa Academical após a validação de protocolo. Dos 147 artigos analisados, sete foram incluídos na revisão por atender os critérios de inclusão. Dentre os resultados, evidenciaram-se associações relevantes entre os parâmetros bioquímicos e o estado nutricional. Observou-se que o estado nutricional depauperado pode influenciar negativamente o desfecho pós-operatório. O acompanhamento de equipes interprofissionais pode auxiliar na recuperação desses pacientes e evitar desfechos desfavoráveis.

Palavras chave:
Estado Nutricional; Neoplasia; Análise Química do Sangue; Serviço Hospitalar de Oncologia; Oncologia Cirúrgica

ABSTRACT

This is an integrative literature review with the objective of identifying the relationship between biochemical parameters and the nutritional status of surgical patients with cancer of the gastrointestinal tract, developed in April 2019, encompassing the databases SCOPUS (Elsevier), PubMed Central® (PMC), and the Cochrane Virtual Health Library (BVS). We used the terms “Gastrointestinal Neoplasm” AND “Nutritional Status” AND “Blood Chemical Analysis” with the aid of the Academical software after the protocol validation. Out of 147 articles analyzed, seven were included in the review, as they met the inclusion criteria. There were relevant associations between biochemical parameters and nutritional status. Impaired nutritional status can negatively influence the postoperative outcome. The monitoring of interdisciplinary teams can assist in the recovery of these patients and prevent unfavorable outcomes.

Keywords:
Nutritional Status; Neoplasm; Blood Chemical Analysis; Oncology Service, Hospital; Surgical Oncology

INTRODUÇÃO

O câncer é conjunto de doenças que se caracteriza pelo acúmulo de mutações progressivas e desordenadas no genoma de uma célula¹. Essas modificações podem ocorrer em genes especiais, chamados proto-oncogenes, que são inativos em células normais. Quando ativados, os proto-oncogenes convertem-se em oncogenes, responsáveis pela malignização das células normais nomeadas de células cancerígenas².

A interação entre o estado metabólico do hospedeiro, os aspectos nutricionais, a atividade física e outras exposições ambientais ao longo de todo o ciclo de vida são parâmetros envolvidos na proteção ou suscetibilidade ao surgimento do câncer³.

Estima-se para o Brasil, em cada ano do triênio 2020-2022, a ocorrência de 625 mil casos novos de câncer. Entre os cânceres mais incidentes estão o de pele não melanoma seguido pelos cânceres de mama e próstata, cólon e reto, pulmão e estômago⁴.

No Inquérito Brasileiro de Nutrição Oncológica, realizado em 2013, foi verificado que 45,1% dos pacientes avaliados apresentavam algum grau de desnutrição, sendo que, nos indivíduos com tumores de cavidade oral, esôfago e estômago, se encontraram percentuais de desnutrição ou risco nutricional que variaram de 62,0% a 84,0%⁵.

A depleção nutricional é problema comumente encontrado em pacientes com câncer e está associada a desfecho desfavorável. Pacientes com tumores gastrointestinais submetidos a procedimentos cirúrgicos apresentam alta prevalência de desnutrição devido à redução da ingestão de alimentos e aumento do gasto de energia, associados ao estresse cirúrgico, que resultam na deterioração do estado nutricional⁶. Nesse sentido, a detecção precoce das alterações nutricionais possibilita a intervenção em momento oportuno, prevenindo a ocorrência de alterações morfológicas e funcionais⁵.

Em geral, os métodos de avaliação nutricional utilizados rotineiramente não consideram fatores associados ao tratamento e aos efeitos colaterais e à resposta inflamatória em pacientes oncológicos, em especial, os portadores de tumores do trato gastrointestinal superior, que são mais gravemente afetados pela deficiência nutricional e imunológica e pelo efeito de grandes procedimentos cirúrgicos e as repercussões no pós-operatório⁷.

Entre os meios objetivos de avaliação do estado nutricional estão os parâmetros bioquímicos, que possibilitam a visualização de alterações do estado nutricional, tendo como vantagens a confirmação das deficiências nutricionais, a identificação precoce de problemas nutricionais antes do surgimento de sinais e/ou sintomas clínicos de ordem nutricional e o monitoramento do indivíduo em tratamento⁸.

A relação de causa e efeito entre estado nutricional deficitário e desfechos cirúrgicos adversos foi claramente estabelecida na literatura. A desnutrição coloca o paciente em risco aumentado para infecções, deiscência da anastomose, deiscência da ferida e morte⁹. Nesse sentido, questiona-se: “Qual a relação dos parâmetros bioquímicos com o estado nutricional de pacientes cirúrgicos com câncer do trato gastrointestinal?”.

Pacientes candidatos a procedimentos cirúrgicos devem ter o estado nutricional acompanhado previamente, visando identificar aqueles que podem desenvolver desnutrição ou os que já são internados com essa condição¹⁰.

Torna-se imprescindível, considerando-se os aspectos citados, o conhecimento dos parâmetros bioquímicos relacionados com o estado nutricional de pacientes oncológicos cirúrgicos com o intuito de promover a intervenção nutricional de forma antecipada e efetiva, visando minimizar o risco de intercorrências no pós-operatório e contribuir para melhor prognóstico. Para tanto, este estudo objetivou identificar a relação dos parâmetros bioquímicos com o estado nutricional de pacientes cirúrgicos com câncer do trato gastrointestinal.

MÉTODOS

Trata-se de estudo de revisão integrativa da literatura com a análise quali/quantitativa dos achados, desenvolvido após a validação de protocolo de revisão integrativa por dois pesquisadores externos à pesquisa.

A pesquisa foi desenvolvida incluindo as bases de dados SCOPUS (Elsevier); PubMed Central® (PMC) e Biblioteca Cochrane: Biblioteca Virtual em Saúde (Bireme). Ressalta-se que a Biblioteca Cochrane contempla as bases: Medical Literature Analysis and Retrieval Sistem online (MEDLINE); Scientific Eletronic Library Online (SciELO); Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). A busca nas bases de dados foi realizada pela associação dos descritores em português “Neoplasia Gastrointestinal” e “Estado Nutricional” e “Análise Química do Sangue” e, em inglês, “Gastrointestinal Neoplasm” AND “Nutricional Status” AND “Blood Chemical Analysis”, em abril de 2019, e os artigos foram importados para o Programa Academical, que tem como objetivo auxiliar na busca e organização dos artigos científicos em estudos qualitativos/quantitativos¹¹.

Consideraram-se critérios de inclusão os artigos científicos (relatos de experiência, revisões integrativas de literatura, artigos originais) publicados entre 2014 e 2019, disponíveis nos idiomas português, inglês e espanhol, disponíveis eletronicamente, gratuitos e que abordassem a relação dos parâmetros bioquímicos com o estado nutricional em pacientes cirúrgicos com câncer gastrointestinal.

Excluíram-se os artigos duplicados e os que não abordaram a relação dos parâmetros bioquímicos com o estado nutricional de pacientes cirúrgicos com câncer do trato gastrointestinal, sendo estes definidos fora do tema.

A busca primária nas bases de dados ocorreu via Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), com a importação dos artigos para o Programa Academical, que resultou em total de 147 artigos distribuídos conforme o fluxograma apresentado na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma de revisão integrativa gerada pelo Programa Academical¹³. Fonte: Programa Academical (2020).

Procedeu-se à leitura individual dos títulos e resumos dos trabalhos com a associação dos descritores, sendo que os trabalhos excluídos (n-114) foram removidos das etapas seguintes, permanecendo 33 estudos para a leitura completa. Neste momento, o critério aplicado para a exclusão foram estudos que não abordassem a relação dos parâmetros bioquímicos com o estado nutricional de pacientes cirúrgicos com câncer do trato gastrointestinal, classificados como fora do tema, ocasião em que dois pesquisadores realizaram a análise independente, culminando na exclusão de mais 26 estudos. Assim, a seleção final resultou na inclusão de sete artigos, os quais foram lidos novamente para posterior análise dos dados encontrados.

Este estudo utilizou a técnica de Análise de Conteúdo¹² para atender ao objetivo proposto e seguiu três fases distintas, a saber: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Por não envolver seres humanos, não foi necessária a aprovação do projeto em Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

Análise bibliométrica

Ao analisar as características dos artigos com relação ao ano de publicação, observaram-se duas publicações em 2015 e 2018. Não houve nenhuma publicação no ano de 2019, possivelmente pela coleta ter ocorrido até abril desse ano. Identificaram-se publicações também nos anos de 2014, 2016 e 2017, com um artigo por ano.

Houve diversidade de revistas em que foram publicados os vários artigos, uma vez que cada um foi publicado em periódico diferente na área de nutrição.

Em relação ao idioma de publicação, a maioria dos artigos (n= 6; 85,7%) foi publicada em inglês e um (n=1; 14,3%), no idioma espanhol. No entanto, um dos artigos publicados em inglês também se encontra disponível em português, fortalecendo a internacionalização do conhecimento^21.

Relação dos parâmetros bioquímicos com o estado nutricional

Evidenciou-se que os marcadores Índice Inflamatório Nutricional (INI) (p=0,026), Índice Prognóstico Inflamatório e Nutricional adaptado (mPINI) (p=0,026) e a Albumina (p=0,015) se associaram significativamente às categorias da Avaliação Global Subjetiva Produzida pelo Paciente (AGS-PPP). Porém, não houve associação estatisticamente significativa encontrada entre a AGS-PPP e os marcadores Escore Prognóstico de Glasgow modificado (mGPS) (p=0,090), Razão Neutrófilo-linfócito (NLR) (p=0,432) e Índice Nutricional Prognóstico de Onodera (mPNI) (p=0,417)¹⁴.

Estudo desenvolvido em hospital universitário de Vitória, no qual foi aplicada a AGS-PPP, identificou que 71,5% dos pacientes se encontravam com algum grau de desnutrição, dos quais 38,6% estavam com desnutrição grave, sendo que, destes, 58,6% e 55,7% dos pacientes apresentavam pior prognóstico de acordo com o mGPS e o INI, respectivamente. A hipoalbuminemia e níveis elevados de PCR também se associaram significativamente ao estado nutricional²².

Nesse sentido, pesquisadores encontraram diferença significativa (p= 0,010) nos níveis de albumina entre os três grupos de classificação da AGS-PPP (A, B e C). No entanto, o mesmo não ocorreu em relação à transferrina (p= 0,416). Vale ressaltar que estes parâmetros se encontravam reduzidos em 97,9% dos pacientes acompanhados¹⁵.

Outro estudo evidenciou diferenças estatisticamente significativas entre os níveis séricos médios de albumina e transferrina em relação à classificação do estado nutricional pela AGS, sendo que os pacientes gravemente desnutridos (AGS-C) foram os que apresentaram menores níveis séricos de albumina e transferrina, seguidos pelos moderadamente desnutridos (AGS-B) e os bem nutridos (AGS-A)²³.

Tabela 1
Artigos que abordam a relação dos parâmetros bioquímicos com o estado nutricional de pacientes cirúrgicos com câncer do trato gastrointestinal, Chapecó-SC, Brasil, 2020.

Título	Autores	Base	Idioma	Revista/Ano
Inflammatory and nutritional status of patients submitted to resection of gastrointestinal tumors14	Fruchtenicht, Ana Valéria Gonçalves; Poziomyck Aline Kirjner; Reis Audrey Machado dos; Galia Carlos Roberto; KabkeGeorgia Brum; Moreira, Luis Fernando	Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)	Inglês e Português	Rev. Col. Bras. Cir. 2018
Anemia, nutritional status and inflammatory activity in patients with gastrointestinal tumors in the preoperative phase15	Cavalcanti, Rafaella de Andrade Silva; Burgos, Maria Goretti Pessoa Araújo; Maio, Regiane	Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)	Inglês	Nutr. clín. diet. Hosp. 2018
Effects of omega-3 fatty acids on patients undergoing surgery for gastrointestinal malignancy: a systematic review and meta-analysis16	Yu Jing; Liu, Lian; Zhang Y, Wei Jia; Yang, Fan	Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)	Inglês	BMC Cancer 2017
Association Between Nutritional Status, Inflammatory Condition, and Prognostic Indexes with Postoperative Complications and Clinical Outcome of Patients with Gastrointestinal Neoplasia17	Costa, Milena Damasceno de Souza; Melo, Camila Yandara Souza Vieira de; Amorim, Ana Carolina Ribeiro de; Torres, Dilênia de Oliveira Cipriano; Santos Ana Célia Oliveira dos	Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)	Inglês	Nutr Cancer 2016
Nutritional assessment and screening for malnutrition18	Benoist, Stéphane; Brouquet, Antoine	Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)	Inglês	J. Visc Surg. 2015
Preoperative nutritional support in cancer patients with no clinical signs of malnutrition--prospective randomized controlled trial19	Kabata, Pawel; Jastrzebski, Tomasz; Kakol, Michael; Król, Karolina; Bobowicz, Maciej; Kosowska Anna; Janusz Jaskiewicz.	Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)	Inglês	Support. Care Cancer 2015
Relación entre estado nutricional y evolución postoperatoria, em cirugía oncológica digestiva20	Pañella, Loreto; Jara, Marlene; Cornejo, Morelia; Lastra, Ximena; Contreras, Maria Gladys; Alfaro, Kattia, Maza, María Pía De La.	Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)	Espanhol	Rev. méd. Chile 2014

• Fonte: Banco de dados dos Autores (2020).

A presença de inflamação sistêmica por meio de níveis séricos de Proteína C Reativa (PCR) foi superior (55,2%) à AGS-PPP (27,6%), mas não atingiu diferença estatística quando associada à frequência de complicações pós-operatórias¹⁷.

Em outro estudo, ao comparar as variáveis clínicas laboratoriais à AGS-PPP, apenas a hemoglobina foi significativamente menor no grupo C do referido instrumento. Os níveis de albumina sérica, a contagem de linfócitos e os valores de PCR não atingiram diferenças estatísticas conforme a AGS-PPP²⁰.

Pesquisadores observaram que a albumina apresentou correlação positiva e significativa com os escores da AGS-PPP. No entanto, quando comparadas com o Índice de Massa Corporal (IMC), nem albumina, nem a Contagem Total de Linfócitos (CTL) apresentaram resultados significativos¹⁰. Ainda, CTL e albumina associaram-se com o risco de complicações pós-operatórias, sendo indicadas para o monitoramento do estado nutricional e de complicações pós-operatórias¹⁰.

Outro estudo mostrou a associação da sarcopenia com a resposta inflamatória, mensurada pela elevada relação PCR/Albumina, sendo que esta relação é considerada marcador prognóstico independente para a sobrevida livre de recorrência em pacientes com câncer de esôfago²⁴. Nesse mesmo estudo, a sobrevida livre de recorrência foi significativamente pior em pacientes com invasão tumoral profunda, metástase linfonodal positiva, alta relação PCR/Albumina e alta NLR²⁴.

Foram identificados resultados significantes no que se refere ao percentual Perda de Peso (PP), sendo este correlacionado com o valor sérico de PCR (p=0,002), relação PCR/albumina (p=0,002), PINI (p= 0,002) e escore de Glasgow (p=0,000)17. Da mesma forma, foram verificadas associações estatisticamente significativas entre % PP e marcadores inflamatórios NLR, mPINI e INI¹⁴.

Em divergência a esse achado, pesquisadores observaram a ausência de atividade inflamatória na maioria dos pacientes estudados e também não foi encontrada correlação significativa da albumina sérica com a PCR²⁵. No entanto, apesar da ausência de correlação significativa, dos cinco pacientes avaliados que tiveram aumento nas concentrações séricas de PCR, três apresentavam valores séricos diminuídos de albumina (≤3 g/dL)²⁵.

Um grupo-intervenção e um grupo-controle foram acompanhados, sendo que o primeiro recebeu suplemento hiperproteico no pré-operatório. Constatou-se que os valores de todos os parâmetros reduziram significativamente (p= <0,001) no grupo-controle, com os valores de albumina e perda de peso limítrofes para a desnutrição, enquanto, no grupo de suplementação, os níveis aumentaram¹⁹.

Em investigação de pacientes pós-operatórios divididos em grupo-intervenção (suplementado com nutrição imunomoduladora) e grupo-controle (sem alteração de dieta), foram identificadas alterações entre os grupos com relação a níveis de albumina sérica, sendo que a redução maior foi encontrada no grupo-controle, 25%, versus 14% no grupo-intervenção. Ainda, foram verificadas maiores taxas de complicações pós-operatórias no grupo-controle. Além disso, os autores confirmaram que a terapia nutricional pré-operatória pode ser recomendada para todos os pacientes com níveis séricos pré-operatórios de albumina inferiores a 4,5 mg/dL²⁶.

Cerca de 65% dos pacientes com câncer digestivo hospitalizados apresentaram redução do peso corporal, havendo correlação positiva entre o percentual da perda de peso e o maior tempo de internação (p≤0,001)²⁷.

Pacientes que perderam 5% ou mais do peso habitual apresentaram valores significativamente menores de IMC, Circunferência do Braço, Circunferência Muscular do Braço, hemoglobina e albumina²⁰.

A perda de peso não intencional de mais de 10% nos seis meses anteriores, ou mais de 5% no último mês, é o indicador de estado nutricional mais fácil de obter-se e pode ser usado para rastrear o maior número de pacientes devido a ser informação simples e fácil de ser mensurada¹⁸.

Os pacientes com câncer digestivo também demonstraram menores níveis séricos de albumina e maiores níveis de PCR, marcadores importantes de risco nutricional e inflamação, respectivamente²⁷.

Observaram-se também alterações significativas nos índices de peso corporal mediano (p= <0,001), transferrina (p= 0,032) e Prega Cutânea tricipital (p= 0,05), no entanto, os níveis de albumina e proteína total mudaram ligeiramente, não sendo observada significância estatística¹⁹.

Em outra análise, verificou-se que o Índice de Massa Corporal (IMC), o percentual de área muscular do braço e o percentual circunferência da panturrilha se mostraram significativamente menores em pacientes com sarcopenia. A redução da massa muscular foi observada em 69,0% dos pacientes, enquanto a perda de força muscular aconteceu em 47,2% dos pacientes²⁸.

Complicações pós-operatórias e estado nutricional

Salienta-se, considerando-se a relação existente entre estado nutricional e desfecho pós-operatório de pacientes com câncer gastrointestinal, que o óbito e as complicações pós-operatórias foram pouco analisados pelos autores dos trabalhos incluídos nesta revisão.

Em relação às complicações, foi confirmada a associação entre estado nutricional avaliado pela AGS-PPP e circunferência do braço e a ocorrência de complicações pós-operatórias em pacientes submetidos a cirurgia do trato gastrointestinal, sendo que oito (73%) pacientes com complicações tiveram maior escore de AGS-PPP, mas apenas um (6%) paciente sem complicações pós-operatórias teve o maior escore de AGS-PPP (p=<0,001)¹⁷.

De modo semelhante, em estudo que avaliou pacientes cirúrgicos internados em hospital oncológico, em que usou-se a AGS-PPP e do Índice de Risco Nutricional (IRN), foi observado que o percentual de pacientes desnutridos foi de 56,8%, segundo IRN e a AGS-PPP, sendo que a desnutrição foi correlacionada com a ocorrência de complicações pós-operatórias nesses pacientes. Ainda, o IRN foi considerado indicador de complicações pós-operatórias e de permanência hospitalar²⁹.

Pesquisadores observaram elevado risco de complicações pós-operatórias representadas por alterações no mPINI (73%), como também elevada prevalência de inflamação sistêmica caracterizada pelos valores alterados de PCR em 70% da amostra¹⁴. Nessa perspectiva, outro estudo que utilizou a relação PCR/albumina, constatou-se que a elevação deste marcador pode ser considerada fator prognóstico independente para a sobrevida global de pacientes submetidos à ressecção cirúrgica. Este indicador foi capaz de prever a recorrência local do tumor e o surgimento de metástases à distância em pacientes com massa localizada³⁰.

Com o objetivo de determinar se a terapia nutricional pré-operatória deve ser rotineiramente usada em pacientes com câncer gastrointestinal sem sinais de desnutrição e se essa abordagem tem resultados clínicos positivos, foi realizado estudo com dois grupos: um grupo-intervenção (dieta padrão e suplementação hipercalórica e hiperproteica) e um grupo-controle (sem modificações na composição da dieta)¹⁹. Os autores verificaram que, embora as complicações cirúrgicas tenham ocorrido em ambos os grupos comparativamente, aquelas que são potencialmente associadas ao estado nutricional, como anastomose e evisceração, foram observadas apenas em pacientes que não receberam suplementação. Número e gravidade das complicações pós-operatórias também diferiram entre os grupos de estudo. O número total de complicações foi significativamente maior no grupo-controle (17 versus 8; p = 0,04). Quando divididas em subgrupos pela gravidade, essas diferenças também foram visíveis: leve (6 versus 3; p = 0,036) e grave (11 versus 5; p <0,001). A redução do percentual de complicações totais em pacientes que receberam suplementação nutricional em comparação com o grupo-controle foi observada (de 35,4 para 14,8%)¹⁹.

Nessa mesma concepção, foi demonstrado que a terapia nutricional antes da cirurgia favoreceu a recuperação pós-operatória mais rápida e a redução dos custos hospitalares. Os autores consideram que pacientes candidatos a cirurgia e que possuem risco nutricional podem se beneficiar com a suplementação nutricional pré-operatória, com potencial melhora da condição imunológica após a cirurgia e consequente redução no custo médio de internação e hospitalização³¹.

Já em outra investigação, foi encontrada, pelos autores, frequência de complicações ligeiramente menor entre os pacientes suplementados no pré-operatório (15,8 versus 28%), no entanto, esses achados não atingiram significância estatística²⁰.

De acordo com as diretrizes de nutrição clínica em cirurgia da Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN), o acompanhamento do estado nutricional deve ser efetuado antes e depois de grandes operações, sendo recomendada a indicação de terapia nutricional perioperatória em pacientes com desnutrição e/ou risco nutricional³².

Óbito no pós-operatório

Com relação à mortalidade, pesquisadores identificaram diversos parâmetros relacionados a essa condição. O estado inflamatório evidenciado por níveis elevados de PCR e redução de níveis de albumina foram associados a desfecho clínico desfavorável e óbito, assim como o comprometimento nutricional observado pela AGS-PPP também teve associação significativa com a mortalidade. Além desses, o escore de Prognóstico de Glasgow e o Índice Prognóstico Inflamatório e Nutricional foram associados à ocorrência de complicações e maior incidência de morte¹⁷.

De modo semelhante, houve associação estatisticamente significativa entre as três categorias de AGS-PPP e as três categorias do escore prognóstico de Glasgow (GPS). Identificaram-se, ainda, associações significantes entre a AGS-PPP e a presença de complicações, bem como entre o GPS e a presença de complicações. No entanto, nesse estudo, somente o GPS foi considerado preditor de mortalidade³³.

Identificou-se que níveis elevados do GPS, escore prognóstico baseado em inflamação, estão associados a maiores riscos pós-operatórios em curto prazo e menor sobrevida em longo prazo em pacientes com câncer de estômago em estágio avançado. Foi notável que os pacientes com GPS de dois apresentaram alta taxa de mortalidade hospitalar (10%), enquanto os pacientes com GPS de zero e um, as taxas de mortalidade intra-hospitalar foram de 1,0% e 1,5%, respectivamente (p = 0,006)³⁴.

Da mesma forma, verificou-se que, na avaliação de fatores independentes associados com o óbito, o estadiamento tumoral (p=0,001) e a albumina (p=0,004) foram os únicos preditores independentes de mortalidade¹⁴. Em relação à Razão de Neutrófilo/Linfócito (NLR), esse foi o que mais se correlacionou ao óbito, pois os autores encontraram valores de NLR significativamente mais elevados nos casos de morte (p=0,033). No entanto, após a análise multivariada, este marcador não permaneceu estatisticamente significativo como preditor de mortalidade (p=0,139)¹⁴.

Dados que se aproximam a esses foram observados em outro estudo, sendo identificado que quanto maior o valor da contagem total de linfócitos (CTL) menor o número de dias de internação. A CTL dos idosos que morreram foi menor do que nos pacientes que recebeu alta, com resultado estatístico significante. Segundo os autores, as alterações imunológicas, como as reduções da CTL, aumentam a frequência e a gravidade de infecções e são causadoras da mortalidade associada à desnutrição em pacientes cirúrgicos³⁵.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que os parâmetros bioquímicos e marcadores inflamatórios têm relação direta com o estado nutricional de pacientes cirúrgicos com câncer gastrointestinal. Essas associações foram verificadas especialmente quando o estado nutricional foi determinado pela AGS-PPP, e pelo percentual de perda ponderal. Alterações negativas nesses indicadores têm interferência na recuperação pós-operatória e no seguimento do tratamento oncológico.

Aconselha-se que os pacientes oncológicos candidatos a procedimentos cirúrgicos sejam acompanhados por equipes interprofissionais e que os indicadores de estado nutricional sejam monitorados, visando prevenir a piora da desnutrição e os desfechos desfavoráveis, favorecendo a recuperação pós-operatória.

REFERENCES

• ¹
  Instituto Nacional do Câncer. O que é o Câncer [Internet]. Rio de Janeiro; 2020. [acesso em 2020 fev 05]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/o-que-e-cancer
  » https://www.inca.gov.br/o-que-e-cancer
• ²
  Ministério da Saúde (Brasil). Instituto Nacional do Câncer. ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2011. 128 p.
• ³
  Wiseman MJ. Nutrition and cancer: prevention and survival [editorial]. Br J Nutr. 2019;122(5):481-487. Epub 2018 Sep 14.
• ⁴
  Ministério da Saúde (Brasil). Instituto Nacional do Câncer. Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2019.120 p.
• ⁵
  Ministério da Saúde (Brasil). Instituto Nacional do Câncer. Inquérito brasileiro de nutrição oncológica. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2013.136p.
• ⁶
  Ryu SW, Kim IH. Comparison of different nutritional assessment in detecting malnutrition among gastric cancer patients. World J Gastroenterol. 2010; 16(26):3310-17.
• ⁷
  Poziomyck AK, Fruchtenicht AVG, Kabke GB, Volkweis BS, Antoniazzi JL, Moreira LF. Confiabilidade da avaliação nutricional em pacientes com tumores gastrointestinais. Rev Col Bras Cir. 2016;43(3):189-97.
• ⁸
  Sampaio LR, Silva MCM, Oliveira NA, Souza CLS. Avaliação bioquímica do estado nutricional. In: Sampaio LR, organizadora. Avaliação Nutricional. Salvador: EDUFBA; 2012. p. 49-72.
• ⁹
  Feig BW, Hsu C. Princípios da oncologia cirúrgica. In: Hoff PMG, editor. Tratado de Oncologia. São Paulo: Atheneu; 2013. p.525-36.
• ¹⁰
  Rocha NP, Fortes RC. Contagem total de linfócitos e albumina sérica como preditores de risco nutricional em pacientes cirúrgicos. ABCD Arq Bras Cir Dig. 2015;28(3):193-6.
• ¹¹
  Pontes RF, Rech KCJ, Ascari RA. Aplicação de Nova Tecnologia como Ferramenta para a Pesquisa Qualitativa de Revisão Integrativa: Programa Sophie. Rev Enferm UFPE On Line. 2017;11(10):682-85.
• ¹²
  Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. 280 p.
• ¹³
  Pontes RF, Pontes KCJR. Acadêmico. Sistemas Acadêmicos para Pesquisas Científicas Ltda. Chapecó, 2020. Disponível em: https://www.academical.com.br/. Acesso em: 06 fev. 2020.
  » https://www.academical.com.br
• ¹⁴
  Fruchtenicht AVG, PoziomycK AK, Reis AMD, Galia CR, Kabke GB, Moreira LF. Estado inflamatório e nutricional de pacientes submetidos à ressecção de tumores gastrointestinais. Rev Col Bras Cir. 2018;45(2):e1614.
• ¹⁵
  Cavalcanti RAS, Burgos MGPA, Maio, R. Anemia, nutritional status and inflammatory activity in patients with gastrointestinal tumors in the preoperative phase. Nutr Clín Diet Hosp. 2018;38(1):135-41.
• ¹⁶
  Yu J, Liu L, Zhang Y, Wei J, Yang F. Effects of omega-3 fatty acids on patients undergoing surgery for gastrointestinal malignancy: a systematic review and meta-analysis. BMC Cancer. 2017;17(1):271.
• ¹⁷
  Costa MDS, Melo CYSV, Amorim ACR, Torres DOC, Santos ACO. Association between nutritional status, inflammatory condition, and prognostic indexes with postoperative complications and clinical outcome of patients with gastrointestinal neoplasia. Nutr Cancer. 2016;68(7):1108-14.
• ¹⁸
  Benoist S, Brouquet A. Nutritional assessment and screening for malnutrition. J Visc Surg. 2015;152(1):53-7.
• ¹⁹
  Kabata P, Jastrzebski T, Kakol M, Król K, Bobowicz M, Kosowska A, et al. Preoperative nutritional support in cancer patients with no clinical signs of malnutrition - prospective randomized controlled trial. Support Care Cancer. 2015; 23(2):365-70.
• ²⁰
  Pañella L, Jara M, Cornejo M, Lastra X, Contreras MG, Alfaro K, et al. Relación entre estado nutricional y evolución postoperatoria, en cirugía oncológica digestiva. Rev Méd Chile. 2014;142(11):1398-406.
• ²¹
  Fiorin JL. Internacionalização da produção científica: a publicação de trabalhos de Ciências Humanas e Sociais em periódicos internacionais. RBPG. 2007;4(8):263-81.
• ²²
  Silva NMF, Barcelos ACL, Noé EP, Cuzzuol JT, Valente KP, Moraes RAG, et al. Associação entre desnutrição, escore prognóstico de Glasgow modificado e índice inflamatório nutricional em pacientes com câncer. Braspen J. 2017;32(3):235-40.
• ²³
  Pereira MAC, Santos CA, Brito JA, Fonseca J. Scored patient-generated subjective global assessment, albumin and transferrin for nutritional assessment of gastrostomy fed head or neck cancer patients. Nutr Hosp. 2014;29(2):420-6.
• ²⁴
  Matsunaga T, Miyata H, Sugimura K, Motoori M, Asukai K, Yanagimoto Y, et al. Prognostic significance of sarcopenia and systemic inflammatory response in patients with esophageal cancer. Anticancer Res. 2019;39(1):449-58.
• ²⁵
  Maio R, Berto JC, Corrêa CR, Campana AO, Paiva SAR. Estado nutricional e atividade inflamatória no pré-operatório em pacientes com cânceres da cavidade oral e da orofaringe. Rev Bras Cancerol. 2009;55(4):345-53.
• ²⁶
  Kaya SO, Akcam TI, Ceylan KC, Samancilar O, Ozturk O, Usluer O. Is preoperative protein-rich nutrition effective on postoperative outcome in non-small cell lung cancer surgery? A prospective randomized study. J Cardiothorac Surg. 2016;11:14.
• ²⁷
  Coruja MK, Steemburgo T. Estado nutricional e tempo de internação de pacientes adultos hospitalizados com diferentes tipos de câncer. Braspen J. 2017;32(2):114-8.
• ²⁸
  Onishi S, Shiraki M, Nishimura K, Hanai T, Moriwaki H, Shimizu M. Prevalence of sarcopenia and its relationship with nutritional state and quality of life in patients with digestive diseases. J Nutr Sci Vitaminol. 2018;64(6):445-53.
• ²⁹
  Fugolar F, Hacke A, Polakowski CB, Kato M. Relação do índice de risco nutricional com complicações pós-operatórias de cirurgias do sistema digestório em um hospital oncológico. Nutr Clín Diet Hosp. 2016;36(4):34-40.
• ³⁰
  Gao J, Agizamhan S, Zhao X, Jiang B, Qin H, Chen M, et al. Preoperative C-reactive protein/albumin ratio predicts outcome of surgical papillary renal cell carcinoma. Future Oncol. 2019;15(13):1459-68.
• ³¹
  Wang R, Cai H, Li Y, Chen C, Cui Y. Impact exerted by nutritional risk screening on clinical outcome of patients with esophageal cancer. Biomed Res Int [Internet]. 2018 Mar [citado 2019 Nov 23]; 2018:7894084. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5892299/pdf/BMRI2018-7894084.pdf
  » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5892299/pdf/BMRI2018-7894084.pdf
• ³²
  Weimann A, Braga M, Carli F, Higashiguchi T, Hübner M, Klek S, et al. ESPEN guideline: Clinical nutrition in surgery. Clin Nutr. 2017;36:623-50.
• ³³
  Silva JB, Maurício SF, Bering T, Correia MI. The relationship between nutritional status and the Glasgow prognostic score in patients with cancer of the esophagus and stomach. Nutr Cancer. 2013;65(1):25-33.
• ³⁴
  Hsueh SW, Liu KH, Hung CY, Cuo YC, Tsai CY, Hsu JT, et al. Significance of the Glasgow Prognostic Score in predicting the postoperative outcome of patients with stage III gastric cancer. J Clin Med. 2019;8(9):1448.
• ³⁵
  Lima FCA, Waisberg J, Silva MLN. Gerenciamento nutricional: relação de parâmetros nutricionais, tempo de internação e mortalidade em pacientes cirúrgicos. Braspen J. 2016;31(4):293-98.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  26 Out 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  26 Fev 2020
• Aceito
  09 Abr 2020