Uso de máscara na comunicação oral para usuários de dispositivos auxiliares à audição

RESUMO

Objetivo:

avaliar a influência do uso de máscara no reconhecimento auditivo-visual de fala, em situação de escuta favorável, em usuários de dispositivos eletrônicos auxiliares à audição (DEAA).

Métodos:

estudo observacional transversal. Participaram 52 usuários de dispositivos auxiliares à audição que realizaram avaliação do reconhecimento de fala com seis listas de frases apresentadas em vídeo com e sem máscaras. Para comparar as médias dos resultados do teste nas diferentes situações, foi aplicado o Teste de Friedman, com pos-hoc de Bonferroni e nível de significância 5%.

Resultados:

houve diferença dos resultados da avaliação de reconhecimento de fala entre as diferentes situações, com e sem máscara, assim como entre os tipos de máscara, com tamanho de efeito de pequeno. O post-hoc, com valor de p ajustado pelo método de Bonferroni, mostrou diferença entre a máscara transparente e as demais. A máscara transparente apresentou maior média (77,8%) do reconhecimento auditivo-visual nas sentenças utilizadas entre as situações. Foram observadas diferenças estatisticamente significantes com desempenho superior da máscara transparente em relação aos outros tipos de máscaras.

Conclusão:

conclui-se que o reconhecimento auditivo-visual para os deficientes auditivos foi melhor com a máscara transparente.

Descritores:
Pessoas com Deficiência Auditiva; Comunicação; Fonoaudiologia; Audiologia

ABSTRACT

Purpose:

to assess the influence of wearing a mask on auditory-visual speech recognition, in a favorable listening situation, in hearing devices users.

Methods:

a cross-sectional observational study comprising 52 hearing aid users, whose speech recognition was assessed with six video-recorded lists of sentences with and without masks. The mean test results in the various situations were compared using the Friedman test with Bonferroni post hoc, the significance level being set at 5%.

Results:

speech recognition assessment results differed between the situations with and without masks and between mask types, with a small effect size. The post hoc, with p-values adjusted with the Bonferroni method, showed a difference between transparent masks and others. The transparent one had a higher mean (77.8%) of auditory-visual sentence recognition between the various situations. There were statistically significant differences, as the transparent mask provided a better performance than the others.

Conclusion:

the auditory-visual recognition of the hearing-impaired people was better with the transparent mask.

Keywords:
Persons With Hearing Impairments; Communication; Speech, Language and Hearing Sciences; Audiology

INTRODUÇÃO

O enfrentamento da pandemia da Covid-19 exigiu medidas de segurança na disseminação do vírus. Uma das estratégias foi o uso de máscaras, recomendado por centros internacionais¹ como um criterioso cuidado na proteção de doenças respiratórias facilmente transmissíveis. No entanto, o uso desse dispositivo tem sido associado a desafios sociais, de comunicação e comportamentais significativos para pessoas com deficiência auditiva².

Os idosos são uma das categorias de pessoas afetadas pelo uso de máscaras, pois estão amplamente expostos à perda auditiva, conforme o estudo de Brotto et al.³. De acordo com os autores, a pandemia do vírus COVID-19 afetou a comunicação verbal, especialmente naquelas pessoas que, mesmo em condições normais, apresentam maior dificuldade na percepção da fala. Outra categoria de pessoas afetadas tem sido a de usuários de aparelhos auditivos e implantes cocleares; esses dispositivos podem, de fato, ser afetados por uma redução da inteligibilidade da fala e podem ser desconfortáveis se usados juntamente com máscaras faciais³.

Nessa perspectiva, estudos de revisão têm sido feitos para fornecer mais elementos para a prática clínica e para apontar tanto as lacunas ainda existentes no campo da pesquisa, como novas perspectivas para a investigação. Um estudo de revisão feito por pesquisadores da Carolina do Norte/ USA [dar preferência para a sigla em português e colocar o significado na primeira aparição] investigou os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência auditiva durante a pandemia da COVID-19 e apontou falta de informação, comunicação dificultada pelo uso de máscara facial, distanciamento social afetando a saúde física e mental, estigmas e barreiras relacionadas com o sistema de saúde⁴.

Em outra revisão da literatura, realizada por pesquisadores iranianos, foram abordados problemas que as pessoas com deficiência auditiva enfrentaram na pandemia e, também, algumas soluções úteis que podem ser implementadas por profissionais da saúde e outros membros da sociedade². Entre os problemas apontados, destacam-se a ausência da leitura orofacial e de expressões faciais, e a redução das pistas acústicas, acarretando maior distanciamento físico e social e prejuízos na qualidade de vida².

O impacto negativo das máscaras na comunicação humana também foi apontado na revisão feita por Oosthuizen et al.⁵. Esse estudo pretendia compreender como o uso de máscara e o distanciamento afetam a comunicação. Foi possível constatar que a fala no ruído é mais afetada em relação à fala no silêncio e que pessoas com perda auditiva são mais afetadas do que as pessoas com audição normal. Em relação ao tipo de material das máscaras, as cirúrgicas tiveram pouco impacto na compreensão da fala, ao contrário das máscaras de pano/tecido e dos protetores faciais como escudos. As máscaras transparentes, embora atenuem mais o som do que máscaras opacas, podem beneficiar pessoas com perda auditiva⁵.

Na perspectiva acústica, as máscaras podem reduzir a transmissão do sinal de voz com consequências para ouvir o sinal de fala, conforme identificou o estudo de Corey et al. na Universidade de Illinois⁶. Esse estudo avaliou a atenuação acústica causada por diferentes máscaras faciais, incluindo cirúrgicas, de tecido e transparentes, usando um alto-falante em forma de cabeça e um locutor humano ao vivo. Os resultados sugeriram que todas as máscaras atenuam frequências acima de 1 kHz, que a atenuação é maior na frente do locutor e que há variação substancial entre os tipos de máscaras, especialmente máscaras de tecido com diferentes materiais e tramas. As máscaras transparentes têm baixo desempenho acústico em comparação com as máscaras cirúrgicas e de tecido. A maioria das máscaras tem pouco efeito nos microfones de lapela, sugerindo que os sistemas existentes de reforço sonoro e de escuta assistida podem ser eficazes para a comunicação verbal com máscaras⁶.

Esses achados representam um chamado aos designers industriais e engenheiros acústicos, de modo que sejam desenhadas e produzidas máscaras faciais com menor prejuízo na comunicação, sem, no entanto, comprometer a proteção de doenças. Esses tipos de máscaras seriam benéficos tanto para profissionais de saúde que se comunicam diretamente com pacientes como para o público em geral, conforme foi exposto em um relato de caso de um médico com deficiência auditiva para o momento da pandemia, em uma publicação científica⁷.

Apesar dos órgãos públicos governamentais competentes na área de saúde pública reconhecerem o tipo de máscara transparente como um facilitador para comunicação oral, uma vez que possibilita maior visibilidade das expressões faciais e leitura orofacial^1,8, a mesma não garante a proteção necessária contra doenças respiratórias contagiosas. Isso ocorre porque o material vinil, normalmente utilizado nesse tipo de máscara, não absorve as partículas dos microorganismos⁸.

Tendo em vista a necessidade de novas pesquisas que explorem o impacto do uso de diferentes tipos de máscaras na comunicação oral de pessoas com deficiência auditiva, este estudo foi delineado com o objetivo de comparar o reconhecimento auditivo-visual de fala em situação de escuta favorável (no silêncio) na situação sem máscara e com cinco tipos de máscaras em usuários de dispositivos eletrônicos auxiliares à audição, com diferentes graus de perda auditiva.

MÉTODOS

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil (CAAE: 52538921.3.0000.5440; Parecer 5.150.532/Processo HCRP no. 6442).

Trata-se de um estudo observacional de delineamento transversal, com amostra de conveniência.

O estudo foi realizado no Ambulatório de Verificação dos Dispositivos Eletrônicos Auxiliares à Audição do Centro Especializado de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, no período de maio a setembro de 2022.

Participaram 52 usuários de Dispositivos Eletrônicos Auxiliares à Audição (DEAA) que frequentavam o Programa de Saúde Auditiva do referido ambulatório.

Os critérios de inclusão foram: ser usuário de DEAA há, pelo menos, cinco meses (no caso do primeiro dispositivo adquirido); bom funcionamento dos dispositivos; idade mínima de 18 anos; perda auditiva pós-lingual. Como critérios de exclusão foram definidos: presença de comorbidades (distúrbios psiquiátricos, neurológicos, comportamentais que impedissem a realização do procedimento).

Os participantes do Programa de Saúde Auditiva foram selecionados e convidados a participar da pesquisa, durante o seu retorno, previamente agendado pelo próprio serviço. Caso demonstrassem interesse, eram convidados a ler o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Caso concordassem, deveriam assinar o termo.

Os procedimentos para a coleta de dados foram realizados em um único dia com cada participante, com duração de 30 minutos, aproximadamente.

Inicialmente, para verificar se os DEAA estavam com funcionamento adequado, foi realizada uma pesquisa das respostas auditivas em campo livre, em sala acústica com estímulo sonoro modulado do tipo “warble”. Desta forma, verificou-se que os usuários possuíam acesso aos sons de fala e todos estavam atendendo aos critérios do serviço com benefício do uso dos dispositivos.

O reconhecimento auditivo-visual no silêncio foi avaliado por meio da apresentação da gravação em áudio e vídeo de sentenças em português brasileiro. A gravação foi feita por um pesquisador, com voz feminina, utilizando um celular marca Samsung, do modelo Galaxy S20. Após a gravação, ocorreu a edição do material para tempo de pausas para respostas entre cada frase.

As sentenças utilizadas foram extraídas do teste de Lista de Sentenças para o Português⁹, que contem seis listas, cada uma com 10 sentenças, todas com o mesmo grau de dificuldade⁹. As seis listas foram gravadas por um dos pesquisadores em duas situações: sem e com máscara, sendo esta última com cinco diferentes tipos: cirúrgica, KN95, N95, de tecido (opaca) e transparente (vinil).

Antes de iniciar a coleta de dados, os vídeos com as gravações de cada sentença foram apresentados para três voluntários ouvintes e três voluntários com perda auditiva que tinham benefício com os dispositivos a partir dos resultados das avaliações de rotina do serviço de Audiologia do Programa de Saúde Auditiva em que o estudo foi realizado.

O nível de intensidade sonora da apresentação dos vídeos foi checado quanto ao alcance em decibels (deveria ser de 60 dBNPS) com o decibelímetro calibrado, da marca Instrutemp, modelo ITDEC 4000.

A avaliação foi individual e realizada em uma sala bem iluminada e acusticamente tratada. O participante foi posicionado sentado, com o DEAA, em frente ao monitor de um computador de 11 polegadas, a uma distância de 80 cm, acoplado a uma caixa de som bluetooth, marca JBL. A apresentação das videogravações, por meio do computador, foram realizadas de forma randomizada, com intensidade de fala de 60 dBNA (média de intensidade sonora de fala em conversa espontânea), mensurado com decibelímetro de aplicativo de celular. Esse aplicativo, na função de decibelímetro, foi testado com um decibelímetro devidamente calibrado e não houve variação das medidas. Cabe esclarecer que as listas de sentenças eram diferentes para cada situação com (todos os tipos já identificados) e sem máscara.

Os participantes foram instruídos a repetir cada sentença logo após sua emissão, sendo, ao final, calculada a porcentagem de acertos do reconhecimento das sentenças sem ruído. O cálculo de desempenho dos participantes foi realizado a partir das recomendações de Costa¹⁰, em que foi considerado maior peso para palavras de conteúdo (dois pontos) e menor para as funcionais (um ponto), seguindo os valores já disponibilizados pela validação das autoras deste instrumento.

Os pesquisadores elegeram a situação sem máscara como situação de linha basal pois, segundo a literatura^6,11,12, a situação sem máscara pode ser mais facilitadora em relação ao uso de máscaras.

Os dados foram analisados e organizados em planilha do Excel e foram apresentados em tabelas e gráficos. A estatística descritiva, incluindo média, mediana e desvio-padrão, foi realizada para demonstrar o desempenho nos testes aplicados em cada gravação, separadamente para as listas das situações de máscara e sem máscara. Para comparar o desempenho do reconhecimento auditivo-visual com os cinco tipos de máscaras e sem máscara foi aplicado o Teste de Friedman, teste não-paramétrico. Para verificar se houve relação entre o grau da perda auditiva e o desempenho na compreensão de fala com os cinco tipos de máscaras e sem máscara foi aplicado o Teste de Friedman. O tamanho do efeito entre o grau da perda auditiva e os tipos de máscaras foi medido pelo método de Dunn. O tamanho do efeito dos tipos de máscaras entre o reconhecimento auditivo-visual foi medido pelo método de Bonferroni. Para análise dos dados, foi adotado nível de significância de 5% e todos os valores de p considerados estatisticamente significantes foram assinalados com asterisco (*).

RESULTADOS

Caracterização dos participantes

Foram incluídos 52 usuários de DEAA. Desses, 30 participantes (57,69%) eram do sexo feminino e 22 do masculino (42,30%). A média de idade foi de 25,76 anos entre os participantes. A maior idade foi de 93 anos e a menor foi de 15 anos.

O tipo de perda auditiva prevalente foi sensorioneural bilateral, sendo 24 participantes com esse tipo de perda auditiva na orelha direita e 25 participantes com esse tipo de perda auditiva na orelha esquerda (Tabela 1).

Tabela 1
Tipo de perda auditiva, por orelha (n=52)

Tipo de perda auditiva	OD	OE
Condutiva	1	01
Mista	16	18
Sensorioneural	24	25
Sem perda auditiva	02	0
Total	47	50

• Legenda: OD = Orelha Direita; OE = Orelha Esquerda.
• O total não corresponde ao n=52, pois foram excluídos os casos com informações incompletas no prontuário.

O grau da perda auditiva mais prevalente foi o grau severo.

A maioria dos participantes usava Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) (Tabela 2).

Tabela 2
Tipos de Dispositivos Eletrônicos Auxiliares à Audição utilizados pelos pacientes e tipo de adaptação

Tipos de DEAA	OD	OE	Bilateral
AASI	08	08	25
IC	05	04	00
PAAO	01	00	00
Sistema CROSS	01	00	00
Total	15	12	25

• Legenda: DEAA = Dispositivo Eletrônico Auxiliar à Audição; OD = Orelha Direita; OE = Orelha Esquerda; AASI = Aparelho de Amplificação Sonora Individual; PAAO = Prótese Auditiva Ancorado no Osso. IC= Implante Coclear
• n= 52 participantes

Reconhecimento auditivo-visual

Os tipos de máscaras indicaram que a melhor média de desempenho foi para a máscara transparente (Tabela 3).

Tabela 3
Dados descritivos dos valores percentuais do desempenho em relação ao tipo de máscara no reconhecimento auditivo-visual

MASCARA	n	min	max	mediana	media	desvio-padrão
CIRURGICA%	52	2,3	100	80,1	67,9	32
KN95%	52	4,7	100	79,9	67,3	30,2
N95%	52	0	100	73,2	65,1	30,8
SEM%	52	3,3	100	71	69,5	25,3
TECIDO%	52	0	100	74,4	65,3	30,8
TRANSPARENTE%	52	17,8	100	83,2	77,8	20,9

• Legenda: n = número de participantes; min = mínimo; max = máximo; DP = desvio-padrão

Na Figura 1, o teste de Friedman indicou diferença entre as máscaras quanto aos valores percentuais de reconhecimento auditivo-visual das frases e os tipos de máscara [p<0,001], com tamanho de efeito pequeno (Kendall W = 0,084). O post-hoc, com valor de p ajustado pelo método de Bonferroni, mostrou diferença entre as comparações da máscara transparente e as demais (Tabela 4).

Figura 1
Distribuição dos valores percentuais do reconhecimento auditivo-visual segundo tipo de máscara

Tabela 4
Post hoc do teste de Friedman usando múltiplas comparações Wilcoxon com correção de Bonferroni

Tipos de máscaras		valor de p
CIRURGICA%	KN95%	0,451
CIRURGICA%	N95%	0,081
CIRURGICA%	SEM%	0,958
CIRURGICA%	TECIDO%	0,191
CIRURGICA%	TRANSPARENTE%	0,002*
KN95%	N95%	0,123
KN95%	SEM%	0,828
KN95%	TECIDO%	0,161
KN95%	TRANSPARENTE%	<,0001*
N95%	SEM%	0,362
N95%	TECIDO%	0,966
N95%	TRANSPARENTE%	<,0001*
SEM%	TECIDO%	0,332
SEM%	TRANSPARENTE%	0,002*
TECIDO%	TRANSPARENTE%	<,0001*

• Legenda: em negrito, resultados estatisticamente significantes quando
• p<0,005

Foram observadas diferenças estatisticamente significantes com desempenho superior da máscara transparente em relação aos outros tipos de máscaras: cirúrgica [p=0,002]; KN95 [p<0,001]; N95 [p<0,001]; tecido [p<0,001]. Também foram observadas diferenças estaticamente significantes entre o grau da perda auditiva e os tipos de máscaras para perda auditiva de grau leve e moderada [p=0,025]; e perda auditiva de grau severo [p=0,012]. Não foi observada diferença estatisticamente significante para perda auditiva profunda [p=0,073].

DISCUSSÃO

No presente estudo, foi observado que o desempenho do reconhecimento auditivo-visual foi melhor com a máscara transparente. Esse resultado é consistente com resultados de outros estudos em relação ao benefício significativo do uso de máscaras faciais transparentes em indivíduos com perda auditiva^11,12.

Outro aspecto relevante foi observado em relação às máscaras opacas que indicaram pior desempenho no reconhecimento auditivo-visual para os deficientes auditivos. Evidências semelhantes foram relatadas em outro estudo que indicaram os efeitos adversos das máscaras cirúrgicas na inteligibilidade audiovisual da fala em indivíduos com perda auditiva¹³. As máscaras cirúrgicas convencionais bloqueiam o acesso visual à boca e a outras possíveis pistas faciais, o que dificulta a comunicação não só para quem não tem perda auditiva, mas mais ainda para indivíduos com perda auditiva⁵.

A máscara transparente também apresentou efeito positivo para normo-ouvintes, com uma melhora de 30% para o reconhecimento auditivo-visual (nessa situação há apoio da leitura orofacial) em relação ao reconhecimento apenas auditivo¹⁴. Esse estudo destacou os benefícios potenciais de usar a máscara facial transparente, mesmo para pessoas com audição normal¹⁴.

Para pesquisadores do Reino Unido¹⁵, tanto os grupos de ouvintes quanto os com deficiência auditiva se beneficiaram da entrada visual da máscara transparente. Os achados confirmam a melhora do desempenho da percepção de fala no ruído para ouvintes e pessoas com deficiência auditiva quando a entrada visual é fornecida usando uma máscara transparente. Mais importante ainda, o uso da máscara transparente não afetou negativamente o desempenho da percepção de fala no ruído¹⁵.

Assim, a máscara transparente torna-se uma opção de maior vantagem e eficiência conforme os resultados demonstrados nesse estudo e em outros^7,11-12,16.

Contrariamente aos achados do presente estudo, Brown et al. ¹⁶ constataram que a máscara cirúrgica teve melhor desempenho para o reconhecimento auditivo, e não a transparente. Segundo os autores, isso pode ser justificado pelo fato de a transparente, em alguns momentos, poder levar à condensação de ar, obscurecendo a informação visual. Esse fenômeno não ocorreu no presente estudo.

Os resultados diferem da hipótese inicial de que o melhor desempenho do reconhecimento auditivo-visual seria na situação sem máscara. Uma possível explicação para esse dado pode ser que a situação sem máscara, como primeira apresentação não tendo participado da randomização das listas de sentenças nas gravações, deve ter interferido no desempenho, pois acredita-se que a situação basal inicial fosse facilitadora para que o deficiente auditivo compreendesse a tarefa em repetir cada sentença com a pista facilitadora da leitura orofacial como realizava com frequência em seu cotidiano pré-pandemia. Entretanto, parece que, a partir da primeira apresentação (sem máscara), seja pelo fator emocional da avaliação ou da aprendizagem do processo, resultados melhores foram encontrados.

Não foram verificadas na literatura informações da randomização da ordem de apresentação das situações para avaliação do reconhecimento facial.

Um único estudo informou no método que, ao randomizar as listas do Hearing-in-Noise Test (HINT), não encontrou diferença significativa entre elas¹⁷. Dessa forma, a gravação sem máscara pode ter sido um treino para os participantes e a gravação com máscara transparente teve um resultado tanto ou quanto melhor que a situação sem máscara.

Uma outra hipótese para o resultado encontrado é que, segundo a literatura, tanto os ouvintes como os deficientes auditivos tendem a dar mais atenção auditiva para situação com máscara, pois supõe-se que o uso de máscaras pode comprometer a compreensão oral ao retirar a pista visual da leitura orofacial.

A impossibilidade de leitura orofacial para 55,9% dos deficientes auditivos entrevistados no sul da Itália, em um serviço de urgência de um hospital, representa um alerta para os profissionais de saúde e usuários do serviço com deficiência auditiva¹⁸.

No que se refere à comparação dos tipos de máscara no reconhecimento auditivo-visual para os diferentes graus de perda auditiva, o presente estudo corrobora os achados de Atcherson et al.¹¹, que verificaram melhor desempenho na máscara transparente para os pacientes com perda auditiva moderada.

Acredita-se que, principalmente, em atendimentos de saúde, a compreensão oral seja fundamental para garantir a qualidade do tratamento. Por isso, a leitura orofacial, garantida pelo uso de máscara transparente, contribui para melhorar a comunicação do deficiente auditivo^7,11,12.

Pesquisadores americanos investigaram o uso da máscara e as dificuldades que elas podem acarretar, durante a comunicação em ambientes de saúde, tanto no que se refere ao esforço auditivo, como em relação à cognição. Foram feitas perguntas em duas condições: “com uso de máscara” e “sem uso de máscara”. Foi possível perceber maior esforço de escuta, para pacientes e profissionais, bem como mudanças na eficiência clínica dos profissionais ao utilizar máscaras sendo, geralmente, mais acentuados com a perda auditiva¹⁹.

Da mesma forma, tem sido descrito que o uso de máscara pode comprometer a eficiência, eficácia, equidade e segurança dos serviços de intervenção terapêutica, tendo em vista que os pacientes relatam dificuldade em entender as conversas, dificuldade para lembrar informações e esforço de escuta em ambiente clínico. Assim, o uso de máscara pode ser considerado como preditor significativo de maior dificuldade em lembrar informações de consultas, o que sugere que o esforço adicional de escuta, provavelmente, pode aumentar a carga cognitiva, causando dificuldade em reter informações de consultas clínicas⁷.

Dentre as limitações do estudo, destacam-se: a prevalência de perda auditiva sensorioneural de grau severo, que pode ter influenciado na importância das pistas visuais para facilitar o desempenho com as máscaras transparentes; e a não inclusão de um grupo de normo-ouvintes, a fim de comparar com os grupos de pessoas com deficiência auditiva.

Por outro lado, este estudo contribuiu para chamar a atenção de pesquisadores e de profissionais de saúde sobre a importância das máscaras transparentes para melhorar o reconhecimento de fala de pessoas com deficiência auditiva, principalmente de grau severo.

Considerando que há uma tendência mundial em utilizar máscara como barreira protetora para contaminação de doenças emergentes, a máscara transparente, como medida preventiva, pode amenizar os efeitos da dificuldade de comunicação oral dos deficientes auditivos.

CONCLUSÃO

Conclui-se que o uso de máscara influencia a comunicação humana no reconhecimento auditivo-visual para os deficientes auditivos, mesmo em situação de escuta favorável. Dentre os tipos de máscaras, houve melhor desempenho com a máscara transparente em usuários de dispositivos eletrônicos auxiliares à audição. Além disso, o tipo de máscara influenciou no reconhecimento auditivo-visual nos graus de perda auditiva leve/moderado e severo.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos usuários de dispositivos eletrônicos auxiliares à audição por participarem desse estudo, pela disponibilidade em oferecerem informações sobre a compreensão de fala com o uso das máscaras.

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• Trabalho realizado no Centro Especializado em Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil
• Fonte de financiamento: Nada a declarar.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Abr 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  29 Jun 2023
• Revisado
  01 Nov 2023
• Aceito
  29 Nov 2023