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Uma abordagem estocástica para a mensuração da incerteza das provisões técnicas de sinistros* * Artigo apresentado no XVII USP International Conference in Accounting, São Paulo, SP, Brasil, julho de 2017.

RESUMO

Este trabalho visa a obter métricas para a quantificação da variabilidade das provisões técnicas de sinistros, fazendo uso de modelos determinísticos e estocásticos. Em suma, tudo o que os métodos tradicionais não fornecem (medidas de variabilidade e de insuficiência de capital) são de fundamental importância para uma gestão atuarial eficiente. A metodologia proposta revela a probabilidade de insuficiência de o capital alocado cobrir os compromissos assumidos pela seguradora. Para manter recursos para fazer frente às indenizações a pagar aos segurados, as entidades securitárias constituem, em seu balanço patrimonial, as provisões técnicas. As provisões técnicas são estimativas e, por isso, fonte de oscilações no resultado operacional das seguradoras. Logo, o entendimento e a proteção contra essas variações adversas são fundamentais para uma gestão atuarial eficiente. A abordagem estocástica viabiliza o estudo de modelos internos de capital de solvência, tema carente de estudos no mercado brasileiro, que é determinado por um modelo padrão pré-definido pelo órgão regulador. Foi proposta uma modelagem estocástica para a provisão de sinistros incurred but not reported (IBNR), utilizando-se bootstrap e, para validação dessa abordagem, os resultados foram comparados com as abordagens tradicionais, utilizando-se dados reais de Seguros de Automóveis e Responsabilidade Civil Facultativa de uma seguradora brasileira. Há vantagens na adoção de métodos estocásticos de dimensionamento das provisões técnicas de sinistros sobre os determinísticos, uma vez que é possível estimar empiricamente as distribuições de probabilidade. Os quantis dessas curvas informam a probabilidade estimada de o valor real exceder um determinado nível de provisionamento, de modo a extrair a probabilidade de insuficiência de capital que os métodos tradicionais não fornecem. Ademais, os resultados mostram que os métodos tradicionais são demasiadamente conservadores, alocando-se mais capital do que o necessário.

Palavras-chave:
provisões técnicas de sinistro; incurred but not reported (IBNR); estimação do passivo de seguradoras; chain ladder; modelagem estocástica; bootstrap

ABSTRACT

This paper aims to obtain metrics for quantifying the variability of technical provisions for claims by making use of deterministic and stochastic models. In short, everything that the traditional methods do not provide (measures of variability and capital insufficiency) are of fundamental importance for efficient actuarial management. The proposed methodology reveals the probability of insufficiency of the allocated capital to cover the commitments assumed by the insurer. In order to maintain resources to cover the indemnities payable to the insured, insurance companies include technical provisions in their balance sheets. Technical provisions are estimates and are therefore a source of fluctuations in the profit and loss statement of insurers, so understanding and protecting against these adverse variations is fundamental for efficient actuarial management. The stochastic approach enables internal models to be studied for solvency capital, which is a subject that lacks studies in the Brazilian market, and which is determined by a standard model pre-defined by the regulatory body. Stochastic modeling was proposed for Incurred But Not Reported Reserve using bootstrapping and, to validate this approach, the results were compared with the traditional approaches using real Motor Hull and Motor Third Part Liability data from a Brazilian insurance company. There are advantages of adopting stochastic methods instead of deterministic ones to determine technical provisions for claims, since it is possible to empirically estimate the probability distributions. The quantiles of these curves reveal the estimated probability of the real value exceeding a particular level of provisioning in order to extract the probability of capital shortage that the traditional methods do not provide. In addition, the results show that the traditional methods are too conservative, allocating more capital than necessary.

Keywords:
technical provisions; IBNR; estimating insurance liabilities; chain ladder; stochastic modeling; bootstrapping

1. INTRODUÇÃO

Em entidades securitárias, cujo core business é a subscrição de riscos, as provisões técnicas representam a principal componente de seu passivo. O correto dimensionamento das provisões técnicas tem impacto direto sobre a distribuição de lucros e no volume de impostos a pagar, além de ser objeto especial de análise em situações de fusões e aquisições, uma vez que provisões em excesso oneram o resultado operacional presente, pois a constituição de provisão gera despesa contábil. Em contrapartida, constituir menos provisão do que se deveria expõe a entidade a maior probabilidade de insolvência, afetando sua credibilidade no mercado.

Grosso modo, as provisões técnicas são divididas em dois grupos: provisões de prêmios e provisões de sinistros. A diferenciação decorre da perspectiva temporal, pois as provisões de prêmios são constituídas para fazer frente à expectativa de sinistros a ocorrer e suas respectivas despesas (eventos futuros), enquanto as provisões de sinistros são valores contabilizados para cobrir indenizações e despesas associadas aos sinistros já ocorridos (eventos passados).

Os passivos relativos a eventos futuros têm duas componentes: provisão de prêmios não ganhos (PPNG) e PPNG para riscos vigentes e não emitidos (PPNG-RVNE). As provisões de sinistros são segregadas em provisão de sinistros a liquidar (PSL) e provisões de sinistros ocorridos e não avisados (incurred but not reported - IBNR). Essas provisões podem ser segregadas, ainda, de acordo com a forma como são calculadas, entre provisões exatas e provisões estimadas. De acordo com a Resolução do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) n. 5/2014Resolução Instituto Brasileiro de Atuária (Brazilian Actuarial Institute Resolution) n. 5/2014. (2014). Describes the creation of CPA Actuarial Pronouncement 002 - INDEPENDENT ACTUARIAL AUDITING OF ENTITIES SUPERVISED BY SUSEP. Retrieved from http://www.atuarios.org.br/docs_old/Arq635475964046568203.pdf.
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, são consideradas provisões estimadas PPNG-RVNE, PSL e IBNR, e a PPNG é considerada uma provisão de caráter exato.

As provisões estimadas são calculadas por meio de metodologias atuariais e estatísticas, de modo que devam refletir a melhor estimativa da responsabilidade da entidade por seus segurados referentes a compromissos futuros. A PSL é calculada individualmente para cada sinistro ou de acordo com estimativa de perda de causa quando o segurado aciona judicialmente a seguradora para ressarci-lo, e ainda pode ser alterada em decorrência das reavaliações no valor das indenizações finais. Já as provisões de PPNG-RVNE e IBNR são calculadas usualmente por meio do método de chain ladder, fazendo uso da técnica de triângulos de run-off, que sinaliza o desenvolvimento de avisos de sinistros ou de emissão das apólices ao longo do tempo. Contudo, esse método determina apenas uma estimativa pontual das provisões técnicas para fins de contabilização, o que é insuficiente para que o analista atuarial ou qualquer outro usuário da informação entenda as possíveis oscilações das provisões técnicas e seus impactos no resultado operacional da entidade, bem como no balanço patrimonial. Dessa forma, é trabalho do atuário responsável pela companhia dimensionar corretamente esses passivos e é responsabilidade do auditor atuarial independente opinar sobre a razoabilidade desses valores, oferecendo melhor previsibilidade de resultados futuros aos stakeholders.

Nesse contexto, este trabalho tem dois objetivos principais: (i) obter uma medida de variabilidade para as provisões de sinistros estimadas pelo método de chain ladder a fim de construir um intervalo de confiança para a melhor estimativa das provisões técnicas, fornecendo parâmetros adicionais para a tomada de decisão atuarial, e; (ii) avaliar de que maneira a adoção de modelos estocásticos pode gerar informações adicionais sobre o comportamento das provisões de sinistros. Assim, as questões centrais que o trabalho busca responder são: (i) como determinar um intervalo de confiança para a estimativa das provisões técnicas de sinistros? (ii) quais os benefícios da abordagem estocástica na análise das provisões técnicas?

Mano e Pereira (2009Mano, C. C. A., & Pereira, P. P. (2009). Aspectos atuariais e contábeis das provisões técnicas. Rio de Janeiro: Funenseg.) classificam a provisão de sinistros em duas categorias: provisão para “sinistros conhecidos” e para “sinistros desconhecidos”. A provisão para sinistros conhecidos é a PSL e a provisão para sinistros desconhecidos é a IBNR. O objeto de estudo do trabalho serão as provisões para sinistros desconhecidos, a saber, IBNR, que abrange duas componentes que têm naturezas distintas: provisão para sinistros ainda não avisados à seguradora (incurred but not yet reported - IBNyR) e provisão para sinistros não suficientemente avisados, que corresponde à estimativa de reavaliações no montante de sinistros a indenizar (incurred but not enough reported - IBNeR). Todas essas componentes têm por objetivo estimar a provisão global de sinistros a pagar (incurred but not paid - IBNP), cuja relação com as provisões é dada pela equação 1, a seguir.

I B N P = P S L + I B N y R + I B N e R . (1)

Para evidenciar a relevância deste tema, a Figura 1 apresenta a evolução do montante de provisões de prêmios e sinistros entre 2009 e 2015 (eixo vertical esquerdo) e sua relação com o crescimento do mercado, representado pelos prêmios emitidos (eixo vertical direito). A Tabela 1 apresenta o saldo de provisões de prêmios e sinistros do mercado de seguros brasileiro em 31 de dezembro de 2015 (em valores constantes).

Figura 1
Evolução das provisões técnicas de prêmios e sinistros e dos prêmios emitidos

Tabela 1.
Composição do saldo das provisões técnicas do mercado de seguros brasileiro em 31 de dezembro de 2015

Conforme as informações contidas na Tabela 1 e na Figura 1, o mercado brasileiro de seguros apresentou crescimento real expressivo no período, com aumento de 63% no volume de prêmios emitidos entre 2009 e 2015, descontada a inflação oficial (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA). Para fazer frente aos riscos assumidos pelas entidades, o volume de provisões técnicas tem acompanhado esse crescimento. Deve-se salientar que todos os valores desconsideram as operações de resseguradoras locais, as sociedades de capitalização e as provisões matemáticas dos seguros de pessoas nos produtos Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL) e Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL), visto que essas operações estão sujeitas a fatores de riscos distintos daqueles a que estão os seguros de danos e, portanto, os métodos e técnicas utilizados para dimensionamento também o são.

Este trabalho está dividido em mais quatro seções além desta introdução. Na seção seguinte é feita breve revisão da literatura e do arcabouço regulatório sobre o tema. Na terceira seção, apresentam-se os procedimentos metodológicos determinísticos e estocásticos para estimação da IBNR. Na seção 4 são analisados os resultados obtidos por meio das simulações. Finalmente, a seção 5 traz o fechamento do estudo, suas limitações, além de sugestões para pesquisas futuras.

2. REFERENCIAL TEÓRICO E MARCO REGULATÓRIO

No âmbito internacional, o Actuarial Standards Board (ASB) (2010Actuarial Standards Board. (2010). Actuarial Standard of Practice n. 36. Statements of actuarial opinion regarding property/casualty loss and loss adjustment expense reserves. Retrieved from http://www.actuarialstandardsboard.org/asops/statements-actuarial-opinion-regarding-propertycasualty-loss-loss-adjustment-expense-reserves/.
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, 2011Actuarial Standards Board. (2011). Actuarial Standard of Practice n. 43. Property/casualty unpaid claim estimates. Retrieved from http://www.actuarialstandardsboard.org/asops/propertycasualty-unpaid-claim-estimates/.
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), órgão constituído por membros da American Academy of Actuaries e outras entidades atuariais estadunidenses, oferece orientação aos atuários para execução de trabalhos que demandem opiniões atuariais para cumprimentos de requisitos das normas contábeis como International Financial Reporting Standards (IFRS) e United States Generally Accepted Accounting Principles (US GAAP), dentre outras.

Em seu Actuarial Standard of Practice n. 36 - Statements of actuarial opinion regarding property/casualty loss and loss adjustment expense reserves (ASOP 36), o ASB (2010Actuarial Standards Board. (2010). Actuarial Standard of Practice n. 36. Statements of actuarial opinion regarding property/casualty loss and loss adjustment expense reserves. Retrieved from http://www.actuarialstandardsboard.org/asops/statements-actuarial-opinion-regarding-propertycasualty-loss-loss-adjustment-expense-reserves/.
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) fornece orientações para o atuário na emissão de opinião atuarial sobre provisões de sinistros para operações de seguros de danos. Essa orientação destaca que, ao desenvolver estimativas para as provisões de sinistros, o atuário deve desenvolver uma estimativa pontual, um intervalo de estimativas, ou ambos, para avaliar a razoabilidade do montante de provisão.

Em complemento às orientações do ASOP 36, em seu Actuarial Standard of Practice n. 43 - Property/casualty unpaid claim estimates (ASOP 43), o ASB (2011Actuarial Standards Board. (2011). Actuarial Standard of Practice n. 43. Property/casualty unpaid claim estimates. Retrieved from http://www.actuarialstandardsboard.org/asops/propertycasualty-unpaid-claim-estimates/.
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) orienta o trabalho dos atuários no dimensionamento das provisões de sinistros e define o resultado final do processo dos cálculos do atuário como Actuarial Central Estimate, isto é, uma estimativa que representa o valor esperado em um intervalo de resultados razoavelmente possíveis. Para obtenção do Actuarial Central Estimate e do Reasonable Reserve Estimate Range, o ASB recomenda que o atuário utilize métodos ou modelos para estimar as provisões de sinistros, sendo que estes devem ser apropriados às operações da entidade sob análise, segundo o julgamento do atuário.

Ainda no cenário internacional, o acordo Solvência II da União Europeia (regido pela Directive of the European Commission n. 139/2009Directive of the European Parliament and of the Council. (2009). Directive 2009/138/EC of the European Parliament and of the Council of 25 November 2009 on the taking-up and pursuit of the business of Insurance and Reinsurance (Solvency II). Retrieved from http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/ALL/?uri=OJ:L:2009:335:TOC.
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) passou a vigorar em 2016, estabelecendo os critérios básicos para a constituição das provisões técnicas no âmbito da União Europeia para redução de risco de insolvência nas entidades securitárias. Estabeleceu-se, pelo acordo, que as provisões devem representar a melhor estimativa do valor esperado dos fluxos de caixa descontados, considerando-se dados confiáveis, premissas realistas e calculados utilizando-se métodos atuariais e estatísticos adequados, aplicáveis e relevantes. Adicionalmente, Dreksler et al. (2015Dreksler, S., Allen, C., Akoh-Arrey, A., Courchene, J. A., Junaid, B., Kirk, J., Lowe, W., O’Dea, S., Piper, J., Shah, M., Shaw, G., Storman, D., Thaper, S., Thomas, L., Wheatley, M., & Wilson, M. (2015). Solvency II technical provisions for general insurers. British Actuarial Journal, 20(1), 7-129.) define que, sob a ótica do Solvência II, as provisões técnicas devem representar a melhor estimativa dos passivos correntes relativos às apólices de seguros acrescidos de uma margem de risco.

A legislação brasileira que trata da constituição das provisões técnicas é representada pela Circular da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) n. 517/2015Circular Superintendência de Seguros Privados (Superintendence of Private Insurance Bulletin) n. 517/2015. Describes technical provisions; liability adequacy test; reductive assets; underwriting risk capital; credit, operational and market; constitution of operating losses database; solvency regularization plan; recording, custody, and movement of assets and securities guaranteeing technical provisions; Periodic Information Form - FIP/SUSEP; Accounting Standards and independent accounts auditing of insurers, open-ended complementary pension funds, capitalization companies, and reinsurers; certification exam and continuous professional training of the independent accounts auditor; and the Technical Pronouncements elaborated by the Brazilian Actuarial Institute - IBA. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=35656.
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, suportada pelas Orientações de Normativos divulgadas pela SUSEP em seu site eletrônico. Conforme esse normativo e sua orientação, as entidades devem desenvolver métodos estatísticos para cálculo das provisões estimadas, de modo que sejam adequados às características das suas operações, consistentes com os eventos observados, bem como devem estar devidamente registrados em documentação de suporte elaborada pelo atuário responsável técnico.

A auditoria atuarial independente é um tema recente no mercado brasileiro. Em 2014, publicou-se a Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) n. 311/2014Resolução Conselho Nacional de Seguros Privados (National Council of Private Insurance Resolution) n. 311/2014. (2014). Describes the provision of independent actuarial auditing services to insurance comapnies, open-ended complementary pension funds, capitalization companies, and local reinsurers. Retrieved from http://www2.susep.gov.br/bibliotecaweb/docOriginal.aspx?tipo=1&codigo=33083.
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, que passou a exigir que as entidades contratem auditores atuariais que emitam parecer - a ser publicado nas demonstrações financeiras anuais, junto ao parecer dos auditores das demonstrações financeiras - sobre as provisões técnicas, ativos de resseguro, capital mínimo requerido, limites de retenção e operações de resseguro das sociedades supervisionadas pela SUSEP. Atualmente, os serviços do auditor atuarial independente são regulados pela Resolução CNSP n. 321/2015Resolução Conselho Nacional de Seguros Privados (National Council of Private Insurance Resolution) n. 321/2015. (2015). Describes technical provisions; assets that reduce the need for coverage of technical provisions; risk capital based on underwriting risks, credit, operational and market; adjusted net equity; minimum capital required; solvency regularization plan; retention limits; criteria for making investments; accounting standards; accounts auditing and independent actuarial auditing; and Auditing Committees relating to insurers, open-ended complementary pension funds, capitalization companies, and reinsurers. e pela Resolução IBA n. 5/2014Resolução Instituto Brasileiro de Atuária (Brazilian Actuarial Institute Resolution) n. 5/2014. (2014). Describes the creation of CPA Actuarial Pronouncement 002 - INDEPENDENT ACTUARIAL AUDITING OF ENTITIES SUPERVISED BY SUSEP. Retrieved from http://www.atuarios.org.br/docs_old/Arq635475964046568203.pdf.
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, que estabelecem os procedimentos a serem executados para obtenção de evidências que baseiem as conclusões do auditor.

Quanto ao escopo de análise das provisões técnicas de sinistros, o normativo determina que o auditor atuarial avalie a adequação da constituição das provisões técnicas, verificando que as metodologias adotadas pelas entidades respeitem os normativos critérios estabelecidos pela SUSEP e executando procedimentos de testes de consistência e recálculos independentes para as provisões estimadas, com objetivo de avaliar a qualidade das estimativas e se há indícios de que os valores contabilizados não refletem a realidade do negócio.

Nota-se, portanto, que há convergência de exigências tanto na legislação internacional como na brasileira, em que ambas sugerem que as provisões devem ser estimadas pela aplicação de métodos e modelos adequados e consistentes com a realidade das seguradoras e que, por extensão, geram estimativas razoáveis. Contudo, termos como “consistência”, “adequação”, “razoabilidade” e “melhor estimativa” são relativizáveis, subjetivos e passíveis de interpretação.

Nesse contexto, Shapland (2003Shapland, M. R. (2003). Loss reserve estimates: A statistical approach for determining “reasonableness”. In Proceedings of CAS Forum (pp. 321-360). New Orleans, United States of America.) retoma algumas definições do ASOP 36 e desenvolve um framework mais conciso para definir o termo reasonable reserve estimate, propondo princípios estatísticos que os atuários podem incluir em suas análises das provisões de sinistros. O autor apresenta uma revisão de diversas métricas para quantificação de risco, dentre elas o modelo proposto por Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.). As principais conclusões desse trabalho apontam para alguns dos benefícios do uso de abordagens probabilísticas, como: (i) o uso modelos probabilísticos fornece mais insumos para a quantificação de riscos e tomada de decisões estratégicas; (ii) o conceito de materialidade, utilizado para tomada de decisões em auditoria, pode ser melhor relacionado às incertezas das estimativas de provisões; (iii) o cálculo do capital adicional baseado em risco pode ser associado ao “nível” de probabilidade das provisões; e (iv) o conceito de margem de prudência de provisão pode ser relacionado a uma porção do intervalo de probabilidades, que é associado às incertezas das estimativas das provisões.

O trabalho de Shapland (2003Shapland, M. R. (2003). Loss reserve estimates: A statistical approach for determining “reasonableness”. In Proceedings of CAS Forum (pp. 321-360). New Orleans, United States of America.) evidencia a relevância que os modelos estocásticos passam a ter a partir dos anos 2000. Em uma perspectiva histórica, verifica-se que os primeiros algoritmos aplicados ao processo de provisionamento de sinistros remetem à década de 1930, com o trabalho de Tarbell (1934Tarbell, T. F. (1934). Incurred but not reported claim reserves. Proceedings of the Casualty Actuarial Society, XX, 275-280.). Segundo Taylor e McGuire (2016Taylor, G., & Mcguire, G. (2016). Stochastic loss reserving using generalized linear models. Arlington: Casualty Actuarial Society.), o método de chain ladder foi utilizado pela primeira vez na década de 1950 por uma pequena companhia de seguros chamada Midwestern Insurance Company. Anos depois, Bornhuetter e Ferguson (1972Bornhuetter, R. L., & Ferguson, R. E. (1972). The actuary and IBNR. Proceedings of the Casualty Actuarial Society, LIX, 181-195.) introduziram um método baseado em medidas de exposição e no indicador de sinistralidade, e tal procedimento pode ser utilizado em conjunto com o método de chain ladder para obtenção da estimativa final de sinistros.

Todavia, até esse ponto, os métodos não eram mais do que simples algoritmos determinísticos para obter estimativas pontuais. Hachemeister e Stanard (1975Hachemeister, C. A., & Stanard, J. N. (1975). IBNR claims count estimation with static lag functions. In Annals of 12th ASTIN Colloquium, International Actuarial Association (pp. 1-23). Portimao, Portugal.) avançaram de modo significativo nessa questão ao definir um modelo estocástico de dados de sinistros para o qual o método de chain ladder apresentou máxima verossimilhança. Então, a partir da década de 1990, com o avanço das tecnologias computacionais, foi possível estudar a inclusão de medidas de variabilidade nos modelos. Nesse sentido, um trabalho relevante é o de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.); com suas estimativas de erro padrão para provisões de sinistros calculadas via chain ladder, é considerado um modelo estocástico livre de distribuições de probabilidade.

Atualmente, a literatura empírica tem concentrado esforços no estudo de abordagens estocásticas para atendimento a requisitos regulatórios, visando principalmente aos requerimentos do acordo Solvência II quanto a modelos internos, bem como em experimentos com modelagem via generalized linear models (GLM) para estimar os parâmetros associados às distribuições de probabilidade das provisões de sinistros. Destaca-se o trabalho de England e Verrall (2002England, P. D., & Verrall, R. J. (2002). Stochastic claims reserving in general insurance. British Actuarial Journal, 8(3), 443-518.), que fornece um conjunto de abordagens estocásticas aplicáveis às provisões de sinistros. O estudo aborda desde modelos que reproduzem as estimativas obtidas pelo método chain ladder a modelos de curvas paramétricas e suavização de padrões de desenvolvimento, bem como modelos baseados em dynamic financial analysis (DFA). Ainda nesse trabalho, os estudos de Bornhuetter e Ferguson (1972Bornhuetter, R. L., & Ferguson, R. E. (1972). The actuary and IBNR. Proceedings of the Casualty Actuarial Society, LIX, 181-195.) são revistos, porém com a adição de uma abordagem baseada em inferência bayesiana. As conclusões desse trabalho indicam que uma das principais vantagens da modelagem estocástica é a obtenção de métricas quanto à precisão das estimativas.

England e Verrall (2006England, P. D., & Verrall, R. J. (2006). Predictive distributions of outstanding liabilities in general insurance. Annals of Actuarial Science, 1(2), 221-270.) estendem o estudo de alguns dos modelos apresentados por England e Verrall (2002England, P. D., & Verrall, R. J. (2002). Stochastic claims reserving in general insurance. British Actuarial Journal, 8(3), 443-518.) e mostram como distribuições das provisões de sinistros podem ser obtidas usando bootstrap e técnicas bayesianas. O texto descreve o procedimento iterativo de bootstrapping e faz a implementação de um modelo bayesiano usando cadeias de Markov e simulação de Monte Carlo. Esses resultados foram, então, comparados e mostrou-se que, sob as mesmas premissas, esses modelos geram estimativas similares. O estudo conclui que a principal vantagem dessas abordagens é a geração automática de distribuições preditivas completas, essenciais para a construção de modelos internos de capital adicional baseado em risco.

Schiegl (2015Schiegl, M. A. (2015). A model study about the applicability of the chain ladder method. Scandinavian Actuarial Journal, 2015(6), 1-25.) desenvolveu um modelo estocástico 3D, baseado em teoria do risco coletivo, que trabalha nas dimensões de períodos de ocorrência (i), períodos de desenvolvimento dos avisos (j) e períodos de desenvolvimento do status de liquidação do sinistro após seu aviso (k). O objetivo é modelar o número de sinistros ativos (não totalmente pagos), bem como o montante a pagar relativo a esses sinistros. As provisões estimadas por esse modelo foram então comparadas com os resultados obtidos via chain ladder (2D). Os resultados obtidos revelam que as provisões calculadas pelo modelo 3D coincidem com as estimadas por chain ladder. Essa coincidência demonstra que a terceira dimensão utilizada - status da liquidação do sinistro - não influencia os resultados do modelo 2D estruturado apenas nas dimensões de períodos de ocorrência e desenvolvimento.

A maioria dos modelos estocásticos descritos anteriormente faz uso do agrupamento de dados em triângulos. Conforme Schmidt (2006Schmidt, K. D. (2006). Methods and models of loss reserving based on run-off triangles: A unifying survey. In Proceedings of Casualty Actuarial Society Forum (section 3, pp. 269-317). Atlanta, United States of America.), a utilização de triângulos de run-off - a forma estrutural dos dados para aplicação do método de chain ladder - no processo de provisionamentos de sinistros é justificada pela premissa de que o desenvolvimento dos sinistros para todos os períodos de ocorrência segue um determinado padrão, isto é, o comportamento passado dos montantes de sinistros pode ser utilizado para estimar sua evolução futura. Para ele, essa premissa pode ser entendida como modelo estocástico primitivo para o processo de provisionamento de sinistros.

Porém, esse método é sujeito a algumas restrições. Para Weindorfer (2012Weindorfer, B. (2012). A practical guide to the use of the chain-ladder method for determining technical provisions for outstanding reported claims in non-life insurance [Technical Report]. University of Applied Sciences of Vienna.), a premissa de que comportamento passado é fonte de dados para predição de eventos futuros deve ser tomada com cautela, pois um requisito básico para utilizar a experiência passada para estimar o futuro é que os dados envolvidos na predição sejam precisos e livres de erros. Além disso, a seguradora deve assegurar-se de que sua própria experiência não contradiga a premissa fundamental do método chain ladder. Por exemplo, algumas razões pelas quais os padrões de pagamento dos sinistros são afetados incluem: alterações em condições gerais no desenho de produtos; mudanças na defasagem temporal entre ocorrência de sinistro e recebimento do respectivo aviso pela entidade; alterações no processo de regulação dos sinistros e, por consequência, no seu processo de liquidação financeira; alterações introduzidas por normas regulatórias; e ocorrência de casos atípicos de pagamentos de sinistros de valor muito elevado (catástrofes) ou muito baixo (sinistro pouco acima da franquia dedutível).

Segundo pesquisa elaborada pela International Actuarial Association (IAA, 2016International Actuarial Association. (2016). Non-life reserving practices. Report n. 1. Retrieved from http://www.actuaries.org/ASTIN/Documents/ASTIN_WP_NL_Reserving_Report1.0_2016-06-15.pdf.
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), que coletou dados de 535 entidades em 42 países, no tocante a metodologias determinísticas, chain ladder é o método mais utilizado mundialmente para cálculo das provisões de sinistros. Cerca de 95% das companhias de seguros pesquisadas o utilizam. Em segundo vem o método de Bornhuetter e Ferguson (1972Bornhuetter, R. L., & Ferguson, R. E. (1972). The actuary and IBNR. Proceedings of the Casualty Actuarial Society, LIX, 181-195.), utilizado por 90% das empresas. Quanto aos métodos estocásticos, destacam-se Mack e bootstrap, utilizados por cerca de 45% das entidades.

No Brasil, pesquisaram-se 34 seguradoras e 97% adotam chain ladder como método principal ou alternativo. Já o método de Bornhuetter e Ferguson (1972Bornhuetter, R. L., & Ferguson, R. E. (1972). The actuary and IBNR. Proceedings of the Casualty Actuarial Society, LIX, 181-195.) é utilizado por 74% das entidades. O estudo revela que apenas cerca de 20% das seguradoras brasileiras utilizam abordagens estocásticas e, quando as utilizam, essas são apenas informativas, não influenciando o processo de decisão sobre os montantes de provisão.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A partir dos dados de movimentações de sinistros, registrados nos quadros estatísticos remetidos à SUSEP por uma determinada seguradora para as carteiras de seguros de Automóvel - Casco (ramo 0531) e Responsabilidade Civil Facultativa (RCF) Veículos (ramo 0553), no período entre janeiro de 2010 e dezembro de 2015, reestimou-se a provisão de IBNR para a data-base 31 de dezembro de 2015, utilizando-se os métodos de chain ladder e Bornhuetter e Ferguson (1972Bornhuetter, R. L., & Ferguson, R. E. (1972). The actuary and IBNR. Proceedings of the Casualty Actuarial Society, LIX, 181-195.). Os cálculos foram feitos considerando-se valores de sinistros avisados brutos de despesas e de recuperações de resseguro.

Em seguida, por meio do modelo descrito por Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.), será estimado o erro padrão associado à provisão e, de posse deste erro padrão, estabelece-se um intervalo de confiança de estimativas. São estudadas, também, distribuições de probabilidade empíricas para a provisão de IBNR obtidas por bootstrapping, considerando-se 10 mil simulações. Por fim, os resultados para o intervalo determinístico e as distribuições empíricas são comparados e discutidos.

Weindorfer (2012Weindorfer, B. (2012). A practical guide to the use of the chain-ladder method for determining technical provisions for outstanding reported claims in non-life insurance [Technical Report]. University of Applied Sciences of Vienna.) enumera as seguintes etapas para aplicação do método de chain ladder: (i) agrupamento dos dados de sinistros em triângulos de run-off; (ii) cálculo dos padrões de desenvolvimento; (iii) estimativa do montante final de sinistros fazendo uso do resultado da etapa (ii) e; (iv) estimativa da provisão de sinistros. A seguir, apresenta-se a descrição de cada uma dessas etapas.

Adotando-se a notação definida por Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.), seja 𝐶 𝑖,𝑘 o montante total de sinistros acumulados para o período de ocorrência i, sendo 1 ≤ i ≤ n, avisados k períodos após o período de ocorrência, com l ≤ k ≤ n (períodos de desenvolvimento) e k = 1, 2, ..., n.

𝐶 𝑖,𝑘 é então considerada variável aleatória observada se i + k ≤ n + 1. Essa é a definição formal do triângulo de run-off de sinistros acumulados. Quando agrupados, esses dados formam a seguinte matriz quadrada 𝐼 𝑛𝑥𝑛 :

I n x n = C 1,1 C 1,2 C 1 , n - 2 C 1 , n - 1 C 1 , n C 2,1 C 2,2 C 2 , n - 2 C 2 , n - 1 C 3,1 C 3,2 C 3 , n - 2 C n - 1,1 C n - 1,2 C n , 1 (2)

em que as setas indicam a orientação temporal dos dados, do mais antigo para o mais recente.

O objetivo do método de chain ladder é estimar o montante final de sinistros avisados 𝐶 𝑖,𝑛 e a respectiva provisão de sinistros

R i = C i , n - C i , n + 1 - i (3)

para cada período de ocorrência i = 0, 1, 2, ..., n.

As premissas básicas do método são:

  1. Existem fatores de desenvolvimento f1, f2,,fn-1>0 >0 tais que ECi,k+1Ci,1, Ci,k= Ci,kfk, 1i n, 1k n-1 . Essa formulação descreve uma cadeia de Markov, isto é, um processo estocástico em que a probabilidade e esperança de eventos futuros dependem apenas das informações contidas no passado.

  2. Ci,1,,Ci,n,Cj,1,,Cj,n, ij são independentes, ou seja, o método assume que não há qualquer relação de dependência entre os montantes acumulados de sinistros de diferentes períodos de ocorrência.

Note-se que a soma dos termos da diagonal secundária da matriz 𝐼 𝑛𝑥𝑛 corresponde ao montante conhecidos dos sinistros avisados até o período “n”. Isto é:

C i , n + 1 - i = C n , 1 + C n - 1,2 + . . . + C 3 , n - 2 + C 2 , n - 1 + C 1 , n . (4)

A partir dessa matriz, calculam-se fatores que medem o desenvolvimento relativo do montante acumulado de sinistros entre um período de desenvolvimento e o período seguinte. Esses fatores formam a base para seleção de padrões de desenvolvimento que serão utilizados para a projeção do montante final de sinistros avisados, 𝐶 𝑖,𝑛+1−𝑖 . Esses fatores são dados pela razão:

f i , k = C i , k + 1 C i , k . (5)

Esses fatores podem então ser agrupados na matriz quadrada 𝐹 (𝑛−1)𝑥(𝑛−1) :

F ( n - 1 ) x ( n - 1 ) = f 1,1 f 1,2 f 1 , n - 2 f 1 , n - 1 f 2,1 f 2,2 f 2 , n - 2 f n - 2,1 f n - 1,2 f n - 1,1 . (6)

De posse dessa matriz, a fim de determinar o estimador único que represente o padrão de desenvolvimento para cada período k, estima-se 𝑓 𝑘 , uma medida central da razão de crescimento do montante acumulado de sinitros avisados. Devido às suas boas propriedades estatísticas, a média ponderada dos fatores de desenvolvimento é a escolha indicada para 𝑓 𝑘 . Contudo, a aderência desse padrão de desenvolvimento deve ser periodicamente testada por meio de testes de consistência que comparem os valores contabilizados da provisão em datas passadas com os dados efetivamente observados, considerando-se os dados mais recentes disponíveis.

Após a seleção dos padrões de desenvolvimento 𝑓 𝑘 , estes devem ser acumulados da seguinte forma:

f ^ k = k = 1 n f k . (7)

Os fatores 𝑓 𝑘 possibilitam a estimativa do montante final de sinistros avisados para cada período i de ocorrência por meio da equação 8, a seguir:

C i , n = C i , n + 1 - i . f ^ k , i = 0 , 1 , 2 , , n . (8)

Finalmente, a provisão de IBNR, aqui denotada por 𝑅 , será dada por:

R ^ = i = 0 n C i , n - C i , n + 1 - i . (9)

O algoritmo proposto por Bornhuetter e Ferguson (1972Bornhuetter, R. L., & Ferguson, R. E. (1972). The actuary and IBNR. Proceedings of the Casualty Actuarial Society, LIX, 181-195.) é um método determinístico que combina o método de chain ladder com o indicador de sinistralidade esperada - medida de exposição que relaciona indenizações incorridas com o prêmio ganho em cada risco - para estimar o montante final de sinistros avisados para cada período i de ocorrência. Mano e Pereira (2009Mano, C. C. A., & Pereira, P. P. (2009). Aspectos atuariais e contábeis das provisões técnicas. Rio de Janeiro: Funenseg.) comentam que dois parâmetros são necessários para se aplicar os método de Bornhuetter e Ferguson: o padrão de aviso dos sinistros e a sinistralidade esperada. O padrão de desenvolvimento é obtido diretamente pelo método de chain ladder, enquanto a sinistralidade esperada pode ser definida a partir da sinistralidade verificada, relacionando-se os sinistros avisados acumulados do triângulo de run-off com o prêmio ganho, executando ajustes na sinistralidade em linha com a tendência observada em períodos de ocorrência mais maduros e o conhecimento da companhia sobre a evolução de seus negócios. A sinistralidade esperada pode também ser definida tomando-se por base benchmarks de mercado.

A estimativa do montante final de sinistros fica definida, então, pela equação 10, a seguir.

C i , n B F = α i . π i . 1 - 1 f ^ k (10)

em que 𝛼 𝑖 e 𝜋 𝑖 representam, respectivamente, a sinistralidade esperada e o prêmio ganho para cada período de ocorrência i. O termo 𝑓 𝑘 é o fator de desenvolvimento acumulado, obtido pela equação 7. Então, a provisão de IBNR, pelo método de Bornhuetter e Ferguson, será dada por

R ^ = i = 0 n C i , n B F - C i , n + 1 - i (11)

O método de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) estima os parâmetros da distribuição em torno da “melhor estimativa” da provisão de sinistros, assumindo que o método de chain ladder gera essa melhor estimativa. São consideradas as seguintes suposições:

  1. Para todos os períodos de ocorrência, o montante acumulado de sinistros esperados no período de desenvolvimento n é igual ao produto do montante de sinistros em n-1 multiplicado pelo fator de desenvolvimento no intervalo n-1 até n. Tal fator é a média ponderada histórica dos períodos de ocorrência

  2. f ^ k = i = 1 n - k C i , k + 1 i = 1 n - k C i , k (12)

  3. Os montantes de sinistros de diferentes períodos de ocorrência são independentes;

  4. A variabilidade dos fatores de desenvolvimento em um intervalo de períodos é inversamente proporcional à magnitude dos montantes de sinistro no início do intervalo.

Nota-se que as duas primeiras suposições são análogas às premissas fundamentais do método chain ladder e a terceira é um resultado implícito desse mesmo método.

Considerando-se essas três suposições, calcula-se o desvio padrão (mean square error - mse) da provisão de sinistros para cada período de ocorrência [mseRi^] e para o total da provisão [mseR^] .

Prova-se (Mack, 1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) que:

m s e R i ^ = m s e C i , n (13)

isto é, o erro quadrático médio da provisão de sinistros para o período de ocorrência i é igual ao erro quadrático médio do montante final de sinistros 𝐶 𝑖,𝑛 . Assim, o mseRi^ é dado por:

m s e R i ^ = C ^ i , n 2 k = n + 1 - i n - 1 σ ^ k 2 f ^ k 2 1 C ^ i , k + 1 j = 1 n - k C j , k (14)

em que

σ ^ k 2 = 1 n - k - 1 i = n n - k C i , k C i , k + 1 C i , k - f ^ k 2 , 1 k n - 2 (15)

é um estimador não enviesado da variância do montante total de sinistros acumulados 𝐶 𝑖,𝑘 e

C ^ i , k = C i , n + 1 - i f ^ k - I , k > n + 1 - i (16)

são os valores estimados do montante total de sinistros acumulados.

Para o total da provisão, o erro quadrático médio é estimado de forma distinta, devido à estrutura de correlações entre os estimadores 𝑓 𝑘 e 𝜎 𝑘 . Seu valor é estimado por:

m s e R ^ = i = 2 n s . e . ( R ^ i ) 2 + C ^ i , n j = i + 1 n C ^ j , n k = n + 1 - i n - 1 2 σ ^ k 2 / f ^ k 2 n = 1 n - k C n , k , (17)

em que s.e.R^i representa o erro padrão da provisão de sinistros para cada período de ocorrência.

No presente trabalho, serão obtidos intervalos de confiança a partir dos microdados disponíveis, a fim de se obter a medida de qualidade do dimensionamento, o que será feito por bootstrap. O bootstrap é um procedimento iterativo que gera uma distribuição de probabilidades empírica para a provisão de sinistros e, por meio de simulações de reamostragens, é possível projetar triângulos alternativos considerando-se a variabilidade presente no triângulo de run-off original.

Conforme a metodologia descrita por England e Verrall (2002England, P. D., & Verrall, R. J. (2002). Stochastic claims reserving in general insurance. British Actuarial Journal, 8(3), 443-518.), o processo de bootstrapping consiste em tomar os fatores de desenvolvimento do triângulo de sinistros avisados acumulado, manter a última diagonal (montante conhecido dos sinistros avisados até o período “n”) e reestimar os valores de períodos de ocorrência e aviso anteriores por simulações nos sinistros incrementais. Em seguida, calculam-se os resíduos de Pearson pela diferença entre o triângulo originalmente observado e o triângulo reestimado, conforme a equação 18,

r i k ( p ) = C i k - m i k ^ m i k ^ , (18)

em que 𝑚 𝑖𝑘 é a estimativa dos valores de sinistros avisados incrementais obtida na p-ésima rodada do processo de bootstrapping, de maneira que o resíduo seja padronizado, livre de escala e, portanto, oriundo de uma distribuição hipotética de probabilidade. Na sequência, segundo a equação 19, é calculado um parâmetro de escala para os resíduos de Pearson, de tal forma que a escala seja devolvida para obtenção dos novos triângulos aleatórios.

φ = i , j k - i + 1 r i k ( p ) 2 1 2 n n + 1 - 2 n + 1 , (19)

que representa a soma dos resíduos quadráticos de Pearson dividida pelos graus de liberdade, dimensionados pelo número de observações subtraído da quantidade de parâmetros estimados.

Por fim, os resíduos de Pearson são ajustados pela equação 20,

r i k ( a d j ) = n 1 2 n n + 1 - 2 n + 1 . r i k ( p ) , (20)

para replicar a correção de viés usando uma abordagem analítica.

Os resíduos de Pearson são selecionados com reposição gerando, assim, diversos triângulos de resíduos. Partindo-se, então, dos triângulos de resíduos, são construídos novos triângulos de sinistros avisados, incluindo-se a estimativa do montante de sinistros finais e a estimativa da provisão. Esse processo é repetido n vezes (n = 10.000, por exemplo) e o conjunto dos resultados gerados formará a distribuição empírica.

4. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

A partir dos dados de sinistros avisados, foram construídos triângulos de run-off para as carteiras de Automóvel (ramo 0531) e RCF (ramo 0553) distribuídos em 48 períodos de ocorrência mensais. A Figura 2 evidencia o montante conhecido dos sinistros avisados à seguradora em cada período de ocorrência (diagonal do triângulo de run-off acumulado, definido na equação 4).

Figura 2
Evolução do montante acumulado de sinistros avisados por período de ocorrência

Verifica-se que, para a carteira de Automóvel, a severidade dos avisos de sinistros é maior em relação à carteira de RCF. Para os períodos de ocorrência ao final de 2015, há decréscimo no montante de sinistros avisados porque essas coortes de sinistros estão pouco desenvolvidas, isto é, muito próxima à data-base das análises, 31 de dezembro de 2015, e não se tem a completude dos avisos dos meses anteriores.

Na Figura 3 são apresentados os padrões de desenvolvimento que servirão de base para o cálculo da provisão de IBNR, segundo os métodos de chain ladder e Bornhuetter e Ferguson descritos na seção anterior.

Figura 3
Desenvolvimento temporal de aviso de sinistros com fatores de desenvolvimento gerado pela média ponderada

Nos seguros de automóvel, o aviso dos sinistros à seguradora ocorre, em média, em três meses, fato explicado pelo interesse do segurado em obter a indenização garantida pela apólice para voltar ao pleno uso de seu carro o mais rápido possível. Em contrapartida, na carteira de RCF - seguro no qual a entidade obriga-se a reembolsar ao segurado a indenização à qual este esteja obrigado, judicial ou extrajudicialmente, a pagar em consequência de danos involuntários causados a terceiros -, os avisos desenvolvem-se mais lentamente, atingindo um nível de maturidade de avisos em dois anos (24 meses), principalmente devido aos sinistros que durante o processo de regulação tornam-se disputas judiciais.

As figuras 4 e 5 apresentam os resultados da modelagem estocástica por bootstrapping. Na Figura 4 são mostrados os valores pontuais da provisão de IBNR para cada simulação e, na Figura 5, tem-se as distribuições empíricas de probabilidade obtidas para cada uma das carteiras consideradas.

Figura 4
Estimativas pontuais das provisões de incurred but not reported (IBNR) reestimadas por bootstrapping, considerando-se 10 mil iterações

Figura 5
Distribuição de probabilidade da provisão de incurred but not reported (IBNR) estocástica - carteiras de seguros de Automóvel e Responsabilidade Civil Facultativa (RCF)

Tabela 2.
Estatísticas descritivas das distribuições empíricas obtidas por bootstrap - valores em milhares de reais

A disposição das estimativas pontuais na Figura 4 evidencia a maior volatilidade experimentada pelo ramo 0553 (RCF), ocasionada principalmente por seu padrão de desenvolvimento temporal mais longo. Esse fato é corroborado pela distribuição de probabilidade apresentada na Figura 5, em que é notória a cauda mais pesada (leptocúrtica; curtose = 3,17) à direita. A função de probabilidade do segmento de Automóvel indica comportamento semelhante à distribuição normal, com desvio padrão representando bem a simetria em torno do valor médio. O índice “Convergência” aponta, para as duas carteiras estudadas, a assertividade entre os valores médios simulados e o valor da melhor estimativa determinística obtida via chain ladder.

Na Tabela 3, apresentam-se os resultados do valor da provisão de IBNR considerando-se quatro métodos, sendo dois determinísticos e dois estocásticos. São evidenciadas, também, as diferenças relativas de cada método em relação à melhor estimativa gerada pelo método chain ladder.

Tabela 3.
Resultados do cálculo da provisão de incurred but not reported (IBNR) estimada pelos métodos determinísticos e estocásticos - valores em milhares de reais

Observa-se que, de forma geral, há poucas divergências entre os valores das estimativas pontuais geradas pelos métodos determinísticos e as calculadas por processos estocásticos. Trata-se de fato esperado, por se tratar de dois ramos que têm grande volume de informações, o que garante forte estabilidade de resultado. O método de Bornhuetter e Ferguson (1972Bornhuetter, R. L., & Ferguson, R. E. (1972). The actuary and IBNR. Proceedings of the Casualty Actuarial Society, LIX, 181-195.) gera estimativas menores, pois promove ajustes aos períodos de ocorrência mais recentes, de acordo com a exposição medida pelo indicador de sinistralidade. Nota-se, também, que a distribuição empírica de bootstrap gera estimativas semelhantes às de uma distribuição log-normal.

Na Tabela 4, são apresentados os resultados das principais métricas estatísticas geradas pela aplicação do modelo de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) e pelo processo de bootstrapping. O objetivo desse quadro é demonstrar a incerteza inerente à provisão de IBNR medida por meio do erro padrão proposto por Mack, bem como pelo desvio padrão obtido pela distribuição empírica de bootstrap. A partir dessas medidas de incerteza, são obtidos limites superiores e inferiores que podem ser entendidos como o intervalo de cenários possíveis para a provisão.

Tabela 4.
Resultados da aplicação do modelo de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) e de bootstrap - valores em milhares de reais

Comparando-se os resultados obtidos para as duas carteiras sob análise, tendo em vista a maior volatilidade no ramo 0553 (RCF), verifica-se que seu erro padrão é mais que o dobro pelo método de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) e quase o triplo por bootstraping, quando comparado aos dados do segmento de Automóvel. Por consequência, o intervalo de confiança para RCF terá maior amplitude, tanto sob o ponto de vista do modelo de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) quanto por bootstrap. Para a carteira de Automóvel, dado seu comportamento estável, o intervalo de confiança da melhor estimativa será mais restrito. Os resultados serão apresentados na Tabela 5.

Tabela 5.
Intervalo de confiança para a melhor estimativa da provisão de IBNR - valores em milhares de reais

Nas duas carteiras sob análise, a distribuição empírica de bootstrap gera erro padrão menor que o calculado por Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.), isto é, por bootstrap, o intervalo de confiança para a melhor estimativa é mais restrito. Isso ocorre porque o procedimento bootstrap captura maior quantidade de cenários possíveis, considerando-se o triângulo de run-off original e n = 10.000 triângulos alternativos simulados. Em contrapartida, o método de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) concentra-se apenas na variabilidade inerente ao triângulo original.

A interpretação da Tabela 5, do ponto de vista do analista atuarial, é que a melhor estimativa da provisão de IBNR (ou de quaisquer outras provisões técnicas que envolvam o método chain ladder) pode variar, mas dentro de um intervalo aceitável. Um valor de provisão abaixo do limite inferior indica falta de provisão - podendo afetar negativamente a solvência da seguradora, dependendo da relevância da carteira sob análise em seu passivo. Já um valor acima do limite superior indica excesso de provisão, podendo comprometer o resultado operacional da companhia.

Do ponto de vista do auditor atuarial, o princípio é análogo. A aplicação de um intervalo de confiança em seus trabalhos de revisão das provisões técnicas permite validar números que podem não representar a realidade da entidade auditada. Se em seu trabalho de auditoria são verificados valores de provisão fora de um intervalo de confiança, abre-se espaço para questionar a administração da entidade e investigar suas causas. Pode-se, adicionalmente, constatar situações de contabilidade fraudulenta das provisões técnicas para gerenciamento de resultado operacional ou para fins de gestão tributária, bem como insuficiência de provisões técnicas com impacto negativo nos indicadores de solvência da seguradora.

É importante ressaltar que os limites propostos indicam um intervalo de confiança, isto é, dada a incerteza a que o cálculo das provisões técnicas de sinistros está sujeito - pois a provisão de IBNR representa indenizações que irão chegar ao conhecimento da seguradora, e isso é uma variável aleatória com distribuição desconhecida -, esse intervalo visa a cobrir os cenários possíveis para o valor do montante de provisão. Assim, os limites inferior e superior podem ser entendidos como valores contabilizados de modo a sinalizar uma medida de risco - de insuficiência de recursos - no balanço da entidade.

O intervalo de confiança proposto fornece uma visão do que é aceitável no momento da constituição de provisão. Entretanto, é de interesse da administração da seguradora, e também dos auditores atuariais, entender qual o valor de capital necessário para suprir a volatilidade das provisões técnicas que advém do processo de subscrição dos riscos. Outra questão relevante é: como garantir que a IBNR determinística é suficiente para cobrir os eventos que a seguradora ainda não conhece? Métodos determinísticos não fornecem respostas para essas questões. Considerando-se esses pontos, nas figuras 6 e 7, apresentam-se a análise comparativa entre os valores determinísticos de provisão e os valores associados aos quantis das distribuições empírica (bootstrap) e log-normal para as duas linhas de negócio avaliadas. A distribuição log-normal foi escolhida por ser uma distribuição que representa duas características importantes dos eventos aqui modelados: primeiro porque é uma distribuição truncada no zero, garantindo que não há sinistros de valores negativos; segundo, porque essa é uma distribuição assimétrica à direita, configurando-se em uma distribuição apropriada para ajustar eventos que podem ter excesso de danos. Ademais, como o Teorema do Limite Central garante que, em amostras com tamanho grande, como é o caso deste estudo, a distribuição amostral (empírica, via bootstrap) da sua média aproxime-se de uma distribuição Normal, tem-se uma comparação efetiva da sensibilidade nas provisões pelo fato de, eventualmente, os sinistros terem curtose além de uma Normal.

Figura 6
Análise comparativa dos resultados gerados pelos métodos determinísticos e pela modelagem estocástica - carteira de seguros de Automóvel (ramo 0531)

Figura 7
Análise comparativa dos resultados gerados pelos métodos determinísticos e pela modelagem estocástica - carteira de seguros Responsabilidade Civil Facultativa (RCF) (ramo 0553)

Tabela 6.
Quantis das distribuições empírica e log-normal correspondentes aos limites gerados por Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) - valores em milhares de reais
Tabela 7.
Análise comparativa dos quantis da distribuição empírica em relação aos limites gerados por Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) - valores em milhares de reais

Avaliando-se conjuntamente as figuras 6 e 7 e as tabelas 6 e 7, pode-se verificar a medida implícita que o balanço patrimonial não informa sobre as provisões técnicas: a probabilidade de faltarem recursos para honrar compromissos com os segurados, mesmo depois do complemento realista das despesas contábeis. Enquanto o método de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) considera apenas acontecimentos passados para estimar o carregamento sobre as provisões técnicas, o método de bootstrap simula situações que poderiam ter ocorrido baseado em eventos que já ocorreram. Estimando-se a distribuição de probabilidade de todas as possibilidades, é possível extrair a medida de probabilidade de insuficiência de capital que o método de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) não fornece.

A Tabela 6 apresenta as intersecções dos limites superiores estimados pelo modelo de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) das figuras 6 e 7. Adotando-se o segmento de Automóvel como exemplo, a probabilidade estimada, segundo o modelo de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.), de o valor real da provisão de IBNR exceder R$ 4,3 milhões é de 6%. Já quando se impõe a distribuição paramétrica (log-normal) teórica, o método de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) proveria um valor cuja probabilidade de se incorrer em insuficiência de capital seria de 16%. Esse fato também é esperado na medida em que a imposição de uma distribuição teórica pode não ser aderente aos dados observados.

Pelo fato de o modelo de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) adotar como premissa a simetria no entorno da melhor estimativa das provisões técnicas, isto é, a volatilidade incorrida em caso de hipo ou hipersuficiência das provisões ter mesma magnitude, então os limites do intervalo de confiança gerados podem abranger menos cenários possíveis que a distribuição empírica, pois seu método não define, em qualquer momento, o nível de confiança de seu intervalo. Esse fato é particularmente mais grave quando se está diante de distribuições leptocúrticas (como a do segmento RCF) ou assimétricas (em ambos os casos considerados há assimetria à direita).

A Tabela 7 detalha qual deveria ser a alteração (diferença relativa) nos limites calculados via Mack que geraria intervalos de confiança de 90, 95 e 99%. Os efeitos sob os limites de Mack são de aumentos nos limites superiores mais severos do que reduções de limites inferiores para ambos os segmentos securitários, evidenciando, uma vez mais, que se trata de distribuições assimétricas à direita e que o ramo 0553 (RCF) tem cauda mais pesada à direita que o ramo 0531 (Automóvel).

A análise dos quantis correspondentes aos limites gerados via Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) mostra que, de modo geral, a distribuição log-normal (paramétrica) é mais conservadora que a distribuição empírica. Isso revela que a modelagem estocástica considera que as possibilidades de variação são mais restritas para um mesmo nível de confiança, mostrando a assertividade do método.

Portanto, a principal vantagem de bootstrap quando comparado ao modelo proposto por Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) é que em Mack não se tem noção clara sobre quais os níveis de confiança (cenários) estão contemplados pelos limites. Outra vantagem do bootstrap é que a distribuição empírica revela a probabilidade estimada de que o valor real exceda aquele nível de provisionamento.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho propôs-se a atender a dois objetivos principais: (i) obter uma medida de variabilidade para as provisões de sinistros estimadas pelo método de chain ladder a fim de construir um intervalo de confiança para a melhor estimativa das provisões técnicas, fornecendo parâmetros adicionais para a tomada de decisão atuarial; e (ii) avaliar de que maneira a adoção de modelos estocásticos pode gerar informações adicionais sobre as provisões de sinistros.

Os objetivos propostos foram alcançados considerando-se os modelos de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) e a aplicação do método de bootstrap, por meio dos quais calculou-se um intervalo de confiança para as estimativas determinísticas da provisão de IBNR (apresentado na Tabela 5), utilizando-se dados reais de uma seguradora brasileira e analisando-se duas carteiras, Automóvel (ramo 0531) e RCF (ramo 0553). Também por bootstrapping, foram calculadas as distribuições de probabilidades empíricas para a provisão de IBNR (figuras 5, 6 e 7) que geraram informações adicionais sobre os quantis associados à provisão. Os quantis informam a probabilidade estimada de que o valor real exceda um determinado nível de provisionamento.

A comparação dos resultados gerados por Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) e bootstrap indica que há vantagens na adoção das simulações via bootstrapping: as simulações geradas por bootstrap refletem situações que poderiam ter acontecido dados os eventos já ocorridos. Por outro lado, por bootstrapping, estimando-se a distribuição de probabilidade empírica e seus quantis, é possível extrair a medida de probabilidade de insuficiência ou suficiência de capital que o método de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution free calculation of the standard error of chain ladder reserve estimates. ASTIN Bulletin, 23(2), 213-225.) não fornece.

A modelagem estocástica por bootstrapping, quando aplicada a dados de sinistros ocorridos e não pagos, indicará qual o valor de capital necessário para suprir a volatilidade das provisões técnicas de sinistros, bem como a probabilidade de se incorrer em insuficiência de capital. Isto é, a abordagem estocástica viabiliza o estudo de modelos internos de capital adicional baseado em risco de subscrição. Esse é um tema carente de estudos no mercado securitário brasileiro, no qual o capital adicional baseado em risco de subscrição é determinado por um modelo padrão definido pela SUSEP, mas faz-se necessária a estimação da distribuição de probabilidade agregada para todas as linhas de negócio em que a seguradora subscreva riscos. Em geral, utiliza-se um carregamento de segurança sobre as provisões técnicas, calculado por uma aproximação normal do sinistro agregado. Mas é possível recorrer à teoria das cópulas, que modela a estrutura multivariada de dependência entre diversas linhas de negócio. Quando se incorpora a correlação, é possível diminuir a necessidade de constituição de reserva de capital baseado em risco de subscrição.

Os modelos propostos neste trabalho utilizam dados passados para calcular projeções. Logo, estão sujeitos a limitações devido a fatores como alterações inesperadas no volume de negócios, mudanças no desenho de produtos e políticas de subscrição, dentre outros. É essencial que, com o passar do tempo e novas informações disponíveis, sejam realizados testes de consistência para garantir a aderência dos modelos à realidade das operações da entidade.

Ademais, o estudo da variabilidade das provisões técnicas e a mensuração de margens de risco implicam avaliações da variabilidade do resultado operacional das entidades securitárias. Dessa forma, o entendimento do impacto das flutuações das provisões técnicas no valor alocado no patrimônio líquido contábil torna-se mais claro, fornecendo, assim, um elemento crucial para a gestão atuarial moderna e para transparência de divulgação de resultados. Todos esses aspectos (mensuração, contabilização, mecanismos de governança corporativa e disclosure) ganharam relevância, especialmente com o advento do acordo Solvência II, na Europa, e com as novas diretrizes para contabilização de contratos de seguros emitida pelo International Financial Reporting Standards (IFRS, 2017International Financial Reporting Standards. (2017). IFRS 17 insurance contracts. Retrieved from http://www.ifrs.org/issued-standards/list-of-standards/ifrs-17-insurance-contracts/.
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), que atualmente está em fase de adoção por parte das entidades regulatórias e entrará em vigor a partir de 2021.

No Brasil, apesar da baixa frequência do uso de abordagens estocásticas nas seguradoras, a tendência é que esse tema ganhe relevância já em curto prazo, tendo em vista a necessidade de as seguradoras estrangeiras, com filiais registradas na SUSEP, consolidarem suas demonstrações financeiras nos moldes de Solvência II e IFRS. Desse modo, a modelagem estocástica poderá deixar de ser um mero instrumento auxiliar, como é hoje, para tornar-se uma condição sine qua non para uma avaliação mais ampla da situação de solvência das seguradoras brasileiras.

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    Artigo apresentado no XVII USP International Conference in Accounting, São Paulo, SP, Brasil, julho de 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2018
  • Revisado
    10 Abr 2018
  • Aceito
    22 Fev 2019
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