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Pesquisa acadêmica de impacto

1. INTRODUÇÃO

Pesquisa relevante é de grande interesse. Tenho falado sobre esse tópico há anos. Por exemplo, palestrei recentemente sobre a importância da relevância da pesquisa na Academic Research for Impact Webinar Series [Série de Webinários sobre Pesquisa Acadêmica de Impacto] do American Institute of Certified Public Accountants/Chartered Institute of Management Accountants [Instituto Americano de Contadores Certificados/Instituto Oficial de Contadores Administrativos] (AICPA/CIMA) (Para assistir ao webinário gravado, acesse AICPA/CIMA Academic Research for Impact Webinar Series, Part 1 - https://sway.office.com/kbtAGFpCsoDn9bRT?ref=Link). Também falei a respeito disso em diversos seminários de doutorado pelo mundo; escrevi a respeito no jornal da European Accounting Association [Associação Europeia de Contabilidade] (EAA) (Van der Stede, 2012Van der Stede, W. A. (2012). Research impact and relevance. EAA Newsletter, 39(3), 20-21. http://www.eaa-online.org/userfiles/file/EAA-Newsletter-Nr39-2012(3).pdf.
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); e debati os desafios correlatos em um painel do AICPA do evento 2019 Management Accounting Section [Seção de Contabilidade Gerencial] da American Accounting Association [Associação Americana de Contabilidade] (AAA) (Make Management Accounting Research Happen: Opportunities, Challenges and Evidence from Attempts to Achieve Research Impact [Faça a Pesquisa em Contabilidade Acontecer: Oportunidades, Desafios e Evidências para Realizar Pesquisa de Impacto], Fort Lauderdale, 4 de janeiro de 2019).

A questão da relevância da pesquisa é multifacetada e pode ser debatida a partir de diferentes ângulos. Neste editorial, considerarei um ângulo em particular - isto é, refletindo sobre impacto mais explicitamente em termos de como nossa pesquisa pode buscar se conectar melhor com a prática e o praticante. Logo, não refletirei sobre o que o impacto e a relevância de pesquisa significam ou implicam para a carreira de um pesquisador nem como é classificado, “medido” ou debatido na comunidade acadêmica, inclusive nas universidades e pelos periódicos acadêmicos. Em vez disso, adoto uma “visão da prática” sobre o impacto, e não uma visão institucional (p. ex.: o que significa em termos de carreiras acadêmicas, financiamentos universitários etc.) ou epistemólogica (p. ex.: o que significa em termos de natureza do conhecimento, publicação etc.). Como um alerta geral, este editorial deve ser lido no contexto das “ciências administrativas” (ou de gestão) como uma ciência aplicada às ciências sociais. Ele é bastante amplo, mas não totalmente abrangente; assim, os leitores devem estar cientes de possíveis generalizações equivocadas para outras ciências.

2. O QUE É IMPACTO, OU MELHOR, “RELEVÂNCIA DE PESQUISA”?

Com tal visão prática em mente, eis a minha definição preferida de “impacto” - ou melhor, “relevância” -, citando Toffel (2016Toffel, M. W. (2016). Enhancing the practical relevance of research. Production and Operations Management, 25(9), 1493-1505. https://doi.org/10.1111/poms.12558
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, p. 1493, tradução nossa): “Artigos de pesquisa relevantes [são] aqueles cujas perguntas de pesquisa tratam de problemas encontrados (ou potencialmente encontrados) na prática e cujas hipóteses conectam variáveis independentes sob o controle dos profissionais aos resultados que lhes interessam usando lógica que consideram viável”. Explico tanto no webinário da AICPA/CIMA quanto na newsletter da EAA (Van der Stede, 2012Van der Stede, W. A. (2012). Research impact and relevance. EAA Newsletter, 39(3), 20-21. http://www.eaa-online.org/userfiles/file/EAA-Newsletter-Nr39-2012(3).pdf.
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) por que prefiro focar na relevância e não no impacto: porque a relevância está mais diretamente sob o controle do pesquisador e é provavelmente uma precursora provável (embora não garantida) de um eventual impacto. Ou, de forma clara, o fato de alguém falhar em ter um eventual impacto é, em certa medida, incontrolável, mas fazer uma pesquisa que não seja relevante é menos escusável. Isso não quer dizer que estabelecer a relevância de uma pesquisa seja algo fácil e/ou não esteja sujeito a preferências e vieses [ver Van der Stede, (2012Van der Stede, W. A. (2012). Research impact and relevance. EAA Newsletter, 39(3), 20-21. http://www.eaa-online.org/userfiles/file/EAA-Newsletter-Nr39-2012(3).pdf.
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)]. Dito isso, estou convicto de que um pesquisador precisa estar interessado na relevância de sua pesquisa desde o princípio; isso é algo em que ele precisa pensar cuidadosamente desde o princípio. Essa também foi a minha mensagem principal no webinário AICPA/CIMA e durante outras ocasiões em que eu falei sobre esse tema.

Eu adoto uma visão abrangente do que tal pesquisa relevante poderia ser, e não tenho intenção de ser, nem remotamente, prescritivo a respeito. Frente ao número impoderável de problemas que os gestores encontram em suas organizações, é simplesmente inconcebível que haja um conjunto finito para os pesquisadores abordarem de questões interessantes que sejam potencialmente relevantes para os profissionais da área escolhida. Também não estou dizendo como a pesquisa deve ser feita (por qual método) ou através de qual ótica disciplinar (usando qualquer teoria). Método e teoria deveriam ser irrelevantes para a questão da relevância da pesquisa; em vez disso, sua característica determinante é se a pesquisa contribui com conhecimento (de qualquer forma academicamente rigorosa) para um “problema encontrado (ou potencialmente encontrado) na prática” (Toffel, 2016Toffel, M. W. (2016). Enhancing the practical relevance of research. Production and Operations Management, 25(9), 1493-1505. https://doi.org/10.1111/poms.12558
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). Assim, meu foco principal está na questão de como os pesquisadores podem garantir abordar problemas que os profissionais enfrentam na prática por meio de uma pesquisa que delineie os meios pelos quais os profissionais podem afetar os resultados que lhes interessam.

3. A TRICOTOMIA DA RELEVÂNCIA DA PESQUISA

Existem três partes principais para a relevância, descritas na seção anterior. Primeiro, há um problema relevante - ou seja, a pesquisa trata de um problema que os profissionais enfrentam. Segundo, a pesquisa deve incluir variáveis independentes sob o controle dos profissionais. Esses são os indicadores que o profissional admitiria mudar. Terceiro, é preciso haver um efeito.

O “efeito desejado”, obviamente, poderia também ser chamado de “solução” para o problema - mas não gostaria de ser tão normativo ou criar expectativas irracionais que qualquer coisa além “da” solução equivaleria a ter conduzido uma pesquisa “irrelevante”. De modo algum. De fato, como explico no webinário e em meus artigos anteriores sobre esse tópico, a pesquisa é um processo inevitavelmente longo e metódico, como descascar uma cebola camada por camada; um processo que pode ironicamente não ter causado um “impacto” ou tido uma “solução” clara como seu objetivo explícito ou até mesmo atingível, mas deveria ser focado em uma compreensão gradual, bem executada e multifacetada de um problema justificadamente relevante em que cada parte da pesquisa; contudo, não deveria perder de vista a tricotomia elaborada neste editorial, tendo um problema relevante, incluindo uma variável(is) controlável(is) e almejando alcançar um resultado(s) viável(is). Isso implica algumas soluções plausíveis ao problema ou problema parcial. De forma simples, existe, portanto, um “problema” relevante para o qual a pesquisa oferece uma “solução” através do estudo de “variáveis” que ligam os dois e que o profissional pode influenciar, agir sobre ou fazer algo a respeito.

Esta é a tricotomia essencial no núcleo deste editorial: problema [relevante] - variável(is) [controlável(is)] - resultado [viável], na qual relevante, controlável e viável precisam ser vistos sob a perspectiva do praticante. Isso é similar a outra definição que cito (Kieser et al., 2015Kieser, A., Nicolai, A. & Seidl, D. (2015). The practical relevance of management research: Turning the debate on relevance into a rigorous scientific research program. Academy of Management Annals, 9(1), 143-233. https://doi.org/10.5465/19416520.2015.1011853
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, p. 144, tradução nossa): “De modo geral, os resultados da pesquisa podem ser considerados relevantes se eles influenciarem a prática da administração; ou seja, se eles levarem à mudança, modificação ou confirmação de como gestores pensam, falam ou agem”. Outra boa característica dessa “definição” é que “impacto” não diz respeito a “mudar o mundo” - é, inevitavelmente, sempre muito mais modesto. Mas tampouco deveria ser vazio: a pesquisa precisa se envolver com algum problema relevante, sugerir um resultado e abordar alguma(s) forma(s) pelas quais os profissionais poderiam gerar esse resultado.

Como, então, tentar garantir que qualquer parte da pesquisa inclua esses três elementos principais? Mais uma vez, a modéstia é boa, até mesmo desejada. Mas o foco do pesquisador em conhecer essas três pontas e a determinação de se desafiar criticamente a inseri-las na pesquisa devem ser totais e rigorosas. E isso deve acontecer desde o início e ao longo do projeto de pesquisa; não como uma consideração a posteriori ou justificativa ex-post.

4. UM EXEMPLO

Deixe-me tentar exemplificar isso com um projeto de pesquisa recente meu com uma equipe de coautores (Avagyan et al., no preloAvagyan, V., Camacho, N., Van der Stede, W. A., & Stremersch, S. (in press). Financial projections in innovation selection: The role of scenario presentation, expertise, and risk. International Journal of Research in Marketing.https://doi.org/10.1016/j.ijresmar.2021.10.009
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), que é um exemplo de uma subárea da contabilidade - gestão da contabilidade -, embora a pesquisa seja mesmo na interface de contabilidade e marketing (e foi publicada em um periódico de marketing). Há diversos outros exemplos que poderiam ser usados de qualquer outra área da contabilidade. Na verdade, a maioria das pesquisas publicadas deveria ser utilizável como exemplo porque a relevância também é importante para os editores de periódicos [ver também Van der Stede (2012Van der Stede, W. A. (2012). Research impact and relevance. EAA Newsletter, 39(3), 20-21. http://www.eaa-online.org/userfiles/file/EAA-Newsletter-Nr39-2012(3).pdf.
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)]. Certamente, uma razão comum pela qual os artigos são rejeitados é a falta de relevância. Assim, a relevância é quase certamente uma condição necessária também para a publicação em um periódico acadêmico. Dito isso, a relevância não é, obviamente, uma condição suficiente para a publicação, porque, mesmo que relevante, a pesquisa evidentemente precisa ser adequadamente teorizada e executada.

O “problema” em Avagyan et al.Avagyan, V., Camacho, N., Van der Stede, W. A., & Stremersch, S. (in press). Financial projections in innovation selection: The role of scenario presentation, expertise, and risk. International Journal of Research in Marketing.https://doi.org/10.1016/j.ijresmar.2021.10.009
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(no prelo) é se os pitches que incluem cenários - ou seja, uma gama de resultados do melhor para o pior caso - afetam a probabilidade de seleção de um projeto de inovação. Essa é uma questão relevante, dada a importância crucial que têm as decisões de seleção de projetos de inovação para a competitividade de uma empresa. Há uma linha tênue a ser percorrida aqui. Por um lado, uma empresa pode ser (muito) prudente, selecionando (muitos) projetos de inovação que almejam mercados existentes com produtos que já oferecem (e pouquíssimos projetos transformacionais cujo alvo sejam novos mercados com novos produtos). Por outro, a empresa também pode ser (muito) precipitada, correndo (muito) risco ao selecionar (muitos) projetos transformacionais cujos alvos sejam novos mercados com novos produtos (e negligenciando a inovação centralizada, ameaçando a posição de liderança da empresa no mercado). Embora amplamente simplificadas como uma justaposição, Kodak e Apple são comumente citadas para exemplificar essa tensão. Dito isso, a maioria das empresas provavelmente se apoia em inovações centralizadas e, sob as condições adequadas, gostaria de selecionar mais inovações transformacionais em seu canal de inovação. Uma questão importante é: a forma pela qual os projetos de inovação são apresentados influencia isso?

Esse “problema” parece ao menos interessante, mas como realmente sabemos que ele é relevante - um problema que tire o sono dos profissionais? Em nossa equipe de pesquisadores, os coautores mais experientes tiveram a experiência em primeira mão de que isso era uma preocupação importante por meio do contato direto, seja por educação executiva, seja por consultoria. Alguns pesquisadores podem se recusar a isso e/ou não terem tais oportunidades de educação executiva e em consultoria, mesmo se quisessem. Sem problemas: é uma situação bem real entre jovens acadêmicos. Note, todavia, que eu afirmei que o contato direto é apenas uma forma de acompanharmos a situação de perto; eu não disse que era a única.

De fato, também fizemos uma leitura rigorosa da literatura, inclusive, e de forma importante, da literatura do profissional. Isso é algo que todos deveriam fazer - e podem! Por exemplo, em uma revisão da literatura (Graham & Harvey, 2001Graham, J. R., & Harvey, C. R. (2001). The theory and practice of corporate finance: Evidence from the field. Journal of Financial Economics, 60(2-3), 187-243. https://doi.org/10.1016/S0304-405X(01)00044-7
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), descobrimos que 48,5% das 392 firmas pesquisadas sempre ou quase sempre usam a análise de cenário, e 51,5% nunca ou raramente o fazem. Isso é interessante porque cerca de metade a usa por algum motivo, e a outra metade, não. Assim, há uma boa prevalência do uso, mas ele não é total (o que o tornaria menos relevante para estudo). Certamente deve haver boas razões para uma metade achá-la útil, mas razões igualmente boas para a outra metade não a achar. Quais são essas razões? Por que isso? Por quais condições isso poderia ser determinado? Essas perguntas são indicadores de que você está lidando com algo potencialmente relevante.

Outra fonte do profissional - a pesquisa Management Tools & Trends [Ferramentas de Gestão e Tendências], da Bain, com mais de mil gerentes (Bain & Company, 2017Bain & Company (2017). Management tools & trends. https://www.bain.com/insights/management-tools-and-trends-2017
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) - nos sugeriu que cerca de um quinto dos entrevistados usam cenários. Novamente, esse é um “bom número”, embora mais baixo que a média geral de 30% de uso entre as 25 ferramentas de gestão populares incluídas na pesquisa. Desse modo, temos as mesmas reflexões de antes: parece haver empresas suficientes que usam cenários provavelmente porque eles devem ser úteis, mas também deve haver algo nos cenários que faz com que outras não os achem úteis. Por que isso? O que é esse algo?

Nós também conversamos, como pesquisadores, com muitos executivos, ao entrevistá-los. Não fique com vergonha de contatar profissionais. Muitos estão totalmente dispostos a falar sobre seus negócios, inclusive sobre os problemas que enfrentam. O mesmo cenário surgiu dessas entrevistas. Por exemplo, um executivo disse: “Se você mostrar às pessoas exemplos positivos e negativos, verão apenas o negativo. Não verão o positivo.” Se esse é o caso (o que pode ser um ângulo interessante que nossa pesquisa poderia explorar), então, apresentar cenários em que o pior dos casos é particularmente negativo pode ser similar a “dar um tiro no próprio pé”. Essa pode ser uma razão pela qual o uso de cenários é irregular? Poderia ser uma consequência involuntária de projetos inerentemente mais arriscados cujo risco pode ser perceptivelmente exacerbado ao usarmos apresentações de cenário?

Munidos disso, sabíamos que havia um problema interessante e importante a ser pesquisado. Nas palavras de Toffel: sabíamos que tínhamos um “problema encontrado (ou potencialmente encontrado) na prática”. Então, vieram as partes mais acadêmicas, de revisar a literatura e conceber nosso estudo. Ao fazê-lo, todavia, continuamos revisando o “problema que encontramos na prática” porque precisávamos, mais uma vez nas palavras de Toffel, nos certificar de que nossa pesquisa incluía “variáveis independentes sob o controle dos profissionais” para produzir “resultados que lhes interessam usando lógica que consideram viável” (Toffel, 2016Toffel, M. W. (2016). Enhancing the practical relevance of research. Production and Operations Management, 25(9), 1493-1505. https://doi.org/10.1111/poms.12558
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, p. 1493, tradução nossa).

Em suma e suprimindo vários outros resultados que podem ser extraídos de Avagyan et al.Avagyan, V., Camacho, N., Van der Stede, W. A., & Stremersch, S. (in press). Financial projections in innovation selection: The role of scenario presentation, expertise, and risk. International Journal of Research in Marketing.https://doi.org/10.1016/j.ijresmar.2021.10.009
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(no prelo), nosso estudo mostra que, em geral, (i) a apresentação de cenário supera a ausência de cenário, mas (ii) cenários de curto alcance dominam os de longo alcance. Assim, uma implicação do nosso estudo é a de que empresas deveriam ajudar equipes de projeto a apresentarem cenários de curto alcance em vez de cenários de longo alcance. A razão é que, enquanto cenários de (mais) longo alcance são apresentados, é possível que se considere que as equipes de projeto não se prepararam (i.e., a equipe do projeto é considerada menos experiente), e isso pode também causar a famosa predisposição negativa. Ou seja, os tomadores de decisão são suscetíveis a atribuir mais peso às informações negativas que às positivas, o que aumenta sua percepção de risco do projeto. Daí é só um passo para que a percepção dos tomadores de decisão seja a de que a equipe do projeto é menos experiente e/ou seu projeto é mais arriscado e, consequentemente, acharem que é mais provável que o projeto seja rejeitado.

5. SO WHAT?

Por que esse resultado é uma “conclusão com a qual os profissionais se importam”? Bem, esse resultado é relevante para a metade dos executivos que entrevistamos (o que corresponde aproximadamente à metade que encontramos em outras fontes) que atualmente não exigem apresentação de cenário. É também relevante para 79% das empresas pesquisadas que gostariam de selecionar mais projetos transformacionais do que de inovação centralizada, mas ou não usam cenários, ou, quando usam, geralmente o fazem com aqueles de longo alcance. Tanto a falta de cenários quanto os de longo alcance impedem a seleção de projetos de inovação (transformacional) potencialmente úteis. É por isso que eles se importam.

Mas, dado que essa é uma questão relevante em que os profissionais desejam acertar, o que nossa pesquisa pode sugerir fazer? Temos uma “variável independente sob o controle dos profissionais” (Toffel, 2016Toffel, M. W. (2016). Enhancing the practical relevance of research. Production and Operations Management, 25(9), 1493-1505. https://doi.org/10.1111/poms.12558
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) porque é uma escolha deles usar ou não cenários. Mas os gerentes podem influenciar a gama de cenários que suas equipes de projetos tendem a gerar? Isso é mais difícil, mas não impossível. De fato, embora a implicação de se apresentar cenários de curto alcance pareça ser aparente, não é evidente em um número considerável de empresas em que observamos que as equipes de projeto apresentam cenários que são muito amplos (57% em um de nossos estudos). Nossos entrevistados destacaram diversas razões de por que as equipes de projeto podem não estar “suficientemente focadas” ou podem não fazer “uma preparação sólida para validar as suposições de seu projeto”. Equipes de projeto podem também não conseguir coletar informações suficientes sobre clientes em potencial, possíveis ações competitivas e os custos relevantes para consolidarem seu projeto, o que é especialmente complicado para inovações transformacionais, e, assim, implica um grande desafio. O que então podem as empresas fazer? Na prática, as empresas podem tomar medidas específicas para incentivarem a apresentação de cenários de curto alcance, mediante a definição de expectativas, mas também fornecer recursos e treinamento [ver Avagyan et al.Avagyan, V., Camacho, N., Van der Stede, W. A., & Stremersch, S. (in press). Financial projections in innovation selection: The role of scenario presentation, expertise, and risk. International Journal of Research in Marketing.https://doi.org/10.1016/j.ijresmar.2021.10.009
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(no prelo)].

6. CONCLUSÃO

Espero que esse exemplo ilustre a importância de se manter a tricotomia problema relevante - variável(is) controlável(is) - resultado(s) viável(is) em mente desde o início e ao longo de sua pesquisa. Você precisa continuar perguntando a si mesmo e respondendo à questão: a minha pesquisa é relevante? Ignorar isso ou não se desafiar suficientemente como pesquisador nessa questão trará prejuízos, tanto para suas chances de publicação (sim, até mesmo suas chances de publicação acadêmica) como para a recompensa que obterá tendo explorado algum “problema encontrado na prática” de qualquer forma pequena, embora significativa.

Então, ainda há o desafio de tirar a sua pesquisa acadêmica de dentro da bolha estritamente acadêmica. Você pode fazer isso indiretamente e ao longo do tempo, ao integrá-la à sua docência. Também pode fazê-lo mais direta e imediatamente ao escrever um blog ou publicar uma versão prática de sua pesquisa na imprensa especializada (para ilustrar isso com a minha própria pesquisa, ver https://blogs.lse.ac.uk/businessreview/?s=Wim+A+Van+der+Stede, por exemplo). Além disso, você descobrirá que é muito mais fácil se, ao longo da pesquisa, mantiver ativamente desafiando a si mesmo para se certificar da relevância do seu trabalho. Logo, é uma questão de verificação.

Mas se a pesquisa falhar no desafio da relevância, então, a questão não será que ela está “perdida na tradução” - uma questão que tem sido analisada em termos de como “transpor” melhor a academia e a prática e como tornar a pesquisa acadêmica mais “acessível” aos profissionais -; ao contrário, é possível que ela já tenha sido “perdida antes da tradução”. Isso é algo que acadêmicos, mesmo se apenas para sua própria autorrealização, vão querer evitar. Trabalhar nos problemas encontrados (ou potencialmente encontrados) na prática é muito mais intrinsicamente gratificante. E, após a pesquisa ser completada e publicada, a relevância é também o que mantém a sua pesquisa gerando frutos.

References

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022
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