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Uma Abordagem de Teoria dos Jogos sobre Operações de Aluguel no Mercado Acionário Brasileiro* * Artigo apresentado no 40º Encontro Nacional de Economia, Porto de Galinhas, Brasil, 2012 e III Encontro de Economia do Espírito Santo, Vitória, Brasil, 2012.

Resumos

No mercado brasileiro, a instituição dos juros sobre capital próprio (JSCP) abriu precedentes para ganhos, em operações estruturadas, oriundos da diferença entre as alíquotas tributárias das pessoas físicas e dos fundos de investimento. Tal diferença gera incentivos à realização de operações de aluguel de ações em que, às vésperas do pagamento de JSCP, os investidores pessoa física emprestam suas ações aos fundos de investimentos, os quais recebem integralmente os JSCP e repassam apenas 85% do valor aos investidores. Nosso objetivo é compreender como o excedente gerado por meio dessa operação de arbitragem tributária é dividido entre os agentes envolvidos na operação de aluguel de ações e determinar se existem condições nas quais os agentes não terão incentivos para realizar tal operação. Através de uma abordagem de jogos não cooperativos, estruturamos essa operação e analisamos possíveis equilíbrios de Nash Perfeito em Subjogos em três situações: (1) relação direta entre investidor e fundo de investimento e ausência de custos de transação; (2) relação direta entre investidor e fundo de investimento e presença de custos de transação; e (3) relação entre investidor e fundo de investimento intermediada por uma corretora, e presença de custos (menores) de transação. Nos casos em que a corretora não realiza a intermediação, mais contratos tendem a ser fechados, mas o ganho do fundo apenas cobre os custos de registro da operação. Essa situação se reverte quando admitidos custos de transação elevados, em que, no caso extremo, o investidor perde seu poder de barganha e seu ganho compensa apenas sua aversão ao risco. Ao introduzirmos a corretora na operação, somente investidores que possuam uma quantidade mínima de ações receberão ofertas do fundo via corretora. O ganho do fundo tende a diminuir devido à presença da corretora e, em determinadas situações, o investidor perde seu poder de barganha e aceita qualquer contrato que compense sua aversão ao risco.

Juros sobre capital próprio; Aluguel de ações; Jogos de barganha


In Brazil's market, the institution of interest on equity transactions provides a precedent for gains resulting from the difference between the tax rates of individuals and those of investment funds through structured transactions. This difference creates incentives to lend stock; on the eve of an interest payment on equity, individual investors lend their stock to investment funds, which receive the interest in full and return only 85% of its value to the investors. Our goal is to understand how the surplus generated in this tax arbitration is split among the agents involved in the stock-lending transaction and to determine whether there are conditions under which the agents would have no incentive to conduct such a transaction. Using a non-cooperative games approach, we have structured this transaction and analyzed possible subgame perfect Nash equilibriums in three situations: (1) a direct relationship between the investor and the investment fund and an absence of transaction costs; (2) a direct relationship between the investor and the investment fund and the presence of transaction costs; (3) a relationship between the investor and the investment fund through a broker and the presence of (lower) transaction costs. In the cases in which the broker does not mediate the relationship, more contracts tend to be signed, but the fund's gain will only cover the record-keeping costs of the transaction. This situation is reversed in the presence of high transaction costs: in extreme cases, the investor loses bargaining power and his/her gain compensates only for his/her risk aversion. When a broker is introduced in to stock lending, only those investors who have a minimum amount of stock will receive offers from the fund through the broker. The fund's gain tends to decrease due to the broker's presence and in some situations, the investor loses bargaining power and accepts any contract that compensates for his/her risk aversion.

Interest on equity; Stock lending; Bargaining games


1 INTRODUÇÃO

Este estudo desenvolve um modelo teórico a respeito das operações de aluguéis de ações das empresas registradas na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros -BM&FBovespa entre investidores pessoa física e fundos de investimentos em períodos anteriores ao pagamento de juros sobre capital próprio (JSCP).Assim como o dividendo, o JSCP consiste em uma forma de distribuição de proventos de uma empresa. No entanto, dentre as diferenças entre tais tipos de proventos está o fato de que, ao contrário do dividendo, as empresas não pagam impostos sobre o montante de JSCP distribuído e, ainda, o acionista, pessoa física, paga imposto de renda sobre o provento recebido na forma de JSCP.

A principal motivação para este estudo advém do movimento atípico no volume de contratos de aluguel de ações no mercado brasileiro em datas prévias ao pagamento de JSCP1 1 A data ex-JSCP é definida pela empresa e consiste na data que a empresa utilizará como base para o pagamento do JSCP. Ou seja, todos aqueles que possuírem o ativo em custódia neste dia receberão o respectivo JSCP. O pagamento do JSCP não necessariamente ocorrerá nesta data. . Apesar da disponibilidade limitada de dados sobre esse mercado, podemos verificar tal movimento atípico na Figura 1 2 2 Datas EX pagamento de JSCP: 22/01/2010, 21/05/2010 e 30/07/2010. -3 3 A BM&FBovespa fornece dados sobre os contratos de aluguel diariamente para cada ativo, no entanto a série histórica destes dados não está disponível. , onde apresentamos a evolução do volume de aluguéis da ação preferencial da Petrobrás, PETR4. Esse movimento deve-se principalmente a contratos de aluguéis firmados entre pessoas físicas e fundos de investimento, devido ao ganho tributário oriundo desta operação. De maneira simples, quando do pagamento de JSCP, o recolhimento do imposto de renda é responsabilidade do detentor do título e não da empresa emissora, como no caso dos dividendos. No caso de pessoas físicas, a alíquota de imposto de renda estabelecida por lei é de 15% sobre o valor pago de JSCP, enquanto que os fundos de investimento são isentos do pagamento de tal imposto.

Figura 1
Volume diário de contratos de aluguel do ativo PETR4 em 2010

Diante dessa diferença em termos de tributação, surge uma oportunidade de ganho adicional que pode ser explorada pelos investidores pessoa física. Poderíamos estruturar uma operação da seguinte maneira: o investidor pessoa física empresta seu título para um fundo de investimento a uma taxa anual pré-acordada por um período de tempo pré-determinado anterior ao pagamento do JSCP. O fundo de investimento possuirá o ativo em sua custódia, recebendo, assim, todos os proventos relativos a ele. Desse modo, quando ocorre o pagamento do JSCP, o fundo de investimento recebe seu valor integral, sem o desconto de imposto de renda, dado que este fundo é isento. Ainda, no momento do recebimento do JSCP, o fundo de investimento repassa ao investidor pessoa física a quantia que este receberia se possuísse as ações sob sua custódia, no caso, 85% do valor pago de JSCP. No dia após o ativo virar ex-JSCP, o fundo devolve a ação para o investidor pessoa física e o remunera a uma taxa de aluguel previamente acordada.

Com a estratégia descrita acima, existe um ganho tributário relativo aos 15% de imposto de renda que seriam pagos pela pessoa física e que agora não são mais retidos. Neste trabalho, estamos interessados em verificar como se dá a repartição deste ganho tributário. Inicialmente poderíamos pensar que o investidor conseguiria extrair todo o ganho, descontados os custos inerentes à operação. Essa conclusão se baseia principalmente na ideia de que o investidor, detentor do título, possui o que chamamos de poder de barganha. Entretanto, quando introduzimos o custo de oportunidade de ofertar contratos de aluguel, por parte do investidor, verificamos que, dado um custo alto (que supere o ganho tributário da operação), o investidor irá aceitar qualquer contrato que o fundo oferte e que pague sua aversão ao risco. Além disso, quando consideramos a presença de uma corretora realizando a intermediação entre o investidor e o fundo de investimento, isso acaba por reduzir o problema dos altos custos do investidor.

Nosso trabalho pretende contribuir com a literatura sobre JSCP ao demonstrar, utilizando o arcabouço de jogos de barganha proposto inicialmente por Rubinstein (1982)Rubinstein, A. (1982). Perfect equilibrium in a bargaining model., Econometrica 50(1),97-110., como investidores pessoa física podem obter rendimentos adicionais ao explorarem oportunidades advindas do recebimento de JSCP. A literatura sobre JSCP tem investigado, sob a ótica das firmas, os incentivos e os fatores determinantes da escolha do tipo de remuneração ao acionista (Boulton, Braga-Alves, & Shastri, 2012Boulton, T. J., Braga-Alves, M. V., & Shastri, K. (2012). Payout policy in Brazil: dividends versus interest on equity. Journal of Corporate Finance, 18(4),968-979.; Minozzo, 2011Minozzo, C. A. S. (2011). Determinantes da taxa de aluguel de ações no Brasil. Dissertação de mestrado, Escola de Economia de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, SP, Brasil.; Brito, Lima, & Silva, 2009Brito, R. D., Lima, M. R., & Silva, J. C. (2009). O crescimento da remuneração direta aos acionistas no Brasil: economia de impostos ou mudança de características das firmas? BBR Brazilian Business Review, 6(1),62-81.; Ness Jr. & Zani, 2001Ness Jr, W. L., & Zani, J. (2001). Os juros sobre o capital próprio versus a vantagem fiscal do endividamento. Revista de Administração, 36(2),89-102.). Em contrapartida, Colombo e Terra (2012)Colombo, J. A., & Terra, P. R. S. (2012). Juros sobre o capital próprio, estrutura e propriedade e destruição de valor: evidências no Brasil. Anais do Encontro Nacional de Economia, Porto de Galinhas, BA, Brasil, 40. investigam as características da estrutura de propriedade das firmas que influenciam a distribuição de JSCP, sob o ponto de vista dos beneficiários. Da mesma forma, o presente estudo também analisa a questão da distribuição de JSCP sob a ótica dos seus beneficiários. Nossa abordagem, no entanto, pretende explorar oportunidades de ganhos adicionais que surgem para acionistas pessoa física quando do pagamento de JSCP.

Nosso artigo está organizado da seguinte forma: na seção subsequente, apresentamos o embasamento legal da operação de aluguel de ações. Na terceira seção, fazemos uma breve revisão da literatura no que tange aos aspectos relacionados a JSCP e aluguel de ações. Na quarta seção, apresentamos o modelo proposto e, na seção seguinte, discutimos os principais resultados. Por fim, apresentamos nossas conclusões na sexta seção.

2 CARACTERIZAÇÃO LEGAL

A operação de aluguel de ações4 4 A operação de aluguel de ações é regulamentada pela Instrução n. 249 (CVM, 1996) e posteriormente alterada pelas Instruções n. 277 (CVM, 1998) e n. 441 (CVM, 2006), sendo esta última alterada pela Instrução n. 466 (CVM, 2008). consiste basicamente no empréstimo de valores mobiliários de companhias de capital aberto e devidamente registrada em bolsa. Dá-se o nome de doador à pessoa física ou jurídica que possui as ações de uma companhia de capital aberto e está disposta a emprestá-las. O doador aluga suas ações ao tomador, pessoa física ou jurídica, o qual, consolidada a operação de aluguel, possuirá as ações em sua custódia. Além disso, também participam da operação a BM&FBovespa e alguma instituição custo diante, em geral, corretoras de valores. Cabe a BM&FBovespa o registro da operação de aluguel através do Banco de Aluguel de Títulos (BTC) e a atuação como contraparte na operação, garantindo a devolução do ativo e a devida remuneração do doador. A corretora atua como intermediária da operação, fazendo o contato entre o doador e o tomador e registrando a operação no sistema da BM&FBovespa.

Na operação de aluguel de ações, o doador (detentor da custódia das ações) abdica do seu direito legal sobre o ativo e o disponibiliza no mercado. O tomador do ativo passa então a deter o direito sobre o ativo e remunera o doador por esse direito a uma taxa acordada entre as partes calculada da seguinte forma:

onde α é a remuneração ao doador; Q é a quantidade de ações emprestadas; C é a cotação utilizada para o empréstimo; i é a taxa de remuneração definida pelo doador; du é o número de dias úteis em que o empréstimo esteve vigente.A remuneração é sempre paga ao final do período de aluguel, o qual é definido previamente ao contrato. Em alguns casos previamente definidos, os contratos podem ser encerrados previamente pelo doador, devendo este informar as partes tomadoras, dando a elas um prazo de D+4 para que a posição em custódia seja devolvida.

No que se refere aos custos da operação, a BM&FBovespa cobra uma taxa de registro da operação de 0,25% ao ano (a.a.) sobre o volume da operação em caso de empréstimos fechados voluntariamente do tomador, respeitando o valor mínimo de R$10,00. Além disso, é acordada, entre o tomador/doador e a instituição corretora, a taxa de corretagem sobre a operação. Ressalta-se ainda que o empréstimo de ações por parte do doador é definido como uma operação de renda fixa, estando, portanto, sujeito à tributação prevista pela Lei n. 11.033 de 2004.

Algumas características comuns aos contratos de aluguel devem ser particularmente destacadas. Todos os eventos de custódia em dinheiro, dividendos e JSCP são provisionados pela BM&FBovespa ao doador em forma de reembolso, já adequado à sua natureza tributária, pagos no mesmo montante e dia da companhia emissora das ações. Destaca-se que, de acordo com a Instrução Normativa n. 1.022 (Receita Federal do Brasil - RFB, 2010Receita Federal do Brasil. RFB. (2010). Instrução Normativa n. 1.022, de 5 de abril de 2010. Recuperado em 20 julho, 2012, de http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Ins/2007/in10222010.htm.
http://www.receita.fazenda.gov.br/Legisl...
), os valores de dividendos e JSCP reembolsados ao doador serão considerados restituição parcial do valor emprestado e não rendimento, estando, assim, isentos de imposto. Do ponto de vista do tomador, cabe a manutenção, como forma de garantia em bolsa, do mesmo montante pago ao doador. Destacamos ainda que, embora sejam garantidos ao doador eventos relativos à custódia de ações (bonificações, etc.), além da subscrição de ações, não entraremos em maiores detalhes já que fogem ao escopo deste estudo. Ainda, como forma de incentivo, a BM&FBovespa garante uma rentabilidade adicional bruta de 0,05% a.a. sobre o volume da operação para o doador.

Com relação ao JSCP, consiste em uma das diversas formas de remuneração do acionista. A instituição dos JSCP é sustentada pelo artigo 9º. da Lei 9.249 de 1995, no qual é definida a dedução do pagamento de JSCP da base de cálculo do imposto de renda pela pessoa jurídica em questão.Conforme a Lei 9.249 de 1995, o recolhimento do imposto sobre o recebimento de JSCP é realizado na fonte incidindo a alíquota de 15% para pessoas físicas. Ainda, de acordo com a Receita Federal do Brasil (RFB, 2010Receita Federal do Brasil. RFB. (2010). Instrução Normativa n. 1.022, de 5 de abril de 2010. Recuperado em 20 julho, 2012, de http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Ins/2007/in10222010.htm.
http://www.receita.fazenda.gov.br/Legisl...
), os fundos de investimentos estão isentos do pagamento de imposto sobre JSCP. Desse modo, possuímos o sustentáculo jurídico necessário para que a operação ocorra, já que, por lei, os fundos de investimento são isentos do imposto de renda sobre o JSCP.

3 REVISÃO DA LITERATURA

A política de remuneração das empresas aos acionistas consiste em um dos campos mais estudados em finanças corporativas. É um consenso na literatura que Lintner (1956)Lintner, J. (1956). Distribution of incomes of corporation among dividends, Retained Earnings, and Taxes., The American Economic Review 46(2),97-113. e Gordon (1959)Gordon, M. J. (1959). Dividends, earning and stock prices. The Review of Economics and Statistics, 41(2),99-105. deram início à discussão sobre o tema. Os autores destacam que os preços das ações estão diretamente ligados ao fluxo de dividendos pagos. De acordo com eles, os investidores requerem menores taxas de retorno quando os dividendos pagos são altos, além de preferirem o dividendo hoje por gerar menos incerteza.

Miller e Modigliani (1961)Miller, M. H., & Modigliani, F. (1961). Dividend policy, growth, and the valuation of shares. Journal of Business, 34(4),411-433. argumentam que, caso não existam impostos, custos de falência, informação assimétrica e os mercados sejam eficientes, a política de dividendos não afeta o valor da firma. Neste caso, o investidor seria indiferente à política de remuneração da empresa e o valor dela seria afetado apenas pela sua capacidade de geração de valor e pelo risco inerente ao seu negócio.

O modelo de Miller e Modigliani (1961)Miller, M. H., & Modigliani, F. (1961). Dividend policy, growth, and the valuation of shares. Journal of Business, 34(4),411-433. é particularmente interessante no Brasil, já que a lei permite a remuneração do capital por meio dos JSCP, além dos tradicionais dividendos. JSCP são compreendidos, por parte da literatura, como uma variante do Allowance for Corporate Equity (ACE). Segundo Klemm (2007)Klemm, A. (2007) Allowances for corporate equity. CESifo Economic Studies, 53(2),229-262. , o benefício fiscal gerado com a dedução dos JSCP quando da apuração do resultado é semelhante à dedução permitida pelo ACE. Contudo, a diferença entre eles consiste no fato de que, no Brasil, tal dedução só é permitida se for distribuída aos acionistas. Com isso, temos uma situação peculiar na qual as firmas têm a possibilidade de distribuir proventos sob duas formas distintas: dividendos ou JSCP.

Além disso, Libonati, Lagioia, e Maciel (2008)Libonati, J. J., Lagioia, U. C. T., & Maciel, C. V. (2008). Pagamento de juros sobre o capital próprio X distribuição de dividendos pela ótica tributária. Anais do Congresso Brasileiro de Contabilidade, Gramado, RS, Brasil, 18. mostraram que, como o pagamento de JSCP leva a uma redução na carga tributária, este consistiria na melhor opção de remuneração ao acionista. Deste modo, o entendimento dos JSCP como uma remuneração ao acionista vai de encontro ao argumento de Miller e Modigliani (1961)Miller, M. H., & Modigliani, F. (1961). Dividend policy, growth, and the valuation of shares. Journal of Business, 34(4),411-433. de que a política de remuneração seria irrelevante. Neste caso, é facilmente observável que o investidor preferirá ser remunerado via JSCP pois, conforme Libonati et al. (2008)Libonati, J. J., Lagioia, U. C. T., & Maciel, C. V. (2008). Pagamento de juros sobre o capital próprio X distribuição de dividendos pela ótica tributária. Anais do Congresso Brasileiro de Contabilidade, Gramado, RS, Brasil, 18., os JSCP geram uma redução tributária para a empresa pagadora e um consequente aumento na propensão a remunerar o acionista de forma direta.

O aumento do incentivo à remuneração direta em função da vantagem tributária também é destacado nos estudos de Brito, Lima, e Silva (2009)Brito, R. D., Lima, M. R., & Silva, J. C. (2009). O crescimento da remuneração direta aos acionistas no Brasil: economia de impostos ou mudança de características das firmas? BBR Brazilian Business Review, 6(1),62-81., Futema, Basso, e Kayo (2009)Futema, M. S., Basso, L. F. C., & Kayo, E. K. (2009). Estrutura de capital, dividendos e juros sobre o capital próprio: testes no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 20(49),44-62. e Dos Santos (2007)Dos Santos, A. (2007). Quem está pagando juros sobre capital próprio no Brasil? Revista de Contabilidade e Finanças, 18(spe),33-44.. Brito et al. (2009)Brito, R. D., Lima, M. R., & Silva, J. C. (2009). O crescimento da remuneração direta aos acionistas no Brasil: economia de impostos ou mudança de características das firmas? BBR Brazilian Business Review, 6(1),62-81. destacam que houve um aumento de 50% no percentual de empresas que distribuíam seus lucros para os acionistas após 1996, seja na forma de dividendos ou JSCP. Corroborando tal evidência, Dos Santos (2007)Dos Santos, A. (2007). Quem está pagando juros sobre capital próprio no Brasil? Revista de Contabilidade e Finanças, 18(spe),33-44. mostra que, desde 1996, houve um substancial aumento no percentual de empresas, principalmente as com capital aberto, que optaram pela remuneração via JSCP. O autor encontrou que, do total de empresas pesquisadas, cerca de 42% têm utilizado o pagamento de JSCP como meio de remuneração ao acionista.

Investigando a opção pelo pagamento de proventos via JSCP sob uma outra ótica, Ness Jr. e Zani (2001)Ness Jr, W. L., & Zani, J. (2001). Os juros sobre o capital próprio versus a vantagem fiscal do endividamento. Revista de Administração, 36(2),89-102. demonstram não só a existência do benefício fiscal do lançamento dos JSCP, mas também evidenciam que este agrega valor às firmas. No entanto, ao contrário do que se esperaria, os autores concluem que tal benefício não se traduz em uma mudança nas preferências das firmas em relação ao tipo de capital escolhido para financiamento.

Boulton, Braga-Alves, e Shastri (2012)Boulton, T. J., Braga-Alves, M. V., & Shastri, K. (2012). Payout policy in Brazil: dividends versus interest on equity. Journal of Corporate Finance, 18(4),968-979. também encontraram evidências no mercado brasileiro de que os impostos consistem no determinante primário da política de remuneração ao acionista. Os autores mostraram que aumentos na lucratividade e no payout ratio elevam a probabilidade de uma firma remunerar diretamente o acionista através de JSCP ao invés de dividendos.

Como pode ser observado pelos trabalhos citados, grande parte da literatura brasileira discute o pagamento dos JSCP do ponto de vista das empresas. Assim como em Colombo e Terra (2012)Colombo, J. A., & Terra, P. R. S. (2012). Juros sobre o capital próprio, estrutura e propriedade e destruição de valor: evidências no Brasil. Anais do Encontro Nacional de Economia, Porto de Galinhas, BA, Brasil, 40., o objetivo do nosso estudo é explorar um benefício adicional advindo do pagamento de JSCP sob o ponto de vista dos acionistas. Em seu trabalho, Colombo e Terra (2012)Colombo, J. A., & Terra, P. R. S. (2012). Juros sobre o capital próprio, estrutura e propriedade e destruição de valor: evidências no Brasil. Anais do Encontro Nacional de Economia, Porto de Galinhas, BA, Brasil, 40. investigaram a relação entre a estrutura de propriedade das empresas listadas em bolsa e a distribuição de JSCP. Levando em consideração os diferentes incentivos fiscais gerados pelo pagamento de JSCP (dadas as diferentes alíquotas para diferentes investidores), os autores encontraram evidências de que a estrutura de capital da empresa, assim como seus controladores,exercem influência na distribuição de JSCP.

Colombo e Terra (2012)Colombo, J. A., & Terra, P. R. S. (2012). Juros sobre o capital próprio, estrutura e propriedade e destruição de valor: evidências no Brasil. Anais do Encontro Nacional de Economia, Porto de Galinhas, BA, Brasil, 40. discutem ainda as vantagens com relação à tributação sobre o beneficiário do JSCP. Os autores destacam que, no caso de fundos de investimento, existe uma vantagem adicional ao pagamento de JSCP, já que a alíquota de imposto para eles é zero. Nosso estudo busca modelar justamente uma operação que tem origem nessa diferença de tratamento tributário quanto ao tipo de investidor, contribuindo assim para diminuir a lacuna existente na literatura quanto a este tipo de estudo, conforme destacado por Martins e Famá (2012)Martins, A. I., & Famá, R. (2012). O que revelam os estudos realizados no Brasil sobre política de dividendos? Revista de Administração de Empresas, 52(1),24-39..

Essa oportunidade de arbitragem tributária é destacada por Fraga (2013)Fraga, J. B. (2013). Empréstimo de ações no Brasil. Tese de doutorado, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, SP, Brasil., que encontra um efeito positivo do pagamento de JSCP no saldo de empréstimos de ações. O autor ainda destaca que as operações de aluguel de ações realizadas para explorar essa diferença no tratamento tributário podem afetar a formação do preço das ações, tendo em vista que o ganho fiscal pode não ser repartido de forma igual entre tomador e doador em função do poder de barganha do investidor. Nosso modelo busca justamente definir o número de ações mínimas que levariam um investidor a emprestar suas ações, bem como em quais situações ele acabaria perdendo parte do seu poder de barganha. Dessa forma, pretendemos explicar parte do movimento que se registra no mercado de empréstimos de ações no Brasil, o qual vem ganhando importância e liquidez, de acordo com Minozzo (2011)Minozzo, C. A. S. (2011). Determinantes da taxa de aluguel de ações no Brasil. Dissertação de mestrado, Escola de Economia de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, SP, Brasil.. A importância do desenvolvimento desse mercado foi apontada no trabalho pioneiro de Diamond e Verecchia (1987)Diamond, D. W., & Verrecchia, R. E. (1987). Constraints on short-selling and asset price adjustment to private information. Journal of Financial Economics, 18(2),277-311. como uma forma de aumentar a eficiência dos mercados, já que restrições sobre vendas a descoberto implicariam em ajustes mais lentos nos preços das ações decorrentes de novas informações.

4 MODELO TEÓRICO

A literatura de teoria dos jogos é dividida em jogos cooperativos, em que as estratégias dos participantes do jogo são coordenadas de modo que o melhor para o grupo como um todo possa ser atingido, e jogos não cooperativos, nos quais cada indivíduo toma as suas decisões de modo a maximizar seu próprio payoff. Nosso estudo utiliza a abordagem conceitual de jogos não cooperativos. Assumimos que todos os jogadores tomam decisões de forma racional e, ainda, que existe common knowledge. Além disso, definimos um jogo na forma extensiva Γe como um conjunto de jogadores {I} finito, um conjunto de ações {Ai} para cada jogador i, um conjunto de nós de decisão {X} , a ordem das ações e uma função payoff, para cada i, como função das estratégias e um conjunto de ações em cada nó que o jogador é chamado a jogar.5 5 Adaptada de Fudenberg e Tirole (1991).

Sob esta ótica, definimos então o jogo que estamos interessados em analisar. O jogo consiste de 3 jogadores {fundo de investimento (FI), investidor (I), corretora (C)}. Seus conjuntos de ações são respectivamente: AFI = {oferta um contrato, não oferta um contrato, aceita a contraproposta, rejeita a contraproposta}, Ac = {repassa o contrato ofertado pelo fundo, não repassa o contrato ofertado pelo fundo, repassa a contraproposta do investidor, não repassa a contraproposta do investidor} e A1 = {aceita o contrato, rejeita o contrato e faz uma contraproposta, rejeita o contrato e não faz uma contraproposta}.

De uma forma geral, temos 6 nós de decisão neste jogo, onde o fundo de investimento joga, no nó inicial, escolhendo se oferta ou não um contrato. No segundo nó joga a corretora, decidindo se repassa ou não o contrato para o investidor. No terceiro e quarto nós joga o investidor, primeiro decidindo se aceita ou não o contrato. Em caso de rejeição, ele decide se oferta ou não uma contraproposta. No quinto nó joga novamente a corretora, decidindo se repassa ou não a contraproposta para o fundo. Por fim, no sexto nó, joga o fundo decidindo se aceita ou não a contraproposta. A função payoff de cada jogador será definida posteriormente.

A partir desta sequência de movimentos, consideramos que, em um jogo Γe, uma estratégia σ1 é chamada de melhor resposta para o jogador i dadas as estratégias dos jogadores rivais se σ-i se u(σi, σ-i) ≥ u(σ'i, σ-i), para toda σ-i pertencendo ao conjunto de estratégias dos demais jogadores. Sendo assim, resolvemos o jogo por meio do processo de indução retroativa, definido da seguinte forma: a partir de um nó terminal T identificamos qual a melhor ação para o jogador que joga em T - 1. A seguir, definimos um jogo reduzido onde em T - 1 substituímos o payoff referente à estratégia definida anteriormente. Realizamos esse processo indutivo até atingirmos o nó inicial. Dado que nosso jogo é finito e de informação perfeita, o processo de indução retroativa nos conduzirá a um dos possíveis Equilíbrios de Nash Perfeito em Subjogos (ENPS) do jogo.

Uma vez feita a descrição dos principais elementos do jogo e do método utilizado para descrevermos possíveis equilíbrios, nosso objetivo é determinar como o ganho agregado desta operação, que ocorre em função da diferença de tributação entre os fundos de investimento e investidores pessoa física, é repartido entre as partes nela envolvidas. Deste modo, estamos interessados em encontrar primeiramente as condições necessárias para que o contrato de aluguel das ações seja realizado, dadas as restrições de custos existentes e, em seguida, determinar de que forma o lucro agregado da operação (desconsiderando os custos da corretora) é dividido entre os jogadores.

Quando a operação de aluguel de ações é realizada, o ganho do investidor é expresso pela taxa de juros contratada. Em outras palavras, neste jogo, a remuneração do investidor dar-se-á através da taxa de juros a ser paga pelo fundo de investimento. Conforme descrito anteriormente, os juros recebidos pelo aluguel de ações são tributados sob a forma de renda fixa (consideramos uma alíquota de 22,5%,pois a operação possui duração inferior a seis meses). Assim, o ganho líquido do investidor é o montante recebido pelo aluguel (que depende da taxa de juros contratada) descontado o imposto de renda.

Já a corretora cobra um percentual fixo sobre o volume da operação. Logo, dado que o contrato é realizado, a corretora será remunerada através da taxa de corretagem cobrada na operação.

Finalmente, o fundo de investimento é o pretendente residual da operação, no sentido de que sua remuneração líquida é dada pelo ganho bruto da operação menos os custos e as remunerações pagas à corretora e ao investidor.

Inicialmente, modelamos o jogo sem a presença da corretora e depois a adicionamos para comparar os resultados. Assumimos que o investidor é avesso ao risco. Assim, o processo de aluguel inicia-se um dia antes da ação tornar-se ex-JSCP e a devolução do papel ocorre exatamente no dia posterior à ação tornar-se ex-JSCP, conforme a Figura 2 abaixo.

Figura 2
Procedimento de aluguel do ativo

Assumindo que o procedimento ocorre desta maneira, reduz-se o risco para o doador, já que este não irá dispor de seu ativo para negociação pelo menor período de tempo possível, respeitando ainda o prazo mínimo de aluguel estipulado pelo Banco BTC6 6 Dado o procedimento acima, o fundo de investimento possuirá o papel em sua custódia em D+1 e devolverá a custódia para o doador em D+2. .

Definimos a função utilidade do doador da seguinte maneira:

U(σ2, α) = α(Q, i) - βf(σ2)

onde α é a remuneração do investidor definida como função da quantidade de ações (Q) em custódia e da taxa de juros (i) cobrada no momento do aluguel. O parâmetro β captura a aversão ao risco do doador, σ2 é a volatilidade histórica do ativo em questão, e "f" é uma função cujas características definimos em breve.

Com respeito ao parâmetro β, intuitivamente sabemos que um investidor de curto e médio prazo só tem incentivos suficientes para alugar seu ativo caso acredite que a remuneração auferida seja superior ao risco em que ele incorre, dada a sua impossibilidade de vender o ativo no período. Para o investidor de longo prazo, o parâmetro β dessa função será relativamente baixo, pois ele tem menor aversão a oscilações de curto prazo. Note que esta função utilidade se assemelha àquela proposta por Levy e Markowitz (1979)Levy, H., & Markowitz, H. M. (1979). Approximating expected utility by a function of mean and variance. The American Economic Review, 69(3),308-317.. Em particular, definimos a utilidade como uma função linear do payoff do agente (recebido via remuneração da taxa de aluguel) e exponencial da volatilidade do retorno do ativo. A função remuneração do investidor é então definida como:

Note que esta função depende do volume da operação dado por Q * P -1 , onde Q é a quantidade de ações alugada pelo doador e P-1 é o preço de fechamento do ativo no dia anterior do contrato de aluguel. Considerando a maneira como desenhamos a operação, temos du = 1, de modo que podemos definir Ii como:

Substituindo Ii na função α(Q,ii) temos:

α(Q,Ii) = (Q*P-1)*Ii

Sejam as seguintes características da função utilidade do doador:. Tais premissas indicam que a utilidade do doador cresce, com retornos marginais decrescentes, à medida que a remuneração do doador aumenta e decresce, de forma exponencial, conforme a volatilidade (σ2) do ativo aumenta. Definimos ainda que f (0) = 0.

O lucro do fundo de investimento é definido como se segue:

θ = 0,15 * JSCP * Q - α - MAX {10; 0,0025 * Q * C}

Note que, conforme descrevemos anteriormente, o ganho tributário da operação consiste basicamente na isenção sobre o pagamento de impostos por parte dos fundos de investimento ao receber o pagamento dos JSCP. Sendo assim, dada a alíquota de imposto de renda de 15% sobre pessoa física, temos um ganho potencial de 0,15*JSCP. Dessa forma, o lucro do fundo é uma função linear do JSCP, de α (parcela do ganho tributário repassada para o investidor doador) e do custo associado à taxa de registro cobrada pela BM&FBovespa.

Nosso modelo assume que existem n investidores pessoas física e k fundos de investimento no mercado e que todos os fundos e investidores possuem completo conhecimento da operação. Inicialmente, tal premissa pode parecer um pouco restritiva, mas demonstraremos que ela não altera nossos resultados.

Consideramos que o fundo de investimento oferece o contrato para o investidor. Conforme usualmente definido, tanto o investidor doador, quanto o fundo de investimento, só aceitam a proposta caso sua utilidade/lucro seja tal que U2; α) > 0 e θ > 0.

A seguir, apresentamos os três modelos que compõem nosso estudo. Analisamos o comportamento do investidor, do fundo de investimento e da corretora, destacando quais as implicações de um intermediário, no caso a corretora, na negociação.

Destacamos novamente que, em todos os modelos apresentados abaixo, consideramos que o fundo de investimento é o primeiro jogador a jogar. Após observar a estratégia escolhida pelo fundo, o investidor é chamado a jogar e toma sua decisão. É importante ressaltar que a escolha do fundo como jogador inicial não altera os resultados dos modelos. Tal escolha foi feita apenas para padronizarmos nosso raciocínio e pelo fato de que, no mercado financeiro, a negociação ocorre desta maneira.

4.1 Modelo 1.

Inicialmente assumimos que não existem custos de corretagem e de intermediação, ou seja, os fundos e os potenciais investidores doadores estão livres para negociar uns com os outros. Essa é uma hipótese restritiva já que, no mercado de capitais, investidores pessoa física (com capital relativamente pequeno) não têm contato direto com os gestores de fundos de investimento e a corretora tem um papel essencial ao intermediar esta relação. Posteriormente, acrescentamos a corretora no jogo e avaliamos o efeito de sua presença nos resultados.

O jogo é caracterizado da seguinte maneira: inicialmente, o fundo de investimento oferece um contrato para o investidor, constituído de um payoff para o investidor e outro para si próprio. O investidor, ao receber a proposta, escolhe se aceita ou se rejeita o contrato. No cenário de rejeição, o investidor pode ou não oferecer uma contraproposta para o fundo ou pode ainda oferecer um novo contrato para outro fundo qualquer. Observado o contrato oferecido pelo investidor, o fundo escolhe se aceita-o ou não.

Note que este jogo pode ser jogado recursivamente, podendo o fundo não aceitar a proposta do investidor e ofertar um outro contrato. Por simplicidade, assumimos que, se o fundo rejeita a proposta do investidor, o jogo se encerra, o que é facilmente verificável, já que o investidor oferta o melhor contrato para si. Assumindo que o fundo aceitaria qualquer contrato que apresente um payoff positivo, qualquer outro contrato oferecido pelo fundo não será aceito pelo investidor e qualquer outro fundo também não aceitaria o contrato ofertado.

Primeiramente, devemos verificar a restrição de factibilidade da operação. Para que a operação ocorra é necessário que o ganho por ela gerado seja maior do que os custos de registro da operação. Deste modo, conforme definimos anteriormente, temos o lucro máximo da operação dado por 0,15*JSCP*Q. O BTC da BM&FBovespa define que os custos de registro são o máximo entre R$10,00 ou 0,25% do volume (Q*P-1) total do contrato. Portanto, a restrição de factibilidade é representada por:

A partir dessa restrição, temos dois casos particulares que devem ser analisados. O primeiro é aquele em que o custo de registro não atinge o mínimo estipulado pela BM&FBovespa. No segundo, o custo de registro irá depender do volume do contrato.

4.1.1 Caso 1.

No primeiro caso, o custo de registro da operação não atinge o limite mínimo exigido pela BM&FBovespa. Desse modo:

0,0025 * Q * P-1 < 10

Logo, a restrição de factibilidade pode ser escrita como:

0,015 * JSCP * Q > 10

Portanto,

Tal condição é intuitiva, já que, quanto maior for o JSCP pago pela empresa, menor será a quantidade de ações necessárias para que a operação se torne lucrativa.

4.1.2 Caso 2.

Neste caso, o custo de registro supera o limite mínimo exigido pela BM&FBovespa, portanto a restrição de factibilidade é dada por:

0,15 * JSCP * Q > 0,0025 * Q * P-1

Logo,

Dessa forma, a operação é lucrativa caso a condição (3) seja observada. Note ainda que, neste caso, a restrição de factibilidade não depende da quantidade de ações que o investidor possui, mas sim da cotação da ação utilizada para o cálculo da taxa de aluguel. Ou, conforme definimos P-1 (como a cotação de fechamento do ativo em D-1) temos que , o que nos dá uma relação similar ao do dividend-yield. Desse modo, a operação só é lucrativa se o juros-yield for superior a aproximadamente 1,67%. Sendo assim, investidores que negociam grandes quantidades de ações estariam dispostos a alugá-las dependendo do retorno via JSCP oferecido.

Dadas as restrições calculadas nos dois casos acima, podemos voltar ao jogo em si. Sabemos que, caso o investidor rejeite a oferta inicial do fundo, ele irá ofertar um contrato a fim de extrair o maior benefício possível do contrato. Note, no entanto, que o investidor só faz uma nova proposta se:

Portanto precisamos que

(0,15 * JSCP * Q - ψ) * 0,775 > βf (σ2)

Onde ψ é o valor pago ao fundo. Desse modo, temos que o investidor só oferta o contrato caso o benefício de fazê-lo seja superior a sua aversão ao risco. Supondo Q suficientemente grande, como em (3), (), ao isolarmos Q, temos:

Destacamos, ainda, que a hipótese de conhecimento da operação, aparentemente forte do ponto de vista do investidor pessoa física, não se apresenta tão restritiva assim. Dado que o jogo se dá de forma dinâmica, podemos assumir que, uma vez que o fundo apresenta sua proposta inicial para o investidor, este aprende sobre a operação e tem a liberdade de oferecer novos contratos para outros fundos.

Note ainda que o investidor escolhe ψ (valor ofertado para o fundo no contrato) de forma a maximizar seu ganho, contanto que o fundo ainda aceite sua proposta. Sendo assim, dada a continuidade da função lucro do fundo, temos que, no limite, o contrato oferecido pelo investidor é tal que:

Portanto, substituindo (6) em (5):

Sendo assim, dadas as condições necessárias para que o investidor oferte o contrato, irá fazê-lo e o fundo irá aceitar, sendo os payoffs: ψ = MAX{10;0,0025 * Q * P-1} para o fundo; e (0,15 * JSCP * Q - MAX {10; 0,0025 * Q * P-1}) * 0,775 para o investidor. Como vimos, o fundo aceita esse contrato. Esse consiste no equilíbrio de Nash do subjogo, onde o investidor decide ofertar um novo contrato para o fundo.

Finalmente, por indução retroativa, sabemos que o fundo de investimento irá oferecer exatamente o mesmo contrato que o investidor escolheria caso optasse por rejeitar o contrato oferecido pelo fundo. Ofertando tal contrato, o fundo faz com que o investidor fique indiferente entre aceitar ou não e, portanto, utilizando o argumento de Nash (1950)Nash, J. (1950). The bargaining problem. Econometrica, 18(2),155-162. de que o tempo é "valioso", o investidor aceita o contrato7 7 Poderíamos utilizar também uma taxa de desconto temporal, mas, dado que a negociação em geral ocorre no dia do pagamento do JSCP, tal metodologia não seria relevante. .

4.2 Modelo 2.

Assim como Rubinstein (1982)Rubinstein, A. (1982). Perfect equilibrium in a bargaining model., Econometrica 50(1),97-110., consideramos agora que os agentes (com exceção do fundo de investimentos) incorrem em um custo fixo para apresentarem uma contraproposta. O custo fixo representa tanto o custo efetivo de realização do contrato, quanto o custo de oportunidade dos agentes de despender tempo para realizar a operação.

Desse modo, adicionamos ao modelo 1 um custo, CO, para que o investidor oferte um novo contrato, tal que CO > 0. Essa é uma hipótese razoável, já que, em caso de rejeição do contrato ofertado, o investidor precisa procurar um novo fundo para ofertar seu contrato.

Apesar de já mencionado anteriormente, cabe aqui outra ressalva: no mercado brasileiro, a corretora tem uma função importante de ligação entre os fundos de investimento e os investidores. Em geral, as maiores gestoras de fundos não possuem contato direto com potenciais investidores. Além disso, os investidores incorrem em um custo alto para entrar em contato com os fundos. Entretanto, teoricamente, sob a hipótese de inexistência de corretoras, os investidores poderiam conseguir entrar em contato com os gestores de fundos.

Na presença do custo de oferta, CO, caso o investidor rejeite o contrato inicial, nos deparamos com duas alterações. A primeira refere-se ao fato de que o investidor, caso oferte um novo contrato para algum fundo, terá seu payoff máximo tal que:

U(σ2, α)max = (0,15 * JSCP * Q - ψ) * 0,775 - βf(σ2 ) - CO

Essa função utilidade define qual deve ser o contrato ofertado pelo fundo de modo a deixar o consumidor indiferente entre rejeitar o contrato e buscar novas opções no mercado ou aceitá-lo.

Sabemos também que o investidor só oferta um novo contrato caso tenha uma utilidade positiva ao fazê-lo. Desta forma, temos uma mudança na restrição de participação do investidor:

O desenvolvimento do jogo no caso onde o lucro oriundo da operação é suficiente alto, tanto para cobrir a aversão ao risco do investidor quanto seu custo de ofertar um novo contrato, é similar ao caso anterior. Destacamos, a seguir, a situação na qual o lucro da operação é suficiente para ressarcir a aversão ao risco do investidor, porém não é suficiente para ressarcir o custo de ofertar um novo contrato. Dessa forma, tais condições podem ser expressas como:

Neste caso, o lucro máximo gerado pela operação não cobre o custo de aversão ao risco adicionado do custo de ofertar um novo contrato por parte do investidor. No entanto, o ganho tributário é suficientemente alto para cobrir a aversão ao risco do investidor.

Sendo assim, temos a situação em que o investidor decide por não ofertar um novo contrato caso não aceite aquele desenhado pelo fundo. Neste caso específico, o investidor não possui poder de barganha com o fundo. Note, portanto, que qualquer contrato ofertado pelo fundo, que resulte em uma utilidade positiva para o investidor, será aceito por ele. Para compreendermos quais fatores afetam tal contrato, podemos isolar Q em (8):

Sabemos ainda que, se o investidor pudesse ofertar um contrato (caso isso representasse um ganho para ele), ele o faria ofertando ao fundo ψ = MAX {10;0,0025*Q*P-1}. Portanto, substituindo em (10):

Assim, para quantidades inferiores a esta, o investidor aceita qualquer contrato ofertado pelo fundo que remunere sua aversão ao risco e o fundo fica com todo o restante do ganho tributário da operação.

Por outro lado, se o investidor possuir uma quantidade suficientemente grande de ações, caso rejeite o contrato do fundo e oferte outro, seu payoff máximo é dado por:

Da mesma forma, a oferta ao fundo seria, ψ = MAX {10;0,0025* Q*P-1}. Portanto, substituindo ψ em (11), temos:

Note por fim que, se o fundo oferece um contrato de modo que seu payoff

e , o investidor aceita a oferta já que α=αmax.

Temos que, neste caso, o equilíbrio de Nash perfeito de subjogos é tal que o fundo oferta o contrato acima descrito e o investidor aceita, respeitando as condições de factibilidade já descritas.

4.3 Modelo 3.

Nesta seção inserimos a corretora no jogo. A corretora possui o papel de intermediadora entre os fundos de investimento e seus clientes. Sob a presença das corretoras, o mercado ganha em eficiência, já que agora o contato entre os fundos de investimentos e os investidores é aproximado pela presença da instituição intermediária, que efetivamente detém informação sobre a custódia do investidor e até mesmo sobre seu perfil de risco.

Assumimos que a corretora deve decidir se entra ou não em contato com seus clientes para oferecer o contrato do fundo. Considerando-se que o mercado de corretoras opera em concorrência monopolística8 8 Na seção 5, ressaltamos as implicações para o resultado do modelo caso a hipótese fosse de que as corretoras operam em concorrência perfeita. , a função lucro da corretora é dada por:

π (Q) = γ(Q) - CT

onde γ (Q) é a receita da corretora em função da quantidade de ações do seu cliente; e CT é o custo da corretora de entrar em contato com o cliente e ofertar o contrato oferecido pelo fundo. É importante destacar que a corretora só é remunerada caso o contrato de aluguel seja efetivado.

No mercado brasileiro, as operações de aluguel de ações são caracterizadas pela ausência de corretagem. As corretoras são remuneradas basicamente pelo spread entre a taxa cobrada do tomador e a taxa repassada ao doador. Portanto, podemos definir γ (Q) da seguinte maneira:

Partimos do pressuposto que ic é definido exogenamente. Essa hipótese é razoável já que, em geral, as corretoras definem um spread a ser cobrado na operação no momento de sua estruturação. Podemos ainda interpretar ic como um percentual de corretagem variável de acordo com a quantidade de ações possuídas pelo investidor.

Conforme definido anteriormente, sabemos que du=1, portanto podemos simplificar a função receita da corretora para:

γ(Q; Ic ) = (Q*P-1)*Ic

onde Ic , é a taxa cobrada pela corretora de spread ao período (no caso 1 dia). Dada a hipótese de que a corretora estabelece uma taxa de spread a ser cobrada na operação, ela oferta o contrato para seu cliente se, e somente se:

π (Q) > 0

(Q*C)*Ic > CT

Portanto temos que:

Ou seja, a corretora só tem incentivos suficientes para ofertar o contrato ao investidor caso a quantidade de ações que ele possua seja suficientemente grande, de modo a cobrir, no mínimo, os custos da corretora, dado o spread cobrado na operação e o preço de fechamento do ativo no dia anterior.

Assumimos que, sob a presença da corretora, o investidor, caso não aceite o contrato inicial proposto e oferte novo contrato, incorre em um custo CO2 tal que CO2 < CO. Essa redução nos custos do investidor é potencialmente substancial, já que agora o contato deles com a corretora é extremamente simples e eficaz, ao contrário do modelo anterior, já que dificilmente um investidor individual possui contato com os fundos de investimento.

Caso o investidor rejeite o contrato inicial e faça uma contraproposta, consideramos ainda que a corretora incorre em um custo incremental, CTI. Este custo representa o esforço adicional realizado pela corretora, que consiste em entrar em contato com os fundos ofertando a nova proposta. A seguir, demonstramos que tal custo adicional impõe certas restrições para que novas ofertas de contrato sejam feitas.

Observe que o custo incremental da corretora gera duas situações, a primeira onde o custo incremental é baixo, tal que o spread cobrado na operação é suficiente para cobrir tanto o custo de ofertar um contrato para seu cliente, quanto o custo incremental de renegociá-lo com o fundo de investimento. Por outro lado, temos o caso onde o spread cobrado na operação não é suficientemente alto para cobrir este custo incremental e, neste caso, a corretora precisa tomar uma decisão adicional de renegociar ou não o contrato. Analisamos essas duas situações separadamente a seguir.

4.3.1 Situação 1 - custo incremental baixo.

Aqui consideramos o caso mais simples, onde a quantidade de ações do investidor é tal que:

Observe que a quantidade de ações em custódia do investidor é suficientemente alta para cobrir todos os custos da corretora, dado o spread cobrado na operação. Nesse caso, o investidor pode fazer uma contraproposta àquela feita pelo fundo e ofertada pela corretora, e a corretora tem incentivos a ofertar essa contraproposta para o fundo, já que, caso decida por não fazê-lo, tem de arcar com o prejuízo de CT por não fechar o contrato.

Conforme já discutido anteriormente, o investidor extrai o máximo possível do contrato e oferta um contrato com os seguintes payoffs: ψ=MAX{10;0,0025*Q*P -1} para o fundo, γ(Q;Ic) =(Q*P-1) Ic para a corretora e α = (0,15*JSCP* Q-MAX{10;0,0025*Q*P-1}-(Q* P-1)*Ic) * 0,775 para si. Lembrando que esse contrato só é oferecido caso a restrição de participação ( ), levando em consideração que o custo mínimo de registro da operação é atingido) do investidor seja satisfeita.

Temos novamente, por indução retroativa (análogo ao demonstrado anteriormente), que o fundo propõe o contrato com os seguintes payoffs: ψ = MAX {10; 0,0025* Q * P-1}+ para si, γ(Q;Ic) =(Q*P-1)*Ic para a corretora e α=(0,15 * JSCP * Q-MAX {10; 0,0025 * Q * P-1}- (Q * P-1) Ic*0,775 para o investidor. E, respeitadas as condições de factibilidade e de participação da corretora, o contrato é ofertado pela corretora para o investidor, o qual aceita a oferta.

4.3.2 Situação 2 - custo incremental alto.

Essa situação acontece quando o custo incremental gerado pela contraproposta do cliente excede o ganho da corretora na operação. Aqui o investidor possui uma quantidade baixa de ações em custódia. Neste caso, se o investidor oferta um novo contrato, temos a seguinte situação:

Este caso é particularmente interessante, pois com a presença da corretora, em determinadas situações, o investidor perde seu poder de barganha já que, supondo:

a corretora oferta um contrato para o investidor, porém se ela não aceita o contrato e faz uma contraproposta,observamos a situação onde a corretora tem de decidir se ofertar a contraproposta para o fundo é vantajoso ou não. Dada a racionalidade da corretora, temos que ela oferta a contraproposta se:

Ou seja, o prejuízo oriundo da oferta do novo contrato é menor do que aquele onde a corretora decide por não fazê-lo.

O caso onde a corretora decide ofertar o novo contrato não produz novos resultados, exceto pelo fato de que agora, apesar da remuneração da corretora ser a mesma, ela tem de arcar com certo prejuízo. No entanto, note que, caso Q*P-1*Ic-CT-CTI>CT, ou seja, o custo de renegociar o contrato com o fundo de investimentos é superior ao custo de abandonar a operação e arcar com o prejuízo de CT, a corretora assume o prejuízo de CT. Observe ainda que o investidor, neste caso, tem um prejuízo de CO2 caso decida ofertar o novo contrato.

Neste caso, como existe common knowledge, o investidor decide por não ofertar o novo contrato, já que o equilíbrio do jogo subsequente é tal que o investidor tem um prejuízo de CO2. Portanto, respeitada a restrição de participação do investidor, ele perde seu poder de barganha e aceita qualquer contrato que apresente um payoff positivo, que pague por sua aversão ao risco, e o fundo de investimento extrai todo o lucro restante da operação.

Finalmente, o contrato ofertado pelo fundo é tal que os payoffs são dados por: ψ = 0,15*JSCP*Q-(Q*P-1)*Ic-βf(σ2) para si, γ(Q;Ic) = (Q*P-1)*Ic para a corretora e α=βf(σ2 ) para o investidor, sendo este o equilíbrio de Nash perfeito de subjogos do jogo em questão9 9 Respeitadas as restrições de factibilidade e de participação do investidor, o contrato é ofertado pela corretora e aceito pelo investidor. .

5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesta seção comparamos os resultados obtidos nos modelos apresentados. A Tabela 1 destaca a receita que cada jogador obtém nos equilíbrios de Nash dos modelos desenvolvidos.

Tabela 1
Resumo dos resultados dos modelos

Conforme a Tabela 1, podemos observar que, em todos os casos, a receita dos agentes é impactada positivamente pela quantidade de ações em custódia possuídas pelo investidor pessoa física. Essa quantidade mínima de ações também está presente nas restrições de factibilidade dos modelos, já que em geral existe um mínimo de ações necessárias em custódia para que a operação seja factível. Dessa forma, pequenos investidores dificilmente participarão de operações como as desenvolvidas neste estudo. Tal resultado corrobora a evidência encontrada por Minozzo (2011)Minozzo, C. A. S. (2011). Determinantes da taxa de aluguel de ações no Brasil. Dissertação de mestrado, Escola de Economia de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, SP, Brasil. de que, no mercado brasileiro, o tipo de investidor pessoa física que aluga suas ações é aquele com perfil de longo prazo, que possui um maior poder aquisitivo. Este resultado também demonstra que investidores pessoa física podem extrair um benefício adicional a partir do recebimento de JSCP, o que complementa o resultado de Colombo e Terra (2012)Colombo, J. A., & Terra, P. R. S. (2012). Juros sobre o capital próprio, estrutura e propriedade e destruição de valor: evidências no Brasil. Anais do Encontro Nacional de Economia, Porto de Galinhas, BA, Brasil, 40. que já haviam destacado os benefícios obtidos pelos investidores institucionais quando estes recebem proventos via JSCP.

Além disso, quanto menor o custo de oportunidade do investidor em ofertar um novo contrato sob ausência da corretora, maior será sua receita e, consequentemente, menor será a receita do fundo de investimentos. No caso extremo, onde não existe custo de oportunidade para o investidor em ofertar um novo contrato para o fundo, temos o mesmo equilíbrio do modelo 1, onde a receita do fundo cobre apenas os custos de registro da operação.Por outro lado, nos casos em que o custo de oportunidade do investidor é extremamente alto, o fundo de investimentos ficará com a maior parte da receita da operação e, no caso extremo, a receita do investidor será suficiente apenas para cobrir sua aversão ao risco. Dessa forma, conseguimos demonstrar que existirão casos em que o fundo consegue extrair grande parte do ganho e o investidor acaba perdendo seu poder de barganha. Tal situação evidencia uma justificativa adicional para a realização das operações de empréstimos de ações, além da possibilidade de ganho para o investidor, ainda que tal arbitragem tributária não traga benefícios para o mercado de ações em termos de valorização dos ativos, conforme evidenciado por Fraga (2013)Fraga, J. B. (2013). Empréstimo de ações no Brasil. Tese de doutorado, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, SP, Brasil..

Os resultados mostram que, no caso mais simples (modelo 1), o investidor sempre consegue extrair todo o ganho tributário da operação, deduzido dos custos incorridos pelo fundo. Esse resultado é intuitivo, já que, neste caso, ambos os jogadores não possuem custos de transação. Já nos modelos 2 e 3, o investidor não mais consegue extrair todo o lucro da operação. No primeiro caso, isso se deve ao seu alto custo de transação e, no segundo, à presença da corretora e suas limitações impostas.

No modelo 2, a existência do custo de transação,para o investidor, de ofertar um novo contrato pode exigir que:

Desse modo, Q2 consiste na quantidade mínima de ações que o investidor deve possuir, para que a renegociação do contrato seja possível. Nesse caso, o investidor aceita qualquer contrato oferecido que o remunere por sua aversão ao risco e, portanto, a receita do fundo é todo ganho tributário descontado do pagamento para aversão ao risco para o investidor.

As restrições oriundas do modelo 2 sobre a quantidade mínima de ações que o investidor deve possuir para que o contrato seja efetivado eram dadas por:

caso o valor mínimo de R$10,00 do registro da operação não seja atingido e

caso contrário.

Já no modelo 3, a inserção da corretora gera uma restrição adicional ao jogo, considerando-se que todas as restrições no modelo 2 sejam satisfeitas. Neste caso, a presença da corretora pode impedir que alguns contratos, antes factíveis, não mais o sejam. Observe-se ainda que o modelo 3 implica que a corretora só oferece o contrato proposto pelo fundo para seus clientes, caso tais clientes possuam uma quantidade mínima de ações, devido aos custos e à taxa de spread cobrada pela corretora.

Portanto, note-se que, em determinadas situações, é possível encontrar Q3≠Q2, onde, nestes casos, contratos antes ofertados aos investidores diretamente para os fundos eram aceitos e, agora, com a presença das corretoras, não são mais alcançáveis. Parte do problema acima decorre do fato de o mercado de corretoras no Brasil não operar em perfeita competitividade. Caso elas operassem em concorrência perfeita (supondo corretoras com custos iguais a CT), as corretoras não mais escolheriam o spread a ser cobrado na operação, mas sim, ao observar a quantidade de ações em custódia dos seus clientes, calculariam a taxa a ser cobrada a fim de cobrir seus custos. Com isso, mais contratos seriam realizados, já que a decisão de quanto cobrar do cliente passaria a ser endógena, de forma a cobrir apenas os custos marginais da corretora (assumindo que, no mercado em concorrência perfeita, a estrutura de custos da corretora fosse mantida). Além disso, independente da hipótese sobre concorrência, é razoável ainda se considerar que CT+CO2<CO (ou seja, o custo de ofertar um novo contrato na presença da corretora para o investidor é menor), implicando que a presença da corretora aumentaria a eficiência do mercado reduzindo os custos de transação. Portanto, a presença da corretora faria com que mais contratos fossem aceitos, já que haveria uma redução nos custos como um todo.

6. CONCLUSÃO

Neste artigo estudamos uma operação estruturada via aluguel de ações às vésperas do pagamento de JSCP, decorrente da possibilidade de ganhos positivos em função da diferença de tratamento tributário existente entre as partes envolvidas (investidor pessoa física e fundo de investimento). No caso, fundos de investimento são isentos de imposto de renda sobre o recebimento de JSCP, enquanto investidores pessoa física estão sujeitos a uma alíquota de 15%. Em função da possibilidade de arbitragem tributária decorrente de tal diferença, nosso estudo desenvolve três modelos teóricos que buscam explicar como o ganho tributário é repartido entre investidores, fundos de investimento e corretoras.

No primeiro modelo, temos uma situação onde não existem custos de transação para o investidor e para o fundo e não existe instituição intermediária (corretora). No segundo modelo, admitimos que o investidor tem um custo de ofertar novos contratos, representando todos os custos possíveis para ele. Por fim, incluímos, no modelo 3, uma instituição intermediária. Comparando os resultados chegamos à conclusão que, no caso onde a corretora não realiza a intermediação, mais contratos (ou no máximo o mesmo número de contratos) seriam fechados, já que a presença da corretora, sob determinadas condições, impõe custos de transação adicionais ao modelo.

Em todos os modelos, podemos observar que nem todos os investidores pessoa física terão incentivos a alugar suas ações. Observamos que existe uma quantidade mínima de ações para que a operação seja factível. Assim, apenas investidores com um perfil de longo prazo terão incentivos a participar dessas operações de aluguel de ações com vistas a explorar a oportunidade de ganho adicional advinda da diferença de tratamento tributário existente quanto ao recebimento de JSCP, o que reforça o resultado de Minozzo (2011)Minozzo, C. A. S. (2011). Determinantes da taxa de aluguel de ações no Brasil. Dissertação de mestrado, Escola de Economia de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, SP, Brasil..

Quanto ao incentivo do fundo de investimento, mostramos que podem existir situações, dependendo do custo em ofertar novos contratos por parte do investidor, onde o fundo consegue extrair a maior parte da receita da operação. Dessa forma, é possível que o investidor acabe perdendo o seu poder de barganha. Por outro lado, um resultado adicional interessante é que, na presença da corretora, o lucro do fundo diminui, já que a presença da corretora diminui o custo de ofertar um novo contrato por parte do investidor.

Finalmente, verificamos a existência de um trade off no que tange à presença de instituições corretoras intermediárias na operação. Sob a ausência de instituições intermediárias, os custos de ofertar novos contratos por parte do investidor são maiores. Por outro lado, as corretoras impõem restrições adicionais ao problema dado o spread a ser cobrado por elas. Mesmo que as corretoras operem em concorrência perfeita, dado o desenho do modelo, ainda assim existem casos onde possíveis contratos (sob sua ausência) acabariam não sendo realizados. No entanto, a presença da corretora leva a uma grande redução nos "custos de comunicação" da operação, levando a potenciais melhores equilíbrios para o investidor.

Este artigo contribui com a literatura em dois pontos principais. Em primeiro lugar,aplicamos o ferramental de teoria dos jogos para a solução de um problema de barganha por meio de um exemplo prático envolvendo uma operação estruturada no mercado brasileiro de aluguel de ações. Ainda, demonstramos um outro benefício para o investidor pessoa física que recebe proventos via JSCP, além daqueles já evidenciados em trabalhos como o de Colombo e Terra (2012)Colombo, J. A., & Terra, P. R. S. (2012). Juros sobre o capital próprio, estrutura e propriedade e destruição de valor: evidências no Brasil. Anais do Encontro Nacional de Economia, Porto de Galinhas, BA, Brasil, 40.. Possíveis extensões do nosso estudo podem ser realizadas assumindo que a informação sobre o perfil de risco do investidor seja desconhecida por parte do fundo ou que as corretoras operem em um mercado de concorrência perfeita. Ainda, neste estudo não acrescentamos um fator de desconto temporal, já que grande parte das negociações de contratos de aluguéis ocorre durante o período de um dia. Estudos futuros poderiam incluir tal fator de desconto.

  • *
    Artigo apresentado no 40º Encontro Nacional de Economia, Porto de Galinhas, Brasil, 2012 e III Encontro de Economia do Espírito Santo, Vitória, Brasil, 2012.
  • 1
    A data ex-JSCP é definida pela empresa e consiste na data que a empresa utilizará como base para o pagamento do JSCP. Ou seja, todos aqueles que possuírem o ativo em custódia neste dia receberão o respectivo JSCP. O pagamento do JSCP não necessariamente ocorrerá nesta data.
  • 2
    Datas EX pagamento de JSCP: 22/01/2010, 21/05/2010 e 30/07/2010.
  • 3
    A BM&FBovespa fornece dados sobre os contratos de aluguel diariamente para cada ativo, no entanto a série histórica destes dados não está disponível.
  • 4
    A operação de aluguel de ações é regulamentada pela Instrução n. 249 (CVM, 1996Comissão de Valores Mobiliários. CVM. Instrução n. 249, de 11 de abril de 1996. Recuperado em 8 junho, 2012, de http://www.cvm.gov.br/.
    http://www.cvm.gov.br/...
    ) e posteriormente alterada pelas Instruções n. 277 (CVM, 1998Comissão de Valores Mobiliários. CVM. Instrução n. 277, de 8 de maio de 1998. Recuperado em 8 junho, 2012, de http://www.cvm.gov.br/.
    http://www.cvm.gov.br/...
    ) e n. 441 (CVM, 2006Comissão de Valores Mobiliários. CVM. Instrução n. 441, de 10 de novembro de 2006. Recuperado em 8 junho, 2012, de http://www.cvm.gov.br/.
    http://www.cvm.gov.br/...
    ), sendo esta última alterada pela Instrução n. 466 (CVM, 2008Comissão de Valores Mobiliários. CVM. Instrução n. 466, de 12 de março de 2008. Recuperado em 8 junho, 2012, de http://www.cvm.gov.br/.
    http://www.cvm.gov.br/...
    ).
  • 5
    Adaptada de Fudenberg e Tirole (1991)Fudenberg, D., & Tirole, J. (1991). Game theory. Cambridge: The MIT Press..
  • 6
    Dado o procedimento acima, o fundo de investimento possuirá o papel em sua custódia em D+1 e devolverá a custódia para o doador em D+2.
  • 7
    Poderíamos utilizar também uma taxa de desconto temporal, mas, dado que a negociação em geral ocorre no dia do pagamento do JSCP, tal metodologia não seria relevante.
  • 8
    Na seção 5, ressaltamos as implicações para o resultado do modelo caso a hipótese fosse de que as corretoras operam em concorrência perfeita.
  • 9
    Respeitadas as restrições de factibilidade e de participação do investidor, o contrato é ofertado pela corretora e aceito pelo investidor.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2013
  • Revisado
    25 Mar 2013
  • Aceito
    15 Maio 2014
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