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A QUALIDADE DOS PRIVILÉGIOS PATENTÁRIOS CONCEDIDOS NO BRASIL SOB A ÓTICA DAS AÇÕES JUDICIAIS DE NULIDADE DE PATENTES

THE QUALITY OF THE PATENT PRIVILEGES GRANTED IN BRAZIL UNDER THE PERSPECTIVE OF PATENT NULLITY LAWSUITS

Resumo

Para que as patentes possam ser utilizadas como mola propulsora da inovação, da competitividade e do progresso tecnológico, é necessário que o sistema opere com eficiência e qualidade. Há pesquisas que constataram que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) não tem cumprido o mandamento constitucional da eficiência, haja vista o crônico atraso na análise de pedidos de patentes, que supera e muito a razoabilidade. O presente artigo se propõe a avançar em direção distinta e ainda pouco explorada. Seu objetivo é estudar o rigor do sistema patentário brasileiro no tocante às análises dos pedidos de patente para verificar se há nele uma crise de qualidade. Em caso positivo, esse achado reforçaria a necessidade de revisão do sistema, de modo que sua finalidade mediata (promoção do desenvolvimento econômico, social e tecnológico do país) possa ser alcançada. A literatura aponta que uma forma de avaliar a qualidade de um sistema patentário é determinar a taxa com que as decisões técnicas tomadas pelo escritório de patentes são contestadas na esfera jurídica. No Brasil, toda ação de nulidade de patente deve ser anotada na Revista de Propriedade Industrial (RPI) do INPI. Com base nessas informações, foi possível realizar uma investigação empírica inédita sobre a qualidade dos privilégios patentários concedidos no país. Sob a ótica deste trabalho, a qualidade da patente foi analisada sob o ponto de vista da observância legal dos critérios de patenteabilidade. Trata-se de uma pesquisa descritiva e explicativa, com caráter qualitativo e quantitativo, a qual se utilizou do método empírico e indutivo.

Backlog; eficiência; qualidade das patentes; nulidade; litígios

Abstract

For patents to be used as a driving force for innovation, competitiveness and technological progress, the system must operate efficiently and with quality. There are studies that found that the Brazilian National Institute of Industrial Property (INPI) has not complied with the constitutional mandate of efficiency, given the chronic delay in the analysis of patent applications, which far exceeds the reasonableness. The present article proposes to move in a different and still little explored direction. The purpose of this paper is to study the rigor of the Brazilian patent system regarding the analysis of patent applications to verify if there is a quality crisis in it. If so, this finding would reinforce the need for revision the system so that its mediate purpose (promotion of the economic, social and technological development of the country) can be achieved. The literature points out that one way of assessing the quality of a patent system is to determine the rate at which technical decisions made by the patent office are challenged in the legal sphere. In Brazil, every patent invalidity action must be noted in the INPI magazine. Based on this information, it was possible to conduct an unprecedented empirical investigation on the quality of patent privileges granted in the country. From the perspective of this work, the quality of the patent was analyzed from the point of view of legal compliance with the patentability criteria. This is a descriptive and explanatory research, with qualitative and quantitative character, which used the empirical and inductive method.

Backlog; efficiency; patent quality; nullity; litigation

INTRODUÇÃO

A lógica da racionalidade econômica evidencia que as patentes fornecem incentivos à inovação ao possibitarem a divulgação da informação técnica contida em seu documento. Desse modo, aceita-se oferecer o privilégio da proteção contra a concorrência, no curto prazo, em troca dos frutos da inovação no longo prazo. Do ponto de vista social, busca-se, de forma imediata, promover o aumento do estoque do conhecimento técnico disponível à sociedade e, de forma mediata, fomentar a atividade inventiva, estimular a competitividade entre inventores e favorecer o processo de inovação e desenvolvimento do país ( MERGES, 1988MERGES , Robert P . Commercial Success and Patent Standards: Economic Perspectives on Innovation . California Law Review , v. 76 , n. 4 , p. 803 - 876 , 1988 . ; KAHIN, 2001KAHIN , Brian . The Expansion of the Patent System: Politics and Political Economy . First Monday , v. 6 , n. 1 , jan . 2001 . ; LÉVÊQUE e MÉNIÈRE, 2004LÉVÊQUE , François ; MÉNIÈRE , Yann . The Economics of Patents and Copyrights . The Berkeley Economics Press , Paris , 2004 . 115 p. ; BRASIL, 2013BRASIL . Câmara dos Deputados . A revisão da Lei de Patentes: inovação em prol da competitividade nacional . Brasília/DF : Câmara dos Deputados, Edições Câmara , 2013 . 405 p. ; LEMLEY e FELDMAN, 2018LEMLEY , Mark A. ; FELDMAN , Robin . Is Patent Enforcement Efficient? Boston University Law Review , v. 98 , p. 649 - 667 , 2018 . ).

Segundo Robert P. Merges (1988)MERGES , Robert P . Commercial Success and Patent Standards: Economic Perspectives on Innovation . California Law Review , v. 76 , n. 4 , p. 803 - 876 , 1988 . , duas seriam as funções básicas do sistema patentário: a de divulgação (da informação técnica) e a de recompensa (estímulo a novas invenções e à inovação proporcionado pela função “divulgação”). Com fulcro nessas premissas, o autor defende que o sistema patentário premia a inovação apenas indiretamente (com base na crença de que a invenção é uma inovação em potencial). 1 1 Acreditando-se em um círculo virtuoso, com forte ligação entre invenção e inovação, em que as novas invenções, estimuladas pela função de divulgação e recompensadas pelo lucro monopolístico, contribuiriam para a cumulatividade do progresso técnico e, em longo prazo, para a inovação e o progresso tecnológico. Com a concessão de patentes, a sociedade será premiada no mínimo com o avanço no estado da técnica decorrente da divulgação da invenção (sua finalidade imediata) e, em longo prazo, com a inovação (caso a invenção seja aperfeiçoada e chegue ao mercado).

Nessa perspectiva, os custos sociais do poder monopolístico conferido pelas patentes seriam compensados pelos ganhos advindos do aumento do número de novas invenções proporcionado pela divulgação de todos os passos da invenção anterior. Portanto, se as patentes fossem concedidas sobre invenções já conhecidas ou sem conteúdo inventivo, seria como criar custos/danos sem ganhos sociais concomitantes ( LEMLEY e SHAPIRO, 2005LEMLEY , Mark A. ; SHAPIRO , Carl . Probabilistic Patents . Journal of Economic Perspectives , v. 19 , n. 2 , p. 75 - 98 , 2005 . ). Assim, para o cumprimento da dupla finalidade do sistema patentário, é de crucial importância que apenas verdadeiras invenções, dotadas de novidade e atividade inventiva, com efetiva contribuição técnica à sociedade, sejam objeto de uma patente concedida, o que exige análise adequada, séria e rigorosa quanto ao preenchimento dos requisitos patentários por parte da agência de patenteamento, de modo a garantir a presunção de validade 2 2 Alguns autores questionam essa presunção, alegando que o escritório de patentes não é necessariamente a entidade possuidora de mais informações para aferir a validade das patentes ( KERR, 2000 ). a cada patente concedida.

David Encaoua, Dominique Guellec e Catalina Martínez (2006) defendem que os requisitos de patenteabilidade devem ser mantidos altos e estritamente aplicados, uma vez que a concessão de patentes com baixa qualidade (baixo valor social ou mesmo patentes ilegítimas, não inovadoras ou não suficientemente inventivas) provoca um efeito prejudicial sobre a inovação e a competição. Nessa mesma linha de raciocínio, o Relatório Gowers (Reino Unido) sugere que a remoção de patentes de baixa qualidade poderá ser alcançada por meio de uma rigorosa aplicação dos requisitos de patenteabilidade ( GOWERS, 2006GOWERS , Andrew . Review of Intellectual Property . London Stationery Office , 2006 . 141 p. ).

Christopher R. Leslie (2006)LESLIE , Christopher R . The Anticompetitive Effects of Unenforced Invalid Patents . Minnesota Law Review , v. 91 , p. 101 , 2006 . descreve vários efeitos anticompetitivos das patentes inválidas, entre os quais a criação de barreiras à entrada de mercado e a redução do bem-estar do consumidor e da inovação, destacando que a mera posse de uma patente inválida pode contribuir para manter um monopólio ilegítimo, ainda que seu detentor não adote ações afirmativas para fazer valer sua patente. O autor salienta que a ameaça de ser processado por infração pelo detentor de patente – mesmo com uma reivindicação sem mérito – pode afastar financiamentos, concorrentes que queiram comercializar a tecnologia protegida ou ainda outros inovadores que almejem realizar alguma melhoria com base na tecnologia cuja proteção é indevida (inovação incremental).

Como se vê, a estrita observância dos requisitos patentários constitui um fator importante para a política e gestão da propriedade industrial de um país, de modo que, para o alcance de seu objetivo institucional, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) deverá, entre outros aspectos, ser capaz de, com agilidade, atender à demanda da sociedade em termos de análise e concessão de patentes, sem preterição de um exame de qualidade.

Na última década, o backlog 3 3 Expressão que a literatura utiliza para se referir ao atraso na análise dos pedidos de patente, remetendo ao tempo compreendido entre as datas de depósito e de concessão do pedido. Contudo, oportuno ressaltar que não há consenso acerca da definição do termo. Para uns, refere-se a todos os requerimentos não examinados; para outros, a todos os requerimentos pendentes e, para alguns, ao “excesso” de requerimentos além da capacidade do escritório de patentes (MITRA-KAHN et al ., 2013, p. 1). do INPI tem aumentado de forma preocupante, atingindo no ano de 2018 um tempo médio de pendência de 127 meses para patentes de invenção ( INPI, 2018INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI) . Relatório de atividades , 2018 . Disponível em: http://www.inpi.gov.br/sobre/arquivos/relatorio-de-atividades-inpi-2018.pdf . Acesso em: 13 jun. 2019 .
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). Para efeito de comparação, o relatório estatístico dos cinco maiores escritórios patentários do mundo (USPTO, EPO, JPO, KIPO, CNIPA), 4 4 United States Patent and Trademark Office (Escritório de Patentes dos Estados Unidos), European Patent Office (Europa), Japanese Patent Office (Japão), Korean Intellectual Property Office (Coreia do Sul) e National Intellectual Property Administration (China). divulgado em outubro de 2018, aponta que, em 2017, o backlog de patentes naqueles escritórios não ultrapassou trinta meses (EPO, 2018).

O relatório de atividades do INPI do ano de 2018 revela que no período de 1999 a 2014 houve um aumento do número de depósitos de pedidos de patentes na ordem de 70%, seguido de um pequeno declínio desde então, culminando com 27.444 pedidos em 2018 contra 19.584 em 1999. Esse aumento da atividade patentária repercute diretamente na capacidade de processamento do escritório, ampliando também o tempo de exame e a quantidade de pedidos à espera de decisão técnica, que passou de 187.448 solicitações pendentes em 2009 para 243.820 em 2016, ou seja, um incremento de 30% em sete anos ( INPI, 2018INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI) . Relatório de atividades , 2018 . Disponível em: http://www.inpi.gov.br/sobre/arquivos/relatorio-de-atividades-inpi-2018.pdf . Acesso em: 13 jun. 2019 .
http://www.inpi.gov.br/sobre/arquivos/re...
). Em Garcez Júnior e Moreira (2017) é visto que, sob o ponto de vista da eficiência e da razoabilidade da duração do procedimento administrativo, o INPI não tem cumprido esses mandamentos constitucionais. Os autores destacam que a busca por um exame mais célere pelo escritório brasileiro não pode ser vista como um fim em si mesmo, de modo a sobrepor a qualidade do exame (GARCEZ JÚNIOR e MOREIRA, 2017).

A literatura aponta que uma forma de avaliar a qualidade de um sistema patentário é determinar a taxa com que as decisões técnicas tomadas pelo escritório de patentes são contestadas na esfera jurídica ( KING, 2001KING , John L . Patent Examination Procedures as Inputs to Patent Quality. The National Academy of Sciences Committee on Science, Technology and Economic Policy Conference . New Research on the Operation and Effects of the Patent System , 2001 . ; SILVA e BORSCHIVER, 2009SILVA , João Gilberto Sampaio Ferreira da ; BORSCHIVER , Suzana . Critérios para avaliação dos sistemas patentários . Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual , n. 98 , p. 30 - 41 , 2009 . ). John L. King (2003)KING , John L . Patent Examination Procedures and Patent Quality . In: COHEN , Wesley M. ; MERRILL , Stephen A. ( ed .) . Patents in the Knowledge-based Economy . Washington, D.C. : The National Academies Press , 2003 . p. 54 - 73 . afirma que, em uma situação ideal, um escritório perfeito jamais concederia uma patente que viesse a ser invalidada posteriormente por um tribunal. Portanto, a frequência com que ocorrem os litígios é um importante critério de avaliação do sistema patentário de um país, evidenciando ou não a concessão de patentes de mérito duvidoso.

Por determinação legal, 5 5 O art. 175 da Lei n. 9.279/1996 assim dispõe: “A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito” ( BRASIL, 1996 ). o INPI deverá intervir nas ações que objetivem a anulação de carta-patente por ele concedida, denominadas ações de nulidade ( BRASIL,1996BRASIL . Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996 . Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial , 1996 . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm . Acesso em: 7 fev. 2019 .
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). Assim que é intimada dessas ações, a autarquia providencia a anotação do litígio em sua Revista da Propriedade Industrial (RPI), 6 6 Foram analisadas as revistas de número 1826 a 2503, edições de 03.01.2006 a 26.12.2018, as quais poderão ser acessadas em: http://revistas.inpi.gov.br/rpi . Acesso em: 30 abr. 2021. sob a rubrica “Patente Sub Judice ” (código 22.15), com informações sobre o número do processo e nome das partes. Localizada a ação de nulidade, seu resultado poderá ser verificado no sítio eletrônico do respectivo Tribunal Regional Federal (TRF) em que se processou o feito. Com base nessas informações, os litígios serão analisados e a qualidade dos privilégios patentários concedidos no Brasil poderá ser verificada.

A presente pesquisa pretende, como objetivo geral, verificar a qualidade das patentes concedidas no Brasil por meio da análise das ações judiciais de nulidade. Trata-se do primeiro olhar empírico sobre a qualidade do sistema patentário brasileiro tendo os litígios como critério de avaliação, confirmando-se o ineditismo da pesquisa.

A abordagem mais comum utilizada pela literatura para medir empiricamente a qualidade de um sistema patentário é por meio da análise de taxas 7 7 Os estudiosos comparam as taxas de concessão (por exemplo, QUILLEN JR., WEBSTER e EICHMANN, 2002), taxas de oposição (por exemplo, GRAHAM et al ., 2003) ou taxas de litígios (por exemplo, TU, 2014 ). ( SAINT-GEORGES e POTTERIE, 2013SAINT-GEORGES , Matthis de ; POTTERIE , Bruno van Pottelsberghe de la . A Quality Index for Patent Systems . Research Policy , v. 42 , n. 3 , p. 704 - 719 , 2013 . ). Nesse contexto, o presente estudo terá os seguintes objetivos específicos: 1) identificar a frequência de ações de nulidades de patentes concedidas pelo INPI; 2) determinar a taxa de anulação de patentes ou, em outros termos, o percentual de êxito das ações de nulidade de patentes ajuizadas no Judiciário brasileiro; 3) identificar as divisões técnicas nas quais os litígios ocorrem com maior frequência; 4) investigar se há evidências de queda na qualidade dos privilégios patentários concedidos no país, estabelecendo um comparativo do índice de invalidação de patentes no Brasil com o de outros países ( benchmarking ).

Sob a ótica da pesquisa, a qualidade da patente, um conceito por natureza multifacetado, será definida com observância dos critérios de patenteabilidade 8 8 Conforme será visto, no caso da patente de invenção esses critérios são novidade, atividade inventiva, aplicação industrial e suficiência descritiva. Por sua vez, na patente de modelo de utilidade, os requisitos são novidade, ato inventivo, aplicação industrial, suficiência descritiva e melhoria funcional. estabelecidos pela Lei de Propriedade Industrial – LPI (Lei n. 9.279/1996). Ou seja, a qualidade será analisada sob o enfoque da “conformidade legal” 9 9 Andrew Gowers (2006) adota esse mesmo critério ao afirmar que a qualidade da patente refere-se a quão bem ela atende aos requisitos de patenteabilidade. Original: “ Patent quality refers to how well the patent was prepared and examined and how well the patent meets patentability requirements ”. tanto do documento da patente, o qual deverá descrever a invenção de forma clara, precisa e suficiente, como da própria invenção, a qual deverá possuir qualificações necessárias para justificar o direito de exclusividade (novidade, aplicação industrial e atividade inventiva).

Trata-se de uma pesquisa descritiva e explicativa, com caráter qualitativo e quantitativo, a qual se utilizou do método empírico e indutivo, tendo sido pautada em: doutrina, periódicos, trabalhos científicos, relatórios de gestão do INPI e sua Revista de Propriedade Industrial (RPI), jurisprudência e legislação em vigor. Dessa forma, a técnica de coleta de dados utilizada foi a documental direta e indireta, abrangendo todos os documentos citados.

1. A IMPORTÂNCIA DA QUALIDADE DA PATENTE PARA O CUMPRIMENTO DAS FUNÇÕES DO SISTEMA PATENTÁRIO

Segundo Brasil (2013)BRASIL . Câmara dos Deputados . A revisão da Lei de Patentes: inovação em prol da competitividade nacional . Brasília/DF : Câmara dos Deputados, Edições Câmara , 2013 . 405 p. , o sistema de patentes representa uma barganha cuidadosamente elaborada que incentiva a criação e divulgação pública de novos e úteis inventos em troca de uma exclusividade de direito por um período limitado. Contudo, o sistema patentário não foi concebido como um fim em si mesmo, de modo que a proteção à invenção almeja alcançar um fim maior: promover os desenvolvimentos científico, econômico, social e tecnológico do país.

Ocorre que essa finalidade mediata do sistema patentário não é por ele alcançada de forma direta, e depende, paralelamente, de um esforço conjunto de políticas públicas direcionadas para esse intento ( SCUDELER, 2007SCUDELER , Marcelo Augusto . Patentes e sua função social . Orientador: Prof. Dr . Victor Hugo Tejerina Velázquez . 2007 . 269 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Metodista de Piracicaba , Piracicaba , 2007 . ), a exemplo da melhoria da qualidade e capacidade da infraestrutura técnico-científica do país. Para Merges (1988)MERGES , Robert P . Commercial Success and Patent Standards: Economic Perspectives on Innovation . California Law Review , v. 76 , n. 4 , p. 803 - 876 , 1988 . , o sistema de patentes contribuirá para a inovação e o desenvolvimento se a concessão de patentes se der para invenções que promovam o avanço significativo do estado da técnica, o que revela a importância do exame rigoroso dos requisitos de patenteabilidade.

Jonathan Levin e Richard Levin (2003) destacam que a outorga da proteção patentária para inventos conhecidos ou apenas trivialmente modificados confere poder de mercado potencial para restringir o acesso à tecnologia e aumentar os preços, além de permitir ao detentor da patente utilizar os litígios como uma arma competitiva, tudo isso sem que se forneçam incentivos para fazer avanços genuínos ou divulgar tais avanços ao público, recompensando injustamente o titular da patente em detrimento do bem-estar do consumidor.

Desse modo, quando são concedidas patentes a inventos já conhecidos, ou, se não conhecidos, óbvios para um técnico no assunto, o sistema de patentes é legitimamente criticado (FITZGERALD e MCENIERY, 2010). A literatura econômica não fornece uma percepção empírica sobre o melhor grau de qualidade ou rigor que deve prevalecer em um sistema de patentes para estimular a inovação e, consequentemente, o desenvolvimento tecnológico. Bruno Van Pottelsberghe de la Potterie (2011)POTTERIE , Bruno Van Pottelsberghe de la . The Quality Factor in Patent Systems . Industrial and Corporate Change , v. 20 , n. 6 , p. 1755 - 1793 , 2011 . aponta que os dois níveis extremos de qualidade podem, na verdade, ser prejudiciais à inovação. O sistema não pode ser tão rigoroso a ponto de não conceder nenhuma patente, ou mesmo rejeitar a proteção a invenções legítimas, nem flexível demais a ponto de permitir a emissão de patentes de baixa qualidade. O modelo teórico do autor sugere uma relação não linear entre qualidade e demanda por direitos de patente. Para um nível de qualidade baixo, um aumento na qualidade estimularia a demanda por direitos de patente, motivados por uma maior confiança no sistema. Para níveis mais altos de qualidade, um aumento teria o efeito inverso, pois sinalizaria um processo mais difícil e rigoroso.

Como se vê, no campo teórico e ideal, as patentes proporcionariam benefícios sociais e contribuiriam para promover a inovação e o desenvolvimento do país. Contudo, tem sido defendido que o sistema patentário, da forma como está funcionando, tem se desviado desses objetivos. Alguns manifestam-se, inclusive, pela abolição do sistema, argumentando que não há evidências empíricas de que as patentes sirvam para aumentar a inovação e a produtividade, pelo contrário, as evidências sugerem que, malgrado as patentes possam ter um efeito de equilíbrio parcial ao promover os incentivos à invenção, o efeito de equilíbrio geral sobre a inovação pode ser negativo ( BOLDRIN e LEVINE, 2013BOLDRIN , Michele ; LEVINE , David K . The Case against Patents . Journal of Economic Perspectives , v. 27 , n. 1 , p. 3 - 22 , 2013 . ).

Deveras, vários estudiosos constataram muitos problemas com o atual sistema de patentes, incluindo longos atrasos na análise do pedido de patentes (GANS, HSU e STERN, 2008; ACKERMAN, 2011ACKERMAN , Lily J . Prioritization: Addressing the Patent Application Backlog at the United States Patent and Trademark Office . Berkeley Technology Law Journal , v. 26 , p. 67 - 92 , 2011 . ; GARCEZ JÚNIOR, 2015), altos índices de invalidação de patentes ( LEMLEY e SHAPIRO, 2005LEMLEY , Mark A. ; SHAPIRO , Carl . Probabilistic Patents . Journal of Economic Perspectives , v. 19 , n. 2 , p. 75 - 98 , 2005 . ; FRAKES e WASSERMAN, 2017FRAKES , Michael D. ; WASSERMAN , Melissa F. Is the Time Allocated to Review Patent Applications Inducing Examiners to Grant Invalid Patents? Evidence from Micro Level Application Data . Review of Economics and Statistics , v. 99 , n. 3 , p. 550 - 563 , 2017 . ; HENKEL e ZISCHKA 2019HENKEL , Joachim ; ZISCHKA , Hans . How Many Patents Are Truly Valid? Extent, Causes, and Remedies for Latent Patent Invalidity . European Journal of Law and Economics , v. 48 , n. 2 , p. 195 - 239 , 2019 . ), estratégias de patenteamento anticompetitivas ( MACDONALD, 2004MACDONALD , Stuart . When Means Become Ends: Considering the Impact of Patent Strategy on Innovation . Information Economics and Policy , v. 16 , n. 1 , p. 135 - 158 , 2004 . ; BLIND, CREMERS e MUELLER, 2009; BESSEN, MEURER e FORD, 2012), altos riscos e custos dos litígios ( BESSEN e MEURER, 2013BESSEN , James ; MEURER , Michael J . The Patent Litigation Explosion . Loyola University Chicago Law Journal , v. 45 , p. 401 - 440 , 2013 . ; LEMLEY, RICHARDSON e OLIVER, 2019), entre outras críticas.

Dentre os vários problemas do atual sistema de patentes, a qualidade dos processos de exame tem recebido atenção crescente nos últimos anos. Críticos proeminentes do sistema patentário argumentam que um declínio de décadas na qualidade das patentes tem prejudicado a eficácia do sistema. Autores como Adam Jaffe e Josh Lerner (2007), James Bessen e Michael Meurer (2008), Matthew Elsmore (2009)ELSMORE , Matthew . Quality and Quantity: Can We Have Both Within the European Patent System? ERA Forum , v. 10 , n. 2 , p. 215 - 230 , 2009 . , João Gilberto Sampaio Ferreira da Silva e Suzana Borschiver (2009) e Bernard Caillaud e Anne Duchêne (2011), implícita ou explicitamente, apontaram a concessão de patentes de baixa qualidade como resultado do mau funcionamento de um sistema patentário e da formação de um círculo vicioso. Segundo os autores, com o acúmulo de pedidos de patentes ( backlog ), a qualidade média do exame diminui, incentivando pedidos oportunistas e com baixa inventividade, que, por sua vez, reduzem ainda mais a qualidade do exame em razão da sobrecarga de trabalho dos examinadores.

John Allison e Mark Lemley (1998) afirmam que no escritório norte-americano o número de patentes litigadas está aumentando mais rapidamente do que o de concessões de patentes, e que metade das patentes contestadas em tribunal é invalidada. 10 10 Desde 1991, as taxas de crescimento anual compostas de concessões de patentes e casos de violação de patentes são, respectivamente, de 3,8% e 5,8%. Nos Estados Unidos, apenas 1,5% de todas as patentes concedidas são litigadas, destas apenas 0,1% são processadas para julgamento (chegam a uma decisão de mérito) e cerca de metade (54%) são invalidadas (LANJOUW e SCHANKERMAN, 2001; LEMLEY, 2001 ; LEMLEY e SHAPIRO, 2005 ). Ressalte-se que as taxas de litígio variam por indústria e chegam a 6% na área de biotecnologia ( LERNER, 1995 ). Ronald Mann e Marian Underweiser (2012) encontraram uma taxa de invalidação de 60% nos Estados Unidos. Yoshinari Oyama (2012) , por sua vez, constatou que em 73% dos casos as patentes são invalidadas pelos tribunais distritais japoneses e um estudo do Reino Unido indicou uma taxa de invalidação de 50% ( HELMERS e MCDONAGH, 2013 ). Joachim Henkel e Hans Zischka (2019) encontraram altas taxas de invalidação (78%) na justiça alemã, sugerindo deficiências no processo de exame e qualidade das patentes. Como resultado, existe agora uma percepção de que o crescimento da atividade patentária e a consequente sobrecarga de trabalho dos examinadores têm provocado uma queda na qualidade das patentes, contribuindo para a formação de litígios.

O modelo teórico de Iain Cockburn, Samuel Kortum e Scott Stern (2002) e o estudo de Mark Lemley e Bhaven Sampat (2012) apontam que as características de determinados examinadores (por exemplo, maior ou menor experiência) afetam os resultados dos litígios. As pesquisas desses autores sugerem que a decisão de conceder ou rejeitar uma patente pode não ser motivada pelo mérito do pedido, mas pela sorte do depositante, o que causa preocupação acerca da qualidade das patentes concedidas.

Uma pesquisa realizada pela Amcham/Ibope 11 11 Disponível em: https://www.amcham.com.br/noticias/inovacao/pesquisa-amcham-ibope-em-2010-cresce-percepcao-positiva-do-empresariado-sobre-inpi . Acesso em: 10 maio 2019. sobre os serviços oferecidos pelo INPI em 2010 revelou que para 72% dos usuários (uma amostra de 71 empresas, 85% de serviços e 15% de indústria) os critérios de análise entre um técnico e outro na área de patentes variaram “frequentemente” ou “sempre”, o que confirma os achados de Cockburn, Kortum e Stern (2002) e Lemley e Sampat (2012)LEMLEY , Mark A. ; SAMPAT , Bhaven . Examiner Characteristics and Patent Office Outcomes . The Review of Economics and Statistics , v. 94 , n. 3 , p. 817 - 827 , 2012 . de que a sorte do depositante, e não propriamente o mérito do pedido, pode estar impulsionando as decisões de patenteabilidade.

2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCEDIMENTO JUDICIAL DE ANULAÇÃO DE PATENTES NO BRASIL

A Lei n. 9.279/1996 (LPI) prevê duas modalidades de patentes: invenção e modelo de utilidade. 12 12 Como modalidades específicas de PI, temos ainda as patentes mailbox (art. 229), as patentes pipeline (art. 230) e ainda o Certificado de Adição (CA), o qual poderá ser obtido pelo depositante do pedido ou titular de PI, mediante pagamento de retribuição específica, para proteger aperfeiçoamento ou desenvolvimento introduzido no objeto da PI, mesmo que destituído de atividade inventiva, desde que a matéria se inclua no mesmo conceito inventivo da patente (art. 76 da LPI). Trata-se de acessório da PI, seguindo o mesmo destino desta. Contudo, tratando-se de processo de nulidade, o titular poderá requerer que a matéria contida no CA seja analisada para verificar a possibilidade de sua subsistência, devendo em todo caso ser observado o termo final de vigência da PI (art. 77 da LPI). A patente de invenção (PI) protege uma solução técnica para um problema técnico, 13 13 Para maior profundidade sobre esse conceito, vide Frédéric Pollaud-Dulian (1997) . resultando em novo efeito técnico. 14 14 A alínea “e” do art. 9º do Código de Propriedade Industrial de 1971, revogado pela LPI, trazia essa exigência de “novo efeito técnico” para as PIs ( BRASIL, 1971 ). Já o modelo de utilidade (MU) busca proteger uma nova forma ou disposição em produto conhecido que resulta em melhor utilização e, portanto, em novo efeito prático ou funcional.

Para que a invenção seja protegida por patente, é preciso que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial e suficiência descritiva (art. 8º c/c art. 24 da LPI), além de não incidir nas exclusões legais (art. 10 da LPI). O primeiro requisito para a concessão de patente a uma invenção é que esta não esteja compreendida no estado da técnica, assim considerado tudo aquilo que já era acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente. Como regra, entende-se que há novidade sempre que o objeto da invenção ou MU não é antecipado de forma integral por um único documento do estado da técnica, conforme descrito nas Diretrizes de Exames de Patentes do INPI. 15 15 Nesse sentido, a Resolução n. 85/2013 do INPI estabelece: “A novidade de um Modelo de Utilidade conceitualmente é a mesma de uma Invenção e deve ser verificada através do princípio do documento único” (INPI, 2013, p. 7). A novidade, requisito presente em ambas as modalidades de patente, exige um esforço significativo de pesquisa (busca de anterioridades) e pode ser considerada uma das principais causas de litígios em função da falha em identificar um conhecimento prévio já divulgado.

É preciso, ainda, que a invenção seja dotada de atividade inventiva, o que significa dizer que, mais do que a simples novidade, ela deverá também resultar em um salto inventivo, em efetiva contribuição técnica, com certo nível de criatividade, não podendo decorrer de maneira óbvia do estado da técnica, o que impede a proteção para aquisições tecnológicas irrelevantes ou triviais ( SOUTO MAIOR, 2010SOUTO MAIOR , Rodrigo de Azevedo . As possibilidades da atividade inventiva no Brasil: uma busca no direito comparado pelos modos de aferição objetiva do critério de patenteabilidade . In: BARBOSA , Denis Borges ; SOUTO MAIOR , Rodrigo ; RAMOS , Carolina Tinoco . O contributo mínimo na propriedade intelectual . Rio de Janeiro : Lumen Juris , 2010 . p. 93 - 279 . ). Diferentemente do que ocorre com a novidade, para a análise da obviedade é possível combinar dois ou mais documentos diferentes do estado da técnica. 16 16 As Diretrizes de Exames de Patentes de Invenção do INPI (Resolução n. 169, de 15 de julho de 2016) limitam essa combinação em até três documentos ( INPI, 2016 ).

No caso do MU, o requisito a ser exigido é o ato inventivo, “da mesma natureza da atividade inventiva, mas com menor grau de inventividade”, 17 17 Conforme antigas diretrizes de exame da Diretoria de Patente (DIRPA), publicadas na Revista da Propriedade Industrial (RPI) n. 1669, de 31 de dezembro de 2002. Disponível em: http://www.abifina.org.br/arquivos/legislacao/diretrizes_doc_20_de_dez_verso_final_26_dez.pdf . Acesso em: 20 maio 2019. sendo certo que o “fato da modificação ser considerada óbvia não exclui a possibilidade de ser patenteada como modelo de utilidade”. 18 18 Idem. A diretriz de exame do INPI atualmente vigente para MU caracteriza o ato inventivo como diferença incomum ou não vulgar entre o objeto proposto pelo pedido e aquele antecipado pelo estado da técnica. “Ou seja, a diferença não deve ser corriqueira, habitual, normal, banal ou ordinária para um técnico no assunto” (INPI, 2013, p. 8). Resta evidente a dificuldade de discernir entre a “obviedade”, própria da PI, e a “vulgaridade”, própria dos modelos; essa sutil diferença encerra a noção de que do MU também se exige certo grau de inventividade, contudo, menor do que o exigido para a PI. 19 19 Para Robert Hunt (1999) , as invenções seriam melhorias na qualidade dos produtos e o padrão de não obviedade (equivalente no Brasil à atividade inventiva) seria uma extensão mínima de melhoria que pode resultar em uma patente. Para o autor, qualquer coisa abaixo do padrão vai para o domínio público.

O MU tem ainda como requisito a melhoria funcional, cumprida sempre que a forma ou disposição obtida ou introduzida em objeto venha a facilitar, dar maior comodidade, praticidade e/ou eficiência à sua utilização ou fabricação ( INPI, 2013INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI) . Resolução n. 85, de 9 de abril de 2013 . Institui a Diretriz de Exame de patente de Modelo de Utilidade , 2013 . Disponível em: http://www.inpi.gov.br/sobre/legislacao-1/Resoluo0852013.pdf . Acesso em: 6 jun. 2019 .
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). É preciso que o MU ou a invenção tenha ainda aplicação industrial, sem, contudo, a exigência de um test drive. Ou seja, não se impõe que seja demonstrada a efetiva utilização da solução técnica na indústria. É necessário que ela seja aplicável em qualquer tipo de indústria, consoante dicção do art. 15 da LPI. Desse modo, uma invenção pode funcionar apenas em um ambiente experimental sem que tenha uso comprovado no campo industrial.

Por fim, é preciso que a solução técnica ou o objeto de uso prático sejam suficientemente descritos e seus quadros reivindicatórios 20 20 Os elementos essenciais de uma invenção ou de um MU são definidos na parte da patente conhecida como “reivindicações”. As diretrizes do INPI estabelecem que cada pedido de MU deverá conter uma única reivindicação independente (INPI, 2013). Em relação ao pedido de PI não há limites, contudo o valor da retribuição aumentará a partir de dez reivindicações. As reivindicações são críticas, uma vez que elas delimitam os direitos de propriedade do titular da patente, fixando seus limites e separando a invenção daquilo que já se encontra compreendido no estado da técnica, ou seja, sob domínio público. Não é por outro motivo que o art. 41 da LPI estabelece que: “A extensão da proteção conferida pela patente será determinada pelo teor das reivindicações, interpretado com base no relatório descritivo e nos desenhos” ( BRASIL, 1996 ). precisamente delimitados, de modo que um técnico no assunto possa reproduzir aquilo que o inventor criou e do qual postulou a proteção. A descrição suficiente está relacionada à própria elaboração do pedido de patente, e sua necessidade decorre dos comandos legais insertos nos arts. 24, caput , e 25, ambos da LPI. Nesse sentido, a suficiência descritiva restará ausente se um técnico no assunto não for capaz de, com base na informação técnica disponível no documento de patente, estender o ensinamento específico do relatório a todo o campo reivindicado, utilizando-se de métodos rotineiros de experimentação ou análise.

São exatamente esses requisitos 21 21 Denis Barbosa (2010) defende que os requisitos de novidade, atividade inventiva e suficiência descritiva possuem status constitucional, uma vez que possibilitam o cumprimento das funções do sistema patentário. que são discutidos em um processo judicial em que se busca a anulação de uma patente. A solução protegida é dotada de novidade ou atividade inventiva? O relatório descritivo é claro o suficiente para que um técnico no assunto seja capaz de produzir o invento? É disso que trata uma ação de nulidade. Desse modo, verificando-se que, depois da concessão da patente, a invenção não satisfaz os requisitos patentários, a lei faculta a sua anulação. 22 22 Perceba que a circunstância de uma patente ser submetida a um exame rigoroso pelo INPI ou até mesmo a um processo administrativo de nulidade (art. 50 e seguintes da LPI) não impede que ela seja submetida ao controle judicial. Do mesmo modo, é possível que vários queixosos apresentem ações de nulidade idênticas em face do detentor da patente, até que um seja bem-sucedido. Assim, conforme lições de João da Gama Cerqueira (2012 , p. 232), “a patente vale pelo que vale a invenção sob o ponto de vista legal”, de modo que os requisitos patentários são, em verdade, conceitos eminentemente jurídicos e não econômicos ou mesmo técnico-científicos.

Allison e Lemley (1998)ALLISON , John R. ; LEMLEY , Mark A. Empirical Analysis of the Validity of Litigated Patents . American Intellectual Property Law Association Quarterly Journal , v. 26 , n. 3 , p. 185 - 275 , 1998 . e Cockburn, Kortum e Stern (2002) constataram que a maioria das invalidações de patentes ocorre em razão da violação dos requisitos de novidade, e não dos de obviedade. 23 23 Cockburn, Kortum e Stern (2002) estudaram um conjunto de 182 patentes cujas validades foram contestadas na Court of Appeals for the Federal Circuit (CAFC) durante o período de 1997 a 2000. Em pouco mais de 50% desses 182 casos, a patente foi considerada inválida. Destes, a CAFC encontrou problemas com a novidade em 37% dos casos e com a obviedade em 47% dos casos. Devido à sobrecarga de trabalho, os examinadores podem não dispor de tempo suficiente para rever minuciosamente o estado da arte em cada pedido depositado, dando azo à concessão de patentes para invenções já existentes.

Bessen e Meurer (2008)BESSEN , James ; MEURER , Michael J . Patent Failure: How Judges, Bureaucrats, and Lawyers Put Innovators at Risk . Princeton, NJ : Princeton University Press , 2008 . 331 p. reconhecem problemas com a novidade e obviedade, mas apresentam evidências de que problemas de qualidade estão mais fundamentalmente relacionados a limites problemáticos associados com patentes vagamente formuladas, excessivamente abstratas, de escopo incerto, ou que contêm afirmações estrategicamente ocultas. 24 24 Características associadas ao exame do requisito da suficiência descritiva. Para os autores, se você não puder definir precisamente os limites do que está protegido, estabelecendo direitos claros e facilmente determinados, então não terá uma propriedade. De fato, direitos de propriedade mal formulados/definidos ou ainda obscuros são uma fonte poderosa de insegurança jurídica e de conflitos de posse e uso que impõe um custo adicional capaz de refrear o impulso inovador. 25 25 A estratégia de formular o quadro reivindicatório de modo vago e impreciso amplia indevidamente os limites da proteção e dificulta o conhecimento do que está realmente protegido.

A LPI não lista as causas de nulidade, apenas estabelece que a concessão que fira qualquer dos requisitos legais ou contrarie suas disposições resultará na anulação do privilégio (art. 46). Desse modo, além das causas específicas de nulidade citadas anteriormente, as quais afetam diretamente a patente, há outras causas que podem viciar o ato da concessão do privilégio, o qual, como ato administrativo, está sujeito aos mesmos princípios relativos à validade dos atos administrativos em geral. 26 26 O procedimento de exame de patentes pelo INPI também está vinculado às regras inseridas na Lei do Processo Administrativo Federal (Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999).

É importante ressaltar que a nulidade não será necessariamente total, podendo incidir sobre algumas das reivindicações, desde que as subsistentes, por si mesmas, consistam em matéria patenteável e preencham os requisitos de patenteabilidade (art. 47). O efeito da nulidade, uma vez declarada, é ex tunc , ou seja, opera-se desde a data do depósito do pedido (art. 48).

A ação de nulidade poderá ser proposta a qualquer tempo de vigência da patente, pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse, 27 27 Segundo Cerqueira (2012 , p. 250), “legítimo interesse na anulação da patente possui a pessoa que for ou tenha fundado receio de ser processada civil ou criminalmente por infração do privilégio”. Da leitura do art. 56 da LPI, infere-se que não é qualquer pessoa que possui legitimidade para propor a ação de nulidade, mas somente aquela possuidora de “legítimo interesse”, devendo este ser objetivamente comprovado (TRF2, Apelação Cível 0804700-36.2008.4.02.5101, 1ª Turma Especializada, Des. Antonio Ivan Athié, julgado em 24.04.2017). e será ajuizada perante a Justiça Federal. Como se vê, no Brasil não existe a possibilidade de anular uma patente em uma ação por infração 28 28 No Brasil, as ações de infração de patentes se processam perante a Justiça Estadual e as de nulidade perante a Justiça Federal. Embora o § 1º do art. 56 da LPI preveja a possibilidade de alegação de nulidade do registro como matéria de defesa, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido que a melhor interpretação desse dispositivo indica que ele deve estar inserido em uma ação própria, perante a Justiça Federal, na qual se discuta a nulidade do registro, com todos os efeitos daí advindos, de caráter público e contra todos ( erga omnes ), e com a necessária e imperiosa participação do INPI no processo, o que atrai a competência para a Justiça Federal (conf. art. 109 da Constituição Federal). Desse modo, para o STJ, ao juiz estadual não é possível, ainda que de forma incidental, considerar inválido um registro vigente perante o INPI (STJ, AgRg no REsp 254141/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 26.06.2012; veja também REsp 1132449/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 23.03.2012). Com toda licença, não concordamos com esse entendimento. Filiamo-nos à corrente doutrinária de José Roberto d’Affonseca Gusmão e Fernando Philipp (2016), os quais entendem que a Justiça Estadual possui competência para suspender os efeitos da patente de forma incidental e exclusivamente entre as partes (sem eficácia erga omnes ) quando se tratar de matéria de defesa. Aqui o pedido da parte ré (acusada da infração) não é para ver anulada a patente, mas apenas para reconhecer que sua concessão foi indevida e que, desse modo, a infração não se configurou. Trata-se de uma questão prejudicial em que não se opera a coisa julgada, pois o juízo estadual não tem competência para resolvê-la como questão principal (art. 503, § 1º, III, do Código de Processo Civil [CPC] de 2015). (que não é objeto deste estudo). O INPI, quando não for autor da ação de nulidade, intervirá no feito (art. 57). 29 29 Em recente julgado, o STJ pôs fim a celeuma jurisprudencial e doutrinária acerca da posição do INPI nas causas de nulidade (se de réu, assistente ou interveniente especial). Acolhendo o entendimento doutrinário esposado por Marcelo Mazzola e Nathalia Ribeiro (2018), o STJ entendeu que a atuação do INPI nas ações de nulidade é dinâmica e possui caráter sui generis , não se vinculando ao polo que ocupar no início da ação (ativo ou passivo), podendo no curso da lide reposicionar-se em qualquer um deles. Desse modo, poderá tanto figurar como réu, com o titular do direito de propriedade industrial, quanto aderir à tese do autor da ação de nulidade, migrando de polo (quando ela mesma – a autarquia – não tiver ajuizado a ação), uma vez que sua atuação obrigatória no feito tem por finalidade a proteção do interesse público e não a defesa de interesse individual da instituição (STJ, REsp 1.775.812/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19.03.2019). Esse entendimento autoriza, por exemplo, o INPI a, discordando de acordo entre autor e réu que objetive pôr termo ao litígio, recorrer de eventual sentença homologatória desse ajuste, buscando uma sentença de mérito que invalide a patente. Afasta-se, assim, a ideia de que o litígio em uma ação de nulidade dá-se apenas entre particulares, diante do evidente interesse público envolvido. Ao ser intimada dessa ação, a agência brasileira deverá providenciar a publicação de todas as informações relativas ao litígio em sua RPI, sob a rubrica “Patente Sub Judice ” (código 22.15). 30 30 O despacho 22.15 engloba todo e qualquer litígio envolvendo uma patente concedida. Nesse sentido, os litígios que não tratam propriamente de ação de nulidade foram desconsiderados da presente pesquisa, pois não guardam relação com o escopo do trabalho. Além disso, as patentes mailbox (art. 229 da LPI) e pipeline (art. 230), as quais foram objeto de um sem-número de ações judiciais discutindo a data de expiração de sua vigência ou ainda sua nulidade, também foram desconsideradas, pois tratam de pedidos de patentes vindos do exterior e que não tiveram um exame de mérito realizado pelo escritório brasileiro. A lei impõe ainda que, transitada em julgado a ação de nulidade, o INPI promova a anotação e a publique para ciência de terceiros (§ 2º do art. 56), o que ocorrerá com a publicação do código 16.4 (concessão anulada).

Gowers (2006)GOWERS , Andrew . Review of Intellectual Property . London Stationery Office , 2006 . 141 p. destaca que, se houver uma alta proporção de patentes desafiadas e validadas, isso sugere que o escritório está concedendo patentes de alta qualidade. Por outro lado, altos números de privilégios declarados inválidos indicam que patentes de baixa qualidade estão sendo concedidas. Desse modo, considerando a litigiosidade de outros países como parâmetro ( benchmarking ), será analisada não somente a taxa de litígios no escritório brasileiro (ações de nulidade de patentes), como também o percentual de êxito dessas ações (taxa de invalidação).

3. ANÁLISE E DISCUSSÕES SOBRE AS AÇÕES DE NULIDADE DE PATENTES DO INPI

Neste tópico será realizada uma análise descritiva das ações de nulidade de patentes concedidas pelo INPI, ajuizadas no período de 2006 a 2018, e publicadas na RPI do INPI sob o despacho 22.15, “Patente Sub Judice ”. A investigação buscará cumprir os objetivos específicos deste trabalho. No tocante à análise dos resultados dos litígios, considerando a demora natural de um processo judicial de nulidade, 31 31 Conforme CNJ (2016) , o tempo médio de tramitação na Justiça Federal de todos os processos de conhecimento pendentes no primeiro grau em 2015 foi de 2,5 anos. seja para a realização de instrução processual com a produção de provas testemunhal e pericial, seja para o cumprimento de atos processuais e prolação de decisões, e para que a série temporal não fosse prejudicada com o descarte de dados sem resultados, o que comprometeria o estudo para fins de comparabilidade com anos anteriores ou com outras jurisdições, buscou-se limitá-las ao lapso temporal de 2006 a 2012.

Além disso, especificamente para análise das invalidações, outros ajustes no tratamento dos dados necessitaram ser feitos. As ações que resultaram em um acordo entre as partes, embora contabilizadas para fins de cálculo do número de litígios, foram desconsideradas para fins de investigação de nulidade, tendo em vista que, nesses casos, não se tem como analisar, em decisão de mérito, se os critérios de patenteabilidade restaram ou não preenchidos. 32 32 Mesmo nas oportunidades em que o INPI se manifestava pela não homologação do acordo e prosseguimento do feito para que o pedido fosse julgado procedente no tocante à nulidade da patente, a Justiça Federal ainda assim o homologava diante da divergência jurisprudencial acerca da posição do INPI nas ações de nulidade (já comentada na nota 29) e do entendimento de que o litígio em uma ação de nulidade dá-se apenas entre particulares. A decisão do STJ (REsp 1.775.812/RJ) que encerra essa celeuma e firma entendimento de que a autarquia federal poderá, no curso da lide, reposicionar-se em quaisquer dos polos da ação certamente refletirá na decisão de homologação de acordo, permitindo o prosseguimento do feito quando o INPI se opuser à manutenção da patente concedida. Igual descarte foi feito dos processos ainda não sentenciados (ou que aguardam julgamento pelo TRF), 33 33 A verificação do preenchimento (ou não) dos requisitos de patenteabilidade exige a revisão do conjunto probatório dos autos, procedimento vedado à instância extraordinária, consoante disposto na Súmula 7 do STJ (STJ, AREsp 1.329.951/RJ [2018/0179829-3], Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 20.08.2018). Por esse motivo, limitamo-nos à análise de sentenças e acórdãos dos cinco TRFs que compõem a estrutura do Poder Judiciário Federal. dos processos extintos sem exame de mérito (por exemplo, desistência ou ilegitimidade da parte, perda do objeto da ação, declínio de competência), bem como daqueles cujas sentenças não puderam ser acessadas. 34 34 Do total de 214 litígios ocorridos no período de 2006 a 2012, 62 processos foram descartados pelos motivos mencionados na nota 30, resultando em 152 processos analisados.

A análise demonstrou um total de 446 ações de nulidade, cuja evolução é descrita no Gráfico 1 . Os anos de 2006 e 2013 aparecem com o maior número de litígios, com 53 e 61, respectivamente, enquanto 2010 e 2011 apresentam os menores quantitativos, com 19 e 11, respectivamente. Nos demais anos, é possível observar uma relativa constância, indicando não ter havido um aumento demasiado do número de litígios no período estudado.

GRÁFICO 1
– QUANTIDADE DE AÇÕES DE NULIDADE DE PATENTE NO INPI (2006-2018)

Os litígios foram segmentados por divisão técnica e, com o fito de observar a evolução em um período decenal, estabeleceu-se um corte temporal para o interregno de 2006 a 2015, destacando-se a DIMUT (Modelo de Utilidade), com 123 litígios, seguida da DIMEC (Engenharia Mecânica), com 33, DITEM (Embalagem), com 26 e DIPAE (Agricultura e elementos de Engenharia), com 21. As divisões DIBIO (Bioquímica e Correlatos), DIFEL (Física e Eletricidade), DIMOL (Biologia Molecular e Correlatos), DINEC (Necessidades Humanas), DIPAQ (Agroquímicos e Correlatos), DIPEM (Equipamentos Médicos), DIPEQ (Petróleo e Engenharia Química), DIPOL (Polímeros e Correlatos), DITEL (Telecomunicações) e DITEX (Têxteis) não apresentaram, cada uma, mais do que dez litígios em todo o período.

Do ponto de vista econômico, não causa surpresa a presença da DIPAE entre as divisões técnicas com maior número de ações de nulidade, devido à força do agronegócio brasileiro, cuja participação no Produto Interno Bruto (PIB) chegou a 24% no ano de 2017. 35 35 Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/agropecuaria-puxa-o-pib-de-2017 . Acesso em: 3 maio 2021. Contudo, em relação ao backlog , chama atenção o fato de aquela divisão ser, por vários anos, uma das com menor carga de trabalho do INPI e que, portanto, apresenta os menores tempos de pendência para PI. 36 36 A propósito, confira levantamento das necessidades de pessoal da DIRPA, realizado em abril de 2017, o qual aponta que a DIPAE possuía naquele ano 6.032 pedidos pendentes, enquanto a DIMEC possuía 22.363 solicitações aguardando análise de decisão final. Disponível em: http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/patente/relatorio_necessidades_de_pessoal_DIRPA_2017_04_25.pdf . Acesso em: 20 ago. 2019. Por outro lado, a DITEL, que em 2013 tinha o maior tempo de pendência do INPI, com catorze anos (GARCEZ JÚNIOR, 2015), apresentou apenas sete ações de nulidade.

O Gráfico 2 demonstra que os litígios envolvem muito mais patentes de invenção (286) do que modelo de utilidade (160).

GRÁFICO 2
– LITÍGIOS AGREGADOS (2006-2018) POR MODALIDADE DE PATENTES

A Tabela 1 evidencia que a taxa média de litígios 37 37 A taxa de litígio foi calculada dividindo-se a quantidade de litígios em cada ano pelo número de patentes concedidas naquele mesmo ano. durante o período de 2006 a 2018 foi de cerca de 1%, tendo havido um relevante decréscimo em 2011 e 2018, justamente os dois anos em que o número de concessões foi significativamente maior do que em anos anteriores. Os anos que apresentaram a maior taxa de litígios foram 2006 e 2013, ainda assim abaixo de 2%, e nos últimos quatro anos (2015-2018) a litigiosidade foi reduzida para uma média próxima a 0,5%.

TABELA 1
– TAXA DE LITÍGIOS DO INPI NO PERÍODO DE 2006 A 2018

Percebe-se, portanto, que a litigiosidade no Brasil se encontra em um patamar aceitável, igual ao da maioria dos países europeus (GRAHAM et al ., 2003), incluindo a Alemanha (HESS, MÜLLER-STOY e WINTERMEIER, 2014), e abaixo de importantes centros patentários, como os Estados Unidos, que, conforme visto, possuem uma taxa de litígio média de 1,5% ( LEMLEY e SHAPIRO, 2005LEMLEY , Mark A. ; SHAPIRO , Carl . Probabilistic Patents . Journal of Economic Perspectives , v. 19 , n. 2 , p. 75 - 98 , 2005 . ). Como se vê, poucas patentes são litigadas (em média cerca de 1% das patentes concedidas), de modo que estatísticas de resultados de processos judiciais se deparam com os problemas de seleção e representatividade da amostra apontados por George Priest e Benjamin Klein (1984). Para contornar esse viés, buscou-se estabelecer o comparativo da performance do sistema de patentes brasileiro com a de outros países ( benchmarking ).

Na análise concernente aos resultados dos litígios, a Tabela 2 demonstra que, em números absolutos, o ano de 2009 teve com maior quantidade de patentes invalidadas. A partir desse ano, houve uma redução do número de invalidações em comparação com os anos anteriores.

TABELA 2
– RESULTADOS DAS AÇÕES JUDICIAIS DE NULIDADE DE PATENTE NO INPI

A Tabela 3 , por sua vez, apresenta as divisões técnicas com maior número de invalidações durante o período estudado, e, mais uma vez, tratando-se de patentes de invenção, destacam-se as divisões de Engenharia Mecânica (DIMEC) e Agricultura e Elementos de Engenharia (DIPAE), com mais de cinco invalidações cada.

TABELA 3
– INVALIDAÇÕES DE PATENTES NO INPI POR DIVISÃO TÉCNICA

Por fim, a Tabela 4 apresenta a listagem das causas determinantes para as anulações; de modo surpreendente, a ausência de ato inventivo/atividade inventiva motivou a anulação em 57% dos casos, quase o dobro da ausência de novidade.

TABELA 4
– MOTIVOS DETERMINANTES PARA INVALIDAÇÕES DE PATENTES NO INPI

Conforme visto na revisão da literatura, uma hipótese razoável é a de que a sobrecarga de trabalho faça com que o examinador não tenha tempo suficiente para realizar uma busca precisa de anterioridade para cada pedido depositado, possibilitando a concessão do monopólio para invenções que já pertençam ao domínio público, e, portanto, sem a presença do requisito de novidade. Viu-se também que, nos Estados Unidos, Cockburn, Kortum e Stern (2002) verificaram que o CAFC encontrou problemas com a novidade em 37% dos casos de invalidação de patente, enquanto no requisito de não obviedade (correspondente à atividade inventiva no Brasil) esse percentual foi de 47%. A Tabela 4 demonstra que no Brasil os problemas com novidade representam 31% dos casos de nulidade, o que significa que, em matéria de busca, o escritório brasileiro apresenta melhor performance que o norte-americano, mesmo tendo uma pendência ( backlog ) por examinador treze vezes maior do que este, conforme apontam Sílvio Sobral Garcez Júnior e Jane de Jesus da Silveira Moreira (2017).

Além disso, as preocupações de Bessen e Meurer (2008)BESSEN , James ; MEURER , Michael J . Patent Failure: How Judges, Bureaucrats, and Lawyers Put Innovators at Risk . Princeton, NJ : Princeton University Press , 2008 . 331 p. , de que os problemas de qualidade estejam mais relacionados a uma formulação ampla dos quadros reivindicatórios (associados à inobservância do requisito de insuficiência descritiva), também não se confirmaram, tendo esse requisito sido responsável por apenas 6% do total de invalidações.

A pesquisa revelou que a taxa de anulação total média durante o período estudado foi de 51%, e, computando-se nesse grupo as invalidações parciais, essa taxa média sobe para 60%. Comparando-se a taxa de invalidação no Brasil com a de outras jurisdições, constatou-se que o problema de alto índice de anulação não é exclusivo do escritório brasileiro, afetando a maioria dos centros patentários, conforme se depreende da Tabela 5 .

TABELA 5
– TAXA DE INVALIDAÇÃO DE PATENTE NOS DIVERSOS CENTROS PATENTÁRIOS

Um olhar isolado sobre a taxa de nulidade para o caso brasileiro pode dar a impressão de que o INPI, em média, tem confirmadas suas decisões de patenteabilidade em apenas 40% dos casos, o que sugeriria a concessão de patentes de baixa qualidade. Contudo, ampliando o olhar para outros países, verificamos que o percentual de invalidação é muito menor do que em grandes centros patentários, como Japão e Alemanha.

Além disso, especialmente no caso brasileiro, 57% das invalidações são motivadas por problemas de ausência de atividade inventiva, um requisito patentário que tem sido fruto de inúmeras controvérsias 47 47 Para se ter uma ideia da controvérsia no âmbito nacional, elencamos algumas interpretações realizadas nos julgados estudados que motivaram a declaração de ausência de atividade inventiva (PI) ou de ato inventivo (MU): 1) solução adotada que não indica a necessidade de realização de qualquer pesquisa ou teste de desenvolvimento para ser obtida (PI 9202966-3; 11ª Vara Federal [VF] de São Paulo; Processo [Proc.] 2000.61.00.16647-0; 2) pequena diferença construtiva que pode ser considerada mera opção de projeto (MU 7900053-3; 11ª VF de São Paulo; Proc. 2009.61.00.018315-9); 3) patente que não contribui para o avanço tecnológico (PI 0017421-1; 38ª VF do Rio de Janeiro, Proc. 2006.51.01.500964-6); 4) não alteração ou aperfeiçoamento do estado da técnica, pois o que era realizado e obtido pela invenção anterior continuou a ser realizado e obtido pela “nova” invenção (PI 0003866-0; 39ª VF do Rio de Janeiro; Proc. 2006.51.01.511127-1; 5) combinação dos meios divulgados pelo estado da técnica ensina, sugere ou motiva um técnico no assunto a perceber ou adotar a solução trazida pela invenção com ajuda de seus conhecimentos profissionais e por um jogo de simples operações de execução (PI 9202759-8; 37ª VF Previdenciária do Rio de Janeiro; Proc. 2009.51.01.814640-6); 6) ausência de contributo mínimo de atividade inventiva em relação à invenção anterior que lhe serviu de paradigma (PI 9408697-4; 31ª VF do Rio de Janeiro; Proc. 2006.51.01.518836-0); 6) ausência de efeito técnico novo ou diferente (PI 9000955-0; 35ª VF do Rio de Janeiro; Proc. 2007.51.01.805274-9); 7) ausência de efeito surpreendente (MU 8002868-3; 1ª VF de Presidente Prudente; Proc. 2009.61.12.002052-3); 8) a PI pode ser considerada óbvia, pois é apenas uma melhoria funcional em um objeto (PI 9605553-7; 13ª VF do Rio de Janeiro; Proc. 0022229-28.2013.4.02.5101). acerca de sua interpretação em várias jurisdições, conforme aponta Rodrigo de Azevedo Souto Maior (2010)SOUTO MAIOR , Rodrigo de Azevedo . As possibilidades da atividade inventiva no Brasil: uma busca no direito comparado pelos modos de aferição objetiva do critério de patenteabilidade . In: BARBOSA , Denis Borges ; SOUTO MAIOR , Rodrigo ; RAMOS , Carolina Tinoco . O contributo mínimo na propriedade intelectual . Rio de Janeiro : Lumen Juris , 2010 . p. 93 - 279 . . Ademais, não podemos olvidar que somente em 2016 o INPI reformulou suas diretrizes de exame para implantar a solução europeia 48 48 Confira em Souto Maior (2010) as abordagens Problema-Solução (Europa) e os testes Graham e TSM (Estados Unidos) para subsidiar o exame de atividade inventiva. na aferição da atividade inventiva, em resposta à decisão do Juízo da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que, por ocasião da prolação de sentença nos autos do processo n. 0802461-54.2011.4.02.5101, desenvolvera o teste de obviedade denominado Teste de Motivação Criativa (TMC) para conferir maior objetividade ao exame (TRF2, 2015). As preocupações do escritório brasileiro bem como da jurisprudência em fornecer maior clareza, objetividade e padronização ao conceito de atividade inventiva 49 49 Essa preocupação é também dos usuários do sistema patentário que, em pesquisa da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (2016), consideraram a “padronização dos critérios de análise” o terceiro aspecto que precisa ser melhorado pelo INPI, atrás apenas da “agilidade no andamento dos processos de registro” e “qualificação e expansão do corpo técnico”. certamente contribuirão para reduzir as divergências de opinião técnica acerca da questão. 50 50 Em alguns casos, encontramos situações em que o perito judicial aplicou o conceito de atividade inventiva, próprio da PI, ao MU, do qual se exige tão somente ato inventivo. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o MU 7300893-1. A sentença proferida pelo Juízo da 37ª VF do Rio de Janeiro declarou a invalidade do referido registro; contudo, nos autos da Apelação Cível 2004.51.01.520978-0, a 2ª Turma Especializada do TRF2 decidiu, por maioria , e acertadamente, dar provimento às apelações do INPI e da titular da patente, restaurando-lhe a validade. Em seu voto, a relatora designada, Desª. Liliane Roriz, deixou consignado que: “Diferentemente da invenção, onde a novidade tem que ser absoluta, no modelo de utilidade basta que a novidade seja relativa”. Além disso, os adjetivos “evidente ou óbvia” para PI e “comum ou vulgar” para MU não foram inseridos pelo legislador de forma gratuita, uma vez que “é regra clássica de hermenêutica aquela que preceitua que o legislador não utiliza palavras inúteis”, significando dizer que o grau de inventividade que se exige para MU é menor do que aquele exigido para PI. Com bases nessas premissas, o TRF entendeu que o perito havia sido rigoroso demais na análise dos requisitos do MU e decidiu pela reforma da sentença de piso. Casos como esse só confirmam a hipótese levantada por Antonio Carlos Souza de Abrantes (2014 , p. 190) de que, na prática, “o rigor exigido pelo INPI para o ato inventivo não seja muito diferente do aplicado para atividade inventiva”. O autor analisou as taxas de deferimentos de PI e MU no período de 1983 a 2018 e concluiu que elas estão próximas, o que contraria a lógica de que, sendo o nível inventivo exigido para MU menor do que para PI, a taxa de deferimentos em patentes de MUs deveria ser mais alta do que em PIs ( ABRANTES, 2018 ). Ainda em Abrantes (2014) , é possível constatar que, das 202 decisões de indeferimentos de MUs proferidas no ano de 2012, 88% alegavam falta de ato inventivo e apenas 9%, falta de novidade. Esses dados ratificam a importância de se fornecer maior clareza, objetividade e padronização aos conceitos de ato inventivo e atividade inventiva. Se essa tentativa de padronização do conceito de “obviedade” poderá impactar na redução de invalidações de patentes no Brasil, só o tempo dirá, ficando aqui a sugestão para trabalhos futuros.

Outra sugestão para trabalhos futuros seria a criação de um método objetivo 51 51 Dada a complexidade do tema e a necessidade de alongada discussão, a criação de um teste objetivo de obviedade ou ainda de vulgaridade (este último inexistente na literatura e nas Diretrizes de Exame de modelo de utilidade do INPI) fica como sugestão para trabalhos futuros. que garantisse a concessão do monopólio para invenções que contribuíssem efetivamente com a mutação do estado da técnica 52 52 A mutação no estado da técnica jamais poderá ser mínima, irrelevante ou insignificante, afinal, consoante lições de Barbosa (2010) , exige-se um distanciamento mínimo do estado da arte para que a mão pesada da coação pública, consubstanciada no monopólio patentário, seja imposta à sociedade. Contudo, não podemos olvidar que “a invenção é, cada vez mais, um novo meio ou uma nova aplicação de meios já conhecidos, com o fim de melhorar a invenção dos outros” (TRF, Apelação Cível 2001.51.01.536605-6, 2ª Turma Especializada, Rel. Desª. Liliane Roriz, julgado em 28.08.2007). e que, portanto, estivesse alinhado com a função de divulgação do sistema patentário. Esse problema parece ser particularmente agudo no exame do requisito de atividade inventiva, cuja subjetividade e fluidez do conceito dão margem para ampla interpretação doutrinária e jurisprudencial, permitindo a invalidação de patentes legítimas ou ainda a concessão de privilégios indevidos. 53 53 Defendemos que o exame dos critérios de patenteabilidade passa por três crivos meritórios (mérito da solução técnica ou prática, mérito do inventor e mérito do pedido). Não nos parece correta a tendência mundial de levar para o campo da análise da atividade inventiva, em que se discute tão somente o mérito do inventor em comparação com um técnico no assunto, a circunstância de o invento contribuir ou não com o avanço do estado da técnica (discussão que no nosso sentir estaria mais bem posicionada no campo da novidade, ou seja, na análise do mérito da solução técnica ou prática). As Diretrizes de Exame de pedidos de patente na área de química (Resolução n. 208/2017) citam expressamente em seu item 4.4 a necessidade de um “avanço técnico frente ao estado da técnica” para caracterização da atividade inventiva (INPI, 2017b, p. 18). A jurisprudência brasileira caminha para igual tendência, conforme julgados transcritos em notas anteriores. O deslocamento dessa análise para o campo da novidade nos parece que reduziria sobremaneira o subjetivismo criado pelo parâmetro “técnico no assunto” em razão do novo parâmetro, este objetivo, o “estado da técnica à época da data do depósito”. Percebe-se que aqui (análise da novidade) o conhecimento do técnico no assunto acerca do estado das artes se torna irrelevante, diferentemente do que ocorre na análise da atividade inventiva. O segundo ponto que merece um olhar mais atento é que, embora as diretrizes do INPI, baseadas nas preciosas lições de Barbosa (2010) , informem que a novidade do MU é a mesma para PI, essa não nos parece a melhor avaliação. Comungamos do mesmo entendimento da Desembargadora Liliane Roriz, esposado nos autos da Apelação Cível 2004.51.01.520978-0, da 2ª Turma Especializada do TRF2, a qual considera que a novidade para o MU seria relativa e não absoluta, como ocorre com a PI. Não houve nesse julgado maiores explicações acerca dessa diferença. Não nos parece que ela se refira ao aspecto territorial, afinal, conforme bem pontua Barbosa (2010 , p. 1159), no “Brasil, hoje, vale o princípio da novidade absoluta em matéria de patente”, significando dizer que não há limite espacial ou temporal para a novidade. Parece-nos que essa diferença entre MU e PI estaria no aspecto da “relevância” da novidade. Ao MU basta a distinção (aqui a mera diferença já seria patenteável, pois o que se pretende proteger é tão somente o novo efeito prático da solução), já a invenção exige mais do que distinção, requer singularidade (novo efeito técnico, com diferenças únicas). Percebe-se, assim, que os requisitos de novidade do MU são menos exigentes do que os da PI. No tocante à investigação da atividade inventiva (PI) e do ato inventivo (MU), defendemos que ela deva se restringir a uma análise de probabilidade: Quais as chances de as anterioridades relevantes (paradigmas) terem ensinado, motivado ou sugerido o técnico no assunto a adotar a solução técnica ou prática cuja proteção se requer? Percebe-se que aqui o conhecimento do técnico no assunto (que não é um ignorante ou um autômato, sem criatividade, nem um perito ou ainda um especialista, com conhecimento extraordinário, mas uma pessoa com habilidade ordinária e conhecimento comum do estado das artes) acerca das anterioridades é relevante e definirá se o invento decorreu, ou não, de forma óbvia/vulgar. A diferença entre óbvio e vulgar estaria nas possibilidades de combinação do estado da técnica pelo técnico no assunto, já que para a PI poderiam ser combinadas até três anterioridades (como orientam as diretrizes do INPI) e para o MU somente se admitiria uma combinação de dois documentos. O mérito do inventor consistiria em ter uma engenhosidade que supere a do técnico no assunto. Com isso, conseguimos eliminar fatores secundários na análise do conceito de atividade inventiva/ato inventivo, como o sucesso comercial, o qual, como bem destaca Merges (1988) , peca por prestigiar fatores mercadológicos e não propriamente técnicos (ex.: melhor rede de distribuição ou investimentos em marketing ), premiando a função de recompensa (estímulo à inovação, considerada a finalidade mediata do sistema patentário) em detrimento da função de divulgação (finalidade imediata). Por fim, há que ser destacado que o Direito brasileiro já se utiliza da análise de probabilidade como solução jurídica. É o que ocorre, por exemplo, na responsabilidade civil pela perda de uma chance (séria e real), teoria recepcionada pelo STJ (STJ, REsp 1.190.180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16.11.2010).

Um problema grave identificado na pesquisa foi relativo à falta (ou ineficiência) da comunicação entre o Judiciário e o INPI. Das 76 patentes anuladas no período de 2006 a 2012, apenas 18 tiveram o despacho 16.4 (concessão anulada) publicado na RPI, o que significa que 76% dos casos de invalidação não são anotados na RPI, prejudicando a ciência de terceiros, conforme exige o § 2º do art. 56 da LPI.

Conforme visto, nas ações de nulidade de patente sobreleva o interesse público de ver anulados os privilégios irregularmente concedidos, imperativo esse que possibilita ao juiz agir até mesmo de ofício para ver concretizado o comando legal inserto no § 2 do art. 56 da LPI. Desse modo, diante da inércia do INPI ou da parte autora da ação de nulidade para promover o cumprimento da obrigação de fazer prevista no citado dispositivo legal, deverá o juiz determinar as medidas necessárias à sua efetivação, consoante autoriza o art. 536, caput , do CPC. 54 54 “Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente” ( BRASIL, 2015 ).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura aponta que o backlog pressiona o escritório a analisar o pedido de patente com maior agilidade, que, se não acompanhada de um aumento de eficiência, provoca um relaxamento do exame acerca dos requisitos patentários e, por consequência, impacta negativamente na qualidade da patente concedida. Esse círculo vicioso contribui para a formação de um ambiente de litigiosidade e insegurança, em que as disputas judiciais são mais prováveis, dando azo às anulações de patentes ( JAFFE e LERNER, 2007JAFFE , Adam B. ; LERNER , Josh . Innovation and Its Discontents: How Our Broken Patent System Is Endangering Innovation and Progress, and What to Do about It . Princeton, NJ : Princeton University Press , 2007 . 236 p. ; BESSEN e MEURER, 2008BESSEN , James ; MEURER , Michael J . Patent Failure: How Judges, Bureaucrats, and Lawyers Put Innovators at Risk . Princeton, NJ : Princeton University Press , 2008 . 331 p. ; ELSMORE, 2009ELSMORE , Matthew . Quality and Quantity: Can We Have Both Within the European Patent System? ERA Forum , v. 10 , n. 2 , p. 215 - 230 , 2009 . ; SILVA e BORSCHIVER, 2009SILVA , João Gilberto Sampaio Ferreira da ; BORSCHIVER , Suzana . Critérios para avaliação dos sistemas patentários . Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual , n. 98 , p. 30 - 41 , 2009 . ; CAILLAUD e DUCHÊNE, 2011CAILLAUD , Bernard ; DUCHÊNE , Anne . Patent Office in Innovation Policy: Nobody’s Perfect . International Journal of Industrial Organization , v. 29 , n. 2 , p. 242 - 252 , 2011 . ).

Diante do quadro de ineficiência operacional do INPI no combate ao seu backlog de patentes, comprovado em estudos anteriores (GARCEZ JÚNIOR, 2015; GARCEZ JÚNIOR e MOREIRA, 2017), este artigo buscou investigar evidências de queda na qualidade dos privilégios patentários concedidos no Brasil. Para tanto, estabeleceu-se um comparativo do percentual de litígios e invalidação de patentes no Brasil e em outros países ( benchmarking ). Como resultado, verificou-se uma relativa constância no número de ações judiciais de nulidade de patente ajuizadas no lapso temporal de 2006 a 2018 (período em que o backlog sofreu constante evolução, atingindo o ápice com 243.820 pedidos pendentes no ano de 2016), refutando a hipótese de aumento demasiado do número de litígios no período estudado. Verificou-se, ainda, que a taxa média de litígios no Brasil é de cerca de 1%, semelhante à de países europeus e abaixo dos Estados Unidos, que têm uma relação backlog por examinador treze vezes superior à do escritório brasileiro.

No tocante ao estudo dos resultados das ações judiciais de nulidade, foi verificado que o Brasil possui uma alta taxa de invalidação de patentes (60%), contudo, ainda muito abaixo de países como Japão (73%) e Alemanha (79%) e igual à de países como Austrália (60%) e Estados Unidos (60%). No Brasil, os problemas com novidade representam 31% dos casos de nulidade, e, de modo surpreendente, a falta de atividade inventiva motivou 57% das invalidações, ou seja, quase o dobro da ausência de novidade. Uma explicação razoável para esses resultados – tendência mundial para um alto índice de invalidação de patentes – é a divergência doutrinária e jurisprudencial, em todo o mundo, acerca do conceito (fluido) de atividade inventiva ou ainda, nos países que adotam o MU, como o Brasil, a ausência de um método objetivo que estabeleça a diferença entre não obviedade, requisito próprio da PI, e não vulgaridade, próprio do MU, situação que favorece a subjetividade e possibilita a anulação de patentes legítimas.

Esta pesquisa demonstrou que, muito embora não haja evidência empírica de queda na qualidade das patentes concedidas no Brasil, não há como conceber um sistema patentário em que mais da metade das patentes contestadas no Judiciário seja declarada inválida, circunstância que provoca incerteza, insegurança jurídica e custos indiretos para a inovação. Os achados da pesquisa reforçam o que já destacou Sílvio Sobral Garcez Júnior (2015): em seu atual estágio, o sistema patentário brasileiro tem criado obstáculos à evolução tecnológica e barreiras à concorrência de mercado (custos sociais), reduzindo o estímulo à inovação e à oferta de novos produtos e serviços para a sociedade e, por consequência, desviando-se de sua cláusula finalística, fortalecendo a necessidade de sua revisão.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Departamento de Tecnologia de Alimentos e ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Propriedade Intelectual da Universidade Federal de Sergipe. Agradecem também o apoio financeiro da Universidade Federal de Sergipe (Processo n. 23113.004890/2016-22).

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  • WEATHERALL , Kimberlee ; JENSEN , Paul H . An Empirical Investigation into Patent Enforcement in Australian Courts . Federal Law Review , v. 32 , n. 2 , 2005 .
  • 1
    Acreditando-se em um círculo virtuoso, com forte ligação entre invenção e inovação, em que as novas invenções, estimuladas pela função de divulgação e recompensadas pelo lucro monopolístico, contribuiriam para a cumulatividade do progresso técnico e, em longo prazo, para a inovação e o progresso tecnológico.
  • 2
    Alguns autores questionam essa presunção, alegando que o escritório de patentes não é necessariamente a entidade possuidora de mais informações para aferir a validade das patentes ( KERR, 2000KERR , Orin . Rethinking Patent Law in the Administrative State . William & Mary Law Review , v. 42 , p. 127 - 194 , 2000 . ).
  • 3
    Expressão que a literatura utiliza para se referir ao atraso na análise dos pedidos de patente, remetendo ao tempo compreendido entre as datas de depósito e de concessão do pedido. Contudo, oportuno ressaltar que não há consenso acerca da definição do termo. Para uns, refere-se a todos os requerimentos não examinados; para outros, a todos os requerimentos pendentes e, para alguns, ao “excesso” de requerimentos além da capacidade do escritório de patentes (MITRA-KAHN et al ., 2013, p. 1).
  • 4
    United States Patent and Trademark Office (Escritório de Patentes dos Estados Unidos), European Patent Office (Europa), Japanese Patent Office (Japão), Korean Intellectual Property Office (Coreia do Sul) e National Intellectual Property Administration (China).
  • 5
    O art. 175 da Lei n. 9.279/1996 assim dispõe: “A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito” ( BRASIL, 1996BRASIL . Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996 . Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial , 1996 . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm . Acesso em: 7 fev. 2019 .
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei...
    ).
  • 6
    Foram analisadas as revistas de número 1826 a 2503, edições de 03.01.2006 a 26.12.2018, as quais poderão ser acessadas em: http://revistas.inpi.gov.br/rpi . Acesso em: 30 abr. 2021.
  • 7
    Os estudiosos comparam as taxas de concessão (por exemplo, QUILLEN JR., WEBSTER e EICHMANN, 2002), taxas de oposição (por exemplo, GRAHAM et al ., 2003) ou taxas de litígios (por exemplo, TU, 2014TU , Shine . Patent Examination and Litigation Outcomes . Stanford Technology Law Review , v. 17 , 2014 . ).
  • 8
    Conforme será visto, no caso da patente de invenção esses critérios são novidade, atividade inventiva, aplicação industrial e suficiência descritiva. Por sua vez, na patente de modelo de utilidade, os requisitos são novidade, ato inventivo, aplicação industrial, suficiência descritiva e melhoria funcional.
  • 9
    Andrew Gowers (2006)GOWERS , Andrew . Review of Intellectual Property . London Stationery Office , 2006 . 141 p. adota esse mesmo critério ao afirmar que a qualidade da patente refere-se a quão bem ela atende aos requisitos de patenteabilidade. Original: “ Patent quality refers to how well the patent was prepared and examined and how well the patent meets patentability requirements ”.
  • 10
    Desde 1991, as taxas de crescimento anual compostas de concessões de patentes e casos de violação de patentes são, respectivamente, de 3,8% e 5,8%. Nos Estados Unidos, apenas 1,5% de todas as patentes concedidas são litigadas, destas apenas 0,1% são processadas para julgamento (chegam a uma decisão de mérito) e cerca de metade (54%) são invalidadas (LANJOUW e SCHANKERMAN, 2001; LEMLEY, 2001LEMLEY , Mark A . Rational Ignorance at the Patent Office . Northwestern University Law Review , v. 95 , n. 4 , p. 1497 - 1532 , 2001 . ; LEMLEY e SHAPIRO, 2005LEMLEY , Mark A. ; SHAPIRO , Carl . Probabilistic Patents . Journal of Economic Perspectives , v. 19 , n. 2 , p. 75 - 98 , 2005 . ). Ressalte-se que as taxas de litígio variam por indústria e chegam a 6% na área de biotecnologia ( LERNER, 1995LERNER , Joshua . Patenting in the Shadow of Competitors . Journal of Law and Economics , v. 38 , n. 2 , p. 463 - 495 , 1995 . ). Ronald Mann e Marian Underweiser (2012) encontraram uma taxa de invalidação de 60% nos Estados Unidos. Yoshinari Oyama (2012)OYAMA , Yoshinari . Standard of Proof for Patent Invalidation in the US and Japan . Chicago-Kent Journal of International and Comparative Law , v. 13 , n. 1 , p. 25 - 49 , 2012 . , por sua vez, constatou que em 73% dos casos as patentes são invalidadas pelos tribunais distritais japoneses e um estudo do Reino Unido indicou uma taxa de invalidação de 50% ( HELMERS e MCDONAGH, 2013HELMERS , Christian ; MCDONAGH , Luke . Patent Litigation in the UK: An Empirical Survey 2000-2008 . Journal of Intellectual Property Law & Practice , v. 8 , n. 11 , p. 846 - 861 , 2013 . ). Joachim Henkel e Hans Zischka (2019) encontraram altas taxas de invalidação (78%) na justiça alemã, sugerindo deficiências no processo de exame e qualidade das patentes.
  • 11
  • 12
    Como modalidades específicas de PI, temos ainda as patentes mailbox (art. 229), as patentes pipeline (art. 230) e ainda o Certificado de Adição (CA), o qual poderá ser obtido pelo depositante do pedido ou titular de PI, mediante pagamento de retribuição específica, para proteger aperfeiçoamento ou desenvolvimento introduzido no objeto da PI, mesmo que destituído de atividade inventiva, desde que a matéria se inclua no mesmo conceito inventivo da patente (art. 76 da LPI). Trata-se de acessório da PI, seguindo o mesmo destino desta. Contudo, tratando-se de processo de nulidade, o titular poderá requerer que a matéria contida no CA seja analisada para verificar a possibilidade de sua subsistência, devendo em todo caso ser observado o termo final de vigência da PI (art. 77 da LPI).
  • 13
    Para maior profundidade sobre esse conceito, vide Frédéric Pollaud-Dulian (1997)POLLAUD-DULIAN , Frédéric . La brevetabilité des inventions – étude comparative de jurisprudence France-OEB . Paris : Litec , 1997 . .
  • 14
    A alínea “e” do art. 9º do Código de Propriedade Industrial de 1971, revogado pela LPI, trazia essa exigência de “novo efeito técnico” para as PIs ( BRASIL, 1971BRASIL . Lei n. 5.772, de 21 de dezembro de 1971 . Institui o Código da Propriedade Industrial, e dá outras providências , 1971 . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5772.htm . Acesso em: 25 maio 2019 .
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    ).
  • 15
    Nesse sentido, a Resolução n. 85/2013 do INPI estabelece: “A novidade de um Modelo de Utilidade conceitualmente é a mesma de uma Invenção e deve ser verificada através do princípio do documento único” (INPI, 2013, p. 7).
  • 16
    As Diretrizes de Exames de Patentes de Invenção do INPI (Resolução n. 169, de 15 de julho de 2016) limitam essa combinação em até três documentos ( INPI, 2016INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI) . Resolução n. 169, de 15 de julho de 2016 . Institui as Diretrizes de Exame de pedidos de patente – Bloco II – Patenteabilidade , 2016 . Disponível em: http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/arquivos-dirpa/Diretrizes_Bloco_II_RPI_2377.pdf . Acesso em: 6 jun. 2019 .
    http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/arq...
    ).
  • 17
    Conforme antigas diretrizes de exame da Diretoria de Patente (DIRPA), publicadas na Revista da Propriedade Industrial (RPI) n. 1669, de 31 de dezembro de 2002. Disponível em: http://www.abifina.org.br/arquivos/legislacao/diretrizes_doc_20_de_dez_verso_final_26_dez.pdf . Acesso em: 20 maio 2019.
  • 18
    Idem.
  • 19
    Para Robert Hunt (1999)HUNT , Robert . Nonobviousness and the Incentive to Innovate: An Economic Analysis of Intellectual Property Reform . Federal Reserve Bank of Philadelphia Working Paper , n. 99-3 , 1999 . , as invenções seriam melhorias na qualidade dos produtos e o padrão de não obviedade (equivalente no Brasil à atividade inventiva) seria uma extensão mínima de melhoria que pode resultar em uma patente. Para o autor, qualquer coisa abaixo do padrão vai para o domínio público.
  • 20
    Os elementos essenciais de uma invenção ou de um MU são definidos na parte da patente conhecida como “reivindicações”. As diretrizes do INPI estabelecem que cada pedido de MU deverá conter uma única reivindicação independente (INPI, 2013). Em relação ao pedido de PI não há limites, contudo o valor da retribuição aumentará a partir de dez reivindicações. As reivindicações são críticas, uma vez que elas delimitam os direitos de propriedade do titular da patente, fixando seus limites e separando a invenção daquilo que já se encontra compreendido no estado da técnica, ou seja, sob domínio público. Não é por outro motivo que o art. 41 da LPI estabelece que: “A extensão da proteção conferida pela patente será determinada pelo teor das reivindicações, interpretado com base no relatório descritivo e nos desenhos” ( BRASIL, 1996BRASIL . Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996 . Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial , 1996 . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm . Acesso em: 7 fev. 2019 .
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei...
    ).
  • 21
    Denis Barbosa (2010)BARBOSA , Denis Borges . Tratado da propriedade intelectual . Rio de Janeiro : Lumen Juris , 2010 . t. II . defende que os requisitos de novidade, atividade inventiva e suficiência descritiva possuem status constitucional, uma vez que possibilitam o cumprimento das funções do sistema patentário.
  • 22
    Perceba que a circunstância de uma patente ser submetida a um exame rigoroso pelo INPI ou até mesmo a um processo administrativo de nulidade (art. 50 e seguintes da LPI) não impede que ela seja submetida ao controle judicial. Do mesmo modo, é possível que vários queixosos apresentem ações de nulidade idênticas em face do detentor da patente, até que um seja bem-sucedido. Assim, conforme lições de João da Gama Cerqueira (2012CERQUEIRA , João da Gama . Tratado da propriedade industrial: da propriedade industrial e do objeto dos direitos. 2. tir. Atualizado por Newton Silveira e Denis Borges Barbosa . Rio de Janeiro : Lumen Juris , 2012 . v. 2 . t. 2 . , p. 232), “a patente vale pelo que vale a invenção sob o ponto de vista legal”, de modo que os requisitos patentários são, em verdade, conceitos eminentemente jurídicos e não econômicos ou mesmo técnico-científicos.
  • 23
    Cockburn, Kortum e Stern (2002) estudaram um conjunto de 182 patentes cujas validades foram contestadas na Court of Appeals for the Federal Circuit (CAFC) durante o período de 1997 a 2000. Em pouco mais de 50% desses 182 casos, a patente foi considerada inválida. Destes, a CAFC encontrou problemas com a novidade em 37% dos casos e com a obviedade em 47% dos casos.
  • 24
    Características associadas ao exame do requisito da suficiência descritiva.
  • 25
    A estratégia de formular o quadro reivindicatório de modo vago e impreciso amplia indevidamente os limites da proteção e dificulta o conhecimento do que está realmente protegido.
  • 26
    O procedimento de exame de patentes pelo INPI também está vinculado às regras inseridas na Lei do Processo Administrativo Federal (Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999).
  • 27
    Segundo Cerqueira (2012CERQUEIRA , João da Gama . Tratado da propriedade industrial: da propriedade industrial e do objeto dos direitos. 2. tir. Atualizado por Newton Silveira e Denis Borges Barbosa . Rio de Janeiro : Lumen Juris , 2012 . v. 2 . t. 2 . , p. 250), “legítimo interesse na anulação da patente possui a pessoa que for ou tenha fundado receio de ser processada civil ou criminalmente por infração do privilégio”. Da leitura do art. 56 da LPI, infere-se que não é qualquer pessoa que possui legitimidade para propor a ação de nulidade, mas somente aquela possuidora de “legítimo interesse”, devendo este ser objetivamente comprovado (TRF2, Apelação Cível 0804700-36.2008.4.02.5101, 1ª Turma Especializada, Des. Antonio Ivan Athié, julgado em 24.04.2017).
  • 28
    No Brasil, as ações de infração de patentes se processam perante a Justiça Estadual e as de nulidade perante a Justiça Federal. Embora o § 1º do art. 56 da LPI preveja a possibilidade de alegação de nulidade do registro como matéria de defesa, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido que a melhor interpretação desse dispositivo indica que ele deve estar inserido em uma ação própria, perante a Justiça Federal, na qual se discuta a nulidade do registro, com todos os efeitos daí advindos, de caráter público e contra todos ( erga omnes ), e com a necessária e imperiosa participação do INPI no processo, o que atrai a competência para a Justiça Federal (conf. art. 109 da Constituição Federal). Desse modo, para o STJ, ao juiz estadual não é possível, ainda que de forma incidental, considerar inválido um registro vigente perante o INPI (STJ, AgRg no REsp 254141/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 26.06.2012; veja também REsp 1132449/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 23.03.2012). Com toda licença, não concordamos com esse entendimento. Filiamo-nos à corrente doutrinária de José Roberto d’Affonseca Gusmão e Fernando Philipp (2016), os quais entendem que a Justiça Estadual possui competência para suspender os efeitos da patente de forma incidental e exclusivamente entre as partes (sem eficácia erga omnes ) quando se tratar de matéria de defesa. Aqui o pedido da parte ré (acusada da infração) não é para ver anulada a patente, mas apenas para reconhecer que sua concessão foi indevida e que, desse modo, a infração não se configurou. Trata-se de uma questão prejudicial em que não se opera a coisa julgada, pois o juízo estadual não tem competência para resolvê-la como questão principal (art. 503, § 1º, III, do Código de Processo Civil [CPC] de 2015).
  • 29
    Em recente julgado, o STJ pôs fim a celeuma jurisprudencial e doutrinária acerca da posição do INPI nas causas de nulidade (se de réu, assistente ou interveniente especial). Acolhendo o entendimento doutrinário esposado por Marcelo Mazzola e Nathalia Ribeiro (2018), o STJ entendeu que a atuação do INPI nas ações de nulidade é dinâmica e possui caráter sui generis , não se vinculando ao polo que ocupar no início da ação (ativo ou passivo), podendo no curso da lide reposicionar-se em qualquer um deles. Desse modo, poderá tanto figurar como réu, com o titular do direito de propriedade industrial, quanto aderir à tese do autor da ação de nulidade, migrando de polo (quando ela mesma – a autarquia – não tiver ajuizado a ação), uma vez que sua atuação obrigatória no feito tem por finalidade a proteção do interesse público e não a defesa de interesse individual da instituição (STJ, REsp 1.775.812/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19.03.2019). Esse entendimento autoriza, por exemplo, o INPI a, discordando de acordo entre autor e réu que objetive pôr termo ao litígio, recorrer de eventual sentença homologatória desse ajuste, buscando uma sentença de mérito que invalide a patente. Afasta-se, assim, a ideia de que o litígio em uma ação de nulidade dá-se apenas entre particulares, diante do evidente interesse público envolvido.
  • 30
    O despacho 22.15 engloba todo e qualquer litígio envolvendo uma patente concedida. Nesse sentido, os litígios que não tratam propriamente de ação de nulidade foram desconsiderados da presente pesquisa, pois não guardam relação com o escopo do trabalho. Além disso, as patentes mailbox (art. 229 da LPI) e pipeline (art. 230), as quais foram objeto de um sem-número de ações judiciais discutindo a data de expiração de sua vigência ou ainda sua nulidade, também foram desconsideradas, pois tratam de pedidos de patentes vindos do exterior e que não tiveram um exame de mérito realizado pelo escritório brasileiro.
  • 31
    Conforme CNJ (2016)CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ) . Relatório Justiça em números 2016: ano-base 2015 . Brasília : CNJ , 2016 . , o tempo médio de tramitação na Justiça Federal de todos os processos de conhecimento pendentes no primeiro grau em 2015 foi de 2,5 anos.
  • 32
    Mesmo nas oportunidades em que o INPI se manifestava pela não homologação do acordo e prosseguimento do feito para que o pedido fosse julgado procedente no tocante à nulidade da patente, a Justiça Federal ainda assim o homologava diante da divergência jurisprudencial acerca da posição do INPI nas ações de nulidade (já comentada na nota 29) e do entendimento de que o litígio em uma ação de nulidade dá-se apenas entre particulares. A decisão do STJ (REsp 1.775.812/RJ) que encerra essa celeuma e firma entendimento de que a autarquia federal poderá, no curso da lide, reposicionar-se em quaisquer dos polos da ação certamente refletirá na decisão de homologação de acordo, permitindo o prosseguimento do feito quando o INPI se opuser à manutenção da patente concedida.
  • 33
    A verificação do preenchimento (ou não) dos requisitos de patenteabilidade exige a revisão do conjunto probatório dos autos, procedimento vedado à instância extraordinária, consoante disposto na Súmula 7 do STJ (STJ, AREsp 1.329.951/RJ [2018/0179829-3], Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 20.08.2018). Por esse motivo, limitamo-nos à análise de sentenças e acórdãos dos cinco TRFs que compõem a estrutura do Poder Judiciário Federal.
  • 34
    Do total de 214 litígios ocorridos no período de 2006 a 2012, 62 processos foram descartados pelos motivos mencionados na nota 30, resultando em 152 processos analisados.
  • 35
  • 36
    A propósito, confira levantamento das necessidades de pessoal da DIRPA, realizado em abril de 2017, o qual aponta que a DIPAE possuía naquele ano 6.032 pedidos pendentes, enquanto a DIMEC possuía 22.363 solicitações aguardando análise de decisão final. Disponível em: http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/patente/relatorio_necessidades_de_pessoal_DIRPA_2017_04_25.pdf . Acesso em: 20 ago. 2019.
  • 37
    A taxa de litígio foi calculada dividindo-se a quantidade de litígios em cada ano pelo número de patentes concedidas naquele mesmo ano.
  • 38
    O ano de referência, tanto na quantificação dos litígios como nas invalidações, é considerado aquele em que houve a anotação do litígio na RPI (despacho 22.15), ainda que o resultado do processo (julgamento procedente/improcedente) somente tenha ocorrido (ou venha a ocorrer) anos depois.
  • 39
    Fonte: INPI (2017a e 2019).
  • 40
    Ação julgada totalmente procedente e patente anulada (todas as reivindicações anuladas).
  • 41
    Ação julgada parcialmente procedente. Patente mantida com alterações no quadro reivindicatório (algumas reivindicações anuladas ou modificadas) ou ainda transformação da PI em MU.
  • 42
    Situação em que o tribunal encontrou pelo menos um erro na concessão da patente (e determinado ao menos uma modificação nas reivindicações), ainda que não a tenha anulado totalmente.
  • 43
    Engenharia Civil.
  • 44
    Química Inorgânica.
  • 45
    O número total dos motivos é superior ao número de invalidações apresentadas na Tabela 3 devido ao fato de que em alguns processos a patente foi anulada por mais de um motivo.
  • 46
    A patente de MU foi anulada em razão de as reivindicações formuladas no pedido serem totalmente diferentes daquelas constantes na patente concedida. Assim, ficou comprovado nesse processo que o objeto da patente não atendeu ao requisito formal estatuído no art. 32 da LPI, tendo em vista que se estendeu além do conteúdo do pedido originalmente depositado, tampouco atendeu ao requisito do art. 9º do mesmo diploma legal, uma vez que reivindicara um processo de fabricação, e não um produto de uso prático (violação dos arts. 9º e 32 da LPI).
  • 47
    Para se ter uma ideia da controvérsia no âmbito nacional, elencamos algumas interpretações realizadas nos julgados estudados que motivaram a declaração de ausência de atividade inventiva (PI) ou de ato inventivo (MU): 1) solução adotada que não indica a necessidade de realização de qualquer pesquisa ou teste de desenvolvimento para ser obtida (PI 9202966-3; 11ª Vara Federal [VF] de São Paulo; Processo [Proc.] 2000.61.00.16647-0; 2) pequena diferença construtiva que pode ser considerada mera opção de projeto (MU 7900053-3; 11ª VF de São Paulo; Proc. 2009.61.00.018315-9); 3) patente que não contribui para o avanço tecnológico (PI 0017421-1; 38ª VF do Rio de Janeiro, Proc. 2006.51.01.500964-6); 4) não alteração ou aperfeiçoamento do estado da técnica, pois o que era realizado e obtido pela invenção anterior continuou a ser realizado e obtido pela “nova” invenção (PI 0003866-0; 39ª VF do Rio de Janeiro; Proc. 2006.51.01.511127-1; 5) combinação dos meios divulgados pelo estado da técnica ensina, sugere ou motiva um técnico no assunto a perceber ou adotar a solução trazida pela invenção com ajuda de seus conhecimentos profissionais e por um jogo de simples operações de execução (PI 9202759-8; 37ª VF Previdenciária do Rio de Janeiro; Proc. 2009.51.01.814640-6); 6) ausência de contributo mínimo de atividade inventiva em relação à invenção anterior que lhe serviu de paradigma (PI 9408697-4; 31ª VF do Rio de Janeiro; Proc. 2006.51.01.518836-0); 6) ausência de efeito técnico novo ou diferente (PI 9000955-0; 35ª VF do Rio de Janeiro; Proc. 2007.51.01.805274-9); 7) ausência de efeito surpreendente (MU 8002868-3; 1ª VF de Presidente Prudente; Proc. 2009.61.12.002052-3); 8) a PI pode ser considerada óbvia, pois é apenas uma melhoria funcional em um objeto (PI 9605553-7; 13ª VF do Rio de Janeiro; Proc. 0022229-28.2013.4.02.5101).
  • 48
    Confira em Souto Maior (2010)SOUTO MAIOR , Rodrigo de Azevedo . As possibilidades da atividade inventiva no Brasil: uma busca no direito comparado pelos modos de aferição objetiva do critério de patenteabilidade . In: BARBOSA , Denis Borges ; SOUTO MAIOR , Rodrigo ; RAMOS , Carolina Tinoco . O contributo mínimo na propriedade intelectual . Rio de Janeiro : Lumen Juris , 2010 . p. 93 - 279 . as abordagens Problema-Solução (Europa) e os testes Graham e TSM (Estados Unidos) para subsidiar o exame de atividade inventiva.
  • 49
    Essa preocupação é também dos usuários do sistema patentário que, em pesquisa da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (2016), consideraram a “padronização dos critérios de análise” o terceiro aspecto que precisa ser melhorado pelo INPI, atrás apenas da “agilidade no andamento dos processos de registro” e “qualificação e expansão do corpo técnico”.
  • 50
    Em alguns casos, encontramos situações em que o perito judicial aplicou o conceito de atividade inventiva, próprio da PI, ao MU, do qual se exige tão somente ato inventivo. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o MU 7300893-1. A sentença proferida pelo Juízo da 37ª VF do Rio de Janeiro declarou a invalidade do referido registro; contudo, nos autos da Apelação Cível 2004.51.01.520978-0, a 2ª Turma Especializada do TRF2 decidiu, por maioria , e acertadamente, dar provimento às apelações do INPI e da titular da patente, restaurando-lhe a validade. Em seu voto, a relatora designada, Desª. Liliane Roriz, deixou consignado que: “Diferentemente da invenção, onde a novidade tem que ser absoluta, no modelo de utilidade basta que a novidade seja relativa”. Além disso, os adjetivos “evidente ou óbvia” para PI e “comum ou vulgar” para MU não foram inseridos pelo legislador de forma gratuita, uma vez que “é regra clássica de hermenêutica aquela que preceitua que o legislador não utiliza palavras inúteis”, significando dizer que o grau de inventividade que se exige para MU é menor do que aquele exigido para PI. Com bases nessas premissas, o TRF entendeu que o perito havia sido rigoroso demais na análise dos requisitos do MU e decidiu pela reforma da sentença de piso. Casos como esse só confirmam a hipótese levantada por Antonio Carlos Souza de Abrantes (2014ABRANTES , Antonio Carlos Souza de . Patentes de modelo de utilidade no Brasil . Rio de Janeiro : Lumen Juris , 2014 . 348 p. , p. 190) de que, na prática, “o rigor exigido pelo INPI para o ato inventivo não seja muito diferente do aplicado para atividade inventiva”. O autor analisou as taxas de deferimentos de PI e MU no período de 1983 a 2018 e concluiu que elas estão próximas, o que contraria a lógica de que, sendo o nível inventivo exigido para MU menor do que para PI, a taxa de deferimentos em patentes de MUs deveria ser mais alta do que em PIs ( ABRANTES, 2018ABRANTES , Antonio Carlos Souza de . Divisão de Modelo de Utilidade independente , 2018 . Disponível em: https://patentescomentarios.blogspot.com/search?q=divis%C3%A3o+de+modelo+de+utilidade+independente . Acesso em: 25 ago. 2019 .
    https://patentescomentarios.blogspot.com...
    ). Ainda em Abrantes (2014)ABRANTES , Antonio Carlos Souza de . Patentes de modelo de utilidade no Brasil . Rio de Janeiro : Lumen Juris , 2014 . 348 p. , é possível constatar que, das 202 decisões de indeferimentos de MUs proferidas no ano de 2012, 88% alegavam falta de ato inventivo e apenas 9%, falta de novidade. Esses dados ratificam a importância de se fornecer maior clareza, objetividade e padronização aos conceitos de ato inventivo e atividade inventiva.
  • 51
    Dada a complexidade do tema e a necessidade de alongada discussão, a criação de um teste objetivo de obviedade ou ainda de vulgaridade (este último inexistente na literatura e nas Diretrizes de Exame de modelo de utilidade do INPI) fica como sugestão para trabalhos futuros.
  • 52
    A mutação no estado da técnica jamais poderá ser mínima, irrelevante ou insignificante, afinal, consoante lições de Barbosa (2010)BARBOSA , Denis Borges . Tratado da propriedade intelectual . Rio de Janeiro : Lumen Juris , 2010 . t. II . , exige-se um distanciamento mínimo do estado da arte para que a mão pesada da coação pública, consubstanciada no monopólio patentário, seja imposta à sociedade. Contudo, não podemos olvidar que “a invenção é, cada vez mais, um novo meio ou uma nova aplicação de meios já conhecidos, com o fim de melhorar a invenção dos outros” (TRF, Apelação Cível 2001.51.01.536605-6, 2ª Turma Especializada, Rel. Desª. Liliane Roriz, julgado em 28.08.2007).
  • 53
    Defendemos que o exame dos critérios de patenteabilidade passa por três crivos meritórios (mérito da solução técnica ou prática, mérito do inventor e mérito do pedido). Não nos parece correta a tendência mundial de levar para o campo da análise da atividade inventiva, em que se discute tão somente o mérito do inventor em comparação com um técnico no assunto, a circunstância de o invento contribuir ou não com o avanço do estado da técnica (discussão que no nosso sentir estaria mais bem posicionada no campo da novidade, ou seja, na análise do mérito da solução técnica ou prática). As Diretrizes de Exame de pedidos de patente na área de química (Resolução n. 208/2017) citam expressamente em seu item 4.4 a necessidade de um “avanço técnico frente ao estado da técnica” para caracterização da atividade inventiva (INPI, 2017b, p. 18). A jurisprudência brasileira caminha para igual tendência, conforme julgados transcritos em notas anteriores. O deslocamento dessa análise para o campo da novidade nos parece que reduziria sobremaneira o subjetivismo criado pelo parâmetro “técnico no assunto” em razão do novo parâmetro, este objetivo, o “estado da técnica à época da data do depósito”. Percebe-se que aqui (análise da novidade) o conhecimento do técnico no assunto acerca do estado das artes se torna irrelevante, diferentemente do que ocorre na análise da atividade inventiva. O segundo ponto que merece um olhar mais atento é que, embora as diretrizes do INPI, baseadas nas preciosas lições de Barbosa (2010)BARBOSA , Denis Borges . Tratado da propriedade intelectual . Rio de Janeiro : Lumen Juris , 2010 . t. II . , informem que a novidade do MU é a mesma para PI, essa não nos parece a melhor avaliação. Comungamos do mesmo entendimento da Desembargadora Liliane Roriz, esposado nos autos da Apelação Cível 2004.51.01.520978-0, da 2ª Turma Especializada do TRF2, a qual considera que a novidade para o MU seria relativa e não absoluta, como ocorre com a PI. Não houve nesse julgado maiores explicações acerca dessa diferença. Não nos parece que ela se refira ao aspecto territorial, afinal, conforme bem pontua Barbosa (2010BARBOSA , Denis Borges . Tratado da propriedade intelectual . Rio de Janeiro : Lumen Juris , 2010 . t. II . , p. 1159), no “Brasil, hoje, vale o princípio da novidade absoluta em matéria de patente”, significando dizer que não há limite espacial ou temporal para a novidade. Parece-nos que essa diferença entre MU e PI estaria no aspecto da “relevância” da novidade. Ao MU basta a distinção (aqui a mera diferença já seria patenteável, pois o que se pretende proteger é tão somente o novo efeito prático da solução), já a invenção exige mais do que distinção, requer singularidade (novo efeito técnico, com diferenças únicas). Percebe-se, assim, que os requisitos de novidade do MU são menos exigentes do que os da PI. No tocante à investigação da atividade inventiva (PI) e do ato inventivo (MU), defendemos que ela deva se restringir a uma análise de probabilidade: Quais as chances de as anterioridades relevantes (paradigmas) terem ensinado, motivado ou sugerido o técnico no assunto a adotar a solução técnica ou prática cuja proteção se requer? Percebe-se que aqui o conhecimento do técnico no assunto (que não é um ignorante ou um autômato, sem criatividade, nem um perito ou ainda um especialista, com conhecimento extraordinário, mas uma pessoa com habilidade ordinária e conhecimento comum do estado das artes) acerca das anterioridades é relevante e definirá se o invento decorreu, ou não, de forma óbvia/vulgar. A diferença entre óbvio e vulgar estaria nas possibilidades de combinação do estado da técnica pelo técnico no assunto, já que para a PI poderiam ser combinadas até três anterioridades (como orientam as diretrizes do INPI) e para o MU somente se admitiria uma combinação de dois documentos. O mérito do inventor consistiria em ter uma engenhosidade que supere a do técnico no assunto. Com isso, conseguimos eliminar fatores secundários na análise do conceito de atividade inventiva/ato inventivo, como o sucesso comercial, o qual, como bem destaca Merges (1988)MERGES , Robert P . Commercial Success and Patent Standards: Economic Perspectives on Innovation . California Law Review , v. 76 , n. 4 , p. 803 - 876 , 1988 . , peca por prestigiar fatores mercadológicos e não propriamente técnicos (ex.: melhor rede de distribuição ou investimentos em marketing ), premiando a função de recompensa (estímulo à inovação, considerada a finalidade mediata do sistema patentário) em detrimento da função de divulgação (finalidade imediata). Por fim, há que ser destacado que o Direito brasileiro já se utiliza da análise de probabilidade como solução jurídica. É o que ocorre, por exemplo, na responsabilidade civil pela perda de uma chance (séria e real), teoria recepcionada pelo STJ (STJ, REsp 1.190.180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16.11.2010).
  • 54
    “Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente” ( BRASIL, 2015BRASIL . Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 . Código de Processo Civil , 2015 . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm . Acesso em: 10 jun. 2019 .
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2019
  • Aceito
    17 Abr 2021
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