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O arrendamento de terras para produção de energia eólica: um novo capítulo da questão agrária brasileira

THE LEASING OF LAND FOR WIND ENERGY PRODUCTION: A NEW CHAPTER OF THE BRAZILIAN AGRICULTURAL ISSUE

EL ARRENDAMIENTO DE TIERRAS PARA LA PRODUCCIÓN DE ENERGÍA EÓLICA: UN NUEVO CAPÍTULO DE LA CUESTIÓN AGRARIA BRASILEÑA

Resumo

O semiárido brasileiro é o novo destino do capital global em energias renováveis, diante da crise ambiental. Esse fato traz como consequência a expansão das bases da acumulação de capital: extração de mais-valor da força de trabalho, apossamento de terras dos camponeses e concentração fundiária. Para discutir essa problemática, os objetivos do presente texto são: a) apontar as novas particularidades da questão agrária ante a expansão dos parques eólicos; b) analisar o processo de desapossamento de terras dos agricultores; e c) apresentar a relação dos contratos de arrendamento com a renda da terra. Para isso, realizamos uma revisão de literatura sobre os temas da privatização dos bens comuns, em particular das terras para a produção de energia eólica, buscando explicar como a privatização sobre bens comuns, particularmente a força dos ventos, implica estratégias legais de redução de direitos e de serviços básicos a direitos exclusivos de propriedade privada. A “acumulação por despossessão”, conceito cunhado por David Harvey (2011HARVEY, David. Roepke Lecture in Economic Geography - Crisis, Geographic Disruptions and the Uneven Development of Political Responses. Economic Geography, [s.l.], v. 87, n. 1, p. 1-22, 2011.) e aplicado por Mariana Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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) na análise da expansão da energia eólica no Brasil, implica apropriação pelo capital de extensas áreas a pretexto de se assegurar o “desenvolvimento sustentável”, o combate à “crise hídrica” ou uma “agenda verde”. O artigo parte da hipótese de que a implantação dos parques eólicos no Brasil passa por estocagem de terras sob o controle do direito de exploração econômica destas e insere-se em um novo movimento de reconcentração fundiária. Ao final, esboçamos propostas de modificação do marco legal da energia eólica.

Palavras-chave
Energia eólica; contratos de arrendamento; questão agrária; campesinato; direito agrário

Abstract

The leasing of land for wind power production is the subject analyzed in this work, precisely the control exercised by multinationals of the exploration rights from peasants’ lands. Taking in consideration that the semi-arid region of Brazil is the new destination for the global capital in renewable energies, given the environmental crises, the research presents its relevance for the study of wind farms. The main problem is that this expansion copies the foundations of the primitive accumulation of capital: extraction of surplus value from the labor force, land grabbing of peasants and land concentration. The goals go from pointing out the new singularities of the agrarian situation in face of the expansion of wind farms to analyze the process of dispossession of land from farmers and to show the link between lease contracts and land profit. The theses of David Harvey (2011 HARVEY, David. Roepke Lecture in Economic Geography - Crisis, Geographic Disruptions and the Uneven Development of Political Responses. Economic Geography, [s.l.], v. 87, n. 1, p. 1-22, 2011. ) and Mariana Traldi (2019 TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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), in which they aim to explain how the privatization of common goods, particularly of the wind force, involves the use of legal strategies that reduce rights and basic services on the common good to exclusive rights of Private propriety, were used. “Accumulation by dispossession,” for Harvey, and its “green” version, for Traldi, imply the appropriation by capital of large areas of land on the pretext of ensuring “sustainable development,” the fight against the “water crisis” or a “green agenda.” Therefore, we investigate the hypothesis that the implementation of wind farms in Brazil involves the storage of land under the control of the economic exploitation rights of the farmers over their land and that this is included in a new movement of land reconcentration.

Keywords
Wind energy; lease contracts; agrarian issue; peasantry; agrarian law

Resumen

La región del semiárido brasileño es el nuevo destino del capital global en energías renovables, frente a la crisis ambiental. Este hecho trae como consecuencia la expansión de las bases de acumulación de capital: extracción de plusvalía de la fuerza de trabajo, acaparamiento de tierras de campesinos y concentración de tierras. Para discutir esa problemática, los objetivos del presente texto son: a) señalar las nuevas particularidades de la cuestión agraria frente la expansión de parques eólicos; b) analizar el proceso de desposesión de tierras de los agricultores; y c) presentar la relación de los contratos de arrendamiento con la renta de la tierra. Para eso, realizamos una revisión de literatura respecto a los temas de privatización de los bienes comunes, en particular de las tierras para la producción de energía eólica, buscando explicar como la privatización de bienes comunes, particularmente la fuerza de los vientos, implica estrategias legales de reducción de derechos y de servicios básicos a derechos exclusivos de propiedad privada. La “acumulación por desposesión”, concepto formulado por David Harley (2011 HARVEY, David. Roepke Lecture in Economic Geography - Crisis, Geographic Disruptions and the Uneven Development of Political Responses. Economic Geography, [s.l.], v. 87, n. 1, p. 1-22, 2011. ) y aplicado por Mariana Traldi (2019 TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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) en el análisis de la expansión de la energía eólica en Brasil, implica apropiación por el capital de extensas áreas con el pretexto de garantizar el “desarrollo sostenible”, el enfrentamiento a la “crisis hídrica” o una “agenda verde”. El artículo parte de la hipótesis de que la implantación de los parques eólicos en Brasil pasa por acaparamiento de tierras bajo el control del derecho de explotación económica de estas y se inserta en un nuevo movimiento de reconcentración de tierras. Al final, dibujamos propuestas de cambio del marco normativo de la energía eólica.

Palabras clave
Energía eólica; contratos de arrendamiento; cuestión agraria; campesinado; derecho agrario

Introdução1 1 Este artigo é fruto de pesquisa apoiada pela Universidade Federal da Paraíba mediante o Edital de Produtividade - Chamada Interna Produtividade em Pesquisa (PROPESQ/PRPG/UFPB n. 3/2020).

A questão agrária pode ser entendida como o locus de uma das problemáticas permanentes que alimenta a desigualdade social brasileira. Sua configuração, em termos do acesso à terra, dá forma à concentração desse recurso, expressa-se em latifúndios, é justificada pela produção pecuária e pelo cultivo de determinadas monoculturas, reconhecidas no mercado como commodities, e serve, ainda, como reserva de valor de fim especulativo.

A estrutura agrária brasileira se renova e se fortalece a cada período histórico, embora os movimentos sociais do campo a denunciem como um dos grandes males de nossa sociedade, por produzir massas de famílias camponesas espoliadas pelo aparecimento do capitalismo agropecuário (Albuquerque, 1987ALBUQUERQUE, Marcos C. Cavalcanti. Estrutura fundiária e reforma agrária no Brasil. Revista de Economia Política, [s.l.], v. 7, n. 3, p. 99-134, jul./set. 1987.; Furtado, 2007FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.; Lima, 1988LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. 4. ed. Brasília: ESAF, 1988.; Prado Júnior, 2008PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2008.; Varela, 2005VARELA, Laura Beck. Das sesmarias à propriedade moderna: um estudo de história do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.). Desse modo, fica evidente por que Graziano da Silva (1998SILVA, José Graziano da. O que é questão agrária. 18. ed. São Paulo: Brasiliense, 1998., p. 5) considera que “a questão agrária está ligada às transformações nas relações sociais e trabalhistas [de] produção: como se produz, de que forma se produz”.

Se em cada período da história brasileira a questão agrária expressa sua elasticidade, em termos de concentração de terras, seu caráter atual encontra-se recortado pelos diversos usos praticados pelo agronegócio - expoente do capitalismo no campo, que vai da produção agrícola e pecuária para exportação ao apelo ambiental com a produção de biomassas como fonte de energia. Ou seja, a produção de energia eólica está sendo desenvolvida sob o argumento de preocupação com o meio ambiente, mas, na verdade, é uma nova faceta do fenômeno do agronegócio e do latifúndio, pelo qual o discurso ambiental da energia limpa esconde a lógica da despossessão sobre vastas áreas dos pequenos agricultores e de vários segmentos do campesinato em diversos estados do Nordeste brasileiro.

Tal fenômeno será abordado no presente artigo a partir do arrendamento de terras para a produção de energia eólica no semiárido nordestino, pois, a partir de 2009, particularmente após 2011, a crescente investida do capital financeiro nacional e internacional no setor de energia renovável tem demonstrado como os empreendimentos eólicos vêm se constituindo como um processo moderno de esbulho de terras (Santana; Silva, 2021SANTANA, Amanda Oliveira de; SILVA, Tarcísio Augusto Alves da. Produção de energia eólica em Pernambuco e a injustiça ambiental sobre comunidades rurais. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 245-254, jan./abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/nsbqwxf8gzFshryZGqKJhDc/ . Acesso em: 29 jul. 2021.
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).

A energia eólica vem se desenvolvendo no Brasil nos últimos anos, particularmente entre 2011 e 2019, alcançando a capacidade de 19,7 GW instalados em áreas rurais, com marco normativo favorecedor às empresas multinacionais (Maia; Farias, 2021MAIA, Fernando Joaquim Ferreira; FARIAS, Talden. Os parques eólicos e as contradições no seu modelo de expansão. Revista Consultor Jurídico, 27 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-out-27/maia-farias-parques-eolicos-contradicoes-modelo-expansao . Acesso em: 15 jan. 2022.
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), e tendo a terra como um fator produtivo indispensável a essa atividade energética (Manganelli, 2017MANGANELLI, Benedetto. Compensation for Land/Property Owners Hosting a Wind Farm. The Italian Case. In: STANGHELLINI, Stefano et al. (eds.). Appraisal: From Theory to Practice. Cham: Springer, 2017. p. 267-276.). Vários mecanismos de uso da terra, mediante a compra ou o arrendamento dos terrenos, são acionados (Copena; Simón, 2018COPENA, Damián; SIMÓN, Xavier. Wind Farms and Payments to Landowners: Opportunities for Rural Development for the Case of Galicia. Renewable and Sustainable Energy Reviews, [s.l.], v. 95, p. 38-47, nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1364032118304763?via%3Dihub . Acesso em: 20 mar. 2021.
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), resultando no interesse de analisar os processos de arrendamento de terras para a produção de energia eólica. Essa é uma questão que tem sido pouco pesquisada até o momento (Swofford; Slattery, 2010SWOFFORD, Jeffrey; SLATTERY, Michael. Public Attitudes of Wind Energy in Texas: Local Communities in Close Proximity to Wind Farms and Their Effect on Decision-making. Energy Policy, [s.l.], v. 38, n. 5, p. 2508-2519, maio 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.enpol.2009.12.046. Acesso em: 11 jul. 2023.
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; Copena; Simón, 2018COPENA, Damián; SIMÓN, Xavier. Wind Farms and Payments to Landowners: Opportunities for Rural Development for the Case of Galicia. Renewable and Sustainable Energy Reviews, [s.l.], v. 95, p. 38-47, nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1364032118304763?via%3Dihub . Acesso em: 20 mar. 2021.
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).

O artigo trata da relação dos processos de despossessão da terra a partir da expansão dos parques eólicos no Nordeste brasileiro. Apresenta como problemas, a exemplo da degradação do meio ambiente, a crise ambiental e a crise climática, camuflados por iniciativas e políticas econômicas, recheadas de boas intenções, mas que revelam como a apropriação da posse e da propriedade dos camponeses pelo capital vem ocorrendo pelo que se convencionou chamar de green grabbing. Em seguida, apresentamos a expressão e mola jurídica desse processo: os contratos de arrendamento. Sustentamos que sem os contratos a prática de desapossamento dos agricultores e a extração de mais-valor da terra não são possíveis pelas empresas estrangeiras de energia eólica.

Por fim, o artigo propõe as seguintes modificações no marco legal contratual da energia eólica: 1) impedimento da celebração de contratos por prazo longo e com cláusula de renovação automática e de extensividade aos herdeiros; 2) garantia de revisão quinquenal; 3) fim (ou restrição) de multas rescisórias; 4) remuneração ao agricultor-arrendador de ao menos 6% pelo comércio da energia elétrica sob a renda da venda da eletricidade; 5) indenização aos agricultores por lucros cessantes; 6) ampla publicidade dos contratos; 7) obrigatoriedade da mediação de sindicatos de trabalhadores rurais e de associações de agricultores na celebração dos contratos de arrendamento.

1. Green grabbing e o lobby da energia eólica

Na era das energias renováveis, o problema agrário brasileiro retoma uma questão histórica sobre o acesso à terra: terra para quem? Para produzir o quê? Por isso, o recrudescimento da antiga estrutura agrária (concentradora, desigual, produtora de diversas formas de violência e fome) ganha novo álibi com a produção de “energia limpa”. Esse recrudescimento, como será visto, tem como efeito uma nova reconcentração fundiária e um novo ciclo de apropriação indébita do trabalho do campesinato. A roupagem verde assumida pelo capitalismo, com o discurso da energia limpa renovável, busca incorporar a lógica do cuidado com a natureza utilizando o seu viés mais cínico, assumindo que o mercado tem preocupações ambientais, e acreditando ser possível salvar o planeta mantendo um estilo de vida que não questiona formas de produção e consumo que engendram mais e mais necessidade de energia. Esse falso discurso de sustentabilidade se constrói com a exploração da força de trabalho do agricultor e do controle da sua terra. Nesse sentido, não importa se ela é renovável ou fóssil, pois a sua produção ocorre em função das demandas de mais exploração da força de trabalho e dos recursos ambientais em prol de um modo de produção que ameaça as próprias bases de reprodução que dão suporte ao sistema.

O crescimento das energias renováveis, especialmente a energia eólica, tem sido amplamente incentivado por políticas públicas, energia vendida como uma fonte “limpa”, de baixo custo de produção e em um movimento de “transição energética”, principalmente pelos países europeus (Traldi; Rodrigues, 2022TRALDI, Mariana; RODRIGUES, Arlete Moysés. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. Curitiba: Appris, 2022., p. 39-41). No entanto, os processos de implantação e operação de parques eólicos têm gerado conflitos e desigualdades entre os proprietários de terras e as empresas do setor em diferentes regiões do mundo (Avila, 2018AVILA, Sofía. Environmental Justice and the Expanding Geography of Wind Power Conflicts. Sustainability Science, [s.l.], v. 13, p. 599-616, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s11625-018-0547-4. Acesso em: 29 jan. 2022.
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). As comunidades locais costumam suportar os efeitos negativos das usinas, enquanto outros atores se beneficiam economicamente (Johansen; Emborg, 2018JOHANSEN, Katinka; EMBORG, Jens. Wind Farm Acceptance for Sale? Evidence from the Danish Wind Farm Co-Ownership Scheme. Energy Policy, [s.l.], v. 117, p. 413-422, jun. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.enpol.2018.01.038. Acesso em: 29 jan. 2022.
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). Por exemplo, de acordo com Sovacool et al. (2017SOVACOOL, Benjamin K. et al. New Frontiers and Conceptual Frameworks for Energy Justice. Energy Policy, [s.l.], v. 105, p. 677-691, jun. 2017.), no caso do México, o pagamento de 1,5% da receita bruta da produção de energia recebido pelos proprietários indígenas é considerado muito baixo, especialmente levando em conta que parte das terras utilizadas é de propriedade comunitária, situação similar à encontrada na Galiza, na Espanha (Copena; Simón, 2018COPENA, Damián; SIMÓN, Xavier. Wind Farms and Payments to Landowners: Opportunities for Rural Development for the Case of Galicia. Renewable and Sustainable Energy Reviews, [s.l.], v. 95, p. 38-47, nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1364032118304763?via%3Dihub . Acesso em: 20 mar. 2021.
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). Essas cifras são semelhantes às indicadas para o caso do Brasil (Traldi, 2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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), pelo que se pode constatar uma situação de injustiça distributiva.

Também é importante considerar que, até o momento, as zonas rurais são as principais destinatárias dos parques eólicos (Slattery; Lantz; Johnson, 2011SLATTERY, Michael C.; LANTZ, Eric; JOHNSON, Becky L. State and Local Economic Impacts from Wind Energy Projects: Texas Case Study. Energy Policy, [s.l.], v. 39, n. 12, p. 7930-7940, 2011.). As centrais de energia localizadas nas zonas rurais, em geral, não podem ser instaladas por agentes rurais, sendo realizadas, especialmente, por empresas estrangeiras. Queremos dizer que os parques eólicos estão sendo instalados principalmente, até o momento, em espaços rurais com capacidade de aproveitamento do vento. Não estão sendo instalados em áreas urbanas e em outros lugares, como o oceano, em que a presença ainda é escassa.

A relação das empresas estrangeiras, suas nacionalidades e áreas de atuação no semiárido nordestino foi documentada por Mariana Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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, p. 240-253) na tese de doutorado intitulada Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro.2 2 Uma versão da tese foi recentemente transformada em livro de mesmo nome por Mariana Traldi e Arlete Rodrigues (2022). Nele, as autoras também trazem a relação das empresas envolvidas. Ver: Traldi e Rodrigues (2022, p. 255-273). A autora relata que, em 2017, das 25 empresas de energia eólica que atuavam no semiárido nordestino, apenas nove eram brasileiras. Nesse contexto, tem-se as empresas estrangeiras (na qualidade de arrendatárias), os pequenos agricultores (como arrendadores) e o Estado (legitimando e coordenando juridicamente práticas de acumulação por despossessão ao, por exemplo, tolerar a aplicação do Estatuto da Terra nos contratos de arrendamento para a produção de energia eólica) se relacionando, cada qual com o seu papel, em uma relação assimétrica, na qual os pequenos agricultores são os mais vulneráveis. Essa assimetria pode dar origem a uma (in)justiça distributiva, especialmente nos casos em que o quadro legislativo impede os agricultores proprietários da terra, ou as comunidades, de se tornarem promotores de parques eólicos (Delicado; Figueiredo; Silva, 2016DELICADO, Ana; FIGUEIREDO, Elisabete; SILVA, Luís. Community Perceptions of Renewable Energies in Portugal: Impacts on Environment, Landscape and Local Development. Energy Research & Social Science, [s.l.], v. 13, p. 84-93, mar. 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.erss.2015.12.007. Acesso em: 29 jan. 2022.
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), tal e como acontece no Brasil, em que o marco normativo estabelece processos para o desenvolvimento de grandes centrais eólicas sem que os camponeses e os proprietários dos terrenos participem com capacidade de decisão nos procedimentos.

Nesse sentido, Siamanta (2019SIAMANTA, Zoi Christina. Wind Parks in Post-crisis Greece: Neoliberalisation vis-à-vis Green Grabbing. Environment and Planning E: Nature and Space, [s.l.], v. 2, n. 2, p. 274-303, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1177/2514848619835156. Acesso em: 29 jan. 2022.
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) tem assinalado, para o caso da Grécia, como a implantação dos parques eólicos tem facilitado um processo de green grabbing, com apropriação de terras públicas e privadas, recursos financeiros e naturais por parte de empresas energéticas transnacionais. Esse caso demonstrou a existência de consequências desfavoráveis para agentes rurais, como camponeses e fazendeiros locais.

A terra é um meio de produção sui generis, já que o capital é o trabalho acumulado pelo capitalista, e a terra não é produto do trabalho. Cita-se:

No entanto, da mesma forma que o capital se apropria do trabalho, que também não é fruto do trabalho (não tem valor), ele consegue se apropriar da terra mediante o pagamento de um tributo, a renda. A apropriação capitalista da terra vai transformá-la em equivalente de capital, tornando possível a subordinação do trabalho agrícola (Almeida; Paulino, 2000ALMEIDA, Rosemeire Aparecida; PAULINO, Eliane Tomiasi. Fundamentos teóricos para o entendimento da questão agrária: breves considerações. Geografia, Londrina, v. 9, n. 2, p. 113-127, jul./dez. 2000., p. 121).

A lógica de apropriação da terra pelo capital, seja para a subordinação do trabalho agrícola, seja para a produção de commodities ou energia, vem sendo levada a cabo e renovada de acordo com as diferentes etapas de desenvolvimento do capitalismo e das forças produtivas. A corrida por terra é um fenômeno mundial e vem provocando um processo de reordenação territorial, de relaxamento de legislações que facilitam o acesso do capital a parcelas sempre mais lucrativas de terra e o surgimento de novas conflitualidades. Concordamos com Nascimento (2020NASCIMENTO, Alexandre Sabino do. A fome do capital e a expropriação dos bens comuns - land/green grabbing e suas relações com a reprodução do discurso neoliberal por trás do fenômeno das mudanças climáticas. Caminhos de Geografia, Uberlândia, p. 222-248, 2020. Disponível em: Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/58515 . Acesso em: 23 set. 2021.
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, p. 223) quando ele afirma que a reconfiguração dos territórios está fincada sobre três elementos estruturantes: “[...] financeirização da economia, reestruturação produtiva e globalização do ideário neoliberal”. Esse movimento de reconfiguração dos territórios é provocado pelo processo de “ajuste socioespacial” (Harvey, 2001HARVEY, David. Spaces of Capital: Towards a Critical Geography. Nova York: Routledge, 2001., 2011HARVEY, David. Roepke Lecture in Economic Geography - Crisis, Geographic Disruptions and the Uneven Development of Political Responses. Economic Geography, [s.l.], v. 87, n. 1, p. 1-22, 2011.) ou “ajuste socioecológico” (“socioecological fix”) (McCarthy, 2015MCCARTHY, James. A Socioecological Fix to Capitalist Crisis and Climate Change? The Possibilities and Limits of Renewable Energy. Environment and Planning A: Economy and Space, [s.l.], v. 47, n. 2, p. 2485-2502, 2015.) para as tendências de “crise do capital” (Traldi, 2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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, p. 43).

Percebem-se movimentos especulativos cujo objetivo é apropriar-se de recursos naturais com a real intenção de conseguir lucro. Nesse sentido, Fairhead, Leach e Scoones (2012FAIRHEAD, James; LEACH, Melissa; SCOONES, Ian. Green Grabbing: A New Appropriation of Nature? The Journal of Peasant Studies, [s.l.], v. 39, n. 2, p. 237-261, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1080/03066150.2012.671770. Acesso em: 24 set. 2021.
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) nos alertam que os ecossistemas estão sendo comercializados em um movimento acelerado de apropriação de terras baseado em um discurso verde. Com a criação de mercados diversos, elementos que fazem parte da natureza e até pouco tempo pareciam protegidos pela lógica da dádiva da natureza passam a ser precificados, como as emissões de carbono, a biodiversidade, o sol ou os ventos. Não obstante, as recorrentes crises do sistema capitalista e de seu modelo de desenvolvimento colocam-nos diante dos padrões de acumulação do capital necessários à superação dessas crises.

O elemento comum a esses novos mercados verdes é a terra, havendo a necessidade de apropriação de quantidades cada vez maiores desse recurso como forma de garantir taxas de lucro futuras. Um estudo realizado pelo Banco Mundial, em 2010, apresenta uma série de dados sobre o aumento da demanda de terras a partir de 2008, que configura a mundialização do fenômeno da “disputa territorial” (Leite; Sauer, 2011LEITE, Sergio Pereira; SAUER, Sérgio. Expansión de agronegocios, mercado de tierras y extranjerización de la propiedad rural en Brasil: notas críticas sobre la dinámica reciente. Mundo Siglo XXI, Cidade do México, v. VII, n. 26, p. 43-63, 2011.; Sauer, 2013SAUER, Sérgio. Reflexões esparsas sobre a questão agrária e a demanda por terra no século XXI. In: STEDILE, João Pedro (org.). A questão agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2013. [v. 8 - Debate sobre a situação e perspectivas da reforma agrária na década de 2000]. p. 167-189.). No cenário latino-americano, Brasil e Argentina encabeçam a lista de países com maior pressão sobre o mercado de terras, embora o fenômeno também venha atingindo outros países do continente. No Brasil, esse fenômeno vem se localizando especialmente em regiões de cerrado (incluindo parte dos estados do Piauí e da Bahia) e na Amazônia (especialmente parte do estado do Maranhão), onde se concentram vastas extensões de terras em áreas propícias a ventos com mais de 7 m/s. A demanda das terras está associada à produção de energia pela força do ar.

O início do século XXI foi marcado por uma crise climática sem precedentes e pela continuidade de um modelo que articula em rearranjos financeiros uma série de atores interessados em soluções de “modernização ecológica”, mas sem alterar a essência da exploração da força de trabalho. Daí por que é fundamental considerar também os casos em que a demanda por soluções à crise climática se apresenta a partir dessa “agenda ambiental mundial”.

O discurso das mudanças climáticas e da sustentabilidade ambiental e transição energética vem provocando uma corrida particular por “hotspots” vinculados aos novos negócios verdes, especificamente no Nordeste em relação às áreas situadas em regiões de ventos fortes, acima de 7 m/s. Uma implementação massiva de usinas de produção de energia eólica, por exemplo, vem ocorrendo de forma muito intensa no litoral e nas regiões de agreste e de caatinga. Em muitas ocasiões, esses empreendimentos projetam a ocupação dos territórios vinculando-os à produção de energia eólica e promovendo uma série de impactos ambientais e sociais, o que coloca em risco modos de vida e biomas já bem debilitados (Hofstaetter, 2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.).

A presença de minifúndios, em muitos territórios, convive com a posse precária como modalidades de ocupação individual e coletiva predominante em diversas regiões do país. Para muitas famílias e comunidades, o reconhecimento do seu modo de vida e da sua relação com a terra se apresenta distante de um modelo de desenvolvimento que sobrepõe os interesses do capitalismo (em suas diferentes facetas) sobre outras formas de relação com os territórios e acaba por obrigar uma parte expressiva do campesinato a conviver com um estado de vulnerabilidade permanente e ameaças constantes de perda de seus quinhões devido à grilagem e a outros movimentos que ameaçam essa condição.3 3 O leque de tipos camponeses existentes no Brasil é muito amplo e, apesar de levantar acalorados debates no meio acadêmico, caracteriza-se estruturalmente por sua relação com a terra. Existem nesse universo os moradores de condição, os meeiros, os acampados, os assentados, etc. Existem ainda grupos específicos de camponeses que, em virtude do regime de posse coletiva e da relação ancestral que estabeleceram com os territórios onde vivem, são reconhecidos por meio de legislação específica. São os chamados Povos e Comunidades Tradicionais (PCT) e foram reconhecidos pelo Decreto n. 6.040/2007 (Brasil, 2007), que os define como: “Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. Atualmente, há 16 grupos de PCT representados na Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT). É por isso que “a presença destas populações e suas lutas por reconhecimento e respeito a direitos são percebidas e anunciadas como empecilhos ao progresso e ao desenvolvimento, propostos como bem comum, um bem universal contraposto ao local (particular)” (Sauer, 2013SAUER, Sérgio. Reflexões esparsas sobre a questão agrária e a demanda por terra no século XXI. In: STEDILE, João Pedro (org.). A questão agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2013. [v. 8 - Debate sobre a situação e perspectivas da reforma agrária na década de 2000]. p. 167-189., p. 175, grifo do autor).

Fernandes (2004FERNANDES, Bernardo Mançano. Espaços agrários de inclusão e exclusão social: novas configurações do campo brasileiro. Agrária, [on-line], n. 1, p. 16-36, 2004. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.1808-1150.v0i1p16-36. Acesso em: 15 set. 2021.
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) afirma que as referências teóricas para o debate sobre desenvolvimento territorial têm como ponto de partida o pensamento consensual, a partir do qual se lê o território sem considerar as contradições que são produtoras de conflitualidade. Suas raízes estão no neoliberalismo, sua essência está no mercado, e seu objetivo é convencer as comunidades rurais e os movimentos campesinos de que devem perseguir o desenvolvimento sustentável sem criar oposições. Seria uma proposta de despolitização do pensamento sobre desenvolvimento territorial, já que impõe um modelo único e alijado da conflitualidade, inerente ao território como conceito multidimensional, complexo e cinético. Para Montenegro (2012MONTENEGRO, Jorge. Povos e comunidades tradicionais, desenvolvimento e decolonialidade: articulando um discurso fragmentado. Revista Okara: Geografia em Debate, João Pessoa, v. 6, n. 1, p. 163-174, 2012., p. 164), o território,

longe de ser um elemento estático e imutável, percebe-se como um território que foi mudando suas características e suas dimensões, com relações tanto internas como externas que sofrem de um reordenamento diante dos novos desafios. Portanto, um território é a medida de uma identidade não essencial, mas que está marcada pelo convívio com conflitos permanente.

Esse novo capítulo na questão agrária brasileira, atrelada ao setor energético renovável e imbricado de um processo que não é de compra de terra e de imobilização de capital, mas de apropriação da renda da terra por meio de contratos de arrendamento abusivos, está se configurando como um movimento massivo e silencioso de espoliação. A abusividade dos contratos se revela pela constatação de problemas diversos, mediante acesso direto a vários contratos de arrendamento (Maia et al., 2022MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Energia eólica: contratos, renda da terra e regularização fundiária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022., 2023MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Problemas jurídicos, econômicos e socioambientais da energia eólica no Nordeste brasileiro. Recife: EDUFRPE, 2023.), o que é confirmado por outras fontes (Traldi, 2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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). Os principais problemas são: 1) prazos longos com renovação automática; 2) extensão automática das cláusulas contratuais aos herdeiros e aos possíveis sucessores; 3) multas e penalidades unilaterais impostas pela empresa arrendatária exclusivamente aos agricultores arrendadores, em virtude de cláusula de irretratabilidade e de irrevogabilidade dos contratos, sem que as multas e penalidades sejam aplicadas às empresas; 4) cláusula de subarrendamento sem consentimento do agricultor; 5) uso exclusivo de parte significativa da propriedade por parte da empresa e restrição de uso imposta aos agricultores; 6) cláusulas com imposição de pagamento de impostos e taxas pelos agricultores e direito de retenção pela empresa; e 7) imposição de cláusula de sigilo aos agricultores para contratos já assinados. A abusividade dos contratos de arrendamento é denunciada pela comunidade de estudiosos do tema (Traldi, 2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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; Hofstaetter, 2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.), e em documentários (Cáritas Brasileira Regional NE2, 2022CÁRITAS BRASILEIRA REGIONAL NE2. Websérie: para quem sopram os ventos? Ep02: os contratos abusivos. YouTube, 24 fev. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jRm__b-lLEE . Acesso em: 4 jul. 2023.
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; CPT - Nordeste 2, 2023CPT - NORDESTE 2. Vento agreste. YouTube, 6 abr. 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=80Nz4KI9hcs . Acesso em: 4 jul. 2023.
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).

Sobre esses contratos, o Ministério Público Federal (MPF)MINISTÉRIOS Públicos e Defensorias recomendam que Incra exija consulta prévia em projetos de energias renováveis na Paraíba. Ministério Público Federal, 22 maio 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprensa/noticias-pb/ministerios-publicos-e-defensorias-recomendam-que-incra-exija-consulta-previa-em-projetos-de-energias-renovaveis-na-paraiba/view . Acesso em: 6 jul. 2023.
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, pela sua Procuradoria no Estado da Paraíba, a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DP/PB), mediante reuniões com as partes envolvidas, professores(as) e pesquisadores(as) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), formularam a Recomendação n. 22/2023 (Brasil, 2023BRASIL. Ministério Público Federal. Recomendação n. 22, de 18 de maio de 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprensa/docs/recomendacao-ao-incra-sobre-energias-renovaveis.pdf/view . Acesso em: 4 jul. 2023.
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), com as seguintes considerações:

  1. que os contratos entre as empresas de energias renováveis e membros de comunidades tradicionais, comunidades quilombolas e de assentamentos de reforma agrária, que versam sobre energia renovável se caracterizam pela assimetria contratual com a hipossuficiência destes últimos e, consequentemente, com a imposição da vontade das empresas;

  2. que estes contratos se demonstram incompatíveis com os interesses sociais, econômicos, ambientais e territoriais das comunidades, ampliando o contexto de sua vulnerabilidade;

  3. que os contratos apresentados sobre essa temática às comunidades são padronizados e por adesão, impossibilitando a participação das partes hipossuficientes nas formações e eventuais alterações de suas cláusulas;

  4. que existe a falta de informações necessárias nesses contratos, acerca da renda fixa básica, periodicidade, renovação automática unilateral pelas empresas, área total comprometida, hospedagem ou não no terreno de torre de geração de energia, dentre outras;

  5. que a chamada “cláusula de sigilo” presente em tais contratos veda a divulgação das tratativas para terceiros por conterem supostamente informações confidenciais, contrariando assim o princípio da boa-fé contratual, além de impedir a devida assistência técnica e jurídica aos membros da comunidade;

  6. o patente desapossamento dessas terras pela comunidade atingida por contratos longos, sujeitos à renovação automática com base apenas na vontade da empresa arrendatária, vinculando herdeiros (parceiros, sócios e/ou compradores), fato que ocasiona verdadeira perda do controle da propriedade devido à automatização do instrumento jurídico;

  7. que a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, o aproveitamento racional e adequado, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho, a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (Lei n. 8.629/93, art. 9o).

Em decorrência das considerações dispostas anteriormente, recomendaram ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), especificamente sobre os contratos (Brasil, 2023BRASIL. Ministério Público Federal. Recomendação n. 22, de 18 de maio de 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprensa/docs/recomendacao-ao-incra-sobre-energias-renovaveis.pdf/view . Acesso em: 4 jul. 2023.
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):

Exija, nos contratos que versam sobre energias renováveis em territórios quilombolas ou em assentamentos de reforma agrária, a observância dos seguintes pontos:

  1. O fornecimento pelas empresas interessadas de modelos/padrões de contratos e projetos previamente à comunidade com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias. Estes contratos devem ser publicizados na comunidade, com comunicação à defensoria pública, e intermediação dos sindicatos rurais, entidades representativas dos agricultores, quilombolas e EMPAER na negociação das cláusulas destes contratos com as empresas.

  2. Estímulo à contratação coletiva e a discussão entre as partes de cada uma das cláusulas previstas no modelo contratual.

  3. Previsão da compensação financeira periódica aos membros da comunidade pelos impactos diretos e indiretos que advenham sobre a comunidade.

  4. A mensuração da compensação financeira periódica deve considerar as restrições do uso das áreas em que os equipamentos vinculados ao empreendimento, inclusive por meio de ruído, tornem impossível a moradia ou práticas econômicas, comunitárias, inclusive lazer.

  5. Cláusula contratual específica para que os contratantes da comunidade sejam informados mensalmente sobre a quantidade e valor econômico de energia gerada em seu território, por meio de extratos individualizado e coletivo.

  6. O pagamento pelo uso do território e pela receita gerada pelo potencial energético do território, valorando-se ambos os recursos.

  7. Que parte da produção da energia seja destinada às comunidades, de modo a assegurar energia em condições acessíveis para uso doméstico e para a suas atividades econômicas.

  8. Garantia do pagamento mínimo de 6% do faturamento da venda da eletricidade por torre ou placa fotovoltaica à comunidade, a título de remuneração.

  9. Cláusula de revisão contratual para que, a cada 5 (cinco) anos, a comunidade possa avaliar o interesse no empreendimento, tendo em vista a retribuição financeira gerada, podendo esta rescindir unilateralmente e sem ônus o contrato, caso o empreendimento não tenha retorno no mínimo igual à prática agrícola nas áreas cedidas às empresas.

  10. A previsão de multas e obrigações nos contratos para as empresas por descumprimento de cláusulas contratuais, inclusive rescisão unilateral.

  11. A proibição de cláusulas abusivas, sobretudo quando se refiram à obrigações unilaterais, garantindo-se o equilíbrio contratual.

  12. A responsabilização integral das empresas pelos resíduos gerados pelos parques, inclusive na sua desmontagem, bem como em relação a danos materiais, ambientais ou à saúde.

  13. A proibição de contratos com cláusula de renovação automática e extensível aos herdeiros.

Ressalta-se que essa recomendação caminha, em boa parte, no mesmo sentido do que Maia, Farias e Batista (2022MAIA, Fernando Joaquim Ferreira; FARIAS, Talden; BATISTA, Marcela Peixoto. O Seridó Oriental Paraibano e as contradições no modelo de expansão dos parques eólicos. In: MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Energia eólica: contratos, renda da terra e regularização fundiária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022. p. 61-77., p. 74-77) já defenderam anteriormente. De qualquer modo, os contratos se inserem no modo de especulação da terra e atuam nos preços, no mercado de terras e no processo de apropriação da terra do agricultor por grandes corporações empresárias de energia. Segundo Sauer (2013SAUER, Sérgio. Reflexões esparsas sobre a questão agrária e a demanda por terra no século XXI. In: STEDILE, João Pedro (org.). A questão agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2013. [v. 8 - Debate sobre a situação e perspectivas da reforma agrária na década de 2000]. p. 167-189., p. 173), “a combinação de preços (menor custo da terra em zonas de fronteira), ausência de impostos e investimentos governamentais na construção de infraestrutura são elementos-chave nos processos de especulação, transformando a terra em ativo financeiro”. Trata-se de uma estratégia de ampliação do mercado de terras que conta com a participação ativa e o apoio de instituições governamentais, cartórios e outros sujeitos atuantes no processo de regularização fundiária.

No Brasil, na última década, presenciamos o relaxamento de várias normas para a compra de terras por estrangeiros e, nos últimos dois anos, são inúmeros os projetos de lei, as medidas provisórias, bem como os programas governamentais que pretendem promover uma regularização fundiária, a partir da concessão massiva de títulos de propriedade privada, legalizando a grilagem e as ocupações ilegais de terras públicas e territórios de povos e de comunidades tradicionais,4 4 Algumas propostas legislativas sobre diferentes temas relacionados: Lei n. 12.651/2012 (Novo Código Florestal); regularização fundiária (PL n. 2.963/2019, PL n. 2.633/2020, PLS n. 510/2021); licenciamento ambiental (PL n. 3.729/2004, PLS n. 168/2018); exploração dos territórios indígenas (PL n. 191/2010). de que o programa Titula Brasil (Brasil, 2020BRASIL. Portaria Conjunta n. 1, de 2 de dezembro de 2020. Institui o Programa Titula Brasil e dispõe sobre seus objetivos e forma de implementação. Disponível em: Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-conjunta-n-1-de-2-de-dezembro-de-2020-291801586 . Acesso em: 16 jan. 2022.
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) constitui um exemplo. Existem evidências de que alguns órgãos de terras de caráter nacional e estaduais estão facilitando acesso de agricultores familiares à titulação vinculada à assinatura de contratos de arrendamento com empresas eólicas.5 5 Em 22/04/2021, o Instituto de Terras de Pernambuco se reuniu com empresas do setor eólico com o intuito de assinar um termo de cooperação para facilitar o acesso da população rural aos títulos necessários para a realização dos contratos (Instagram, 2021).

A assinatura de contratos de arrendamento de terras do campesinato por parte das empresas do setor se apresenta, atualmente, como uma nova modalidade de desapossamento em nome de novas propostas de esverdeamento do capitalismo. Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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) maneja o conceito de green grabbing associando-o à acumulação por espoliação, trabalhada por Harvey (2001HARVEY, David. Spaces of Capital: Towards a Critical Geography. Nova York: Routledge, 2001., 2005HARVEY, David. O novo imperialismo. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005., 2011HARVEY, David. Roepke Lecture in Economic Geography - Crisis, Geographic Disruptions and the Uneven Development of Political Responses. Economic Geography, [s.l.], v. 87, n. 1, p. 1-22, 2011.), ao analisar o fenômeno específico do ajuste espaçotemporal do capital em situações de crise, aplicado ao caso do setor de produção de energia eólica. O contrato de arrendamento na acumulação por despossessão é um fator essencial que deve ser considerado na análise do fenômeno de reordenação espaçotemporal do capitalismo verde, especificamente no Brasil e, em particular, na sua região Nordeste, já que com essa vulneração do direito à terra e aos territórios camponeses e de povos e comunidades tradicionais coexistem outras vulnerações sistemáticas de direitos, que parecem constituir um método, um modus operandi, amplamente utilizado pelas empresas do setor, ante um Estado perplexo com “novas oportunidades” que, mais uma vez, privilegiam setores econômicos específicos em detrimento das populações do campo.

O que muitas empresas não revelam é que o contrato de arrendamento não é garantia de instalação dos aerogeradores. Muitos desses agricultores que assinaram contratos vão ter suas terras utilizadas e seus direitos de propriedade limitados pelas cláusulas contratuais somente para possibilitar servidões de passagem, retirada de água para a construção, passagem de linhas de alta tensão, etc., para não se falar das consequências sonoras, dos impactos na produção animal, entre outros, que só aparecerão quando o parque já estiver em funcionamento (Hofstaetter, 2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.). Desse modo, somente quando não existem maiores possibilidades de reverter o processo de instalação dos parques é que as comunidades se mobilizam. Abre-se, portanto, mais uma página no capítulo dos conflitos no campo brasileiro, sob o manto do desenvolvimento sustentável e de “agendas neoliberais globais” (Nascimento, 2020NASCIMENTO, Alexandre Sabino do. A fome do capital e a expropriação dos bens comuns - land/green grabbing e suas relações com a reprodução do discurso neoliberal por trás do fenômeno das mudanças climáticas. Caminhos de Geografia, Uberlândia, p. 222-248, 2020. Disponível em: Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/58515 . Acesso em: 23 set. 2021.
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).

Esses conflitos começam a permear a questão agrária brasileira nestas primeiras décadas de século XXI, em virtude da emergência da crise climática e diante de uma necessidade preeminente de buscar soluções não somente para essa crise, mas também para a crise energética em geral que se apresenta. Em tudo isso, a invisibilidade da luta das comunidades afetadas, a falta de legislação específica que proteja os direitos territoriais coletivos, os bens comuns e os direitos de propriedade dos pequenos agricultores tornam o problema ainda mais dramático e urgente, já que o avanço na instalação das usinas eólicas segue em um ritmo frenético.

2. Arrendamento como instrumento do desapossamento e extração de mais-valor da terra pelas empresas estrangeiras de energia renovável

A sociedade atual está assentada em um modo de produzir as coisas a partir da extração contínua de mais-valor da força de trabalho que, por sua vez, gera excedentes de capital, sendo uma das tarefas a contínua reabsorção desses excedentes na produção para a reprodução social. No presente artigo, isso é o cerne da crise ambiental.

Esse ponto de partida ajuda a entender as relações de produção, que têm a terra como objeto e o que há de concreto nos contratos de arrendamento. A terra tem um valor de uso que deve ser considerado em relação ao capitalismo. Envolve: a) utilidades gratuitas dadas pela natureza (fertilidade do solo, base para captação da força dos ventos, etc.); b) frutos materiais e civis extraídos sob a exploração da força de trabalho no uso da terra; c) uso do espaço (Marx, 2017MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2017. [Livro III: o processo global da produção capitalista].).

O valor da terra não está na terra nua, mas nas condições ou nos elementos da produção que podem ser extraídos mediante o emprego da força de trabalho e de sua apropriação pelo dono do meio de produção (Marx, 2017MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2017. [Livro III: o processo global da produção capitalista].). A terra, em si, não tem valor. Porém, o fato é que a terra é a base para a reprodução do valor e para a extração de mais-valor da força de trabalho, e é nesse sentido que Karl Marx (2017MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2017. [Livro III: o processo global da produção capitalista].) atribui valor à terra. A terra aparece como meio de produção não produtivo, dotada de recursos naturais gratuitos dados ao capitalista, para que ele possa usar a força de trabalho sobre esses recursos e o mais-valor expresso em produto que será trocado no mercado como mercadoria para aumentar o próprio mais-valor. O valor de uso gratuito da terra é acumulado livremente pelo capitalista, sem custo, e, mediante o uso da força de trabalho, extrai-se um mais-valor.

A terra se relaciona ao espaço na extração de mais-valor e à redução de custos de produção quando: 1) funciona como base de operações para a geração de valores de uso, 2) está próxima ao mercado de consumo, 3) está provida de boas vias de circulação, 4) está sujeita a poucas intempéries da natureza e 5) serve para aumentar o mais-valor (Harvey, 2013HARVEY, David. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.).

Para o Estado, nesse caráter da terra, na sua relação com a produção capitalista, é imperativo usar o Direito. Para a separação entre posse e propriedade da terra, o art. 1.228 do Código Civil (CC) (Brasil, 2002BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm . Acesso em: 18 jun. 2023.
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); para a positivação do direito de propriedade privada, o art. 5o, XXII, da Constituição Federal (CF) (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 4 abr. 2024.
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); e para a necessária estruturação de órgãos de registro, de controle e de validação do direito de propriedade imóvel, o art. 1o, IV, da Lei n. 6.015/1973 (Brasil, 1973BRASIL. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1973. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
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) e os arts. 1.227 e 1.245 do CC (Brasil, 2002BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm . Acesso em: 18 jun. 2023.
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). São essas superestruturas ideológicas que positivam, no Direito brasileiro, as garantias para que o capitalista possa empregar capital na terra para aumentar o lucro excedente que ele vai obter, de qualquer forma, em função da exploração da força de trabalho sobre os recursos naturais gratuitos dados pela terra.

A positivação posta na CF, no CC e na Lei dos Registros Públicos (Brasil, 1973BRASIL. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1973. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
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), complementada no Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/1964 [Brasil, 1964BRASIL. Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1964. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
]), dispõe as características da propriedade da terra no capitalismo brasileiro: a separação entre a posse da terra e a terra, a cessão do uso da terra pelo proprietário ao capitalista, o uso do espaço mediante pagamento (aluguel, sendo um tipo de juro especial), a separação do trabalhador do solo e da posse da terra. Essas características transformam a terra em uma espécie de capital fictício, sujeito à realização futura, seja pelo aluguel, seja pela venda dos produtos como mercadoria, seja pela venda da própria terra.

A partir das características da propriedade da terra no capitalismo, pode-se dizer que a renda da terra é expressão do direito de propriedade privada, que surge sempre da exploração da força de trabalho, apropriada pelo capitalista. A renda da terra é fixada arbitrariamente pelo dono da terra, mediante um preço, pelo aluguel ou pela venda do produto gerado pela terra ou mesmo pela venda da terra, mas é potencializada pela logística (localização e proximidade dos mercados) e/ou pela tecnologia (investimentos em ciência e inovação) (Kautsky, 1998KAUTSKY, Karl. A questão agrária. Brasília: Linha Gráfica Editora, 1998.).

A renda da terra explica como a terra, mesmo não sendo produto do trabalho humano, pode ter um preço e circular no mercado como mercadoria. O juro (aluguel) é o valor da terra, mesmo na compra e venda, pois o que é vendido não é a terra propriamente, mas o direito a se extrair mais-valor da terra, direito de apropriação indébita futura dos frutos da força de trabalho. A taxa de juros e as receitas futuras são o que regula o preço da terra. O elemento especulativo que incide sobre a renda fundiária é decorrente de a terra ser capital fictício, capital fraco, cuja renda depende de realização futura a partir de trabalho futuro. A titulação da terra facilita as transações no mercado sobre as rendas futuras, desempenha papel na aceleração da circulação do capital que rende juros, o que permite a absorção dos excedentes de capital. Não é à toa que o sistema de crédito permite a conexão do mercado de terra com as várias formas de circulação do capital que rende juros e com o capital industrial. O Estado aparece para regular o preço da terra e garantir que o mercado fundiário cumpra a sua função de coordenar a alocação da terra aos seus usos.

Para Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
), a terra, para as empresas de energia eólica, aparece como suporte para a tecnologia que vai transformar a força do vento em eletricidade. A renda da terra para a empresa é gerada pela eletricidade produzida a partir da apropriação da terra e do bem comum, a força do vento, e da força de trabalho e à custa do agricultor. Este recebe em troca um aluguel, embora esteja relacionado à renda auferida pela empresa no comércio da eletricidade, não é passível de controle pelo agricultor. Existe uma inversão do que seria originariamente a renda da terra: o aluguel cobrado pelo proprietário do terreno.

O problema é que, mesmo considerando que o contrato vincula o pagamento ao agricultor com a renda auferida no comércio da eletricidade (o que não acontece em ocasiões em que o pagamento está ligado à potência eólica instalada ou à superfície afetada), os agricultores recebem aluguéis sem qualquer relação segura, transparente e auditável, com o valor auferido pela empresa no comércio da mesma eletricidade. O aluguel não excede a 1,85% do ganho obtido pela empresa. Muitas vezes, não excede a 1% (varia entre R$ 500 e R$ 3.000), conforme contratos acessados pelos autores (Maia et al., 2022MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Energia eólica: contratos, renda da terra e regularização fundiária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022., 2023MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Problemas jurídicos, econômicos e socioambientais da energia eólica no Nordeste brasileiro. Recife: EDUFRPE, 2023.) e disponíveis em Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
). Segundo Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
), a utilização de fórmula que vincula o valor do arrendamento ao valor do kWh leiloado impede qualquer tipo de aproximação real de valores até a realização do referido leilão.

Os contratos de arrendamento e de cessão de uso são justamente as formas jurídicas que viabilizam a apropriação da renda da terra pelas empresas estrangeiras de energia eólica e facilitam os processos de acumulação por despossessão, green grabbing, já tratados no tópico anterior.

Ressalta-se que o potencial eólico é atributo da terra. Conforme o art. 1.229 do CC,

[a] propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las (Brasil, 2002BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm . Acesso em: 18 jun. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
).

Os contratos são instrumentos regidos no âmbito do direito privado, e envolvem um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas, para criar, modificar ou extinguir direito sobre coisas corpóreas ou incorpóreas móveis, ou imóveis, conforme dispõem os arts. 421, 421-A e 425 do CC (Brasil, 2002BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm . Acesso em: 18 jun. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
). Exigem, nos termos do art. 82 do CC: a) agente capaz, b) objeto lícito e c) forma prescrita ou não proibida em lei (Brasil, 2002BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm . Acesso em: 18 jun. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
).

No direito agrário, temos, positivado pelo Estatuto da Terra (Brasil, 1964BRASIL. Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1964. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
) e pelo Decreto n. 59.566/1966 (Brasil, 1966BRASIL. Decreto n. 59.566, de 14 de novembro de 1966. Regulamenta as Seções I, II e III do Capítulo IV do Título III da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, Estatuto da Terra, o Capítulo III da Lei n. 4.947, de 6 de abril de 1966, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1966. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d59566.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de...
), o contrato de arrendamento rural. O arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso e o gozo do imóvel rural, parte ou partes deste, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da lei, conforme dispõe o art. 3o do Decreto n. 59.566/1966 (Brasil, 1966BRASIL. Decreto n. 59.566, de 14 de novembro de 1966. Regulamenta as Seções I, II e III do Capítulo IV do Título III da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, Estatuto da Terra, o Capítulo III da Lei n. 4.947, de 6 de abril de 1966, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1966. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d59566.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de...
). Trata-se de posse ou uso temporário da terra que serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade.

Embora tal enunciado prescritivo deixe entrever que o contrato de arrendamento pode ser firmado por tempo indeterminado (“[...] por tempo determinado ou não” [ Brasil, 1964BRASIL. Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1964. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
, grifo nosso]), sua interpretação não pode ser conflitante com a lei que está sendo regulamentada - Estatuto da Terra -, que prevê, em seu art. 95, II, que o prazo dos contratos de arrendamento, desde que não convencionados pelas partes, será no mínimo de três anos (Brasil, 1964BRASIL. Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1964. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
). Portanto, a interpretação coerente com esse dispositivo legal é a seguinte: não se estabelecendo o prazo no contrato ou dizer que ele é indeterminado equivale a estipulá-lo em três anos.

Como se verifica no conceito, o arrendatário, em decorrência do contrato, passa a ter o uso e gozo do imóvel, não estando definido o tipo de atividade a ser exercida. O uso e gozo supõe o livre exercício de qualquer atividade agrária lícita, observadas as regras legais de uso do solo.

Pelas regras específicas em vigor, o valor do arrendamento não pode ser ajustado livremente, uma vez que há limites legais, conforme dispõe o Estatuto da Terra (Brasil, 1964BRASIL. Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1964. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
), em seu art. 95, XII, e o art. 17, § 1o, do Decreto n. 59.566/1966 (Brasil, 1966BRASIL. Decreto n. 59.566, de 14 de novembro de 1966. Regulamenta as Seções I, II e III do Capítulo IV do Título III da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, Estatuto da Terra, o Capítulo III da Lei n. 4.947, de 6 de abril de 1966, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1966. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d59566.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de...
).

O contrato de arrendamento na modalidade total ocorre quando houver o arrendamento da área total do imóvel rural a um ou a mais arrendatários. Aqui, a soma dos preços de arrendamento não pode ser superior a 15% do valor cadastral do imóvel rural (valor da terra nua), acrescido do valor das benfeitorias que entrarem na composição do negócio. Salienta-se que por valor da terra nua se entende o valor total do imóvel, menos o valor das benfeitorias, culturas, pastagens cultivadas e florestas plantadas. Já o contrato de arrendamento na modalidade parcial ocorre quando houver o arrendamento de parte do imóvel rural, geralmente com exploração intensiva e alta rentabilidade. Aqui, o preço pode ir ao limite de 30% sobre o valor cadastral da parte arrendada.

A questão é que, pelo fato de os contratos de arrendamento serem instrumentos regidos no âmbito do direito privado, estão sendo utilizados pelas empresas, com cláusulas abusivas e indícios de vício no consentimento dos arrendadores (Traldi, 2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
; Hofstaetter, 2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.; Brasil, 2023BRASIL. Ministério Público Federal. Recomendação n. 22, de 18 de maio de 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprensa/docs/recomendacao-ao-incra-sobre-energias-renovaveis.pdf/view . Acesso em: 4 jul. 2023.
https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprens...
).

Tanto Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
) quanto Hofstaetter (2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.) apontam várias questões: a) a falta de transparência e o não cumprimento de boas práticas socioambientais, inclusive ausência de informação sobre linhas de transmissão ou sobre o comprometimento do terreno para efeito de servidão de passagem, sem nenhuma renda para o proprietário; b) promessas de rendimentos que, em estágio de prospecção (momento em que as empresas iniciam suas medições para começar a desenhar os projetos dos parques), são impossíveis de serem cumpridas pelo contrato, podendo ser consideradas enganosas; c) o fato de muitos dos arrendadores serem analfabetos ou terem pouco estudo, não contarem com assessoria jurídica própria, mas serem impedidos de discutir o contrato com terceiros em função da cláusula de sigilo; d) o fato de o próprio instrumento de contrato permitir que os advogados das próprias empresas sejam outorgados na representação desses arrendadores, o que evidencia problemas na regularização fundiária, pois os arrendadores são orientados a se dirigir ao cartório para completar o processo de abertura, reconhecimento de firma e realização dos demais procedimentos de regularização das terras e averbação dos contratos, cujas despesas são pagas integralmente pelas empresas; e) a precariedade do referido documento, sobretudo pela falta de clareza no que tange à sua modalidade, se arrendamento rural, se arrendamento mercantil com ou sem opção de compra; f) os aluguéis baixos, com promessas que não garantem que o agricultor receba os aerogeradores no seu terreno, podendo o agricultor receber somente servidão de passagem ou outras infraestruturas que não gerarão a renda prometida; g) além, como mencionado anteriormente, da utilização de fórmula que vincula o aluguel à venda da eletricidade pela empresa, mas que não garante um controle transparente e efetivo, por aerogerador, do volume de eletricidade vendido pela empresa; por fim, h) contratos com longos períodos de vigência, com renovação automática e cláusulas de sigilo.

Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
) e Hofstaetter (2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.) chegam a essas conclusões por caminhos de análise e pesquisas empíricas diversas: Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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) mediante entrevistas e exame direto de contratos de arrendamento e Hofstaetter por entrevistas com agricultores na modalidade focal. Destaca-se que os autores deste artigo também realizaram pesquisa empírica que corrobora tais conclusões. Foram às localidades em oito atividades de campo (com viagens e observação, diálogo com a população das zonas rurais das cidades de Bonito/PE, Caetés/PE, Santa Luzia/PB, Junco do Seridó/PB, São José do Sabugi/PB, Cuité/PB e Picuí/PB, participaram de audiências públicas, conversaram com os agricultores locais, realizaram entrevistas com representantes de sindicatos, do poder público, tiveram acesso direto a mais de 40 contratos, fora aqueles obtidos por meio de terceiros), chegando às mesmas conclusões dos referidos autores (Maia et al., 2022MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Energia eólica: contratos, renda da terra e regularização fundiária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022., 2023MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Problemas jurídicos, econômicos e socioambientais da energia eólica no Nordeste brasileiro. Recife: EDUFRPE, 2023.).

Esses problemas revelam que os contratos de arrendamento estão sendo desvirtuados pelas empresas, a partir do Estatuto da Terra (Brasil, 1964BRASIL. Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1964. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
), com cláusulas abusivas e indícios de vícios no consentimento, para reter a maior parte da renda da terra. Não só isso, os agricultores cedem a sua terra às empresas de energia eólica para extraírem mais-valor, fenômeno já apontado por Kautsky (1998KAUTSKY, Karl. A questão agrária. Brasília: Linha Gráfica Editora, 1998., p. 265-266). De todos esses problemas, consideram-se aqui, para análise, os principais, pois afetam diretamente a renda da terra e a autonomia de vontade contratual dos agricultores: 1) prazos longos, 2) cláusula de sigilo, 3) aluguéis baixos, 4) restrição de uso da terra.

Kautsky (1998KAUTSKY, Karl. A questão agrária. Brasília: Linha Gráfica Editora, 1998., p. 267) afirma que, quanto mais longos forem os contratos de arrendamento, mais se obterá produtividade da terra. Os contratos de arrendamento celebrados entre as empresas de energia eólica e os agricultores estão sendo feitos por prazos longos, que variam de 27 até 50 anos, com cláusula de renovação automática e multas rescisórias gigantes, o que pode estender a relação contratual para além de 100 anos, vinculando os herdeiros (Hofstaetter, 2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.). Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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) afirma que a empresa se reserva o direito de, havendo a renovação do contrato, manter os termos contratuais, não restando a possibilidade de renegociação das cláusulas contratuais com a prorrogação, inclusos os valores a serem pagos aos proprietários. Nem sequer há necessidade de anuência dos agricultores arrendadores.

Os prazos contratuais longos apontam a transferência de todo o risco da atividade ao agricultor, pois as gigantescas multas rescisórias “prendem” o agricultor ao contrato, mesmo em uma situação de futura desvantagem do empreendimento para o agricultor. Além disso, há clara formação de estoque de terra para a empresa estrangeira de energia eólica, pois não é dada nenhuma garantia da instalação do aerogerador e, ao mesmo tempo, “prende-se” o agricultor ao contrato pela garantia de não desistência ou rescisão pelo agricultor.

A cláusula de sigilo ou de confidencialidade merece exame. É estranho que todos os contratos de arrendamento examinados tenham cláusula de sigilo. De acordo com Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
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), a cláusula de sigilo nos contratos apresenta-se como um obstáculo à circulação da informação de forma horizontal entre os proprietários. Ao que parece, tem como objetivo proteger as empresas na livre concorrência, mas em detrimento dos proprietários. A cláusula de sigilo proíbe a divulgação do contrato, a sua transmissão a terceiros e/ou a publicização das condições financeiras, ou pagamentos previstos, após a assinatura do contrato, devendo o conteúdo deste ser mantido apenas entre as partes.

Esse é um fato que também acontece em outros lugares do planeta. Desse modo, os contratos entre promotores de parques eólicos e proprietários dos terrenos, em muitas ocasiões, têm cláusulas de sigilo, que impedem o acesso à informação econômica que aparece neles, como indicaram Groth e Vogt (2014GROTH, Theresa M.; VOGT, Christine A. Rural Wind Farm Development: Social, Environmental and Economic Features Important to Local Residents. Renewable Energy, [s.l.], v. 63, p. 1-8, mar. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.renene.2013.08.035. Acesso em: 29 jan. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
), para o caso de Michigan ou Fast, e Mabee (2015FAST, Stewart; MABEE, Warren. Place-Making and Trust-building: The Influence of Policy on Host Community Responses to Wind Farms. Energy Policy, [s.l.], v. 81, p. 27-37, jun. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0301421515000713?via%3Dihub . Acesso em: 29 jan. 2022.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
) para o Canadá. De fato, tudo o que está relacionado ao setor da energia eólica pode se estender à essência mesma da indústria eólica (Chen; Macdonald, 2014CHEN, Le; MACDONALD, Erin. A System-level Cost-of-energy Wind Farm Layout Optimization with Landowner Modeling. Energy Conversion and Management, [s.l.], v. 77, p. 484-494, jan. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.enconman.2013.10.003. Acesso em: 29 jan. 2022.
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
).

A cláusula de sigilo nega a informação completa posterior ao agricultor, no sentido de impedir o compartilhamento dos efeitos práticos dos contratos após a sua assinatura e, portanto, mostra-se um obstáculo para que o agricultor que ainda não assinou o contrato obtenha assistência jurídica adequada e troque informação com seus pares. Os agricultores, ao não poderem discutir e compartilhar os termos do seu contrato com seus pares e suas entidades representativas, não têm acesso completo às informações e não conseguem negociar em equilíbrio com as empresas de energia.

À primeira vista é o problema principal da cláusula de sigilo. Porém, existe algo além e igualmente grave. As empresas de energia eólica e solar aparentemente usam a cláusula de sigilo sob o argumento da sua proteção na livre concorrência. Entretanto, uma observação detalhada nos contratos em todos os estados do Nordeste mostra uma padronização dos termos dos contratos de arrendamento de terra para empreendimentos eólicos e solares, o que sugere acordo de compartilhamento de informações entre as empresas.

A padronização, combinada com a cláusula de sigilo, na verdade, aponta também para indícios de formação de cartéis e de monopólio entre empresas de energia eólica e solar na divisão do mercado de terras e de energia no semiárido.

O art. 1.228 do CC (Brasil, 2002BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm . Acesso em: 18 jun. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
), que é também uma das bases da livre concorrência, estabelece o direito de o proprietário usar, gozar e dispor da coisa, e de a recuperar de quem injustamente a possua ou a detenha. Destaca a propriedade privada como poder jurídico no capitalismo. Apesar das normas que regulam e limitam essa questão, o direito à livre concorrência pressupõe também o direito de se fornecer informações incompletas e de não negociar com total transparência, desde que nos limites e naquilo que não afete o interesse público, a legalidade e o equilíbrio na relação entre as pessoas.

Para Harvey (2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014., p. 178), as trocas no mercado dependem de monopólio dos capitalistas sobre as finanças e a terra, eixos que garantem o controle da propriedade dos meios de produção. Como já dito, a renda é um retorno da extração de mais-valor da força de trabalho e representa poder pelo exercício da propriedade privada sobre algum bem crucial para o capitalista, no caso, da força dos ventos. O caráter exclusivo de uso, de gozo e de disposição sobre a coisa é o poder jurídico da propriedade privada e é o ponto de partida e de chegada do capitalismo e implica um dever jurídico negativo de fornecer informação incompleta, de não negociar livremente. Anton Menger (1998MENGER, Anton. El derecho civil y los pobres. Granada: Editorial Comares, 1998.) afirma que a intangibilidade do direito de propriedade privada e a sua limitação retiram a esfera da propriedade da produção e colocam-na na perspectiva apenas da projeção de poder sobre a coisa. O objetivo é a exclusão da força de trabalho e favorecimento das classes ricas e a circulação de mercadorias.

O contrato é a forma da materialização da realização do valor de troca da mercadoria. No entanto, o liberalismo preconiza que toda relação jurídica deve envolver negociação à base de informação incompleta, pois a livre concorrência e a iniciativa privada implicam assegurar atividades competitivas que sempre vão culminar em negociações, concretizadas em contratos, em uma situação de desequilíbrio material entre capital e trabalho, para o estabelecimento de monopólio dos direitos de propriedade privada dos capitalistas.

A constatação da padronização das cláusulas evidencia um movimento empresarial de uniformização das regras postas nos contratos de arrendamento. Esse movimento é a base para a divisão dos mercados e é o núcleo da formação de cartéis e de monopólios.

Tudo indica que as empresas estão usando a cláusula de sigilo nos contratos para realizar uma competição controlada e cartelizada no mercado e, ao mesmo tempo, criar dificuldades para os agricultores obterem informações completas e, ainda, obter vantagens contra eles em negociações desequilibradas.

Os aluguéis baixos apontam transferência da renda da terra para as empresas estrangeiras de energia eólica, a apropriação do bem comum, a força do vento, à custa do agricultor, e o monopólio do comércio de eletricidade pela empresa, também à custa do agricultor. Existe grande disparidade entre o que essas empresas pagam aos agricultores, a título de arrendamento, e o lucro que elas têm: a Casa dos Ventos, por exemplo, foi tema de uma matéria publicada na Exame (Caetano, 2021CAETANO, Rodrigo. Casa dos Ventos negocia R$ 16 bi em energia eólica em dois anos. Exame, 8 mar. 2021. Disponível em: Disponível em: https://exame.com/esg/casa-dos-ventos-negocia-r-16-bi-em-energia-eolica-em-dois-anos/ . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://exame.com/esg/casa-dos-ventos-ne...
). Isso também aconteceu em uma publicação do Valor Econômico, matéria que tratava de um acordo de 1 bilhão de reais entre a Casa dos Ventos e a Braskem (Furuchima, 2021FURUCHIMA, Letícia. Braskem fecha com Casa dos Ventos acordo de R$ 1 bilhão. Valor Econômico, São Paulo, 22 jan. 2021. Disponível em: Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/01/22/braskem-fecha-com-casa-dos-ventos-acordo-de-r-1-bilhao.ghtml . Acesso em: 22 jun. 2021.
https://valor.globo.com/empresas/noticia...
).

Essas reportagens atestam os dados levantados por Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
, p. 179, 210-220, 253-254, 264) e indicam a disparidade de lucro entre empresas de energia eólica (boa parte delas vinculada a fundos de investimento) e o valor baixo pago por essas empresas aos agricultores arrendatários. Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
, p. 210) cita o exemplo de um contrato celebrado pela Companhia CFL Renováveis com 13 propriedades arrendadas (totalizando 2628,87 hectares e com 80 torres instaladas), pelo prazo de 37 anos. Nesse contrato, o lucro bruto obtido, em 2017, foi da ordem de R$ 126.832.257,78, mas o valor pago aos arrendatários, no seu conjunto, foi de R$ 1.159.104,38. Isso equivale a 0,91% do lucro da empresa. E conclui que:

dos ganhos brutos totais com a energia gerada pelos parques eólicos, se nossas estimativas estiverem corretas, na melhor das hipóteses, os proprietários das terras arrendadas ficam com apenas 1,85% e, na pior das hipóteses, sua participação não chega a 1%. O restante fica com as empresas de geração [...] (Traldi, 2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
, p. 264).

Aqui nos defrontamos com duas questões significativas: por um lado, a divergência entre aparência e essência, já que os contratos formalmente são de arrendamento, mas, na prática, retiram o domínio do imóvel da potestade do agricultor e transferem-no para a empresa arrendatária, o que ocasionará um grande movimento de apropriação de fato da terra pelas empresas, transformando-se em verdadeiras escrituras de direito de superfície; por outro lado, o pagamento de valores irrisórios a título de arrendamento, em relação ao lucro gerado a partir de cada aerogerador (torre eólica), coloca-nos diante de um grave problema de apropriação da renda da terra.

Outra questão que é necessário assinalar consiste na existência de diversas fórmulas de estabelecer o pagamento entre a empresa e os proprietários dos terrenos. Assim, há pagamentos estabelecidos em função da produção ou da faturação das centrais eólicas e que, portanto, são variáveis e têm em consideração as horas de produção dos terrenos. No entanto, também há pagamentos, no Brasil, que são feitos em função da potência eólica instalada, que não varia ao longo do tempo, ou em função da superfície afetada pelas instalações eólicas. Esses pagamentos por potência ou por superfície são fixos e não levam em conta as variações da quantidade de energia produzida pelas usinas eólicas.

A questão da restrição de uso da terra é outro fator que corrobora a tese neste artigo do desapossamento de terras dos agricultores pelas empresas estrangeiras de energia eólica. As restrições de uso levam à proibição de praticamente toda e qualquer atividade que possa comprometer o funcionamento do aerogerador. Na prática, levam à perda do uso econômico da terra pelo agricultor para as empresas de energia eólica.

Ressalta-se o que já foi exposto neste artigo: embora as cláusulas dos contratos afirmem o contrário e o pagamento pelo arrendamento das propriedades se refira, em geral, ao número, à potência ou à produção por aerogerador (torre eólica), na prática, a maioria das propriedades vem sendo arrendada na sua integralidade, em função das restrições técnicas e de segurança dos equipamentos instalados. Em conversas com agricultores e visitas realizadas na zona rural dos municípios paraibanos de Santa Luzia, Junco do Seridó, São José do Sabugi, Picuí e Cuité, verificou-se que, em muitos casos, as propriedades são cercadas pela empresa geradora, e nenhuma outra atividade se realiza nelas além da geração de energia eólica (Maia et al., 2022MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Energia eólica: contratos, renda da terra e regularização fundiária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022., 2023MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Problemas jurídicos, econômicos e socioambientais da energia eólica no Nordeste brasileiro. Recife: EDUFRPE, 2023.). Tudo isso é confirmado pelos trabalhos de Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
), Hofstaetter (2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.) e Costa (2020COSTA, Heitor Scalambrini. Modelo de expansão das eólicas gera danos sociais e ambientais. EcoDebate, 7 nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2018/11/07/modelo-de-expansao-das-eolicas-gera-danos-sociais-e-ambientais-artigo-de-heitor-scalambrini-costa/ . Acesso em: 1o set. 2020.
https://www.ecodebate.com.br/2018/11/07/...
).

A título de exemplo, no caso dos contratos assinados na região de Belo Jardim/Brejo da Madre de Deus, a área onde a empresa não permite edificações e determinadas culturas se configura em um raio de 300 metros ao redor de cada aerogerador. Se for realizado um cálculo simples: Área = π x r2 = 3,14 x 300 x 300 = 282.600 m2, encontra-se a inviabilização de 28,26 hectares por aerogerador (torre eólica). Se for considerado que a maioria dos agricultores dispõe de áreas entre 5 e 10 hectares, pode-se afirmar que essa restrição acaba tomando toda a área da terra deles (ou, no mínimo, deixando a parte restante inútil à produção agrícola rentável).

Na prática, por razões, muitas vezes, técnicas e de segurança, a empresa impede que os agricultores adentrem a área destinada ao parque eólico e dificulta a circulação na estrada que serve o parque, com o argumento de que a empresa não pode se responsabilizar por acidentes envolvendo a população local. De acordo com Hofstaetter (2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.), agricultores com terras arrendadas para a geração eólica no estado do Rio Grande do Norte relatam que, nas terras por onde passam as linhas de transmissão, em uma extensão de 60 metros, há a proibição da prática de atividade agrícola em um espaço que costumava ser utilizado para o roçado.

Esse impedimento anula a cláusula contratual que afirma que atividades econômicas poderão seguir sendo executadas. Se os proprietários não podem acessar a área do parque, por qualquer razão, não poderão explorar economicamente a sua propriedade. É uma questão técnica. Os aerogeradores, para poderem gerar a energia necessária, precisam de um fluxo de vento acima de 7 m/s, incompatível com edificações e determinadas culturas em um raio de 300 a 500 metros dos aerogeradores instalados. Isso, muitas vezes, não é informado aos agricultores. As restrições de uso atingem o subsolo também, porque os parques eólicos têm instalações subterrâneas destinadas à fundação das torres, que concorrem com os recursos hídricos e que, segundo alguns contratos, mesmo em caso de retirada da torre, as empresas não estão obrigadas a retirarem os muitos metros subterrâneos de concretagem. Independentemente de qualquer restrição contratual, existe o problema da segurança, pois a fiação passa no subsolo e existe risco de choque elétrico, o que inibe os agricultores nas suas atividades diárias.

As restrições contratuais ao uso da terra pelo agricultor: a) implicam controle exclusivo do uso econômico da terra pela empresa de energia eólica; b) na prática, levam à perda da propriedade pelo agricultor; e c) reduzem drasticamente ou eliminam a capacidade do agricultor de extrair frutos materiais e civis da sua terra.

Por todo o exposto, é fundamental restringir a aplicação do Estatuto da Terra (Brasil, 1964BRASIL. Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1964. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm . Acesso em: 14 abr. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
) e do CC (Brasil, 2002BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm . Acesso em: 18 jun. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
) nos contratos de arrendamento para a produção de energia eólica, particularmente em relação ao prazo, à transparência, à sucessão hereditária, à renda e ao uso da terra. A já citada Recomendação n. 22/2023 (Brasil, 2023BRASIL. Ministério Público Federal. Recomendação n. 22, de 18 de maio de 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprensa/docs/recomendacao-ao-incra-sobre-energias-renovaveis.pdf/view . Acesso em: 4 jul. 2023.
https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprens...
) oferece bons parâmetros.

No que se refere ao prazo, é importante impedir a celebração de contratos por prazo longo e sua extensão automática aos herdeiros, ou, no mínimo, impor a revisão contratual periódica. A Recomendação n. 22/2023 (Brasil, 2023BRASIL. Ministério Público Federal. Recomendação n. 22, de 18 de maio de 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprensa/docs/recomendacao-ao-incra-sobre-energias-renovaveis.pdf/view . Acesso em: 4 jul. 2023.
https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprens...
) dispõe que a revisão contratual deve ser feita a cada cinco anos, justamente para o caso de o empreendimento eólico não oferecer o retorno esperado pelo agricultor arrendatário em comparação ao cultivo ou pastoreio que normalmente realiza na sua propriedade. Conforme a literatura examinada, principalmente em Traldi (2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
), o prazo longo, com cláusula de renovação automática, extensível aos herdeiros, representa forma de desapossamento da propriedade campesina. A perda da propriedade se dá não pela transmissão (já que o direito de propriedade continua com o agricultor arrendatário, por força do registro do justo título no cartório geral de imóveis), mas pela cessão indefinida no tempo da posse, dos direitos de exploração da terra, às empresas de energia eólica. Impede-se, na prática, o uso dos direitos inerentes à propriedade, postos no art. 1.228 do CC (Brasil, 2002BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm . Acesso em: 18 jun. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
), pelo agricultor arrendatário. Em relação ao direito sucessório, isso inclusive afeta o próprio direito dos herdeiros na sucessão, o que leva a considerar pertinente a proibição de introdução, por parte da empresa, de cláusula de extensão automática dos direitos contratuais aos herdeiros.

Em relação à transparência, é indicada a ampla publicidade dos contratos, com divulgação prévia das suas cláusulas em órgãos competentes e com acesso público para consulta, além da obrigatoriedade da mediação de sindicatos de trabalhadores rurais e de associações de agricultores na celebração dos contratos com as empresas estrangeiras. Particularmente, como analogia, pode ser considerada a aplicação do Decreto n. 6.040/2007 (Brasil, 2007BRASIL. Decreto n. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília, DF: Presidência da República, 2007. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm . Acesso em: 7 jul. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, bem como da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Decreto n. 10.088/2019 (Brasil, 2019BRASIL. Decreto n. 10.088, de 5 de novembro de 2019. Consolida atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho - OIT ratificadas pela República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10088.htm#art5 . Acesso em: 7 jul. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_A...
), que consolidou os atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal sobre a promulgação de convenções e recomendações da OIT. O art. 3o do Decreto n. 6.040/2007, junto com o art. 2o, LXXII, do Decreto n. 10.088/2019 e o art. 15 da Convenção da OIT, garantem o direito dos povos e das comunidades tradicionais e das comunidades indígenas e quilombolas de serem consultados sobre empreendimentos localizados nos seus territórios tradicionais que ocasionem impactos ou afetem os seus interesses. Inclusive, a Recomendação n. 22/2023 do MPF, da DPU e da DP/PB (Brasil, 2023BRASIL. Ministério Público Federal. Recomendação n. 22, de 18 de maio de 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprensa/docs/recomendacao-ao-incra-sobre-energias-renovaveis.pdf/view . Acesso em: 4 jul. 2023.
https://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprens...
), endereçada ao Incra, pede a esse órgão que,

[a]o tomar conhecimento, por quaisquer meios, da instalação de empreendimentos de energias renováveis (energias eólicas e fotovoltaicas), que tragam impactos direta ou reflexamente, inclusive no que se refere à passagem das linhas de transmissão e abertura de estradas, em comunidades quilombolas ou outros grupos tradicionais beneficiários da reforma agrária, assim considerados os grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (art. 3o, I, do Decreto 6.040/2007), seja exigida a Consulta Livre, Prévia e Informada - CLPI.

No que concerne à renda da terra, o vínculo do aluguel na razão de 6% sobre o faturamento do comércio da energia elétrica por aerogerador é um dos parâmetros na proteção econômica mínima aos agricultores arrendatários diante de modificações sazonais no fluxo dos ventos e da necessidade de se atender às suas necessidades básicas, conforme o art. 9o, § 5o, da Lei n. 8.629/1993 (Brasil, 1993BRASIL. Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Brasília, DF: Presidência da República, 1993. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm . Acesso em: 6 jul. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
).

Por fim, quanto ao uso da terra, é fundamental discutir a indenização por lucros cessantes, decorrentes das restrições impostas, aos agricultores, enquanto durar o contrato.

Considerações finais

A exploração da energia eólica escreve uma nova página na questão fundiária brasileira. Ela não difere dos processos de expropriação do campesinato já vividos no Brasil, mas se destaca por novas estratégias quanto à terra, para produção da energia, mediante não a compra da terra, mas o controle dos direitos de exploração econômica desta via contratos de arrendamento.

Por esse caminho, novas formas de apropriação agrária decorrem da assinatura de contratos de arrendamento em que as empresas são as grandes beneficiárias ao imporem sigilos, cláusulas de renovação automática, longos períodos em que os agricultores estarão submetidos a tais contratos e pagamentos baixos e restrições sobre o uso da terra. Trata-se de uma submissão de pequenos e médios agricultores, pescadores artesanais, comunidades campesinas, extrativistas e quilombolas, na condição de proprietários da terra, aos interesses de empresas estrangeiras, o que reforça a ideia de existência de uma prática de “esbulho moderno”, em que o proprietário perde o controle sobre os usos de sua propriedade ao concordar com o usufruto estabelecido a terceiros por força de um contrato de arrendamento (Hofstaetter, 2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.).

Entre as consequências históricas da concentração de terras no Brasil podemos identificar o êxodo rural e a produção de ambientes inóspitos criados pelos impactos da instalação e da operação de complexos eólicos e indagar sobre o quanto essas instalações têm favorecido esse processo. Compreendemos que é um processo perverso, cuja base está na apropriação de mais-valor da força de trabalho campesina. Evidências e dados mais sólidos atestam isso (Hofstaetter, 2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.; Traldi, 2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
).

Visitas de campo realizadas nos territórios onde se produz essa energia (Hofstaetter, 2016HOFSTAETTER, Moema. Energia eólica: entre ventos, impactos e vulnerabilidades socioambientais no Rio Grande do Norte. 2016. 160 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Urbanos e Regionais) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.; Traldi, 2019TRALDI, Mariana. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. 2019. 378 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1093474 . Acesso em: 22 abr. 2024.
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
; Maia et al., 2022MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Energia eólica: contratos, renda da terra e regularização fundiária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022., 2023MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Problemas jurídicos, econômicos e socioambientais da energia eólica no Nordeste brasileiro. Recife: EDUFRPE, 2023.) confirmam que o atual momento da expansão dos parques eólicos no Brasil envolve reconcentração fundiária, versão moderna da “Serra Pelada dos Ventos”, com a saída de parte da população atingida e a exploração daqueles que, por razões alheias à sua vontade, mantêm-se convivendo com os giros das hélices.

Ao encontrar recepção positiva na agenda pública, motivada por acordos internacionais de redução de CO2, a energia eólica avança sobre diversos territórios e se depara com maior ou menor resistência, a depender das condições materiais ofertadas à reprodução da vida humana nesses ambientes, do grau de conhecimento sobre o tema e da organização política da vida comunitária. Naqueles territórios onde o clima é semiárido e as políticas de assistência às populações rurais são escassas, a chegada dos empreendimentos é apresentada como salvação diante da ausência de chuvas e de políticas públicas do Estado. Esse expediente se torna possível quando existe um quadro de endividamento das famílias rurais, ou quando não é possível conseguir o sustento daquela unidade em condições mínimas. Nesses casos, os sujeitos enxergam no arrendamento a possibilidade de auferir um sustento mínimo para a sua sobrevivência.

A forma como as empresas eólicas operam compreende um complexo fluxo de investimentos nacionais e estrangeiros baseado na extração de mais-valor da força de trabalho mediante a produção de eletricidade, a partir da força dos ventos sob o controle da terra, o que implica, também, a formação de estoques de terra à disposição do capital internacional. Trata-se de novo ciclo de expansão do capital global à custa, novamente, da apropriação indébita do mais-valor extraído da exploração da força de trabalho.

Por fim, faz-se necessário estabelecer uma regulação do setor que considere formas de limitação da vontade dos contratantes, com o objetivo de impedir cláusulas que comprometam os interesses dos camponeses. Defende-se que: 1) se impeça a celebração de contratos por prazo longo e com cláusula de renovação automática, ainda que extensiva aos herdeiros, garantindo-se revisão quinquenal, findo o qual o contrato deve ser obrigatoriamente renegociado, o que implica o fim de qualquer cláusula de renovação automática e o fim (ou a restrição) de multas rescisórias; 2) se vincule a contrapartida da empresa pelo uso da terra do agricultor a um percentual de pagamento mensal, ao menos em 6%, pelo comércio da energia elétrica sobre a renda da venda da eletricidade auferida por aerogerador, além de, como sustentado em trabalhos anteriores (Maia; Farias; Batista, 2022MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. (orgs.). Energia eólica: contratos, renda da terra e regularização fundiária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022., p. 77; Maia; Farias, 2021MAIA, Fernando Joaquim Ferreira; FARIAS, Talden. Os parques eólicos e as contradições no seu modelo de expansão. Revista Consultor Jurídico, 27 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-out-27/maia-farias-parques-eolicos-contradicoes-modelo-expansao . Acesso em: 15 jan. 2022.
https://www.conjur.com.br/2021-out-27/ma...
), um piso mínimo fixo e com o direito à rescisão automática pelo agricultor, sem multa, à custa da empresa, caso esses valores venham a se tornar insuficientes para a sua mantença, obrigando a empresa à negociação e ao reajuste permanente da remuneração pelo uso da terra;6 6 Na região da Galícia, Espanha, por exemplo, em alguns casos, o percentual de remuneração chega a 4%, mas por ano, o que é um dos motivos de vários questionamentos e protestos de agricultores (Simón et al., 2021). 3) se indenizem os agricultores, enquanto durar o contrato, por lucros cessantes, em função das restrições impostas ao uso da terra; 4) se dê ampla publicidade dos contratos, com divulgação prévia das suas cláusulas em órgãos competentes e com acesso público para consulta; 5) se imponha, de forma obrigatória, a mediação de sindicatos de trabalhadores rurais e de associações de agricultores na celebração dos contratos de arrendamento.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Este artigo é fruto de pesquisa apoiada pela Universidade Federal da Paraíba mediante o Edital de Produtividade - Chamada Interna Produtividade em Pesquisa (PROPESQ/PRPG/UFPB n. 3/2020).
  • 2
    Uma versão da tese foi recentemente transformada em livro de mesmo nome por Mariana Traldi e Arlete Rodrigues (2022TRALDI, Mariana; RODRIGUES, Arlete Moysés. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. Curitiba: Appris, 2022.). Nele, as autoras também trazem a relação das empresas envolvidas. Ver: Traldi e Rodrigues (2022TRALDI, Mariana; RODRIGUES, Arlete Moysés. Acumulação por despossessão: a privatização dos ventos para a produção de energia eólica no semiárido brasileiro. Curitiba: Appris, 2022., p. 255-273).
  • 3
    O leque de tipos camponeses existentes no Brasil é muito amplo e, apesar de levantar acalorados debates no meio acadêmico, caracteriza-se estruturalmente por sua relação com a terra. Existem nesse universo os moradores de condição, os meeiros, os acampados, os assentados, etc. Existem ainda grupos específicos de camponeses que, em virtude do regime de posse coletiva e da relação ancestral que estabeleceram com os territórios onde vivem, são reconhecidos por meio de legislação específica. São os chamados Povos e Comunidades Tradicionais (PCT) e foram reconhecidos pelo Decreto n. 6.040/2007 (Brasil, 2007BRASIL. Decreto n. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília, DF: Presidência da República, 2007. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm . Acesso em: 7 jul. 2023.
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    ), que os define como: “Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. Atualmente, há 16 grupos de PCT representados na Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT).
  • 4
    Algumas propostas legislativas sobre diferentes temas relacionados: Lei n. 12.651/2012 (Novo Código Florestal); regularização fundiária (PL n. 2.963/2019, PL n. 2.633/2020, PLS n. 510/2021); licenciamento ambiental (PL n. 3.729/2004, PLS n. 168/2018); exploração dos territórios indígenas (PL n. 191/2010).
  • 5
    Em 22/04/2021, o Instituto de Terras de Pernambuco se reuniu com empresas do setor eólico com o intuito de assinar um termo de cooperação para facilitar o acesso da população rural aos títulos necessários para a realização dos contratos (Instagram, 2021INSTAGRAM. Instituto de Terras e Reforma Agrária de Pernambuco (Iterpe), 23 abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/COBUg76Lrd2/ . Acesso em: 26 jan. 2022.
    https://www.instagram.com/p/COBUg76Lrd2/...
    ).
  • 6
    Na região da Galícia, Espanha, por exemplo, em alguns casos, o percentual de remuneração chega a 4%, mas por ano, o que é um dos motivos de vários questionamentos e protestos de agricultores (Simón et al., 2021SIMÓN, Xavier et al. Guía para o incremento do valor social e do valor económico da enerxía eólica nas comunidades rurais. Vigo: Observatorio Eólico de Galicia, 2021. Disponível em: Disponível em: http://observatorio.eolico.webs.uvigo.es/wp-content/uploads/2021/02/Guia-eolica-OEGA.pdf . Acesso em: 6 jul. 2023.
    http://observatorio.eolico.webs.uvigo.es...
    ).
  • Como citar este artigo

    MAIA, Fernando Joaquim Ferreira et al. O arrendamento de terras para produção de energia eólica: um novo capítulo da questão agrária brasileira. Revista Direito GV, São Paulo, v. 20, e2413, 2024. https://doi.org/10.1590/2317-6172202413

Editora responsável

Catarina Helena Cortada Barbieri (Editora-chefe)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2022
  • Aceito
    02 Out 2023
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