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Uma questão de força? Debates sobre prisões federais e expansão do Primeiro Comando da Capital (PCC)

A MATTER OF FORCE? DEBATES ON FEDERAL PRISONS AND THE EXPANSION OF THE PCC CRIMINAL GROUP

Resumo

A proposta deste artigo é analisar as narrativas do poder público e da imprensa sobre os estabelecimentos prisionais federais e, ainda, compreender em que medida essas perspectivas relacionam tais unidades de privação de liberdade às dinâmicas criminais estabelecidas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) em distintas partes do país. Foram levantados artigos de jornais e documentos públicos, bem como foram desenvolvidas entrevistas semiestruturadas com gestores federais. Embora não tenha havido muitos consensos sobre uma possível relação entre as unidades federais e o fomento à expansão do PCC pelo Brasil, reconheceu-se que as ações estatais em geral ensejam novas dinâmicas criminais. Os órgãos de controle do Estado, como o sistema penitenciário federal, e o PCC configurariam uma nova ordem social nos cárceres de todo o território nacional, independentemente de esses espaços adotarem uma linha mais “forte” ou mais “fraca” do ponto de vista penal.

Sistema penitenciário federal; prisões; Primeiro Comando da Capital (PCC; difusão; Brasil

Abstract

The proposal of this article is the analysis of the narratives of public authorities and the press about Brazilian federal prisons and, also, understand insofar as these perspectives relates such units of deprivation of liberty to the criminal dynamics established by First Command of the Capital (PCC) – criminal group in different parts of the country. Newspaper articles and public documents were collected, as well as unstructured diversions were developed with federal managers. Although there has not been much consensus on a possible relationship between federal units and the promotion of the PCC’s expansion in Brazil, it was recognized that state actions in general give effect to new criminal dynamics. State control bodies, such as the federal penitentiary system, and the PCC would configure a new social order in prisons throughout the national territory, regardless of whether these spaces adopted a “stronger” or “weaker” outcome from a penal point of view.

Federal prison system; prisons; Primeiro Comando da Capital; diffusion; Brazil

INTRODUÇÃO

Parte da literatura clássica sobre prisões indicou que toda instituição tem tendência a um “fechamento”, sendo, todavia, algumas mais “fechadas” do que outras ( GOFFMAN, 2007GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos . São Paulo: Perspectiva, 2007. , p. 16). Seu encerramento é simbolizado pela barreira com o mundo externo e por proibições de saída, muitas vezes caracterizadas por um esquema físico, como grades, portas fechadas, arames farpados, etc. Caracterizando esses estabelecimentos de “instituições totais”, Goffman (2007)GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos . São Paulo: Perspectiva, 2007. incluiu as prisões no rol de unidades desse tipo, identificando-as como locais organizados para proteger a comunidade dos “perigos” emanados pelas pessoas custodiadas. Os bloqueios estabelecidos entre o interior e o exterior demarcam processos de “mortificação do eu”, transformando drasticamente as subjetividades dos privados de liberdade.

Discussões mais contemporâneas forneceram um enfoque diferente às prisões. Entre outros estudos, destacam-se as reflexões de Cunha (2002)CUNHA, Manoela. Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajetos. Lisboa: Fim do Século, 2002. , Comfort (2002)COMFORT, Megan. Papa’s House: The Prison as Domestic and Social Satellite. Ethnography , v. 3, n. 4, p. 467-499, 2002. , Godoi (2017)GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2017. e Silvestre (2012)SILVESTRE, Giane. Dias de visita: uma sociologia da punição e das prisões. São Paulo: Alameda, 2012. , as quais salientaram as porosidades carcerárias que tornam perene o intercâmbio de pessoas, de valores, de objetos, de afetos e de quaisquer elementos que formam o “mundo prisional” e o “mundo livre”. Cunha (2002)CUNHA, Manoela. Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajetos. Lisboa: Fim do Século, 2002. , em especial, dissertou sobre a erosão de fronteiras entre bairro e prisão, cujo efeito é rearranjar os dispositivos penais, enquadrando o cárcere e sua natural porosidade em um jogo de relações distinto. Formam-se, assim, novos ilegalismos, novas sociabilidades, ao mesmo tempo em que são promovidas novas políticas criminais que tentam dar conta desses novos processos ( TEIXEIRA, 2012TEIXEIRA, Alessandra. Construir a delinquência, articular a criminalidade: um estudo sobre a gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo. 2012. 352 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. ). As trocas ilícitas, envolvendo, inclusive, agentes estatais, podem ser compreendidas, nesse contexto, como mercadorias políticas ( MISSE, 2010MISSE, Michel. Trocas ilícitas e mercadorias políticas: para uma interpretação de trocas ilícitas e moralmente reprováveis cuja persistência e abrangência no Brasil nos causam incômodos também teóricos . Anuário Antropológico , Brasília, On-line , II, 2010. ). Despem-se de uma dimensão moral, ganhando uma forma, não exclusivamente econômica, de mercado ilegal.

Considero ambas as correntes analíticas importantes para compreender as questões a serem discutidas neste texto. Dadas as dinâmicas criminais estabelecidas no país nas últimas décadas, como as produzidas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), bem como o cenário prisional corrente,1 1 Formado por 755 mil custodiados, quantitativo três vezes maior em relação ao universo de presos no Brasil no ano 2000. Dados de 2019, disponíveis em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen . Acesso em: 3 jun. 2020. os órgãos de controle estatal buscam criar mecanismos que, em seu cerne, pretendem produzir instituições totais destinadas à mortificação das subjetividades dos custodiados. É possível inserir nesse escopo o sistema penitenciário federal, estruturado para estabelecer um padrão rígido de privação de liberdade, voltado ao disciplinamento de pessoas consideradas “periculosas” pela justiça criminal, como as que compõem o dito “crime organizado”. No entanto, ao promover ações com esse perfil, a gestão penal parece, ao menos formalmente, ignorar que os cárceres são, por sua natureza, porosos, capazes de promover sistematicamente novas sociabilidades e ilegalismos.

Por conseguinte, minhas discussões vão girar em torno de duas questões, averiguando possíveis conexões entre ambas: a difusão do PCC pelo Brasil e o sistema penitenciário federal. Em específico, busco analisar as narrativas do poder público e da imprensa sobre os estabelecimentos federais e, ainda, pretendo compreender em que medida as perspectivas averiguadas relacionam tais unidades de privação de liberdade às dinâmicas criminais estabelecidas pelo PCC em distintas partes do país. Nesse sentido, como percurso analítico, após expor os passos metodológicos utilizados ao levantamento dos meus dados, farei uma discussão geral sobre o sistema penitenciário federal, indicando as leis que o regem, as práticas estabelecidas e os elementos apontados pela literatura sobre a questão. Em seguida, desenvolvo discussões a respeito do PCC, conforme a visão dos atores aqui mobilizados. Por fim, debato as percepções sobre sistema penitenciário federal e os ilegalismos produzidos por meio dele.

1. LEVANTAMENTO DOS DADOS

Esta pesquisa se baseou na análise documental e no estudo de narrativas de gestores da administração pública federal vinculados à pauta penal. O meu primeiro esforço de coleta de dados foi realizar um clipping de notícias em um jornal de grande circulação no país, com foco no estado paulista, local de origem do PCC: a Folha de S.Paulo . Demarquei como corte temporal o período entre 1º de janeiro de 2005 e 31 de dezembro de 2018. As análises descritas aqui compreenderam, pois, um intervalo de treze anos, abrangendo justamente o que as pesquisas sobre o tema indicaram ser o dito período de disseminação da organização por São Paulo e pelo Brasil ( DIAS, 2011DIAS, Camila. Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. 2011. 386 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. ; FELTRAN, 2018FELTRAN, Gabriel. Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. ; MANSO e DIAS, 2018MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila. A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime. São Paulo: Todavia, 2018. ).2 2 Debates mais substanciais a respeito desse levantamento foram realizados no artigo “PCC em pauta: narrativas jornalísticas sobre a expansão do grupo pelo Brasil”, de minha autoria e de coautoria de Isabela Cristina Alves de Araújo, publicado na Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, em 2020. A proposta deste texto foi compreender, com base na perspectiva da imprensa, o processo de difusão do PCC pelo Brasil e por Minas Gerais (ver DUARTE e ARAÚJO, 2020 ).

Utilizei no clipping duas palavras-chave, cada qual pesquisada separadamente: “PCC” e “Primeiro Comando da Capital”. Tentei conjugar os dois termos com outros adicionais – como “grupo criminoso”, “prisões”, “sistema penitenciário federal”, etc. –, mas a Folha de S.Paulo apenas permitiu realizar a busca de uma palavra por vez. Então, usei o termo que necessariamente apareceria em matérias sobre a organização criminal, como o seu próprio nome. De todo modo, foram feitas procuras exploratórias com os demais vocábulos e pude notar que as reportagens levantadas já tinham sido abarcadas nas consultas anteriores. Ao fim do levantamento, sistematizei 2.237 matérias, dispostas em uma base de dados que contemplou as seguintes variáveis: data da matéria, manchete da reportagem, link e caderno.

O Gráfico 1 indica o quantitativo de matérias coletado por ano. Cabe destacar desde já que o pico de notícias em 2006, flagrantemente destoante em relação aos demais anos da série, é decorrência dos ataques empreendidos pelo PCC em São Paulo, que geraram forte repercussão estadual e nacional ( DIAS, 2011DIAS, Camila. Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. 2011. 386 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. ; ADORNO e DIAS, 2016ADORNO, Sérgio; DIAS, Camila Nunes. Cronologia dos “ataques de 2006” e a nova configuração de poder nas prisões na última década. Revista Brasileira de Segurança Pública , São Paulo, n. 2, p. 118-132, 2016. ; CANO e ALVADIA, 2008CANO, Ignacio; ALVADIA, Alberto. Análise dos impactos do PCC em São Paulo em maio de 2006 . Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro, São Paulo: Laboratório de Análise da Violência; Conectas Direitos Humanos, 2008. ).

GRÁFICO 1
– TOTAL DE MATÉRIAS COLETADAS POR ANO – FOLHA DE S.PAULO (2005 A 2018)

Consultei também três documentos que dissertaram sobre a ação do PCC em território paulista e pelo Brasil: o Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) “Destinada a Investigar Organizações Criminosas e Tráfico de Armas”; o Procedimento Investigatório Criminal do Ministério Público paulista n. 336/2010, de 2013; e o Inquérito da Polícia Civil de São Paulo n. 087/2017, que fundamentou a denúncia Echelon do Ministério Público paulista. Esse último material se embasou na apreensão efetuada durante uma fiscalização de rotina em celas da Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira, Penitenciária II de Presidente Venceslau, de São Paulo. Foram confiscados fragmentos de cartas dispensadas pelos presos. E, a partir disso, identificou-se a participação de 75 pessoas na distribuição de armamento e de drogas, bem como no planejamento e na execução de homicídios, de rebeliões, de ataques a fóruns e de atentados contra agentes públicos em todas as unidades da federação.

Por fim, como último passo do levantamento de dados, entre o segundo semestre de 2017 e o primeiro de 2018, realizei dez entrevistas semiestruturadas com gestores federais atuantes em órgãos voltados à construção da política penitenciária nacional, como o antigo Ministério da Justiça, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen),3 3 O Depen é órgão atualmente ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, cuja função é acompanhar e controlar a aplicação da Lei de Execução Penal e as diretrizes da Política Penitenciária Nacional. Ainda, é o responsável pelo Sistema Penitenciário Federal. o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), assim como a extinta Secretaria Nacional de Segurança Pública. Todas as entrevistas foram realizadas via Skype, pois a pesquisa foi conduzida em um local distante do Distrito Federal, onde normalmente os órgãos de construção da política penal federal estão sediados. Cabe destacar ainda que busquei conversar com pessoas de diversos perfis políticos e profissionais. Como alguns já assumiram cargos estratégicos e de destaque na área penal, os trechos de entrevistas analisados neste trabalho apenas farão menção aos órgãos a que esses indivíduos pertencem ou pertenceram, não sendo especificados os seus cargos.4 4 Em 2020, publiquei na Revista Crítica de Ciências Sociais , com base nesses dados obtidos via entrevistas com gestores federais, o artigo “Vácuo no poder? Reflexões sobre a difusão do Primeiro Comando da Capital pelo Brasil” (ver DUARTE, 2020 ). O texto analisa os pontos de vista de gestores da administração penitenciária federal sobre os fatores que ocasionaram a difusão do grupo criminoso paulista PCC pelo Brasil e os efeitos desse movimento nos sistemas prisionais estaduais.

Fechada a coleta das informações, iniciei a crítica dos dados, sendo possível, assim, construir algumas linhas analíticas. Isto é, conforme as diferentes narrativas coletadas, como dispõe de uma natureza “racional burocrata”, o PCC tende a “desafiar” sistematicamente os órgãos de controle estatal, “enfraquecendo-os”, mesmo quando impostos modelos de cumprimento de privação de liberdade considerados “rígidos”, como o sistema penitenciário federal. Os dados aqui utilizados se pautaram, então, em ideias fundadas no debate sobre fraqueza x força da máquina administrativa do Estado, bem como sobre ausência x presença estatal no processo de construção de políticas públicas. Tais chaves dicotômicas guiarão minhas discussões nas seções seguintes. Antes, porém, farei um debate sobre o sistema penitenciário federal e indicarei alguns estudos que o tomaram como foco.

2. RETRATO GERAL DO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

A fim de estruturar estabelecimentos prisionais voltados a um cumprimento de pena rigoroso, em 2006 o Brasil inaugurou o sistema penitenciário federal, gerido pelo Depen. Com missão atualmente instituída pela Portaria n. 103, de fevereiro de 2019, seu objetivo central é “combater o crime organizado, isolando suas lideranças e presos de alta periculosidade, por meio de um rigoroso e eficaz regime de execução penal, salvaguardando a legalidade e contribuindo para a ordem e a segurança da sociedade”.5 5 Disponível em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/conheca-o-sistema-penitenciario-federal-1 . Acesso em: 24 nov. 2021. Legalmente, entende-se como “organização criminosa” a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos (§ 1º do art. 1º da Lei n. 12.850/2013).

As pessoas condenadas a cumprir pena nos estabelecimentos prisionais estaduais seriam transferidas ao sistema penitenciário federal caso possuam ao menos uma das características previstas no art. 3° do Decreto n. 6.877/2009:

  1. ter desempenhado função de liderança ou participado de forma relevante em organização criminosa;

  2. ter praticado crime que coloque em risco a sua integridade física no ambiente prisional de origem;

  3. estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), previsto no art. 52 da Lei de Execução Penal;

  4. ser membro de quadrilha ou bando, envolvido na prática reiterada de crimes com violência ou grave ameaça;

  5. ser réu colaborador ou delator premiado, desde que essa condição represente risco à sua integridade física no ambiente prisional de origem;

  6. estar envolvido em incidentes de fuga, de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional de origem.

Até final de 2020, como ilustrado na Figura 1 , em todo o Brasil havia cinco unidades prisionais federais: a de Brasília, situada no Distrito Federal; a de Porto Velho, em Rondônia; a de Mossoró, no Rio Grande do Norte; a de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul; e a de Catanduvas, no Paraná.6 6 Disponível em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/conheca-o-sistema-penitenciario-federal-1 . Acesso em: 24 nov. 2021.

FIGURA 1
– MAPA DE LOCALIZAÇÃO DAS UNIDADES PENITENCIÁRIAS FEDERAIS

Na página do Depen na internet, em área específica sobre o sistema penitenciário federal, indicava-se que “as penitenciárias federais contam com monitoramento em tempo real, é proibida a entrada de celulares e nunca sofreram atentados, motins ou rebeliões”.8 8 Disponível em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/conheca-o-sistema-penitenciario-federal-1 . Acesso em: 24 nov. 2021. Ainda, mencionava-se que, “graças aos presídios federais, os presos de maior periculosidade do país, sobretudo líderes de facções criminosas, estão isolados e desarticulados de suas ações que os levaram a estar presos na unidade”.9 9 Disponível em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/conheca-o-sistema-penitenciario-federal-1 . Acesso em: 24 nov. 2021.

Os custodiados são incluídos no sistema federal por um prazo de três anos, podendo essa permanência ser estendida quantas vezes forem necessárias aos olhos do sistema de justiça criminal. As celas dos estabelecimentos são individuais, a fim de evitar que os presos mantenham contato entre si. Somado a isso, sob a justificativa de necessidade de “desarticulação do crime”, a Portaria n. 718 do Ministério da Justiça, datada de agosto de 2017, proibiu as visitas íntimas às pessoas privadas de liberdade, salvo aos réus colaboradores ou aos delatores. Por outro lado, conforme a Portaria n. 157/2019, são permitidas as visitas sociais com vistas à manutenção dos “laços sociais e familiares” dos indivíduos presos. Esses encontros estão restritos aos pátios de visitação, aos parlatórios e às videoconferências.

Em reforço a essas medidas, o Depen indicava em seu site que o nível de monitoramento dos estabelecimentos federais “é o mais alto possível”. “Desde o primeiro dia, o preso começa a ser disciplinado”, segundo as regras estabelecidas pelas direções dessas unidades penais. Logo:10 10 Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/conheca-o-sistema-penitenciario-federal-1 . Acesso em: 15 jun. 2020.

  1. as movimentações da pessoa são rigorosamente monitoradas;

  2. em “todos os passos” dados durante o trânsito pela unidade, o preso fica algemado;

  3. toda vez que o indivíduo sai de sua cela, tal espaço sofre revista;

  4. o preso não tem acesso a tomadas elétricas, de modo que a energia e o chuveiro ligam apenas em horas determinadas;

  5. “o ambiente é sempre limpo”;

  6. prevê-se somente duas horas de banho de sol por dia.

Confeccionada pelo Depen, a Figura 2 ilustra o tipo de tratamento conferido aos presos federais, sendo apontado o contato que eles podem estabelecer com o “mundo exterior” ao cárcere. Ao que parece, haveria um esforço em expor ao público a efetividade do sistema, ressaltando-se o controle e o disciplinamento estabelecido em suas unidades prisionais.

FIGURA 2
– ESQUEMA DO DEPEN PARA CARACTERIZAR ROTINAS ESTABELECIDAS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

Caracterizados, então, como espaços praticamente estéreis, os estabelecimentos federais buscam traduzir em boa medida o disposto por Goffman (2007)GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos . São Paulo: Perspectiva, 2007. sobre instituições totais. Tais unidades buscam transformar as subjetividades individuais a partir do isolamento, com vistas a proteger a comunidade de perigos potenciais.

Em sentido semelhante, Reishoffer e Bicalho (2013)REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. O regime disciplinar diferenciado e o sistema penitenciário federal: a “reinvenção da prisão” através de políticas penitenciárias de exceção . Revista Polis e Psique , Porto Alegre, v. 3, n. 2, p. 162-184, 2013. analisaram que o sistema penitenciário federal emerge da lógica penal neoliberal, cujo foco é a criminalização de classes marginais, vulneráveis do ponto de vista social e econômico. Seus estabelecimentos autorizam a adoção de medidas de forte recrudescimento disciplinar, a partir de mecanismos de confinamento e redução de direitos. Em nome de uma pretensa segurança, disciplina e defesa social, a segregação do preso dito de “alta periculosidade” instrumentaliza práticas de punição, oficializadas por “legislações do pânico”, as quais reforçam o declínio do ideal “ressocializador”. Espalha-se, pois, uma ilusória sensação de que a criminalidade é rigidamente combatida ( REISHOFFER e BICALHO, 2013REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. O regime disciplinar diferenciado e o sistema penitenciário federal: a “reinvenção da prisão” através de políticas penitenciárias de exceção . Revista Polis e Psique , Porto Alegre, v. 3, n. 2, p. 162-184, 2013. ).

Por seu turno, Santos (2016)SANTOS, Gabriel Cesar dos. Sistema penitenciário federal e a violação dos direitos individuais do preso: uma reflexão crítica sobre os critérios de seleção dos inimigos do estado brasileiro . Revista Defensoria Pública da União , Brasília, n. 9, p. 305-334, 2016. indicou que, embora a transferência de presos esteja amparada por determinações legais, as normas nacionais apresentam teor vago ao classificar a “periculosidade” de um sujeito. Não há definição precisa que delimite objetivamente a submissão de uma pessoa custodiada pelo Estado a um novo regime de cumprimento de pena. Portanto, a imprecisão normativa, aliada às características dos estabelecimentos penais federais, torna constante a violação aos direitos dos indivíduos privados de liberdade.

Em perspectiva distinta, não necessariamente contrária a esses autores, Teixeira (2018)TEIXEIRA, Sérgio William Domingues. Muros altos e rios de sangue: o sistema penitenciário federal e a expansão das facções criminosas. 2018. 160 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. salientou que, muito alheios ao seu objetivo final de evitar o reforço de organizações criminais, como o PCC, os presídios federais tornaram-se ambientes de fomento à violência e de cometimento de crimes. Lideranças de grupos criminosos de todo o país começaram a entrar em contato umas com as outras nesses estabelecimentos, formando o chamado “Comitê Central do Crime”. Ou seja, a despeito dos múltiplos mecanismos de controle, os presos federais se comunicam entre si, repassando comandos, ordens, “salves” para seu grupo criminoso fora do cárcere. Essa permeabilidade do sistema federal, típica de unidades prisionais estaduais ( GODOI, 2017GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2017. ; SILVESTRE, 2012SILVESTRE, Giane. Dias de visita: uma sociologia da punição e das prisões. São Paulo: Alameda, 2012. ), deflagraria eventos violentos fora do ambiente de privação de liberdade. Teixeira (2018)TEIXEIRA, Sérgio William Domingues. Muros altos e rios de sangue: o sistema penitenciário federal e a expansão das facções criminosas. 2018. 160 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. narrou diversos incidentes envolvendo a depredação de prédios públicos e a morte de agentes prisionais, ordenados por presos em unidades geridas pelo Depen.

Pairam, portanto, ambiguidades em torno do sistema penitenciário federal. As narrativas institucionais reforçam os estabelecimentos federais como mecanismos de contenção e de punição de lideranças de organizações criminais, ao passo que dados de algumas pesquisas, ainda que reconheçam a rigidez do regime imposto, sublinham o cometimento de ações ilegais nesses espaços. Qual seria o perfil das narrativas da imprensa, dos documentos públicos e de gestores federais sobre a questão? Esses relatos evidenciam relações entre a expansão do PCC e os presídios federais, tal como em alguma medida enunciado por Teixeira (2018)TEIXEIRA, Sérgio William Domingues. Muros altos e rios de sangue: o sistema penitenciário federal e a expansão das facções criminosas. 2018. 160 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. ? Nas seções a seguir, buscarei responder a esses questionamentos.

3. “RACIONALIDADE CRIMINOSA”

Abro esta seção expondo um trecho de reportagem da Folha de S.Paulo , veiculada em 2018, em que se discutiu a preocupação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em relação à “criminalidade organizada”, como a estabelecida pelo PCC:

[...] uma criminalidade organizada que “representa grave ameaça à sociedade, ao Estado e à segurança institucional”. [...] “São modos de agir que as facções empregam a fim de impor sua agenda ao Estado”, disse Bezerra [servidor da ABIN], citando documento apreendido em Boa Vista (RR) que mostrou que o PCC (Primeiro Comando da Capital) havia “mapeado as casas de policiais militares”. Em outro episódio, em junho passado, foi apreendida em Fortaleza (CE) “uma granada do Exército peruano, o que demonstra que tiveram acesso a armamento numa cidade localizada a mais de 6 mil km de distância”, segundo Bezerra.12 12 FACÇÕES criminosas se enfrentam em todos os estados, diz Abin. Folha de S.Paulo , 5 set. 2018. Disponível em: https://ilustrado.com.br/faccoes-criminosas-se-enfrentam-em-todos-os-estados-diz-abin/ . Acesso em: 24 fev. 2021.

Não foram poucos os trabalhos acadêmicos que questionaram perspectivas como a indicada anteriormente, as quais tendem a conferir uma noção quase mitológica a respeito do “crime organizado”. Muniz e Proença (2007)MUNIZ, Jacqueline; PROENÇA, Domício Jr. Muita politicagem, pouca política os problemas da polícia são. Estudos Avançados , São Paulo, v. 21, p. 139-157, 2007. ressaltaram que essa expressão circunda nosso imaginário como uma espécie de categoria-exílio, cuja virtude simbólica é plasmar fenômenos distintos, por vezes díspares, em uma metonímia unificadora. Trata-se de uma noção fantástica, produtora de uma sensação de inteligibilidade. “Crime organizado” é, assim, um operador de sentidos, capaz de oferecer aparente unidade ao que são reuniões arbitrárias de práticas, traços ou aspectos sensíveis emancipados de seus contextos e histórias.

Mingardi (2007)MINGARDI, Guaraci. O trabalho da Inteligência no controle do crime organizado. Estudos Avançados , São Paulo, n. 21, p. 51-69, 2007. ressaltou que não é o tipo de crime que caracteriza determinada organização criminosa, como costuma ser ventilado sistematicamente pela imprensa ao tratar de grupos relacionados ao mercado de drogas. São as suas características que a definem, como: hierarquia, previsão de lucros, divisão do trabalho, planejamento empresarial e simbiose com o Estado. As quatro primeiras são encontradas em qualquer atividade empresarial moderna, tendo sido apenas adaptadas pelas organizações criminais. Já a quinta foi descrita pelo autor como a mais “polêmica”, pois, ao mesmo tempo em que certos atores públicos confirmam os demais elementos, são refratários em indicar a ligação entre o crime e a máquina do Estado.

Ao tratar especificamente sobre o PCC, Feltran (2018)FELTRAN, Gabriel. Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. indicou ser oblíquo fechar qualquer perspectiva única sobre o grupo, sendo estéril reduzi-lo tão só a categoria de “organização criminosa”. O PCC deve ser considerado algo idiossincrático, pois, concomitantemente, integra feições empresariais, bélicas e de irmandade. Logo, no âmbito econômico, seus integrantes dispõem de condutas mercantis, ao passo que, ao incorporarem a face guerreira, disputam mercados e territórios. Mas, sobretudo, a proposta da organização é agir discretamente, pautada por noções de irmandade, como sociedade secreta.

Nesse mesmo sentido, Biondi (2010BIONDI, Karina. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: Terceiro Nome, 2010. e 2014) chamou a atenção para a forma pouco hierárquica do PCC, inexistindo lideranças constituídas, cuja tarefa seria definir os rumos organizacionais. Como as decisões são sujeitas a impugnações e a contestações, o grupo compõe movimentos, sendo fruto de jogos de força. Logo, o PCC comporta uma série de estratégias e projetos, mas também é permeado por improvisos e, principalmente, pelas disposições de seus integrantes ( BIONDI, 2010BIONDI, Karina. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: Terceiro Nome, 2010. ). Somada a isso, há uma força organizacional que garante a perenidade das suas ações.

Em contraponto, os dados aqui discutidos mantêm narrativa distinta dessa abordagem relativista a respeito do “crime organizado”. De fato, é possível construir duas figuras ao analisar as informações coletadas neste estudo: uma se refere a um ente estruturado em cargos rígidos, com diferenciação de funções e tarefas, pautado pela impessoalidade, tal qual Weber (1982)WEBER, Max. Ensaios de sociologia . 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. descreveu uma organização burocrática típica; a outra busca garantir o monopólio da força, mas, dadas as suas estruturas “enfraquecidas”, perde posição para o outro ente. Estabelece-se, assim, uma espécie de “corrida”, em que a segunda figura tenta disputar com a primeira ao criar mecanismos de controle cada vez mais fortes. Contudo, ao final, sempre acaba vencida. A primeira representação alude ao PCC, ao passo que a segunda versa sobre os órgãos de controle, como as polícias, o Ministério Público e a gestão penal federal.

Darei foco nesta seção ao imaginário preponderante sobre a organização criminal e na seguinte tratarei das narrativas sobre Estado. De antemão, cabe destacar que muitos estudos já discutiram os relatos empresariais sobre o PCC ( DIAS, 2011DIAS, Camila. Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. 2011. 386 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. ; MANSO e DIAS, 2018MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila. A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime. São Paulo: Todavia, 2018. ; SILVESTRE, 2016SILVESTRE, Giane. Enxugando o iceberg: como as instituições estatais exercem o controle do crime em São Paulo. 2016. 314 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. ; BIONDI, 2010BIONDI, Karina. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: Terceiro Nome, 2010. , 2014BIONDI, Karina. Etnografia no movimento: território, hierarquia e lei no PCC. 2014. 336 f. Tese (Doutorado em Antropologia) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014. ; FELTRAN, 2018FELTRAN, Gabriel. Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. ). Portanto, minha tarefa aqui não é reiterar o já amplamente exposto. Busco apenas retomar o prisma “racional mercantil” do PCC para fundamentar a linha narrativa pautada por dicotomias, utilizada por alguns atores públicos para caracterizar a relação entre o sistema penitenciário federal e certas dinâmicas criminais.

Nesse sentido, conforme o relatório da CPI para Investigar Organizações Criminosas e Tráfico de Armas, desde a formação do PCC, em 1993, na Penitenciária de Taubaté, seus integrantes estavam imbuídos em se consolidar como protagonistas no “mundo do crime” em São Paulo. Para tanto, criou um sistema de arrecadação financeira, conhecido como “caixinha” ou “cebola”, acolheu sistematicamente novos integrantes sob uma narrativa de proteção contra as “opressões estatais” e se apropriou de tecnologias, como o telefone celular, a fim de facilitar a interação entre membros.

Ao passo que o Comando Vermelho13 13 Ao que tudo indica, apesar de muitas controvérsias e incertezas, o grupo foi instituído a partir da convivência entre presos comuns e os privados de liberdade enquadrados na Lei de Segurança Nacional, os ditos “políticos”, durante o período da Ditadura Civil-Militar, em um cárcere situado na Ilha Grande, no Rio de Janeiro ( BARBOSA, 2005 ). Para além das ambiguidades relativas ao nascimento dessa facção, é notável que numerosos acontecimentos passaram a ser atribuídos ao grupo dentro e fora das prisões a partir da década de 1980 ( MISSE, 2010 ). precisou de dez anos para crescer a ponto de exercer o domínio do lado de dentro do sistema prisional e enfrentar as instituições na cidade do Rio de Janeiro, o PCC precisou de apenas metade desse tempo para fazer o mesmo no Estado de São Paulo. Até os “batismos” eram feitos por telefone. ( PIMENTA, 2006PIMENTA, Paulo. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar as Organizações Criminosas do Tráfico de Armas. Nov. 2006. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/cpiarmas.pdf. Acesso em: 18 out. 2021.
https://www.conjur.com.br/dl/cpiarmas.pd...
, p. 192)

A partir de um sistema de recrutamento considerado “eficiente” pelos órgãos públicos, o grupo se estruturou em distintos cargos, cada qual com funções específicas. No topo dessa hierarquia estaria a “sintonia final cúpula”, formada por lideranças máximas, reclusas na Penitenciária II de Presidente Venceslau, em São Paulo. Abaixo, estaria a “sintonia final geral”, composta por presos fundadores da organização. Esse setor se conectaria a outros, como (Procedimento n. 336/10, p. 50):

  • : “apoio da sintonia final geral” – constituído pela “sintonia dos gravatas”, responsável por contratar advogados, bem como pelo “setor financeiro”, formado apenas por integrantes de alta confiança da cúpula, incumbidos de administrar e controlar todas as finanças do PCC. Algumas das principais fontes de arrecadação do grupo constituiriam essa unidade, como os ganhos angariados pelo próprio tráfico de drogas, o valor obtido a partir da venda de “rifas”, os lucros alcançados via aluguel de ônibus, entre outros;

  • : “sintonia geral de rua”, composta pelo “Quadro dos 36”, e “sintonia do interior” –encarregado de tomar decisões relativas à ação do PCC nas ruas, dividindo-se conforme as distintas regiões de São Paulo. A partir desse setor, descentralizou-se a tomada de decisão de pessoas presas, a fim de evitar possíveis monitoramentos e interceptações telefônicas. A “sintonia do interior” seria a responsável por administrar, organizar e difundir o grupo nas cidades e regiões do interior de São Paulo;

  • : “sintonia geral do sistema” – encarregada da tomada de decisões no sistema prisional, dividindo-se em colônias agrícolas, unidades prisionais femininas, comarcas, centros de detenção provisória e presídios;

  • : “sintonia geral dos outros estados” – responsável por administrar, coordenar e difundir o grupo a outros estados e a outros países.

Todas essas características de ação e de estruturação facilitaram a expansão do PCC a territórios distintos de São Paulo, conforme as perspectivas analisadas. O interesse central da organização seria o lucro, obtido a partir de novas rotas de venda de drogas, ainda que outras narrativas estejam em jogo, como a garantia de proteção a presos que integram o grupo.

Lucro, lucro! Eles [membros do PCC] apresentam uma ideia que para eles deu certo, mas no final eles querem, domínio territorial, lucro pra cúpula, porque arrecada, rotas de droga, mercado consumidor, entendeu? Então, assim, eles têm um interesse por trás, só que a mensagem que vai para o cárcere é a mensagem de que vai proteger o preso, entendeu? Então, assim, com esse lema, eles conseguem entrar onde o Estado não entrou, e aí eles trazem a sensação para o preso que ele vai se beneficiar. (Entrevista com gestor federal D)

Se até a década de 2010 basicamente não eram noticiados na imprensa elementos sobre a difusão do PCC pelo país, um conjunto mais consistente de matérias sobre o assunto começou a ser veiculado em 2011 ( DUARTE e ARAÚJO, 2020DUARTE, Thais Lemos; ARAÚJO, Isabela Cristina Alves de. PCC em pauta: narrativas jornalísticas sobre a expansão do grupo pelo Brasil. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social , Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 506-532, 2020. ). Nesse ano, a Folha de S.Paulo indicou que o grupo teria atuação em quinze unidades da federação, além do estado paulista. O PCC teria criado um esquema internacional de tráfico de drogas e se inserido em lugares até então assumidos só por traficantes considerados “experientes”, como Fernandinho Beira-Mar, do Comando Vermelho.14 14 FACÇÃO criminosa de SP atua em mais 15 Estados. Folha de S.Paulo , 25 out. 2011. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/corrida/cr2510201101.htm . Acesso em: 1º mar. 2021. Já em 2018, por sua vez, a Denúncia Echelon do Ministério Público de São Paulo caracterizou o grupo como a maior organização criminal em atuação no país, dispondo de cerca de 30 mil integrantes espalhados em todos os estados e em alguns países vizinhos (PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PAULISTA, N. 087, 2017, p. 35).

Para a consecução de seus objetivos criminosos, seus integrantes encontram-se espalhados por todo o Estado de São Paulo e por outros Estados da Federação, divididos em “células” autônomas de atuação, através das quais os crimes operados pela organização são realizados em cada região do Estado de São Paulo, bem como em outros Estados da federação e até em outros países. (PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PAULISTA, N. 087, 2017, p. 36)

4. PERSPECTIVAS DICOTÔMICAS

Já discuti em textos anteriores que, em boa medida, gestores federais costumam sustentar a narrativa de que o PCC seria fruto de “vácuos de poder”, dada a “ausência” estatal no processo de formulação de certas políticas públicas ( DUARTE, 2020DUARTE, Thais Lemos. Vácuo no poder: reflexões sobre a difusão do Primeiro Comando da Capital pelo Brasil . Revista Crítica de Ciências Sociais , Coimbra, n. 122, p. 77-96, 2020. ). A superlotação prisional e a falta de acesso dos presos a garantias básicas, por exemplo, seriam mobilizadas por esses atores para explicar o protagonismo do PCC no “mundo do crime” em São Paulo e suas investidas de expansão pelo Brasil.

Neste trabalho, avanço com essa linha analítica ao indicar que a “ausência” é utilizada como recurso para discutir um contexto violatório ou de omissão na consecução de direitos. O Estado se faria “presente”, porém, ao executar a política de “guerra às drogas”, voltada à criminalização do traficante de drogas, cujo efeito é o aumento nos níveis de encarceramento. Esses processos são percebidos por um conjunto (pequeno, mas significativo) de entrevistados também como também determinantes à expansão e ao fortalecimento de grupos criminosos.15 15 Para acessar pesquisas que discutiram em profundidade as políticas de encarceramento em massa e de “guerra às drogas”, ver Silvestre (2016) , Teixeira (2012) , Sinhoretto, Silvestre e Melo (2013), Pastana (2009) e Carlos (2015) .

Para mim não tem como dissociar qualquer percepção, qualquer aproximação com expansão ou com organização de facções e de organizações criminosas, dissociado da política de enfrentamento de guerra às drogas [...]. Como se fosse efetivo esse combate ao sintoma e não a causa de todo aquele conflito e como se esse enfrentamento fosse possível de sair vitorioso. (Entrevista com gestor federal A)

De igual maneira, certas ações administrativas – que podem ser similarmente consideradas “presenças” estatais – utilizadas para frear o PCC foram também compreendidas como “equivocadas”. Ainda no período em que a literatura indicou ser o início da dispersão do PCC às prisões de São Paulo ( DIAS, 2011DIAS, Camila. Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. 2011. 386 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. ), ao final da década de 1990,16 16 Conforme Dias (2011) , a expansão do PCC por São Paulo pode ser dividida em três fases. A primeira se iniciou em 1993, no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, quando o grupo iniciou sua difusão pelo sistema prisional paulista. O intervalo entre 2001 e 2006 compreendeu a segunda etapa, iniciada após uma megarrebelião, cujo efeito foi tornar pública a existência do PCC. Por sua vez, desde meados de 2006, a partir de atentados ocorridos, em especial no mês de maio desse ano, ficou exposta a capacidade do grupo em controlar praticamente todo o sistema carcerário paulista, além de inúmeros espaços de periferia urbana estaduais. O PCC passou a ser considerado o “inimigo número um” das forças de segurança, ao mesmo tempo em que marcou sua consolidação como uma nova figura social, com domínio significativo do “mundo do crime” em São Paulo. o poder público estadual resolveu dissolver algumas lideranças organizacionais custodiadas, transferindo-as a outros estados. A ação foi caracterizada pelas narrativas institucionais como um marco da difusão do PCC pelo Brasil. O Relatório da CPI “Destinada a Investigar Organizações Criminosas e Tráfico de Armas”, por exemplo, citou que a medida constituiu “erros administrativos graves”, que contribuíram para a disseminação do ideário do grupo ( PIMENTA, 2006PIMENTA, Paulo. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar as Organizações Criminosas do Tráfico de Armas. Nov. 2006. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/cpiarmas.pdf. Acesso em: 18 out. 2021.
https://www.conjur.com.br/dl/cpiarmas.pd...
, p. 191).

Muitos dos principais líderes do PCC foram removidos para outros Estados (Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Distrito Federal) em 1997 e 1998, quando começaram a eclodir as primeiras rebeliões em presídios paulistas, já atribuídas à capacidade de organização do PCC. O mesmo aconteceu após a megarrebelião dos presídios, em 2001. ( PIMENTA, 2006PIMENTA, Paulo. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar as Organizações Criminosas do Tráfico de Armas. Nov. 2006. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/cpiarmas.pdf. Acesso em: 18 out. 2021.
https://www.conjur.com.br/dl/cpiarmas.pd...
, p. 191)

Em outras palavras, o Estado se mostra “ausente” ao não garantir direitos aos presos, mas é “presente” ao mobilizar determinadas políticas penais e de segurança pública. De uma forma ou de outra, o aparelho estatal é visto como “fraco”, com ações questionáveis, falhando em seu papel de monopólio da violência legítima. Nas subseções 4.1 e 4.2, discutirei em que medida a chave analítica dicotômica força x fraqueza perfaz as narrativas sobre a constituição e o funcionamento das prisões federais, bem como estrutura as perspectivas que conjugam esses estabelecimentos ao PCC.

4.1. “FORÇA” E “FRAQUEZA” DAS UNIDADES FEDERAIS

Na narrativa da imprensa e de atores estatais, a Penitenciária Federal de Catanduvas, inaugurada em junho de 2006 no Paraná, surgiu como espécie de contraponto aos sistemas prisionais estaduais. Não à toa, um dos primeiros presos transferidos ao local foi Fernandinho Beira-Mar, já citada liderança da facção Comando Vermelho.

Eles [presídios federais] são uma demanda necessária. Eu me lembro em vários momentos e eu vou citar um específico em Santa Catarina que nós estivemos a partir de um problema no presídio de Joinville, em que houve uma agressão policial com tiros de borracha em presos que estavam de cócoras e atirava neles. Um negócio horroroso ali. Houve uma reação muito forte somada a uma briga de facções criminosas que levou ao incendiário de ônibus. Foi uma situação de pânico em Florianópolis. Isso fez com que nós tivéssemos um plano de emergência em conjunto com a secretária de segurança pública local [...] E nós fizemos um conjunto de ações, de medidas policiais de segurança para evitar aquela situação e uma delas foi a remoção de 40 presos aos presídios federais, o que se mostrou bastante conveniente e acertado, porque uma semana depois nós controlamos a situação em Florianópolis. (Entrevista com gestor federal H)

A imprensa ajudou a reforçar esse tipo de perspectiva. Não foram poucas as matérias de jornais analisadas cujas manchetes indicavam a transferência de presos ao sistema penitenciário federal como saída aos problemas de segurança pública estaduais. Em “Bastos confirma 40 vagas para SP em presídio federal”,17 17 TORTATO, Mari. Bastos confirma 40 vagas para SP em presídio federal. Folha de S.Paulo , 5 ago. 2006. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0508200607.htm . Acesso em: 23 fev. 2020. por exemplo, pontuou-se que, em face dos atentados cometidos pelo PCC em 2006,18 18 Cárceres, postos, viaturas, delegacias de polícia e diversos outros tipos de prédios públicos sofreram ataques armados, cujos principais alvos eram policiais e agentes penitenciários ( CANO e ALVADIA, 2008 ). A polícia então reagiu. As folgas e férias dos policiais foram canceladas e todo o efetivo foi posto nas ruas. Entre 12 e 21 de maio de 2006, na chamada “semana sangrenta”, centenas de pessoas foram mortas. o Ministro da Justiça havia disponibilizado vagas do recém-inaugurado presídio de segurança máxima de Catanduvas a presos paulistas.

Entretanto, os discursos sobre as prisões federais, desde o surgimento delas, pareceram permeados por ambiguidades. Ao mesmo tempo em que assinalava a importância dos estabelecimentos, a Folha de S.Paulo os fragilizava, apontando, entre outros aspectos, para o domínio do PCC nesses espaços. Em reportagem lançada ainda em 2007, indicou-se que, apesar do “estardalhaço” do governo, o sistema federal basicamente surgiu no “caos”.

O documento [relatório de inteligência produzido pela Polícia Federal] expõe uma unidade bem diferente do super presídio alardeado pelo governo. Mostra agentes com antecedentes criminais e desvios de conduta, falhas graves de segurança e influência de presos – como o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, o primeiro a ocupar a cadeia. [...] A falta de normas e o enfraquecimento da chefia fortaleceram os presos, a maioria integrantes de facções criminosas, notadamente o PCC. (Primeiro Comando da Capital)19 19 MASCHIO, José. Relatório aponta caos em presídio federal. Folha de S.Paulo , 16 abr. 2007. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1604200701.htm . Acesso em: 16 jun. 2020.

Para além dos aspectos citados nesse trecho, outro elemento mobilizado para explicar a “falência” das unidades prisionais federais seria o já proposto pela literatura a respeito da falta de critérios objetivos na categorização de pessoas remetidas a esses locais ( SANTOS, 2016SANTOS, Gabriel Cesar dos. Sistema penitenciário federal e a violação dos direitos individuais do preso: uma reflexão crítica sobre os critérios de seleção dos inimigos do estado brasileiro . Revista Defensoria Pública da União , Brasília, n. 9, p. 305-334, 2016. ). Alguns entrevistados indicaram que muitos presos enviados aos estabelecimentos não se enquadram no perfil originalmente traçado a esse tipo de cumprimento de pena, o que teria motivado uma espécie de banalização do modelo. Na prática, qualquer “ladrão de galinha” poderia ser transferido a uma unidade prisional de perfil mais rigoroso, não sendo levados em consideração os critérios relativos à sua “periculosidade”.

Tanta gente entrou e saiu e esse perfil não foi tão rigoroso assim, tivemos muitos erros, mandamos ladrão de galinha para o sistema penitenciário federal que não era para ter mandado, que os próprios presos mesmo fazem essa avaliação e sabem que o cara não é mais o ban ban ban. Nesses doze anos deu pra perceber que esse cara que vai pro federal não é o ban ban ban e não tem todo esse poder. (Entrevista com gestor federal G)

Conforme algumas narrativas, o sistema federal não é isolado dos sistemas de justiça criminal estaduais. As ações estabelecidas em um âmbito se comunicam com as executadas em outro, de modo que as consideradas “falhas” estruturais existentes nos estados são transferidas às unidades federais, perpetuando-se “vícios”. E esse contexto se pereniza pelo constante trânsito dos presos entre um sistema e outro.

Como principal resposta a rebeliões em presídios, os governos estaduais transferiram para as quatro penitenciárias federais nos últimos cinco anos um total de 1.414 detentos considerados líderes de facções criminosas. Desse total, 891 foram devolvidos aos Estados no período, segundo dados do Depen (Departamento Penitenciário Federal) obtidos pela Folha.20 20 VALENTE, Rubens; LOBEL, Fabrício. União devolve a Estados 891 presos em cinco anos. Folha de S.Paulo , 21 jan. 2017. Disponível em: https://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/01/1852075-uniao-devolve-a-estados-891-presos-em-cinco-anos.shtml . Acesso em: 23 fev. 2021.

Em boa medida, esses relatos acabam por resvalar na dicotomia fraqueza x força. No limite, a “falência” do sistema penitenciário federal se resolveria com maior “blindagem” dos estabelecimentos federais em relação ao “contágio” das práticas tradicionalmente estabelecidas nos sistemas estaduais. Logo, a imposição de um sistema “duro”, produto da seleção mais apurada dos presos a serem transferidos, da imposição de rotinas institucionais efetivamente rigorosas, do recrutamento exigente dos agentes prisionais, entre outras ações marcadas por maior controle, seria fundamental para garantir os objetivos do sistema penitenciário federal.

O sistema não é rígido o suficiente. A gente não consegue fazer o isolamento de fato, porque tem contato com advogado, porque tem as visitas íntimas. O fracasso nessa empreitada aí, que seria isolar e conter o crime organizado como um todo pelas suas lideranças, acaba sendo explicado não como erro de estratégia, como incapacidade dessa estratégia de resolver o problema. E, sim, como insuficiência da estratégia que deveria ser mais dura ainda. (Entrevista com gestor federal A)

Em síntese, em sua essência, o sistema federal pareceu ser considerado “forte”, sendo justificáveis sua criação e manutenção haja vista o contexto de segurança pública nacional. Contudo, na prática, desde sua concepção, mostrou-se “frágil”, permeado por problemas, ensejando, na visão de alguns entrevistados, o fortalecimento do PCC.

4.2. PRISÕES FEDERAIS E PCC

Em consonância com o introduzido por Teixeira (2018)TEIXEIRA, Sérgio William Domingues. Muros altos e rios de sangue: o sistema penitenciário federal e a expansão das facções criminosas. 2018. 160 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. , em diversas narrativas coletadas nesta pesquisa, as prisões federais foram analisadas como elemento importante à expansão do PCC em distintos territórios brasileiros. Ou seja, para além das medidas adotadas pelo governo paulista ainda na década de 1990, cujo efeito foi iniciar a disseminação do grupo pelo Brasil, as prisões federais ajudaram a promover esse quadro de difusão. Logo, haveria uma relação de causalidade entre os fenômenos, embora a expansão do PCC também seja explicada por outras questões que transcendem as prisões federais ( DUARTE, 2020DUARTE, Thais Lemos. Vácuo no poder: reflexões sobre a difusão do Primeiro Comando da Capital pelo Brasil . Revista Crítica de Ciências Sociais , Coimbra, n. 122, p. 77-96, 2020. ; MANSO e DIAS, 2020).

Tenho que concordar pela dinâmica que eu vejo e escuto de que começou a juntar gente no sistema penitenciário federal de vários estados e daí as coisas foram se complicando e os grupos foram voltando pros estados e o PCC foi se expandindo, inclusive, a partir das reuniões que o sistema penitenciário federal produziu. (Entrevista com gestor federal A)

Com esses 11 anos na penitenciária federal, se obteve um efeito bastante inverso do desejado, que era trazer pessoas de vários lugares do Brasil e colocar na mesma unidade, numa visão simplista, você pensa: Não, eles não entram em contato, cada um fica em ala específica [...]. Mas, esses pequenos contatos e aí os contatos que são feitos através de familiares e advogados em torno do Sistema Penitenciário Federal, começou a criar conexões que eles nunca fariam sozinho, senão fosse a contribuição dos estados. (Entrevista com gestor federal B)

Cabe destacar, porém, que a relação entre o reforço da expansão do PCC pelo Brasil e as prisões federais não foi aspecto consensuado nos relatos coletados. Alguns seguiram o disposto nos trechos anteriores, ao passo que outros afirmaram que a transferência de integrantes do PCC aos estabelecimentos geridos pelo Depen não foi necessariamente um dos fundamentos da difusão. Para esse segundo conjunto narrativo, o fenômeno resultaria, sobremaneira, da estratégia do PCC de remeter alguns de seus integrantes a outros estados, com a abertura de “franquias”, possibilitando o espraiamento de seus valores ( DUARTE, 2020DUARTE, Thais Lemos. Vácuo no poder: reflexões sobre a difusão do Primeiro Comando da Capital pelo Brasil . Revista Crítica de Ciências Sociais , Coimbra, n. 122, p. 77-96, 2020. ). Por sua vez, um entrevistado adotou uma postura mediadora ao dizer que, ao agenciar maior controle nas rotinas carcerárias, o sistema federal diminuiria as possibilidades de contato com o mundo exterior a prisão. Não haveria tanto uso de aparelhos celulares nesses espaços como ocorreria em unidades estaduais, por exemplo.

Eu não acredito que exista celular que exista uma comunicação contínua de quem está no sistema penitenciário federal com a base. “Ah pode existir pombo correio com advogado juntamente com os familiares que têm visita social e visita íntima?” Sim, pode ocorrer, mas acho que é uma comunicação muito controlada. Então, acho que talvez uma grande questão que tenha favorecido o intercâmbio é que quando você também transfere pessoas para outros estados e, quando essas pessoas realmente têm algum papel de liderança nas facções, elas são obrigadas a transferir um pouco a estrutura de visita para aquele determinado estado. (Entrevista com gestor federal I)

Por outro lado, esse mesmo informante e outros disseram que o estabelecimento federal mobilizaria relações até então inexistentes em certo local, dadas as porosidades carcerárias ( CUNHA, 2002CUNHA, Manoela. Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajetos. Lisboa: Fim do Século, 2002. ; COMFORT, 2002COMFORT, Megan. Papa’s House: The Prison as Domestic and Social Satellite. Ethnography , v. 3, n. 4, p. 467-499, 2002. ; GODOI, 2017GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2017. ; SILVESTRE, 2012SILVESTRE, Giane. Dias de visita: uma sociologia da punição e das prisões. São Paulo: Alameda, 2012. ). As pessoas envolvidas, mesmo que indiretamente, em dinâmicas criminais em certo estado podem entrar em contato com sujeitos de outros territórios ao visitar um parente custodiado em prisão federal, transformando as relações de um lugar. Silvestre (2012)SILVESTRE, Giane. Dias de visita: uma sociologia da punição e das prisões. São Paulo: Alameda, 2012. teria observado fenômeno similar em cidades do interior paulista marcadas pelas rotinas de unidades prisionais. Os familiares de presos, especialmente as companheiras, seriam submetidos constantemente ao controle social exercido tanto formalmente pelas instituições carcerárias quanto informalmente pelos moradores da cidade, pois seriam analisados como “criminosos em potencial”. Contudo, criariam redes de relações entre si, estabelecendo canais que não teriam se formado em outro cenário.

É, e o PCC começou a pagar, por exemplo, casas, na cidade onde havia Penitenciária Federal para que familiares dos presos pudessem ir, independente se fossem do PCC. Porque, reconhecidamente, são famílias que não têm essa condição de bancar uma viagem, uma estada lá nas visitas, geralmente, é um processo que demora uma semana. E como eles têm esse lema da solidariedade e viu nisso uma oportunidade, as famílias começaram a ficar juntas em residências. Não todas é, claro. Muitas em residências alugadas pelo partido. E aí essas famílias juntas lá começaram também a trocar informações com os presos e isso produziu uma rede inesperada, dentre os advogados e familiares que consequentemente... E, também, entre os presos dentro do sistema penitenciário federal. (Entrevista com gestor federal B)

Para além de transformar as dinâmicas do entorno das unidades prisionais federais, outro gestor indicou que membros do grupo em atuação fora do ambiente carcerário demandariam direitos às pessoas no regime mais rigoroso, usando, por exemplo, a violência letal como recurso contra funcionários prisionais federais:

Mas o PCC mandou matar três pessoas, três agentes e “ah, mas aquele agente fez uma coisa pessoal?” Não. Ele matou dois dos nossos melhores profissionais, que eu trabalhei lado a lado, que não fez absolutamente nada. [...] Por quê? Por causa da proibição de visitas e do rigor do sistema penitenciário federal. (Entrevista com gestor federal G)

Nesse mesmo sentido, em 2014, a Folha de S.Paulo indicou que, em decorrência da ação do PCC nas unidades federais, o comportamento dos presos teria transformado o sistema. Eles passaram a “desafiar” os agentes penitenciários e a adotar novas regras de comportamento. Logo, diferentemente do indicado no site do Depen, o qual informou para o controle praticamente absoluto das unidades federais que nunca teriam sofrido motins, a reportagem apontou para um contexto de rebelião no estabelecimento de Porto Velho, ensejado pelo fortalecimento de grupos criminais, como o PCC:

O PCC (Primeiro Comando da Capital), facção criminosa que dominou as penitenciárias de São Paulo, agora tenta expandir seus domínios para os quatro presídios federais construídos no país. O alerta vem sendo feito por agentes penitenciários ao Ministério da Justiça desde o ano passado, mas a situação se agravou em setembro. Uma ala inteira do presídio federal de Porto Velho (RO) teve o interior de suas celas destruídas pelos detentos, no que foi considerado o primeiro motim em uma unidade federal desde que elas começaram a ser inauguradas, em 2006.21 21 MARTINS, Marco Antônio. Facção criminosa se articula em presídios federais no país. Folha de S.Paulo , 24 nov. 2014. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1552289-faccao-criminosa-se-articula-em-presidios-federais-no-pais.shtml . Acesso em: 26 maio 2020.

Retomando as discussões utilizadas para abrir este artigo, a erosão de fronteiras entre bairro e prisão promove rearranjos nos dispositivos carcerários, sendo estabelecidos, assim, novos ilegalismos, novas sociabilidades, ao mesmo tempo em que são promovidas novas ações penais que tentam dar conta do cenário que se conforma continuamente ( CUNHA, 2002CUNHA, Manoela. Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajetos. Lisboa: Fim do Século, 2002. ; COMFORT, 2002COMFORT, Megan. Papa’s House: The Prison as Domestic and Social Satellite. Ethnography , v. 3, n. 4, p. 467-499, 2002. ; GODOI, 2017GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2017. ; SILVESTRE, 2012SILVESTRE, Giane. Dias de visita: uma sociologia da punição e das prisões. São Paulo: Alameda, 2012. ; TEIXEIRA, 2012TEIXEIRA, Alessandra. Construir a delinquência, articular a criminalidade: um estudo sobre a gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo. 2012. 352 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. ; MISSE, 2010MISSE, Michel. Trocas ilícitas e mercadorias políticas: para uma interpretação de trocas ilícitas e moralmente reprováveis cuja persistência e abrangência no Brasil nos causam incômodos também teóricos . Anuário Antropológico , Brasília, On-line , II, 2010. ). As prisões federais poderiam ser situadas, então, nesse contexto, já que, formalmente, surgem para reprimir e conter dinâmicas criminais complexificadas ao longo das últimas décadas, como as estabelecidas pelo PCC. Entretanto, dada a sua natureza – que é porosa, pois trata-se de um cárcere –, questões comuns a outras unidades prisionais se reproduzem nesses espaços, ainda que estes se digam rigidamente controlados e, de fato, sejam.

Em outros termos, o controle e a disciplina não impedem a concretização de dinâmicas comuns a qualquer espaço carcerário. Ao contrário, criam brechas para que sejam estabelecidas outras interações, legais e ilegais, o que é discutido amplamente em estudos sobre prisões, desde os clássicos ( SYKES, 2017SYKES, Gresham. La sociedad de los cautivos: estudio de una cárcel de máxima seguridad. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2017. ) até os mais atuais, utilizados como motes teóricos deste artigo ( CUNHA, 2002CUNHA, Manoela. Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajetos. Lisboa: Fim do Século, 2002. ; COMFORT, 2002COMFORT, Megan. Papa’s House: The Prison as Domestic and Social Satellite. Ethnography , v. 3, n. 4, p. 467-499, 2002. ; GODOI, 2017GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2017. ; SILVESTRE, 2012SILVESTRE, Giane. Dias de visita: uma sociologia da punição e das prisões. São Paulo: Alameda, 2012. ; TEIXEIRA, 2012TEIXEIRA, Alessandra. Construir a delinquência, articular a criminalidade: um estudo sobre a gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo. 2012. 352 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. ; MISSE, 2010MISSE, Michel. Trocas ilícitas e mercadorias políticas: para uma interpretação de trocas ilícitas e moralmente reprováveis cuja persistência e abrangência no Brasil nos causam incômodos também teóricos . Anuário Antropológico , Brasília, On-line , II, 2010. ). No entanto, conforme os dados aqui discutidos, em vez de colocar em xeque a efetividade dos cárceres ( DAVIS, 2020DAVIS, Angela. Estarão as prisões obsoletas? 7. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2020. ), esse quadro costuma ser lido por atores públicos como “falhas”, que espelham “fraquezas” estatais.

À GUISA DE CONCLUSÃO OU PARA QUE ALGUMAS DICOTOMIAS SEJAM DESFEITAS

Análises dicotômicas tendem a ser reducionistas, pois geralmente não conseguem abarcar a complexidade de relações e de dinâmicas que envolvem determinada questão social. Importa iniciar as conclusões deste texto com essa reflexão, já que noções sobre “fraqueza” e “força”, “ausência e “presença”, costuraram boa parte das discussões aqui elaboradas.

Em outros termos, projetou-se um sistema prisional voltado a isolar, a disciplinar e a mortificar – nos termos de Goffman (2007)GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos . São Paulo: Perspectiva, 2007. – pessoas consideradas perigosas, como as que integram as fileiras do PCC. Desde suas origens, porém, na visão dos atores mobilizados, esse mesmo sistema é “falho”, embora não haja consenso sobre seu papel na expansão do PCC pelo Brasil. De todo modo, a perspectiva geral é a de que as prisões federais acabam por reproduzir problemas típicos dos ambientes de privação de liberdade das unidades da federação, marcados pela “ausência” estatal na consecução dos direitos dos presos e pela “presença” na formulação de uma política penal fundada na “guerra às drogas” e no “encarceramento em massa”. Como fruto de parte desse cenário, o PCC tem se estruturado em dinâmicas complexas, marcadas por uma “racionalidade criminal” que exprime “força”.

Parece ser desenhada, assim, uma disputa entre os órgãos de controle estatal e o PCC, este visto como um ser quase mitológico, o que acaba por justificar a adoção de medidas penais cada vez mais rígidas. Entretanto, tais ações são percebidas sempre como insuficientes, pois o PCC teria ampla capacidade de atuação, difundindo-se de forma dinâmica pelo Brasil. Ou seja, o Estado não é “forte” a ponto de compor um sistema de punição capaz de efetivamente mortificar os integrantes do grupo criminal, do “crime organizado”.

O que é em parte ignorada nessa perspectiva é a natureza do dispositivo mobilizado para conter o PCC. O cárcere, constituído por porosidades, promove um intercâmbio de elementos entre o seu interior e o seu exterior, cujo efeito, entre outros, é produzir ilegalismos – mercadorias políticas. Alguns atores até se escoraram nesse entendimento, mas, ao final, reforçaram as prisões federais como mecanismos potencialmente “fortes” de contenção de organizações criminosas. De fato, os dados aqui trabalhados me levam à hipótese de que o controle sobre grupos costuma ser diretamente proporcional ao conjunto de medidas utilizadas por eles para burlá-lo. Quanto maior a fiscalização sobre algo, múltiplas são as maneiras utilizadas para se desviar do olhar direcionado. Sob tal interpretação, algumas dicotomias podem ser desfeitas. O debate não necessariamente giraria em torno de noções como “força” ou “fraqueza”, “ausência” ou “presença”. A discussão passaria a se centrar nas iniciativas estatais utilizadas para lidar com dinâmicas criminais que, em boa medida, precisam ser compreendidas como decorrências das políticas penais e de segurança pública historicamente estabelecidas.

A pergunta de Davis (2020)DAVIS, Angela. Estarão as prisões obsoletas? 7. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2020. , “estarão as prisões obsoletas?”, torna-se bem pertinente nesse sentido.

AGRADECIMENTOS

A autora agradece o aporte à pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de concessão de bolsa de pós-doutorado júnior (processo n. 155547/2018-6), vigente entre agosto de 2019 e novembro de 2020.

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  • WEBER, Max. Ensaios de sociologia . 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982.
  • 1
    Formado por 755 mil custodiados, quantitativo três vezes maior em relação ao universo de presos no Brasil no ano 2000. Dados de 2019, disponíveis em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen . Acesso em: 3 jun. 2020.
  • 2
    Debates mais substanciais a respeito desse levantamento foram realizados no artigo “PCC em pauta: narrativas jornalísticas sobre a expansão do grupo pelo Brasil”, de minha autoria e de coautoria de Isabela Cristina Alves de Araújo, publicado na Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, em 2020. A proposta deste texto foi compreender, com base na perspectiva da imprensa, o processo de difusão do PCC pelo Brasil e por Minas Gerais (ver DUARTE e ARAÚJO, 2020DUARTE, Thais Lemos; ARAÚJO, Isabela Cristina Alves de. PCC em pauta: narrativas jornalísticas sobre a expansão do grupo pelo Brasil. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social , Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 506-532, 2020. ).
  • 3
    O Depen é órgão atualmente ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, cuja função é acompanhar e controlar a aplicação da Lei de Execução Penal e as diretrizes da Política Penitenciária Nacional. Ainda, é o responsável pelo Sistema Penitenciário Federal.
  • 4
    Em 2020, publiquei na Revista Crítica de Ciências Sociais , com base nesses dados obtidos via entrevistas com gestores federais, o artigo “Vácuo no poder? Reflexões sobre a difusão do Primeiro Comando da Capital pelo Brasil” (ver DUARTE, 2020DUARTE, Thais Lemos. Vácuo no poder: reflexões sobre a difusão do Primeiro Comando da Capital pelo Brasil . Revista Crítica de Ciências Sociais , Coimbra, n. 122, p. 77-96, 2020. ). O texto analisa os pontos de vista de gestores da administração penitenciária federal sobre os fatores que ocasionaram a difusão do grupo criminoso paulista PCC pelo Brasil e os efeitos desse movimento nos sistemas prisionais estaduais.
  • 5
  • 6
  • 7
    CONHEÇA o Sistema Penitenciário Federal. 8 dez. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/justica-e-seguranca/2019/12/conheca-o-sistema-penitenciario-federal . Acesso em: 24 fev. 2021.
  • 8
  • 9
  • 10
  • 11
    CONHEÇA o Sistema Penitenciário Federal. 8 dez. 2019. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/justica-e-seguranca/2019/12/conheca-o-sistema-penitenciario-federal . Acesso em: 24 fev. 2021.
  • 12
    FACÇÕES criminosas se enfrentam em todos os estados, diz Abin. Folha de S.Paulo , 5 set. 2018. Disponível em: https://ilustrado.com.br/faccoes-criminosas-se-enfrentam-em-todos-os-estados-diz-abin/ . Acesso em: 24 fev. 2021.
  • 13
    Ao que tudo indica, apesar de muitas controvérsias e incertezas, o grupo foi instituído a partir da convivência entre presos comuns e os privados de liberdade enquadrados na Lei de Segurança Nacional, os ditos “políticos”, durante o período da Ditadura Civil-Militar, em um cárcere situado na Ilha Grande, no Rio de Janeiro ( BARBOSA, 2005BARBOSA, Antônio Rafael. Prender e dar fuga: biopolítica, sistema penitenciário e tráfico de drogas no Rio de Janeiro. 2005. 546 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. ). Para além das ambiguidades relativas ao nascimento dessa facção, é notável que numerosos acontecimentos passaram a ser atribuídos ao grupo dentro e fora das prisões a partir da década de 1980 ( MISSE, 2010MISSE, Michel. Trocas ilícitas e mercadorias políticas: para uma interpretação de trocas ilícitas e moralmente reprováveis cuja persistência e abrangência no Brasil nos causam incômodos também teóricos . Anuário Antropológico , Brasília, On-line , II, 2010. ).
  • 14
    FACÇÃO criminosa de SP atua em mais 15 Estados. Folha de S.Paulo , 25 out. 2011. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/corrida/cr2510201101.htm . Acesso em: 1º mar. 2021.
  • 15
    Para acessar pesquisas que discutiram em profundidade as políticas de encarceramento em massa e de “guerra às drogas”, ver Silvestre (2016)SILVESTRE, Giane. Enxugando o iceberg: como as instituições estatais exercem o controle do crime em São Paulo. 2016. 314 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. , Teixeira (2012)TEIXEIRA, Alessandra. Construir a delinquência, articular a criminalidade: um estudo sobre a gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo. 2012. 352 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. , Sinhoretto, Silvestre e Melo (2013), Pastana (2009)PASTANA, Debora. Justiça penal autoritária e consolidação do Estado punitivo no Brasil. Revista Sociologia e Política , Curitiba, v. 17, n. 32, p. 121-184, 2009. e Carlos (2015)CARLOS, Juliana de Oliveira. Política de drogas e encarceramento em São Paulo, Brasil . London: International Drug Policy Consortium, 2015. .
  • 16
    Conforme Dias (2011)DIAS, Camila. Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. 2011. 386 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. , a expansão do PCC por São Paulo pode ser dividida em três fases. A primeira se iniciou em 1993, no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, quando o grupo iniciou sua difusão pelo sistema prisional paulista. O intervalo entre 2001 e 2006 compreendeu a segunda etapa, iniciada após uma megarrebelião, cujo efeito foi tornar pública a existência do PCC. Por sua vez, desde meados de 2006, a partir de atentados ocorridos, em especial no mês de maio desse ano, ficou exposta a capacidade do grupo em controlar praticamente todo o sistema carcerário paulista, além de inúmeros espaços de periferia urbana estaduais. O PCC passou a ser considerado o “inimigo número um” das forças de segurança, ao mesmo tempo em que marcou sua consolidação como uma nova figura social, com domínio significativo do “mundo do crime” em São Paulo.
  • 17
    TORTATO, Mari. Bastos confirma 40 vagas para SP em presídio federal. Folha de S.Paulo , 5 ago. 2006. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0508200607.htm . Acesso em: 23 fev. 2020.
  • 18
    Cárceres, postos, viaturas, delegacias de polícia e diversos outros tipos de prédios públicos sofreram ataques armados, cujos principais alvos eram policiais e agentes penitenciários ( CANO e ALVADIA, 2008CANO, Ignacio; ALVADIA, Alberto. Análise dos impactos do PCC em São Paulo em maio de 2006 . Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro, São Paulo: Laboratório de Análise da Violência; Conectas Direitos Humanos, 2008. ). A polícia então reagiu. As folgas e férias dos policiais foram canceladas e todo o efetivo foi posto nas ruas. Entre 12 e 21 de maio de 2006, na chamada “semana sangrenta”, centenas de pessoas foram mortas.
  • 19
    MASCHIO, José. Relatório aponta caos em presídio federal. Folha de S.Paulo , 16 abr. 2007. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1604200701.htm . Acesso em: 16 jun. 2020.
  • 20
    VALENTE, Rubens; LOBEL, Fabrício. União devolve a Estados 891 presos em cinco anos. Folha de S.Paulo , 21 jan. 2017. Disponível em: https://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/01/1852075-uniao-devolve-a-estados-891-presos-em-cinco-anos.shtml . Acesso em: 23 fev. 2021.
  • 21
    MARTINS, Marco Antônio. Facção criminosa se articula em presídios federais no país. Folha de S.Paulo , 24 nov. 2014. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1552289-faccao-criminosa-se-articula-em-presidios-federais-no-pais.shtml . Acesso em: 26 maio 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2020
  • Aceito
    17 Set 2021
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