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O desenhar da dor para as crianças com anemia falciforme: a dor que dói, dói muito

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

As crises dolorosas fazem parte constante na evolução da anemia falciforme, é o quadro mais dramático, de intensidade e localização variáveis, ocasionados pela hemólise crônica e vaso-oclusão, que alteram o cotidiano dos pacientes. O objetivo deste estudo foi compreender, por meio do desenho, as repercussões e as estratégias de enfrentamento em situações ocasionadas pelas crises dolorosas da anemia falciforme, a partir da perspectiva das crianças.

MÉTODOS:

Estudo exploratório, qualitativo, realizado em um hospital de referência pediátrica do Ceará, com cinco crianças diagnosticadas com anemia falciforme. A coleta de dados ocorreu de maio a julho de 2016, por meio de observações e desenho-estória de Trinca. Na análise, foi utilizada a análise de conteúdo para desenhos de Coutinho.

RESULTADOS:

Emergiram duas categorias: a dor que dói e enfrentando a dor. Cada criança identificou o seu significado maior, evocando as repercussões da dor como elemento mais marcante e mais presente em suas existências.

CONCLUSÃO:

Diante dos sofrimentos enfrentados pelas crianças com anemia falciforme, se faz necessária a criação de estratégias que favoreçam a implantação e implementação de políticas públicas com esforços de prevenir as crises e tratar a doença, modificando positivamente o curso da doença e melhorando sua qualidade de vida.

Descritores:
Anemia falciforme; Criança; Dor

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Painful crises are part in the evolution of sickle cell anemia, is the more dramatic picture of variable intensity and location, caused by chronic hemolysis and vaso-occlusion, which alter the daily life of the patients. The objective of this study was to understand, by means of drawing, the repercussions and the coping strategies in situations caused by the painful crises of the sickle cell anemia, from the children’s perspective.

METHODS:

Exploratory, qualitative study, carried out in a pediatric referral hospital of Ceará, with five children diagnosed with sickle cell anemia. Data collection was performed from May to July 2016, by means of observations and drawings-story by Trinca. In the analysis, it was used the analysis of drawings content by Coutinho.

RESULTS:

Two categories emerged: the pain that hurts and coping with pain. Every child identified its bigger meaning, evoking the repercussions of pain as the most striking element and more present in its life.

CONCLUSION:

In face of the sufferings confronted by children with sickle cell anemia, it is necessary to create strategies that promote the implementation of public policies to prevent crises and treat the disease, modifying the course of the disease and improving the quality of life.

Keywords:
Child; Pain; Sickle cell anemia

INTRODUÇÃO

A doença falciforme (DF) faz parte do grupo das doenças crônicas, constituída como uma das principais e mais frequentes doenças hematológicas hereditárias que acomete a população humana11 Cançado RD, Jesus JA. A doença falciforme no Brasil. Rev Bras Hematol Hemoter. 2007;29(3):204-6.. Uma mutação genética afeta o DNA e provoca a distorção dos eritrócitos por um tipo de hemoglobina mutante que substitui o ácido glutâmico por uma valina na posição seis da cadeia beta, originando uma hemoglobina anormal, com formações das hemoglobinopatias22 Secretaria de Atenção à Saúde (Brasil). Departamento de Atenção Especializada. Doença falciforme: condutas básicas para o tratamento. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013..

Das hemoglobinopatias, a anemia falciforme (AF) é a mais grave, a de maior significado clínico33 Jesus JA. Doença falciforme no Brasil. Gaz Méd Bahia. 2010;80(3):8-9., de caráter epidemiológico mais impactante44 Viscogliosi C, Belleville S, Desrosiers J, Caron CD, Ska B. Participation after a stroke: changes over time as a function of cognitive deficits. Arch Gerontol Geriatr. 2011;52(3):336-43. e, de morbimortalidade mais frequente na população humana, principalmente nos países em desenvolvimento55 McGann PT. Sickle cell anemia: an underappreciated and unaddressed contributor to global childhood mortality. J Pediatr. 2014;165(1):18-22.. No Brasil, estima-se uma incidência de 1-3:1.000 nascidos vivos com esse tipo de doença66 Silva CA, Baldim LB, Nhoncanse GC, Estevão IF, Melo DG. Triagem neonatal de hemoglobinopatias no município de São Carlos, São Paulo, Brasil: análise de uma série de casos. Rev Paul Pediatr. 2015;33 (1):19-27., com tendência a atingir parcelas cada vez mais significativas da população devido à existência do alto grau de miscigenação racial, atingindo indivíduos negros, pardos e brancos77 Gesteira EC, Bousso RS, Rodarte AC. Uma reflexão sobre o manejo familiar da criança com doença falciforme. R Enferm Cent O Min. 2016;6(3):2454-62..

Caracterizada como um problema de saúde pública, a AF possui grande diversidade de manifestação clínica que aparece no decorrer da vida das pessoas acometidas, ocasionada pela hemólise crônica e vaso-oclusão88 Booth C, Inusa B, Obaro SK. Infection in sickle cell disease: a review. Int J Infect Dis. 2010;14(1): e2-e12.. Tais processos estão relacionados às crises dolorosas que ocorrem de modo inesperado, lesionando quaisquer órgãos e/ou tecidos, produzindo quadros de grande gravidade e intensidade da dor que impactam diretamente na qualidade de vida do paciente.

Frente a essa complexidade de sintomas e complicações da AF, faz-se necessário que a família busque atendimento imediato nos serviços de atenção à saúde a fim de avaliar o quadro e prevenir complicações. No entanto, quando a dor se intensifica, os pacientes precisam se dirigir às unidades de urgências e emergências para tratamentos hospitalares que podem implicar em internações sucessivas e frequentes99 Secretaria de Atenção à Saúde (Brasil). Departamento de Atenção Hospitalar e de Urgência. Doença falciforme: diretrizes básicas da linha de cuidado. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015..

Esse período de adoecimento compromete e altera o cotidiano de vida das crianças e dos adolescentes, configurando-se, segundo a Organização Mundial da Saúde1010 Organização Mundial da Saúde. O cuidado das condições crônicas na atenção primária a saúde: o imperativo na consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília, DF: OMS, 2012., como um quadro de condição crônica que requer gerenciamento, tratamentos e cuidados contínuos por um longo período de anos ou décadas.

As repercussões do adoecimento crônico e do tratamento na vida das crianças acometidas com a AF exigem cuidados constantes em relação à terapêutica em si e em relação a determinantes que possam agravar seu estado de saúde1111 Da Silva AH, Bellato R, Araújo L. Cotidiano de família que experiencia a condição crônica por anemia falciforme em dois adolescentes, Rev Eletr Enf. 2013;15(2):437-46.. Desse modo, faz-se necessário que tanto as famílias como os profissionais da saúde conheçam a doença, suas manifestações e implicações, além de estar inseridos no processo do cuidar a fim de prestar uma melhor assistência.

Com o intuito de contribuir para compreensão acerca do significado que esta doença crônica possui para uma criança, este artigo se propõe a compartilhar revelações que podem levar a reflexões tanto para os profissionais de saúde, que precisam se atualizar, como também para as famílias, visando a reelaboração dos cuidados para que possam melhor atender as necessidades singulares dessa população.

Diante do exposto, este estudo teve como objetivo compreender, por meio do desenho, as repercussões e as estratégias de enfrentamento em situações ocasionadas pelas crises dolorosas da AF, a partir da perspectiva das crianças.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, do tipo exploratória descritiva, realizada em uma unidade terciária do Estado do Ceará, localizada na cidade de Fortaleza, referência no atendimento a crianças e adolescentes com doenças graves e de alta complexidade.

Participaram do estudo cinco crianças, da faixa etária de cinco a 11 anos de idade, com diagnóstico de AF, que faziam acompanhamento ambulatorial e concordaram em participar do estudo. A fim de que as identidades das crianças fossem preservadas, garantindo o anonimato, foram utilizadas letras com número, identificadas por C1, C2, C3, C4 e C5.

A coleta de dados foi realizada no período de maio a julho de 2016. Utilizou-se as observações e construções do desenho-estória de Trinca1212 Trinca TW. Formas de investigação clínica em psicologia: procedimento de desenhos-estórias. São Paulo: Vetor; 2003., por considerar-se o melhor material pelo qual se pode compreender a subjetividade das crianças, que envolve a sua vida, sua história, seu modo de ver e de pensar a realidade. Após o consentimento e a assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), para as crianças e os adolescentes, e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para o responsável legal.

A técnica do desenho-estória foi aplicada depois de estabelecido o contato com a pesquisadora, para que a criança conhecesse a técnica. Em seguida, foi solicitada a produção de um único desenho, focado no que seria para a criança ter a AF. Essa aplicação aconteceu apenas em um momento, de maneira livre, individual, em uma folha de papel ofício, cuja duração variou de criança para criança. Quando finalizado, a criança era convidada a falar, esclarecer e/ou explicar o que havia produzido, atribuindo assim o seu significado.

A análise dos dados ocorreu baseada à luz dos pressupostos da análise de conteúdo para desenhos de Coutinho1313 Coutinho MPL. Saraiva ERA, organizadoras. Métodos de pesquisa em psicologia social: perspectivas qualitativas e quantitativas. João Pessoa: UFPB/Editora Universitária; 2011.. Tal método obedece aos seguintes procedimentos de análise: observação sistemática dos desenhos e temas; leitura flutuante dos conteúdos das estórias; seleção dos desenhos por semelhanças gráficas e/ou aproximação dos temas; exploração do material, identificação dos núcleos de sentido, categorização e tratamento dos resultados. Após decodificação e categorização dos dados emergiram duas grandes categorias: A dor que dói e; enfrentando a dor.

O estudo respeitou os preceitos éticos da pesquisa com seres humanos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), sob o parecer de número 1.547.314.

RESULTADOS

Ao ser solicitado às crianças, participantes da pesquisa, que desenhassem suas percepções das estratégias de enfrentamento em relação à AF, verificou-se que cada uma identificou o seu significado maior, evocando como elemento mais marcante e mais presente as repercussões da dor.

A dor que dói

Na primeira categoria, emergiram das crianças representações de desenhos realizados a partir de suas experiências pessoais, com destaque especial a suas representações em relação à dor, conforme se observa na figura 1.

Figura 1
Gotas de dor

A figura 1 foi produzida por uma criança de cinco anos que representou a dor em formato de gotas, com uns traços que vêm de cima, visto na parte superior do papel. As gotas atingem diretamente o seu corpo, conforme mostra o rabisco, na parte inferior da folha.

Quando convidada para falar sobre sua produção, inicialmente, apontou para as gotas e relatou: - “isso é a dor [...]”. Depois, apontando para a parte inferior do papel, continuou: - “[...] isso aqui sou eu. É minha perna e meu pé”.

Ao ser questionado o motivo do desenho, C1 apontou de novo para a parte de baixo e respondeu: - “[...] aqui dói”. Em seguida o mesmo pegou o lápis na mão, começou a balançar de cima para baixo tocando o pé, disse: - “ [...] ela faz assim oh [...] assim oh [...] é assim [...] e dói”.

Outra criança, também de cinco anos de idade, fez a sua representação da dor, apresentando a sensação que tem quando é acometida por uma crise dolorosa.

C2 fez, algo parecido com um monstro da dor, que está do lado direito do papel, envolvendo ela e a mãe. É como um envolvimento, em forma de um balão. A criança se desenhou duas vezes, uma sozinha e depois se desenhou novamente já nos braços da mãe, sentada em uma cadeira de balanço dentro do balão e lado esquerdo. Interessante ressaltar neste desenho que da mesma forma que a criança riscou o monstro, ela também riscou o seu próprio rosto, como se estivesse destacando que ela foi atingida. Ao ser solicitada para discorrer sobre a sua obra, a criança, de maneira bem desenvolta foi logo contando o que sente quando está com dor: “dói e a nenê fica triste e chora [...] dói, dói muito [...] a nenê tá chorando [...]” (Figura 2).

Figura 2
Envolvida pela dor

Depois, apontou para a menina com o rosto riscado, continuou:

Dói e a nenê fica triste e chora [...] dói, dói muito [...] a nenê tá chorando [...] aí a mamãe dela bota memédio (remédio) no braço, no outro braço e os pés [...] depois a mamãe dela pega cadera (cadeira) e bota a nenê no braço, senta com ela se balançano (balançando) e bota a nenê pra dormir e [...] e [...] bota a nenê pra chupar bico [...] Aí a nenê dorme e a dor passa”.

Ao ser perguntado o que seria o rascunho, que a envolve e fica do lado direito da folha, C2 olhou e disse: - “[...] isso dói, é ruim, faz a nenê chorar”.

No terceiro desenho, observa-se que mais uma vez outra criança faz a sua representação da dor (Figura 3).

Figura 3
Chorando de dor

A explicação oferecida ocorreu de maneira objetiva e por meio de poucas palavras, como mostra o relato da própria autora: - “Isso é uma menina chorando, ela tá com dor [...] muita dor [...], ela tava na escola, mas tem que ir embora. Ela não aguentou de dor”.

Depois a criança acabou por afirmar: “[...] Essa sou eu, chorando de dor”.

Na segunda categoria, foi possível apreender o modo pelo qual cada criança enfrenta o seu processo de crise dolorosa decorrente da AF, assim como se observa na figura 4.

Figura 4
A unidade de pronto atendimento e o remédio

A forma de enfrentamento da dor de C4 é expressa buscando ajuda, aparentemente sozinha e chorando próxima à porta em uma unidade de saúde, a qual denominou de UPA, do lado direito da folha. Embaixo, fez uma estrada e do lado esquerdo, um remédio, em tamanho grande.

Ao explicar a sua produção, C4 apontou inicialmente para a pessoa chorando dentro da UPA e falou: “Aqui sou eu chorando e sentido muita dor, aí vou pra UPA [...] sempre vou pra lá [...] lá é onde eu tomo remédio”. Em seguida, apontando para o remédio disse: - “[...] isso é o remédio, ele me ajuda a melhorar”.

Outra maneira demonstrando enfrentamento da dor na AF, foi evidenciada por uma criança de 11 anos (Figura 5).

Figura 5
Apoio espiritual

A mostra traz uma garota aparentemente feliz segurando na mão direita um terço, explica: “[...] hum, essa sou eu. Faço assim quando estou doente, sentindo dor”.

Ao que foi perguntado: - “Faço assim como? E ela completou: - “Pego meu terço, rezo [...] e vou melhorando”.

DISCUSSÃO

As análises foram estabelecidas a partir dos elementos que emergiram dos dados lançados na percepção das crianças por meio dos seus desenhos e das observações dos pesquisadores. Sendo assim, o desenho infantil e sua linguagem simbólica foram considerados instrumentos pelos quais as crianças estabelecem contato com seu mundo interior, podendo assim expressar o que sentem por meio de representação gráfica, expondo ou seu problema ou seu conflito emocional ou a condição de tensão que surge nesse momento da vida1313 Coutinho MPL. Saraiva ERA, organizadoras. Métodos de pesquisa em psicologia social: perspectivas qualitativas e quantitativas. João Pessoa: UFPB/Editora Universitária; 2011.,1414 Winnicott DW. Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil. Rio de Janeiro: Imago; 1984..

Notaram-se diversas significações atribuídas nos desenhos das crianças, principalmente relacionadas às crises dolorosas proporcionadas pela AF. De acordo com a primeira categoria, a dor aparece como um sintoma comum entre os participantes, em consonância com um estudo1515 Dias TL, Oliveira CG, Enumo SR, Paula KM. A dor no cotidiano de cuidadores e crianças com anemia falciforme. Psicol USP. 2013;24(3):391-411. em que compararam a percepção de episódios dolorosos da AF entre 27 pares de crianças e seus cuidadores. Os resultados revelaram diferenças no que se refere ao tipo e à intensidade da dor; sobre a localização, a maioria referiu-se à região do tronco seguidos da dor nos membros.

Nos dois primeiros desenhos, a experiência de um episódio doloroso foi revelada à sua ocorrência em seus aspectos físicos, provavelmente, atingidos por uma manifestação relacionada à dactilite. C1 faz a sua abordagem de maneira solitária, indicando o local da dor; enquanto que C2 já se desenha envolto na dor, mas aparece a figura materna, pois é ela que a abraça, coloca remédio, pega no colo e a acolhe até que “a nenê dorme e a dor passa”.

Essa forma de enfrentamento de C2 veio ao encontro da pesquisa1616 Lopes GC. A compreensão da doença, do tratamento quimioterápico e as formas de enfrentamento de crianças com câncer. Botucatu. Dissertação [Mestrado em Saúde Coletiva] - Universidade Estadual Paulista, 2016. realizada em dois centros de referência para o tratamento de câncer pediátrico no centro-oeste paulista, em que 66,7% dos casos mostraram que as próprias mães eram os cuidadores primários.

A tentativa de haver uma regressão para melhorar e neutralizar a experiência de desconforto físico ocasionado pela crise dolorosa é delegada à mãe, como ocorre em outra pesquisa1717 Schneider CM, Medeiros LG. Criança hospitalizada e o impacto emocional gerado nos pais. Unesc Ciênc. [periódico na Internet]. 2011 [acessado 2016 dez 12]; 2 (2): [cerca de 14 p. ]. Disponível em: http://editora.unoesc.edu.br/index.php/achs/article/view/741/pdf_216
http://editora.unoesc.edu.br/index.php/a...
, cujos resultados mostraram que quando os filhos estão doentes e/ou hospitalizados tornam-se o foco das atenções, necessitando de dedicação exclusiva e, é na família, principalmente na figura materna, que a criança tem suas referências asseguradas.

De certo, no terceiro desenho, a menina não identificou nem seus cuidadores nem o local específico da dor, mas caricaturou-se chorando por conta de uma crise dolorosa que sentiu quando estava na escola e que por isso teve que ir embora.

O impacto da dor afeta o cotidiano das crianças, de modo que C3 precisou se ausentar da sala de aula, assim como na pesquisa1717 Schneider CM, Medeiros LG. Criança hospitalizada e o impacto emocional gerado nos pais. Unesc Ciênc. [periódico na Internet]. 2011 [acessado 2016 dez 12]; 2 (2): [cerca de 14 p. ]. Disponível em: http://editora.unoesc.edu.br/index.php/achs/article/view/741/pdf_216
http://editora.unoesc.edu.br/index.php/a...
que objetivou identificar o impacto da AF no cotidiano de adolescentes, demonstrou frequentes relatos de dor, cansaço e limitações ao convívio social. Corroborando essa ideia, viu-se que no estudo1818 De Souza FM, Pereira RA, Ramos EJ, Matos VF, Migoto MT. O impacto da anemia falciforme na vida de adolescente. Cogit Enferm. 2015;20(3):547-53. sobre a experiência de pessoas com AF, foram confirmadas limitações na vida dessas pessoas ocasionando desestabilização física e emocional.

Na segunda categoria, as crianças expressaram o modo pelo qual enfrentam os episódios de crise dolorosa decorrente da AF. No desenho quatro, C4 traz à cena uma Unidade de Saúde em que busca atendimento, denominada por ela de UPA; bem como mostra o grande frasco de remédio.

Chamou a atenção à representação que essa criança fez do tamanho do remédio em contrapartida a sua estatura e até mesmo ao tamanho da unidade de saúde que lhe presta atendimento. O desenho desse remédio tão grande faz lembrar a dor sentida que foi motivada pela doença. Parece ser uma forma de alívio maior para a angústia sentida.

As manifestações de dor nos indivíduos com hemoglobinopatias incluem ocorrências com episódios que necessitam de fármacos, na tentativa de regressar e melhorar o quadro clínico o mais rápido possível1919 Roberti BM, Moreira CL, Tavares RS, Borges FH, Silva AG, Maia CH, et al. Avaliação da qualidade de vida em portadores de doença falciforme do Hospital das Clínicas de Goiás, Brasil. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32(6):449-54.. Para tanto, a analgesia deve ocorrer de acordo com o que o paciente apresenta, contando com a particularidade de cada caso. A orientação inicial é fazer a administração em casa, caso não melhore ou surjam outros sintomas, os cuidadores necessitam procurar o hospital2020 Cordeiro RC, Ferreira SL, Santos AC. [The illness of women and men with sickle cell disease: a Grounded Theory study]. Rev Lat Am Enfermagem. 2015;23(6):1113-20. English, Portuguese, Spanish. The illness of women and men with sickle cell disease: a Grounded Theory study..

No estudo2121 Tostes MA, Braga JA, Len CA, Hilário MO. Avaliação de dor em crianças e adolescentes portadores de doença falciforme. Rev Ciênc Méd. 2008;17(3-6):141-7. realizado em uma unidade de emergência no interior da Bahia, foi percebido, no discurso da equipe multiprofissional, que os pacientes procuram o serviço ou por apresentar complicações clínicas ou por não saber como proceder diante dessas complicações. Outro achado revelou que havia uma prioridade e centralização unicamente no controle da dor, desvalorizava-se o exame físico com levantamento de hipóteses para outros episódios.

O enfrentamento e controle da dor de C5 foi o de um apoio espiritual, prática possivelmente aprendida em casa, com seus pais ou alguém muito próximo, possibilitando discernir sua fé em Deus para superar as dificuldades decorrentes das complicações que a doença lhe impõe.

A prática espiritual é uma das alternativas para o enfrentamento e superação, servindo como aspecto positivo para alivio da doença, conforme mostra o estudo2222 Soares EP, Silva DS, Xavier AS, Carvalho ES, Cordeiro RC, Araújo EM. Cuidar de pessoas com doença falciforme na unidade de emergência: discurso de uma equipe multiprofissional. Cienc Cuid Saude. 2014;13(2):278-85. realizado em um hospital terciário, com 61 pacientes em tratamento dialítico, que identificou a prática religiosa na maioria dos indivíduos.

O significado apresentado mostra que tanto para os pacientes como os familiares e/ou acompanhantes, “a espiritualidade e religiosidade auxiliam nas experiências relacionadas ao adoecimento e tratamento, atuando como fonte de equilíbrio e fortalecendo a luta pela vida”2323 Santos RI, Costa OR. Avaliação da resiliência em pacientes com insuficiência renal crônica submetidos à hemodiálise. Rev Ciênc Saúde. 2016;6(1):5-13..

CONCLUSÃO

A constatação é de que as crianças apresentam uma trajetória marcada por múltiplas adversidades que impactam diretamente suas vidas. Portanto, conclui-se que, diante dos sofrimentos enfrentados pelas crianças com AF se faz necessária a criação de estratégias que favoreçam a implantação e implementação de políticas públicas que tracem uma linha de cuidado, com esforços de prevenir as crises e tratar a doença, modificando positivamente o curso da doença e melhorando sua qualidade de vida.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2017
  • Aceito
    26 Out 2017
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