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Herpes-zóster e neuralgia pós-herpética

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O herpes-zóster (HZ) é uma erupção cutânea vesicular dolorosa resultante da reativação do vírus varicela-zóster (VVZ) nos gânglios da raiz dorsal ou nos nervos cranianos, que ocorre décadas após a infecção primária de varicela. Entretanto, mesmo após a cicatrização cutânea, a dor pode persistir por meses e até anos. Esta é uma das complicações conhecida como neuralgia pós-herpética (NPH). O objetivo desta revisão é fornecer uma visão geral da história clínica do herpes-zóster e da NPH, focando a abordagem do controle da dor. CONTEÚDO: A NPH caracteriza-se por dor neuropática crônica. Há incidência aumentada em idosos e indivíduos imunocomprometidos. Muitas opções de tratamento estão disponíveis, podendo ser farmacológico e intervencionista, ambos apresentam eficácia variável. CONCLUSÃO: A dor afeta a qualidade de vida dos pacientes, interfererindo nas suas atividades diárias. Apesar dos avanços já obtidos na terapia analgésica do HZ e da NPH, ainda existem inúmeras dificuldades na sua abordagem. Portanto, é muito importante prevenir, diagnosticar e tratar precocemente o HZ e suas complicações.

Herpes-zóster; Neuralgia pós-herpética


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Herpes-zoster (HZ) is a vesicular painful skin rash resulting from the reactivation of varicella-zoster virus (VZV) in dorsal root ganglia or cranial nerves, which occurs decades after the primary varicella infection. However, even after skin healing, pain may persist for months or even years. This is a complication known as post-herpetic neuralgia (PHN). This review aimed at giving an overview of herpes-zoster and PHN clinical history, focusing on pain control. CONTENTS: PHN is characterized by chronic neuropathic pain. Its incidence is higher among the elderly and immunocompromised individuals. There are several treatment options, which may be pharmacological or interventionist, both with variable efficacy. CONCLUSION: Pain affects quality of life of patients, interfering with their daily activities. In spite of advances already obtained in the analgesic therapy for HZ and PHN, there are still difficulties in its approach. So, it is very important to prevent, diagnose and early treat HZ and its complications.

Herpes-zoster; Post-herpetic neuralgia


ARTIGO DE REVISÃO

Herpes-zóster e neuralgia pós-herpética * Endereço para correspondência: Dra. Ana Virgínia Tomaz Portella Rua Dr. Zamenhof, 400 - Cocó 60196-280 Fortaleza, CE Fone: (85) 3262-3904 E-mail: virginiaportella@ig.com.br

Ana Virgínia Tomaz PortellaI; Liane Carvalho de Brito de SouzaI; Josenília Maria Alves GomesII

IHospital Haroldo Juaçaba, Instituto do Câncer do Ceará. Fortaleza, CE

IIHospital Universitário Walter Cantídio. Fortaleza, CE

Correspondence Endereço para correspondência: Dra. Ana Virgínia Tomaz Portella Rua Dr. Zamenhof, 400 - Cocó 60196-280 Fortaleza, CE Fone: (85) 3262-3904 E-mail: virginiaportella@ig.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O herpes-zóster (HZ) é uma erupção cutânea vesicular dolorosa resultante da reativação do vírus varicela-zóster (VVZ) nos gânglios da raiz dorsal ou nos nervos cranianos, que ocorre décadas após a infecção primária de varicela. Entretanto, mesmo após a cicatrização cutânea, a dor pode persistir por meses e até anos. Esta é uma das complicações conhecida como neuralgia pós-herpética (NPH). O objetivo desta revisão é fornecer uma visão geral da história clínica do herpes-zóster e da NPH, focando a abordagem do controle da dor.

CONTEÚDO: A NPH caracteriza-se por dor neuropática crônica. Há incidência aumentada em idosos e indivíduos imunocomprometidos. Muitas opções de tratamento estão disponíveis, podendo ser farmacológico e intervencionista, ambos apresentam eficácia variável.

CONCLUSÃO: A dor afeta a qualidade de vida dos pacientes, interfererindo nas suas atividades diárias. Apesar dos avanços já obtidos na terapia analgésica do HZ e da NPH, ainda existem inúmeras dificuldades na sua abordagem. Portanto, é muito importante prevenir, diagnosticar e tratar precocemente o HZ e suas complicações.

Descritores: Herpes-zóster, Neuralgia pós-herpética.

INTRODUÇÃO

O vírus varicela-zóster (VVZ) é um herpes vírus causador da varicela, que persiste de forma latente no sistema nervoso por toda a vida do indivíduo após a infecção primária1,2. O herpes-zóster (HZ) é uma doença infecciosa relativamente comum provocada pela reativação do VVZ caracterizada por manifestações cutâneas dolorosas3-6. A doença pode evoluir para a cura em poucas semanas ou a dor pode continuar por meses ou anos. O termo neuralgia pós-herpética (NPH) é utilizado para denominar a persistência da dor1,7,8.

A dor é o sintoma que mais incomoda o paciente, tanto a aguda associada ao HZ, como a dor crônica da NPH9. A persistência da dor causa um importante comprometimento na qualidade de vida (QV) dos indivíduos4,10 e um aumento nos custos dos cuidados com a saúde9,11. Atualmente, vários tratamentos e técnicas intervencionistas estão disponíveis para o controle da dor. Apesar dos avanços na terapia analgésica para o HZ e a NPH, ainda existem dificuldades na sua abordagem, sendo alguns pacientes refratários aos tratamentos submetidos.

O objetivo deste estudo foi abordar uma visão geral da história clínica do HZ e da NPH com foco na abordagem do controle álgico.

HERPES-ZÓSTER

Etiologia e quadro clínico

O HZ é causado pela reativação do VVZ nos nervos cranianos e nos gânglios das raízes espinhais dorsais, geralmente deflagrada décadas após a infecção primária de varicela8,12. Quando a imunidade celular específica para VVZ fica comprometida, ocorre a deflagração da doença. A reativação ocorre principalmente em indivíduos imunocomprometidos por outras doenças, como câncer, síndrome da imunodeficiência adquirida, imumossupressão pós-transplante e quimioterapia3-6,8,13,14. Há forte correlação entre a maior incidência de HZ com o aumento da idade, principalmente acima de 55 anos2,5, porque a idade avançada está associada a um declínio na resposta imune mediada pelas células T4,6.

O quadro clínico inicia-se com queimação leve a moderada na pele de um determinado dermátomo, frequentemente acompanhada de febre, calafrios, cefaleia e mal-estar6,9, posteriormente evolui para eritema cutâneo eritematoso maculopapular até um estágio final de crostas2,5.

O padrão anatômico segue uma distribuição periférica nos trajetos dos nervos envolvidos, normalmente é unilateral, circunscrita a um dermátomo3,8,9,11; entretanto, pode envolver dois ou mais. Há predominância no tórax6,8 e na face5,8.

No entanto, alguns pacientes podem apresentar apenas a dor radicular característica do HZ, sem desenvolver as lesões cutâneas, essa forma é clinicamente chamada de herpes sine herpete e pode ser mais grave que as manifestações usuais, afetando níveis diferentes do sistema nervoso5,6,8,9,15,16. Atualmente, essa forma da doença pode ser mais facilmente diagnosticada pela técnica de reação em cadeia pela polimerase (polymerase chain reaction - PCR) para amplificar o DNA do VZV. O material usado para técnica de PCR pode ser coletado através de biópsia da pele, do fluido vesicular, da saliva ou do líquido cefalorraquidiano15,16. Portanto, o VVZ pode atingir os nervos cranianos levando a complicações importantes. O envolvimento do nervo trigêmeo pode causar alterações na face, na boca, nos olhos ou na língua6,8. A síndrome de Ramsay-Hunt é uma manifestação rara e envolve o gânglio geniculado do nervo facial, causando otalgia e paralisia facial8.

Tratamento

No período prodrômico da doença, o diagnóstico do HZ é difícil, pois pode demorar até três semanas para o aparecimento das lesões cutâneas. Portanto, gera um atraso para se iniciar o tratamento4,5. O tratamento se dá com fármacos antivirais que aceleram a cura das erupções cutâneas, reduzem a intensidade e a duração da dor aguda10 e previnem provavelmente a ocorrência da NPH4,6,8,17,18. No entanto, alguns pacientes desenvolverão NPH, mesmo após ter recebido adequadamente os antivirais4,6,13,18.

Os três antivirais citados demonstram taxas de sucesso semelhantes e são fármacos bem tolerados. Os efeitos colaterais mais comuns são: dor abdominal, náuseas, vômitos, cefaleia e tontura6-8.

A terapia antiviral é especialmente importante nos pacientes imunocomprometidos, pois estes possuem o risco aumentado de disseminação cutânea e visceral e de complicações neurológicas12. O tratamento com os antivirais é realizado por via oral e inibe a replicação viral nas doses mostradas na tabela 1.

A dor aguda do HZ apresenta-se com intensidade variável, desde leve a grave. Na fase ativa do HZ, os analgésicos comuns são utilizados para o controle da dor leve. Os pacientes que apresentam dor de intensidade moderada a intensa, muitas vezes necessitam fazer uso de opioides1,9,19,20. O uso dos antidepressivos tricíclicos e dos anticonvulsivantes na fase aguda do HZ tem um provável potencial para ajudar no alívio e na profilaxia da NPH5,6,10, mas ainda são necessários ensaios clínicos controlados6.

O uso de corticosteroides parece não contribuir para a resolução da dor aguda6 e não impedem a NPH5,7. Além disso, a idade avançada dos pacientes acometidos com HZ e suas comorbidades, muitas vezes contraindicam a sua utilização. A combinação de um corticosteroide e um antiviral por via oral pode ser considerada uma alternativa para pacientes idosos saudáveis com dor moderada a intensa e nenhuma contraindicação ao seu uso. É importante lembrar que o uso de corticosteroides sem terapia antiviral concomitante não é recomendado6.

Prognóstico

Por ser uma doença autolimitada, a maioria dos casos evolui para a cura, porém em alguns pode haver progressão para complicações. A NPH é a complicação mais comum do HZ (Figura 1)4,5,7,12.


Existem outras complicações decorrentes do HZ, como: encefalite, mielite e paralisia de nervos periféricos7. Essas complicações ocorrem principalmente em indivíduos imunocomprometidos6. O HZ pode tornar-se generalizado, sugerindo comprometimento imunológico ou presença de neoplasia. Portanto, é importante, afastar essas possibilidades7.

Apesar de controverso, estudos indicam que incidência de NPH aumenta em proporção e gravidade, quando o tratamento da fase aguda é inadequado20. A recorrência do HZ é muito rara, ocorrendo aproximadamente em 5% dos pacientes. Uma explicação para isso, é que o HZ estimularia uma resposta imune importante, prevenindo episódios subsequentes21.

NEURALGIA PÓS-HERPÉTICA

Definição

A NPH é caracterizada por dor neuropática crônica14,17 com persistência mínima de um mês no trajeto do nervo afetado e que se inicia entre um e seis meses após a cura das erupções cutâneas, podendo durar anos. A incidência de NPH varia entre 10% e 20% em adultos imunocompetentes7,22,23. Não há predominância em relação ao sexo5. A idade é um preditor importante para NPH, pois a prevalência aumenta acentuadamente com a idade4,19.

A dor pode ser dividida em três fases distintas: fase aguda, subaguda e crônica. A fase aguda é definida como a dor que se instala dentro de 30 dias após o início das erupções cutâneas. A fase subaguda caracteriza-se pela dor que persiste além da fase aguda, mas que resolve antes do diagnóstico de NPH ser feito4,5,9,10. A terceira fase é a chamada de NPH propriamente dita, com a dor persistindo por 120 dias ou mais após o exantema19.

Quadro clínico e diagnóstico

A NPH pode se manifestar com diferentes tipos de dor13,14 e sintomas sensoriais9. A dor possui caráter crônico caracterizado por queimação, formigamento ou ardor e pode estar associada à hiperalgesia, hiperestesia ou alodínia14. A dor lancinante, em fisgada ou em pontada, tem sido relatada com maior frequência no HZ agudo, e a dor em queimação é mais comum nos pacientes com NPH4,5,7,8.

A distribuição anatômica da NPH segue o padrão dos dermátomos envolvidos no HZ, sendo mais comumente envolvidos os dermátomos de T3-L37. O HZ afeta em 50% a 60% dos casos a região torácica e a face, já os dermátomos sacrais estão envolvidos em apenas 5%, sendo, assim, uma localização mais rara para o aparecimento de NPH8,24.

O diagnóstico de HZ e da NPH é realizado clinicamente. O diagnóstico diferencial dependerá das características clínicas da dor e da localização do nervo afetado. O diagnóstico diferencial inclui: doenças cardíacas, paralisia de Bell, neuralgia do trigêmeo, dentre outras7,8.

Os fatores de risco para o desenvolvimento de NPH são: a idade mais avançada, a maior intensidade da dor e do exantema na fase aguda, a presença de sinais sensitivos negativos, a apresentação de polineuropatia no HZ ativo e os aspectos psicológicos. O impacto na vida pessoal e social dos pacientes com NPH é considerável, pois afeta o sono, a capacidade para trabalhar e realizar atividade física, afetando sua QV4,8,10. A NPH pode ter um efeito significativo sobre muitos aspectos da vida de um paciente, causando fadiga crônica, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, depressão e ansiedade, anorexia, perda de peso e isolamento social4.

Tratamento

O tratamento deve ser feito com fármacos para o controle e alívio da dor. Os fármacos de primeira linha para o tratamento da NPH são os anticonvulsivantes (gabapentina e pregabalina) e os antidepressivos tricíclicos (principalmente amitriptilina). Os opioides são classificados como analgésicos de segunda linha e também podem ser utilizados4,8,10,23.

Embora existam vários tratamentos farmacológicos para o alívio sintomático da dor neuropática, muitas vezes esses agentes não oferecem alívio satisfatório em todos os pacientes21. A natureza complexa e heterogênea dos mecanismos da NPH sugere que alívio adequado dos sintomas dolorosos por uma única medicação é improvável. Na prática clínica, as combinações de analgésicos são usadas para obter alívio da dor4.

Tratamento farmacológico

Antidepressivos tricíclicos

Os antidepressivos tricíclicos em baixas doses têm sido usados para NPH como monoterapia ou associados a outros fármacos5,10,14,23. Seu uso exige pelo menos três meses para o efeito positivo10. O mecanismo de ação ocorre pelo bloqueio de recaptação de serotonina e noradrenalina e também pela inibição dos canais de sódio voltagem dependente5,10,23.

A amitriptilina é o fármaco mais comumente utilizado17, no entanto, todos tem eficácia terapêutica semelhante. Os antidepressivos tricíclicos prescritos para HZ incluem a amitriptilina, nortriptilina, imipramina e desipramina10.

A escolha do antidepressivo tricíclico deve ser baseada nas particularidades dos fármacos e nas comorbidades de cada paciente. Uma preocupação especial são os pacientes idosos, mais suscetíveis a apresentarem interações farmacológicas4,10. Um fator limitante para o uso clínico são os efeitos adversos como boca seca, turvação visual, tontura, fadiga, sedação, retenção urinária, constipação, ganho de peso, palpitações, hipotensão ortostática e prolongamento do intervalo QT. Embora não haja recomendação formal de solicitar um exame de eletrocardiograma (ECG) antes de iniciar a terapêutica com antidepressivos tricíclicos, é prudente obter um ECG de pacientes com doença cardíaca10,23.

Anticonvulsivantes

Os fármacos anticonvulsivantes têm sido usados em diversas condições que causam dor neuropática14,18. A gabapentina e a pregabalina são fármacos análogos ao ácido gama aminobutírico (GABA), porém não agem no receptor GABA. O mecanismo de ação da gabapentina é incerto, acredita-se que ela atue na subunidade α-2-δ dos canais de cálcio voltagem dependentes, diminuindo o influxo do cálcio e inibindo a liberação de neurotransmissores excitatórios nos aferentes primários no corno posterior da medula, assim como a pregabalina5,10,23. É possível que a gabapentina tenha um efeito sobre os receptores do tipo N-metil-D-aspartato (NMDA), diminuindo os níveis de glutamato, atuando no melhor controle da alodínia. A dose diária de gabapentina pode variar de 1800-2400 mg14. Ela é eliminada integralmente pela urina. Os principais efeitos colaterais são: sonolência, tontura, ataxia e edema periférico5,10. A combinação de gabapentina e um opioide, em doses mais baixas de ambos, fornece analgesia superior do que cada fármaco usado como agente único10.

A pregabalina revelou-se eficaz e segura para NPH, pois atua no controle da dor e interage pouco com outros fármacos. A dose recomendada é de 300-600 mg/dia10,14. Seus efeitos colaterais comumente não são graves, porém podem ocorrer, como edema periférico, tontura e sonolência10.

A carbamazepina atua antagonizando os canais de sódio, estabilizando as membranas neuronais pré e pós-sinápticas. É utilizada em várias doenças que cursam com dor neuropática5,17. É muito efetiva em dores paroxísticas5,8 e lancinantes e menos efetiva em dor em queimação e alodínia. A dose recomendada é 600-1600 mg/dia, dividida em 2 a 3 tomadas8. Os efeitos adversos associados com a carbamazepina são tonturas, visão turva, náuseas e vômitos23. Podem surgir erupções cutâneas, porém as reações graves, como Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica são raras3,5.

Opioides

Muitos estudos demonstram que os opioides são eficazes no tratamento da dor neuropática, principalmente se a dor for de moderada a forte intensidade, entretanto, algumas considerações devem ser realizadas como titulação da dose para minimizar os efeitos colaterais, a tolerância e o abuso de fármacos. O uso de opioides deve ser realizado de forma racional4,5. Os efeitos adversos devem ser considerados, como náuseas, vômitos, obstipação, tontura e sedação10. Uma recomendação comum é usar codeína (30-60 mg) a cada 6 horas, quando necessário25. A codeína pode ser associada ao paracetamol17. Outros opioides (morfina, oxicodona, metadona) também são utilizados10.

A ação analgésica do tramadol ocorre nos receptores opioides µ-agonista e na inibição de recaptação de norepinefrina e serotonina, promovendo redução da intensidade da dor e melhora da QV10,14. Nos casos de dificuldade no manuseio da dor, uma combinação de tramadol e amitriptilina tem sido utilizada18.

Capsaicina

A capsaicina é um alcaloide derivado da pimenta (Capsicum frutescens) que age na dor neuropática provocada por sensibilização periférica, realizada pela substância P nos receptores periféricos primários, gerando os sintomas dolorosos. A capsaicina estimula uma descarga periférica de substância P, levando ao esgotamento do estoque desta. A indisponibilidade da substância P nas fibras aferentes primárias (fibras C) inibe a geração do fenômeno doloroso23. No início do tratamento tópico com a capsaicina ocorre um aumento na sensação álgica, especialmente de queimação, devido a descarga de substância P antes do seu esgotamento. Muitas vezes, isso dificulta a aderência ao tratamento. No entanto, esse efeito inconveniente diminui ou desaparece com o tempo5,8,10,26. O uso tópico de capsaicina foi mostrado que fornece alívio significativo da dor em ensaios clínicos randomizados4,14.

A capsaicina tópica em baixa concentração (0,025%-0,075%) tem sido usada por décadas como um dos tratamentos de segunda linha para a NPH, porém com resultados divergentes26-28. Nos últimos anos, a forma tópica da capsaicina com concentração a 8% foi desenvolvida e aprovada para tratamento da NPH baseada em dois estudos randomizados e controlados que demonstraram a eficácia e a segurança de uma aplicação de 1h para a NPH27. A capsaicina a 8% é aplicada via transdérmica na área dolorosa durante 30 minutos nos pés e 60 minutos nas restantes áreas do corpo. O tratamento pode ser repetido com intervalo de 3 meses e tem como efeito adverso dor e eritema no local de aplicação, portanto necessita de anestesia tópica antes da aplicação. Não deve ser aplicada na pele lesada ou inflamada28. Esse tratamento pode reduzir a dor durante muitos meses, porém o uso do adesivo de capsaicina a 8% não foi estudado para NPH trigeminal e para aplicação na face e na cabeça27. A capsaicina a 8% não se encontra disponível no Brasil.

Lidocaína

A lidocaína tópica é um fármaco de primeira linha para o tratamento da NPH, com ação bloqueadora nos canais de sódio, reduzindo as descargas ectópicas anormais4,5,10,26,28,29. Ela é usada na forma de adesivos cutâneos de lidocaína a 5% ou na forma de creme, como uma mistura eutética de anestésicos locais, Eutectic Mixture of Local Anesthetics (EMLA), contendo prilocaína a 2,5% e lidocaína a 2,5%. O adesivo de lidocaína a 5% é licenciado para os pacientes com NPH nos Estados Unidos. O adesivo contém 750 mg de lidocaína, das quais apenas 5% é liberada26,30. A administração tópica da lidocaína tem se mostrado eficaz, segura e com baixa incidência de reações adversas sistêmicas e poucos efeitos colaterais; comumente os pacientes apresentam reações locais leves17,26,28,30. Mesmo com múltiplas aplicações de lidocaína, os níveis sistêmicos desse fármaco permanecem baixos. A lidocaína a 5% deve ser aplicada na área de pele dolorosa por um período máximo de 12h ao dia26,28,30. Pode ser usada em associação com anticonvulsivantes, opioides e antidepressivos tricíclicos17.

Tratamento intervencionista

Existe uma grande variedade de opções intervencionistas como estratégia de tratamento da NPH, contudo algumas com eficácia incerta.

Bloqueios neurais

Os bloqueios simpático-neurais também podem ser considerados no tratamento para alívio da dor aguda do HZ e na NPH3,10,11,31. Embora os mecanismos precisos pelos quais o sistema nervoso simpático contribua para dor neuropática não sejam claros, dados indicam uma ativação anormal dos receptores alfa-adrenérgicos nos neurônios aferentes primários.

Os bloqueios neurais têm sido utilizados no alívio da dor em pacientes com NPH, embora com menos eficácia analgésica do que nos casos de HZ. Quando o bloqueio é realizado na fase aguda do HZ, além de diminuir a intensidade da dor, teoricamente previne o desenvolvimento de NPH4,10.

A administração de anestésico local promove alívio da dor por 12-24h. Em longo prazo, o alívio pode ser alcançado realizando o procedimento semanalmente e numa fase inicial da doença7. A incidência de complicações graves causadas pelo bloqueio é baixa e depende da localização do nervo bloqueado10. A administração única no espaço peridural de um corticoide associado a um anestésico local na fase aguda do HZ pode ter um efeito na redução da dor por um mês, mas não é eficaz para prevenção em longo prazo da NPH6,10.

Vários estudos observacionais e prospectivos sugerem que a utilização do bloqueio peridural em combinação com administração oral de um agente antiviral é muito eficaz no tratamento do HZ agudo, diminuindo a duração e a gravidade da dor. Outros bloqueios nervosos, como bloqueio do nervo intercostal, têm sido utilizados para alívio da dor da NPH10.

Apesar da injeção subaracnoidea do acetato de metilprednisolona aliviar a dor na NPH, sua segurança tem sido debatida, pois contém álcool benzílico e polietilenoglicol como conservantes, por isso sua utilização tem sido questionada4,10.

Estimulação medular

A estimulação medular tem sido realizada para tratar a dor neuropática crônica, seu mecanismo de ação não está claro10,14, porém sua ação baseia-se na teoria do portão de controle da dor, em que a estimulação de fibras mielinizadas Aβ interfere na transmissão do estímulo nociceptivo conduzido pelas fibras C e Aδ da periferia para o corno dorsal da medula. O impulso elétrico é transmitido a partir de um gerador implantado no subcutâneo para os eletrodos colocados no espaço peridural. A estimulação medular apresenta taxa de complicações que variam entre 30% e 40%.

As principais complicações são: problemas no funcionamento de hardware, principalmente a migração dos eletrodos, infecção e estimulação dolorosa. As complicações são mais significativas quando associadas às lesões neurológicas, devido a lesão de raiz ou da medula espinhal no intraoperatório. Na tentativa de evitar infecção, utiliza-se uma técnica estéril rigorosa e profilaxia com antibióticos por via venosa antes do procedimento. Pode ocorrer perfuração acidental da dura-máter durante a implantação do estimulador medular, o que resulta em cefaleia pós-punção dural. Primeiramente, adota-se tratamento conservador, porém, nos casos refratários, é recomendado realizar blood pacth peridural. Quando ocorre estimulação dolorosa, deve-se reposicionar ou remover o eletrodo32. As evidências atuais da literatura sugerem que a estimulação medular é eficaz no manuseio de certos tipos de dor neuropática. Em determinados pacientes pode proporcionar o alívio da dor em longo prazo em até 60% a 80%10,23, com melhoria na QV e satisfação do paciente.

Excisão cirúrgica

Estudos iniciais tentaram mostrar que a excisão cirúrgica de pele da área afetada pela NPH como opção de tratamento para reduzir a dor, eliminar alodínia tátil e reduzir o uso de fármaco analgésico em até um ano após a cirurgia, mas o seguimento revelou um aumento constante na dor, excedendo os níveis pré-cirúrgicos. Os autores concluíram que a ressecção cirúrgica de pele da área afetada não é recomendada como tratamento para NPH5,8,10.

Acupuntura

É uma terapia que tem sido considerada eficaz para controle da dor. Apesar de vários casos documentados sobre o seu uso no HZ e na NPH, as amostras são pequenas. É muito útil quando usada em conjunto com as terapias convencionais da NPH4,7,8.

Tratamento psicológico e terapias comportamentais

A associação dos fatores emocionais aos fatores biológicos é de extrema relevância na manutenção e na modulação da NPH5. Portanto, os benefícios potenciais do apoio psicológico para os pacientes com NPH não devem ser ignorados4,5. As terapias comportamentais, como relaxamento, meditação e massagens também têm sido utilizadas com efeitos positivos na NPH4,8.

Prevenção

O número de pacientes com HZ e NPH poderá aumentar no futuro, pois a população em geral está envelhecendo, o que pode provocar um aumento na incidência de HZ e de suas complicações9.

Uma vacina profilática que pode aumentar a imunidade específica de células T contra VVZ representa uma abordagem clínica promissora para limitar o HZ e suas complicações debilitantes, incluindo NPH. De fato, o HZ está associado a um aumento na imunidade celular específica para VVZ, sendo raras a recorrências de HZ em indivíduos imunocompetentes19.

No estudo sobre prevenção do HZ, Shingles Prevention Study (SPS), foi avaliada a eficácia de uma vacina de vírus vivo atenuado na diminuição da incidência e/ou gravidade do HZ e da NPH, envolvendo 38.546 indivíduos com idade ≥ 60 anos. A vacina é eficaz na prevenção do HZ e promove redução de 66,5% na incidência da NPH e de 51,3% na incidência do HZ21,29.

Essa vacina foi aprovada pelo FDA (US Food and Drug Administration) e pela EMA (European Medicines Agency). A vacina é indicada para a prevenção do HZ em indivíduos ≥ 60 anos (EUA) ou ≥ 50 anos (Europa), sendo contraindicada em pacientes imunocomprometidos, crianças e mulheres grávidas4,21. Futuramente, as vacinas contra varicela e HZ poderão alterar a epidemiologia e a história natural do HZ e da NPH6. No entanto, a vacina contra HZ ainda não está disponível no Brasil33.

CONCLUSÃO

A dor aguda é o sintoma que mais aflige o paciente com HZ. A utilização precoce de antivirais acelera a cura das erupções cutâneas e reduz a intensidade da dor. O diagnóstico e o tratamento precoce do HZ são importantes, na tentativa de otimizar a abordagem da dor na fase aguda e prevenir complicações, como o NPH. Muitas opções terapêuticas estão disponíveis para o tratamento da NPH, embora com eficácia variável. O controle ideal da dor é difícil, e nenhum tratamento é completamente eficaz para todos os pacientes. Na prática clínica, as combinações de analgésicos são usadas para obter alívio da dor. No entanto, ensaios clínicos randomizados e controlados são necessários para melhor avaliar as combinações de fármacos e as novas terapias, a fim de desenvolver novas estratégias para o manuseio da NPH. Uma vacina profilática contra o VVZ representa uma abordagem promissora na prática clínica para reduzir a incidência do HZ e da NPH.

Apresentado em 08 de março de 2013.

Aceito para publicação em 14 de agosto de 2013.

Conflito de interesses: Nenhum.

* Recebido do Hospital Haroldo Juaçaba, Instituto do Câncer do Ceará. Fortaleza, CE.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      08 Mar 2013
    • Aceito
      14 Ago 2013
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