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O déficit racial do direito do trabalho no Brasil

Resumo

O presente artigo busca analisar o déficit racial do Direito do Trabalho no Brasil, a partir da compreensão, pelo campo crítico do ramo juslaboral, do lugar no qual são inseridos os trabalhadores negros no surgimento do Direito do Trabalho e na própria constituição da classe trabalhadora. Assim, busca-se evidenciar como esse campo priva-se de uma análise que identifique os trabalhadores negros como agentes relevantes na historicidade das relações de trabalho no Brasil.

Palavras-chave:
Déficit racial; Direito do Trabalho; Campo crítico

Abstract

This article seeks to analyze the racial deficit in Labor Law in Brazil, based on the understanding, by the critical field of the labor sector, of the place in which black workers are inserted in the emergence of Labor Law and in the very constitution of the working class. Thus, we seek to show how this field deprives itself of an analysis that identifies black workers as relevant agents in the historicity of labor relations in Brazil.

Keywords:
Racial deficit; Labor Law; Critical field

Introdução

Inicialmente, cabe frisar que o presente texto tem uma finalidade bem específica, mas não menos problemática: discutir relações raciais no campo crítico do Direito do Trabalho no Brasil. É certo que o debate racial retomou atualmente um relativo protagonismo, seja pela persistência das desigualdades sociais provocadas pela estrutura racializada e os caminhos propostos para a sua superação ou acomodação, seja em virtude da expansão teórico-discursiva que assumiu em diferentes áreas de conhecimento. Nesse sentido, o debate racial passou a instigar questionamentos a determinados lugares comuns que foram sacralizados em certas áreas, que, devido a concepções dominantes e leituras históricas específicas, se naturalizaram como verdades, ao ponto de delimitar a própria crítica daqueles que contra eles se insurgem.

Nessa linha, o surgimento e a consolidação do Direito do Trabalho como experiência histórica no país é um campo fértil para esses lugares comuns, residindo aí um ambiente no qual o exercício da (auto)crítica deve ser o horizonte que norteará o debate a partir do qual uma nova historiografia social do trabalho subsidiará um olhar mais criterioso acerca das bases fundantes do ramo juslaboral. E é exatamente aqui que o seu campo crítico deve direcionar sua atenção, seja em virtude de determinadas narrativas do passado ainda gravitarem no seu imaginário, condicionando as suas leituras e comportamentos, seja porque o enfrentamento de tais questões é uma necessidade imperiosa, compatível com o exercício constante da crítica.

Assim, para apreender determinado tema como um problema relevante a ser debatido e enfrentado em um debate público, uma crítica deverá ser capaz de suscitar nos interlocutores certo desconforto quanto às certezas cristalizadas que pairam sobre o seu estado da arte, de modo que permita apontar para as inconsistências e limitações dos seus fundamentos. Nesse sentido, a crítica surge para desconstituir os lugares comuns que fossilizam leituras históricas que, diante de novos avanços e perspectivas de um campo, tornam-se incapazes de responder às novas questões formuladas, ao passo que se mostram resistentes a mudanças, por estarem introjetadas como concepções dominantes sobre os sujeitos históricos de uma área específica de conhecimento.

Como bem sinaliza Marcos Nobre1 1 NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor: 2011. , o sentido fundamental da crítica é que seja capaz de apontar e analisar os obstáculos a serem superados para que as potencialidades melhores presentes no existente possam se realizar. No seu entender, consegue-se assim enxergar na realidade presente aqueles elementos que impedem a realização plena de todas as suas potencialidades, apresentando o existente do ponto de vista das oportunidades de emancipação relativamente à dominação vigente. Nessa linha, uma perspectiva que se propõe crítica deve superar os imaginários e lógicas de identificação social construídos ou produzidos, cuja função é escamotear o conflito entre as classes sociais, dissimular a dominação e ocultar a presença do particular, dando-lhe a aparência de universal. Guerreiro Ramos2 2 RAMOS, Alberto Guerreiro. A redução sociológica. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. já sinalizava que a consciência crítica surge quando o ser humano ou um grupo social reflete sobre os determinantes históricos e se conduz diante deles como sujeito, resultando daí não apenas uma conduta humana desperta e vigilante, mas também uma atitude de domínio de si mesma e do exterior.

Em que pese novas leituras da História Social do Trabalho no Brasil acerca da constituição da classe trabalhadora e do lugar do negro na historicidade das relações de trabalho no país, que inseriram aportes significativos para compreender a transição do escravismo colonial para a sociedade de classes e os seus efeitos posteriores para a cidadania, o Direito do Trabalho ficou alheio a esse debate. Marcada fortemente por uma perspectiva dogmática, a narrativa sobre o surgimento desse ramo jurídico não insere em seu bojo o trabalhador negro, invisibilizando-o como força de trabalho na nascente sociedade de classes pós-1888, ao mesmo tempo em que enaltece o papel do imigrante europeu para a formação da classe trabalhadora brasileira e para a constituição de um sistema de proteção social, especialmente a CLT. Por outro lado, o campo crítico do Direito do Trabalho, apesar da formulação de uma análise pertinente sobre os fundamentos do ramo juslaboral no capitalismo dependente brasileiro, tem mostrado pouca capilaridade para o enfrentamento dessa temática. Em outras palavras, tem sido incapaz de romper com certos lugares comuns que margeiam a contribuição do trabalhador negro para a própria constituição da regulação social do trabalho no país.

A partir dessa compreensão, é imprescindível pontuar que o campo crítico do Direito do Trabalho no Brasil, alinhado com uma perspectiva de proteção à classe trabalhadora na regulação jurídica do conflito capital - trabalho, necessita de uma autocrítica quando aplica os seus olhares para a realidade brasileira. Em sua quase totalidade, tais olhares não dialogam com a estrutura racializada da nossa sociedade. Nessa linha, uma perspectiva mais crítica pressupõe reconhecer as limitações ou a ausência da própria crítica sobre certos aspectos dessa estrutura.

Nesse sentido, é pertinente sinalizar para um déficit racial nas leituras críticas do Direito do Trabalho no país, que se expressa tanto pelo silenciamento histórico da estrutura racializada como por análises superficiais ou pontuais sobre o papel do trabalhador negro na história desse ramo juslaboral. Nessa linha, como exercício de crítica e autocrítica, como superar tais limitações? Como proceder para compreendermos certos lugares comuns na análise histórica do campo crítico juslaboralista, no tocante a esta temática? O primeiro passo, no nosso entender, é reconhecermos, enquanto campo crítico, a existência dessa problemática e propormos uma desconstrução de determinadas compreensões e análises, a partir do debate público. Para tanto, é buscar também o que se entende por história para, então, situarmos o que se deve ser superado.

Dessa forma, para os objetivos do presente texto, é necessário, inicialmente, delimitar o que se compreende como teoria crítica, para, em seguida, delineado o denominado déficit racial e o campo crítico do Direito do Trabalho ao qual nos referimos, abordar os novos aportes e perspectivas da História Social do Trabalho acerca do papel do trabalhador negro para a formação desse ramo jurídico. Por fim, a partir a partir da leitura de obras de três autores do campo crítico - Maurício Godinho Delgado, Jorge Luiz Souto Maior e Wilson Ramos Filho -, intenta-se compreender como eles tratam a transição do escravismo colonial para a sociedade de classes no país, no tocante ao surgimento do Direito do Trabalho e à própria constituição da classe trabalhadora. Assim, busca-se evidenciar, de modo exemplificativo, como o campo crítico juslaboralista priva-se de uma análise que identifique o trabalhador negro como agente relevante na historicidade das relações de trabalho no Brasil.

1 Delimitando o debate

Para Karl Marx3 3 MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. , na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade. Para o autor, essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. Assim, no seu entender, a totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. Nesse sentido, o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual, não sendo a consciência dos homens que determina o seu ser, mas sim é o ser social que determina sua consciência.

O pensamento marxiano, ao inverter a lógica do pensamento hegeliano e focar nas condições materiais de existência humana, no qual o trabalho assume um estatuto ontológico para a formação do ser humano, seja individualmente, seja como ser social, estabelece uma crítica severa à sociabilidade capitalista. Nessa linha, ao captar a formação social capitalista como formação social histórica, condicionada por relações de produção específicas, traçou a estrutura e a dinâmica da sociedade burguesa, apontando os seus fundamentos, condicionamentos e limites, com vistas a promover a superação desse modo de sociabilidade. Presente no pensamento marxiano, o exercício da crítica, direcionado à transformação radical e à emancipação humana da forma societal do capital, lhe permitiu desenvolver o materialismo histórico dialético.

Nesse sentido, Florestan Fernandes4 4 FERNANDES, Florestan. Prefácio. In MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. observa que a grande contribuição de Marx foi o materialismo histórico, que permitiu, por exemplo, novas possibilidades de desenvolvimento científico nas ciências sociais. Para o autor paulista, o método introduzido por Marx contribuiu para as seguintes compreensões: a) as leis sociais e econômicas só são válidas para determinadas formas sociais e durante um período determinado de seu desenvolvimento; b) a existência de regularidade dos fenômenos sociais, contudo a vontade humana intervém nos acontecimentos históricos, em certas condições determinadas; c) os fatos sociais articulam-se entre si por conexões íntimas, numa ideia de totalidade; d) a existência de fatores determinantes (a produção nas modernas sociedades capitalistas) atuando sobre os demais fatores.

Assim, articulando a concepção de que a sociedade burguesa é uma totalidade concreta, contraditória e mediada por múltiplas determinações, o pensamento marxiano estabelece a sua perspectiva teórico-crítica fundamental. Permite, portanto, articular a indissociabilidade de uma dimensão teórica com uma práxis revolucionária, transformadora da realidade social.

Rúrion Melo5 5 MELO, Rúrion. Teoria Crítica e os sentidos da emancipação. CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 62, p. 249-262, Maio/Ago. 2011. é preciso ao sinalizar que o ímpeto transformador da práxis revolucionária, lastreado no pensamento marxiano, precisava ser fundamentado numa relação bem sucedida entre a teoria e a prática. Em razão disso, para o autor, uma compreensão adequada do sistema capitalista foi fundamental para a orientação esclarecida da ação revolucionária. No seu entender, Marx retira das próprias condições capitalistas existentes o movimento real de sua transformação, sendo que a tarefa teórica mais importante consistiria em produzir um diagnóstico de época capaz de evidenciar as condições e os obstáculos para a orientação prática. Nesse sentido, há no pensamento marxiano uma crítica imanente à sociedade capitalista, que, de acordo com Rúrion Melo, trata-se de um diagnóstico da época ancorado: a) na investigação histórica e categorial da lógica de funcionamento e reprodução do capitalismo; b) que lança luz sobre as determinações contraditórias do sistema (criando intrinsecamente formas de patologia social); e c) que retira dos pressupostos do desenvolvimento do próprio sistema as condições sociais de sua superação, ou seja, da emancipação social.

Dessa forma, uma teoria crítica lastreada em Marx deverá ser capaz de produzir um diagnóstico sobre a complexidade do funcionamento e das contradições da sociabilidade capitalista, sinalizando caminhos para a transformação e a superação de sua forma societal. Nessa linha, lastreou posteriormente o campo do que se convencionou denominar de Teoria Crítica, norteada por um materialismo interdisciplinar. 6 6 Para que se tenha uma ideia da amplitude desse projeto, basta citar alguns dos nomes envolvidos: em economia, além de Friedrich Pollock, Henryk Grossmann (1881-1950) e Arkadij Gurland (1904-1979); em ciência política e direito, Franz Neumann (1900-1954) e Otto Kirchheimer (1905-1965); na crítica da cultura, Theodor W. Adorno (1903-1969) — que viria posteriormente a ser o grande parceiro de Horkheimer na produção em filosofia —, Leo Löwenthal (1900-1993) e, alguns anos mais tarde, Walter Benjamin (1892-1940); em filosofia, além de Horkheimer, também Herbert Marcuse (1898-1978); e em psicologia e psicanálise, Erich Fromm (1900-1980) (NOBRE, Op. cit., 2011).

Para a sua delimitação, Marx Horkheimer7 7 HORKHEIMER, Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In BENJAMIN, Walter; HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W, HABERMAS, Jurgen. Textos Escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975. já observava que, na medida em que o conceito da teoria é independentizado, como que saindo da essência interna da gnose, ou possuindo uma fundamentação a-histórica, ele se transforma em uma categoria coisificada e, por isso, ideológica. Para o autor, o que a teoria tradicional admite como existente, sem engajar-se de alguma forma, são questionados pelo pensamento crítico, em virtude do seu papel positivo numa sociedade burguesa, da relação mediatizada e intransparente com a satisfação das necessidades gerais e da participação no processo renovador da vida da totalidade, exigências com as quais a própria ciência não costuma se preocupar. Em razão disso, no seu entender, a crítica está associada à estrutura social em sua totalidade e ao não alinhamento com a ordem social vigente, sendo necessário, portanto, expor as contradições sociais e se constituir como um fator que estimula e transforma. Dessa forma, o comportamento crítico funda-se numa orientação para emancipação da sociedade. Nessa linha, observa Marcos Nobre8 8 NOBRE, Marcos. Op. cit. que a orientação para a emancipação exige que a teoria seja expressão de um comportamento crítico relativamente ao conhecimento produzido sob condições sociais capitalistas e à própria realidade social que esse conhecimento pretende apreender. No seu entender, a teoria é tão importante para o campo crítico que o seu sentido se altera por inteiro, pois não cabe a ela limitar-se a dizer como as coisas funcionam, mas sim analisar o funcionamento concreto delas à luz de projeto de emancipação ao mesmo tempo concretamente possível e bloqueado pelas relações sociais vigentes. Nessa linha, para o autor, a Teoria Crítica tem sempre como uma de suas mais importantes tarefas a produção de um determinado diagnóstico do tempo presente, baseado em tendências estruturais do modelo de organização social vigente, bem como em situações históricas concretas, em que se mostram tanto as oportunidades e potencialidades para a emancipação quanto os obstáculos reais a ela. Dessa forma, a Teoria Crítica não pode se confirmar senão na prática transformadora das relações sociais vigentes.

A formulação da Teoria Crítica em Max Horkheimer se afastou das concepções iniciais, notadamente em virtude da publicação da Dialética do Esclarecimento9 9 Os autores constroem uma teoria da dominação a partir do controle instrumental da natureza, na qual todas as formas de dominação derivam da lógica de identidade da razão instrumental, motivo pelo qual explicam a origem da dinâmica da regressão da civilização. Por isso, Marcos Nobre (2011) afirma que, no capitalismo administrado, a razão se vê reduzida a uma capacidade de adaptação a fins previamente dados de calcular os melhores meios para alcançar fins que lhe são estranhos. No seu entender, essa racionalidade é dominante na sociedade não apenas por moldar a economia, o sistema político ou a burocracia estatal, ela também faz parte da socialização, do processo de aprendizado e da formação da personalidade. , na qual, de um lado, a orientação emancipatória estaria bloqueada pelo império da razão instrumental. Para Nathalie de Almeida Bressiani10 10 BRESSIANI, Nathalie de Almeida. Economia, Cultura e Normatividade: o debate de Nancy Fraser e Axel Honneth sobre redistribuição e reconhecimento. 2010. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade de São Paulo, São Paulo. , diante desse contexto, observa que Adorno e Horkheimer defendiam que a integração social teria se reduzido às suas formas sistêmicas, sendo que a identificação entre razão e dominação, consequência de um processo progressivo de esclarecimento, teria corroído a própria possibilidade da liberdade na sociedade, a qual seria inseparável do pensamento esclarecedor, que, paradoxalmente, a destrói. Assim, no seu entender, a possibilidade de uma sociedade emancipada só pode ser concebida a partir do abandono da racionalidade, sem a qual a dominação inerente às relações entre sujeito e objeto não tem como ser superada.

De outro lado, a multiplicidade de vertentes teóricas posteriores, abarcadas sob o seu manto, impôs à Teoria Crítica a necessidade de que seja capaz de renovar os seus diagnósticos e entender a configuração das lutas sociais contemporâneas, ora para enfrentar o seu déficit normativo e avançar para a racionalidade comunicativa (Habermas), ora delinear a ideia de uma teoria crítica da sociedade, na qual os processos de mudança social devem ser explicados com referências às pretensões normativas estruturalmente inscritas na relação de reconhecimento recíproco (Honneth).

Nessa linha, é importante observar que, de acordo com Rúrion Melo11 11 MELO, Rúrion. Sentidos da emancipação: para além da antinomia revolução versus reforma. 2009. Tese (Doutorado em Filosofia). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo. , a história da teoria crítica é marcada por uma concorrência entre os diagnósticos de época, mais ou menos adequados à crítica da sociedade, numa tentativa de superar a clássica oposição que se estabeleceu historicamente entre o marxismo revolucionário e concepções reformistas, o que não implicava abrir mão de uma teoria crítica orientada para a emancipação. Pode-se afirmar, portanto, que esse vasto campo deu vazão a vertentes teóricas que, em que pese possuírem concepções distintas sobre as possibilidades ou sentidos de emancipação, buscam responder ao papel de uma teoria crítica para o enfrentamento das problemáticas do seu tempo histórico.

Dessa forma, para as pretensões do presente texto, é nesse sentido anteriormente delimitado que se pode argumentar por um campo crítico do Direito do Trabalho, no qual incluo Maurício Godinho Delgado, Jorge Luiz Souto Maior e Wilson Ramos Filho. Em outras palavras, não é que tal campo e seus autores pertencem à Teoria Crítica - o que seria um devaneio histórico e uma impropriedade epistêmica -, mas sim que a crítica embutida nos seus trabalhos se aproxima de um certo legado de crítica herdado da Escola de Frankfurt. E isso pode ser percebido nas tensões da luta política da classe trabalhadora e os limites das reivindicações jurídicas sob o capitalismo, travada nas discussões sobre a preservação do núcleo protetivo do Direito do Trabalho, em face da racionalidade neoliberal.

Contudo, para tanto, é necessário explicitar tanto a sua particularidade, notadamente as bases nas quais se estabelecem o exercício da crítica no ramo juslaboral, como a própria escolha dos referidos autores e de suas respectivas obras. Seria arbitrária tal atribuição ou poderíamos estabelecer tal delimitação? Vejamos.

Um campo crítico do Direito do Trabalho pode ser delimitado sob duas balizes. A primeira, de orientação explicitamente marxista, no qual há uma crítica à sociabilidade capitalista, ao conteúdo da forma jurídica e à ideologia jurídica, tendo em vista a emancipação humana e a superação da reprodução social do capital. Orienta-se desde uma perspectiva marxiana do Direito, passando a acrescer as contribuições seminais de ordem pachukaniana, na qual a genealogia da subjetividade jurídica encontra-se nas relações de troca de mercadorias, na qual a forma jurídica é equivalente à forma mercadoria.

Nessa linha, o ramo juslaboral é compreendido como a resultante de uma correlação conflitiva de forças entre capitalistas e trabalhadores, materializada em normas jurídicas, servindo ao projeto de juridificação do conflito entre o trabalho assalariado e o capital e de sua canalização ou institucionalização pelo Estado. 12 12 RAMOS FILHO, Wilson. Direito Capitalista do Trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil. São Paulo: LTr, 2012. Nessa perspectiva, tal ramo juslaboral é essencialmente um Direito Capitalista do Trabalho. Aqui poder-se-ia incluir Jorge Luiz Souto Maior, Gustavo Seferian Machado, Sayonara Grillo, Marcus Orione, Wilson Ramos Filho.

A segunda balize se centra no fazer crítico à dogmática do Direito do Trabalho, pautando-se pela defesa da ordem jurídico-constitucional de proteção ao trabalhador, norteada pelo valor social do trabalho, dignidade da pessoa humana, cidadania e função social da empresa. Nessa perspectiva, a leitura dos fundamentos e principiologia do ramo juslaboral cumpre função discursiva de estabelecer um patamar civilizatório mínimo para a classe trabalhadora, sobre o qual as investidas do capital não encontrariam respaldo jurídico. Assim, o Direito do Trabalho cumpriria as seguintes funções: a) melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica; b) caráter modernizante e progressista, do ponto de vista econômico e social; c) função política conservadora, por meio da qual se confere legitimidade política e cultural à relação de produção básica da sociedade contemporânea; d) função civilizatória e democrática, ao estabelecer o acesso de segmentos despossuídos à riqueza material acumulada pela sociedade econômica. 13 13 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019. Aqui poder-se-ia incluir Maurício Godinho Delgado, Valdete Souto Severo, Magda Barros Biavaschi, Gabriela Delgado e Rodrigo Carelli.

Nesse sentido, a seleção das obras de Maurício Godinho Delgado, Jorge Luiz Souto Maior e Wilson Ramos Filho14 14 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019; MAIOR, Jorge Luiz Souto. História do direito do trabalho no Brasil: curso de direito do trabalho, volume I: parte II. São Paulo: LTr, 2017; RAMOS FILHO, Wilson. Direito Capitalista do Trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil. São Paulo: LTr, 2012. justifica-se, de um lado, por serem livros nos quais os seus respectivos autores desenvolvem seus argumentos de forma mais ampla e criteriosa sobre o Direito do Trabalho, possibilitando ao leitor as nuances de suas perspectivas críticas. De outro lado, por serem de uso corrente nos cursos jurídicos, suas percepções acerca do surgimento do Direito do Trabalho cristalizam lugares comuns acerca do locus do negro nas relações de trabalho no Brasil. Assim, pela amplitude do seu alcance, contribuem para a manutenção de um déficit racial no presente campo crítico.

Feitas essas delimitações, passaremos a analisar as novas leituras da História Social do Trabalho que permitiram reposicionar o lugar histórico do negro nas relações de trabalho no país, de modo a subsidiar a crítica das narrativas de surgimento do ramo juslaboral e da própria constituição da classe trabalhadora brasileira.

2. Novas leituras da história social do trabalho

É inegável que o escravismo colonial, por sua extensão temporal e relevância quantitativa, se constituiu como uma marca histórica na construção da sociabilidade brasileira, delimitando os espaços de poder, a estruturação do Estado, a restrição qualitativa de uma sociedade civil, os incluídos na repartição da riqueza material, as relações de produção fundamentais e o modo de transição para a sociedade de classes pós-1888. Nesse sentido, não seria exagero afirmar que analisar relações raciais se constitui como um excelente caminho interpretativo para a compreensão dos dilemas postos perante o Estado brasileiro para lidar com os desafios da transição de uma estrutura escravocrata para uma sociedade livre e assalariada, tipicamente capitalista.

Para Florestan Fernandes15 15 FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 5 ed. São Paulo: Globo, 2006. , a ordem social e escravocrata não se abriu facilmente aos requisitos econômicos, sociais, culturais e jurídico-políticos do capitalismo e a emergência e o desenvolvimento da ordem social competitiva ocorreram paulatinamente, na medida em que a desintegração da ordem social escravocrata e senhorial forneceu pontos de partida realmente consistentes para a reorganização das relações de produção e de mercado em bases genuinamente capitalistas. O autor observava que “a revolução social vinculada à desagregação da produção escravista e da ordem social correspondente não se fazia para a toda sociedade brasileira”, razão pela qual os seus “limites históricos eram fechados, embora seus dinamismos históricos fossem abertos e duráveis”. 16 16 FERNANDES, Florestan. Significado do Protesto Negro. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1989, p.13-14.

Postas em outras palavras, em que pese o país estar inserido desde o escravismo colonial em formas econômico-sociais relacionadas com o desenvolvimento do capitalismo em nível mundial, como desenvolver internamente uma sociabilidade essencialmente capitalista tendo em vista uma historicidade fundada em um ethos escravocrata e numa estrutura social rígida? O que fazer para “civilizar” uma massa de escravizados, livres e libertos, e direcioná-los para um padrão racional, disciplinado e organizado de uma sociedade livre e assalariada?

Essa problemática de como construir uma sociabilidade tipicamente capitalista no Brasil teria que passar necessariamente pelo desafio de reorientar a massa de escravizados, pois a universalização do trabalho livre e assalariado, fundada na igualdade jurídica, não se compatibilizaria em tese com os padrões instituídos pelo ethos escravocrata. Nessa linha, a constituição de um mercado de trabalho livre se mostra imperiosa, tendo em vista que o imaginário das elites sobre os escravizados, conforme observa Celia Marinho Azevedo17 17 AZEVEDO, Celia Maria Marinho. Onda Negro, Medo Branco: o negro no imaginário das elites Século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. , os tratava como sujeitos espoliados pela escravidão e despreparados para o trabalho livre, incapazes, portanto, de se adequar aos novos padrões contratuais e esquemas racionalizadores e modernizantes da grande produção agrícola e industrial. No entender da autora, sob essa diretriz, eles se tornariam marginais por força da lógica inevitável do progresso capitalista.

Nessa linha, para a referida autora, a saída encontrada e inevitável pelas elites do século XIX para a constituição de um mercado de trabalho livre estaria inevitavelmente naquele trabalhador compatível com o desenvolvimento econômico industrial correspondente, o imigrante europeu. Assim, de um lado, a inevitabilidade histórica de um novo agente como força de trabalho dominante, e, de outro, a imagem de uma massa inerte, desagregada, inculta, sem grande importância naquele período - o negro -. E é exatamente esse imaginário, no seu entender, que se erguerá como uma racionalidade histórica, fundada no medo e na insegurança suscitada pelo conflitos reais ou simplesmente potenciais entre as elites e a massa de gente miserável18 18 AZEVEDO, Op. cit. , que se mostra uma peça fundamental para a compreensão das tensões concretas que se formarão no seio das interações da própria classe trabalhadora brasileira, notadamente para a configuração de uma divisão racial do trabalho e da invisibilidade do papel do trabalhador negro nas relações de trabalho pós-1888. 19 19 Lúcio Kowarick, em sua obra Trabalho e Vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil, observava que a construção de uma ideia de vadiagem do trabalhador nacional, escravizado, liberto ou prestes a ser libertado, associando-o ao desamor ao trabalho disciplinado e orientado para a então nascente sociedade de classes no país, o que, no seu entender, reforçava a ordem escravocrata e relegava o nacional a uma posição marginal no mercado de trabalho, em atividades mais degradadas e mal remuneradas.

Nessa linha, essa formação do mercado de trabalho livre é marcada por debates, de um lado, por uma perspectiva emancipacionista, orientada pela internalização da hierarquia social capitalista e de seus limites, sem uma coação física direta, e, de outro, por uma perspectiva imigrantista, focada na substituição da força de trabalho nacional. E é exatamente essa última que, de certa forma, a posteriori, contaminará as interpretações futuras sobre as relações de trabalho no Brasil e a constituição da classe trabalhadora no país. Dito de outra forma, é esse o marco que se constituirá, nas palavras de Sidney Chalhoub e Fernando Teixeira da Silva20 20 CHALHOUB, Sidney; SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cad. AEL , v. 14, n. 26, 2009, pp. 13-47, p. 15. , como “o muro de Berlim historiográfico” que trava “o diálogo necessário entre os historiadores da escravidão e os estudiosos das práticas políticas e culturais dos trabalhadores urbanos pobres e do movimento operário”.

Nesse sentido, Silvia Hunold Lara21 21 LARA, Silvia Hunold. Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil. Proj. História , São Paulo, (16), fev. 1998. observa que a história social do trabalho no Brasil passa a ser identificada com o trabalho livre e assalariado, na qual não figura o trabalhador escravizado, razão por que teria se cristalizado uma oposição irreconciliável entre escravidão e liberdade. Para a autora, houve uma abundante historiografia sobre a transição do escravismo - dotado de seres coisificados, destituídos de tradições pelo mecanismo do tráfico - para a sociedade de classe - universo do trabalho livre e assalariado -. Resultado: o negro escravizado desaparece da história e passa a ser desconsiderado do universo da classe trabalhadora brasileira.

Veja que a História Social do Trabalho no Brasil, por um certo período, descrevia a classe trabalhadora como exclusivamente branca, fabril, de ascendência europeia, masculina e urbana, deixando lacunas consideráveis a respeito dos trabalhadores escravizados, livres ou libertos no século XIX, que constituíam a própria classe trabalhadora por meio da qual se sustentava o escravismo colonial. Tais agentes não figurariam com relevantes para a configuração do mercado de trabalho pós-Abolição, para a dinamização da urbanização e para o processo de industrialização ocorrido nas primeiras décadas do século XX. Assim, para Raissa Alves22 22 ALVES, Raissa Roussenq. Entre o silêncio e a negação: uma análise da CPI do trabalho escravo sob a ótica do trabalho “livre” da população negra. 2017. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade de Brasília. Brasília. , a narrativa dessa área a partir da vinda dos imigrantes europeus e o silenciamento da experiência negra camuflam as diversas situações vividas pelos trabalhadores negros à margem do que é compreendido como classe operária, obscurecendo as continuidades desse lugar marcado pela discriminação racial. Nesse contexto, acertadamente afirma que condições de trabalho extremamente degradantes não são problematizadas, mas naturalizadas como inerentes às atividades executadas pela população negra.

Antonio Luigi Negro e Flávio Gomes23 23 NEGRO, Antonio Luigi; GOMES, Flávio. Além de senzalas e fábricas: uma história social do trabalho. Tempo Social - Revista de Sociologia da USP, v.18, n.1, junho/2006, pp. 217-240. apontam que diversos estudos começaram a romper com tal paradigma, ao abordarem a experiência do trabalho manufatureiro e industrial com uso de escravizados, assim como a complexidade do trabalho escravizado, urbano e rural, com as transformações tecnológicas e ideológicas do século XIX, em diversas sociedades escravistas. Nessa linha, para os autores, em vez de uma classe débil e do atraso tecnológico, seria possível matizar a historicidade do processo de urbanização e de industrialização no Rio de Janeiro desde o final da primeira metade do século XIX.

Por outro lado, Sidney Chalhoub e Fernando Teixeira da Silva24 24 CHALHOUB; SILVA, Op.cit. sinalizam para a mudança de um paradigma da ausência, que identificava na experiência dos historiadores brasileiros uma história lacunar e em descompasso com outros modelos nacionais, para o paradigma da agência, segundo o qual as ações de escravizados, libertos e trabalhadores urbanos resultaram de negociações, escolhas e decisões frente às instituições e aos poderes normativos. Nesse último, na leitura dos autores, desenvolveu-se uma vertente de estudos sobre a história dos trabalhadores que ampliou o conceito de trabalhador no imaginário acadêmico, nos quais se deu ênfase aos agrupamentos profissionais (têxteis, gráficos, portuários etc.), suas formas de organização, movimentos específicos e dinâmicas próprias, a composição da força de trabalho, entre outros, o que permitiu novos afluxos teóricos e empíricos relevantes. 25 25 Nesse sentido, é relevante apontar o trabalho de Maria Celia Paoli, Éder Sader e Vera da Silva Telles - Pensando a Classe Operária: os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico (notas de uma pesquisa). Revista Brasileira de História, n. 6, p. 129-149, set. 1983 -, no qual os autores examinam os modos de construção da imagem dos trabalhadores nas Ciências Sociais e as transformações que colocam no centro da reflexão o problema da emergência dos trabalhadores enquanto sujeito político. Passa-se então, da classe operária como ““determinado por condições exteriores à sua existência concreta” para uma orientação que busca “captar nas experiências dos dominados a inteligibilidade de suas práticas”.

Ainda, essas mudanças paradigmáticas na História Social do Trabalho permitiram mais recentemente a Antonio Luigi Negro e Flávio dos Santos Gomes26 26 NEGRO, Antonio Luigi; GOMES, Flávio dos Santos. As greves antes da “grève”: as paralisações do trabalho feitas por escravos no século XIX. Cienc. Cult. , vol. 65, n. 2, pp. 56-59, 2013. a correta assertiva do mito do imigrante radical como um preconceito, tendo em vista que, entre silêncios e esquecimentos, impede que o trabalhador nacional - a começar pelo escravizado - apareça como protagonista das lutas operárias. Nessa esteira, os autores apontam a emergência de que a classe trabalhadora não pode estar vinculada apenas à imigração, considerando o histórico de greves - à época, paredes -, prática corriqueira de ação e resistência coletiva dos escravizados e livres, durante o século XIX.

Dessa forma, o que se pretende demonstrar é a existência, ainda na segunda metade do século XIX no Brasil, de experiências de lutas promovidas pelos escravizados ou libertos no cenário urbano das principais cidades, em ambientes de trabalho diversos, por meio das quais se permite construir caminhos que direcionam para o processo de formação da classe trabalhadora no país, não apenas com a chegada dos imigrantes e a sua atuação sindical. Assim, explicita-se que o processo de constituição da classe trabalhadora não está limitada à formação do mercado de trabalho assalariado no país. 27 27 A título exemplificativo, pode-se apontar paralisações, greves e reivindicações em 1858 (tipógrafos), em 1866 (luta dos caixeiros contra a abertura do comércio aos domingos), em 1873 (greve dos cocheiros do Jardim Botânico, demandando a readmissão de companheiros demitidos), todas no Rio de Janeiro, assim com a luta dos trabalhadores em padarias, nas cidades de Santos (1876) e São Paulo (1877), por meio do líder da categoria, João de Mattos, a primeira greve no país, a dos Ganhadores, na cidade de Salvador (1857). Não se pode deixar de observar também o compartilhamento de experiências de trabalho entre escravizados e trabalhadores livres bem como suas articulações para mobilizações e lutas, o que demonstra laços de solidariedade para a formação da classe trabalhadora como sujeito político.

Em razão disso, é preciosa a observação de Marcelo Badaró Mattos28 28 MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe trabalhadora no Brasil. In: ANPUH, XXIV Simpósio Nacional de História, 2007, pp. 1-10. , no sentido de que, nas décadas iniciais do século XX, quando o número e a diversidade (emigrantes estrangeiros, antigos artistas, ex-escravos, migrantes das áreas rurais) dos trabalhadores urbanos se ampliar, as experiências comuns a escravizados e livres na segunda metade do século XIX terão deixado marcas bastante significativas sobre o processo de formação da classe trabalhadora.

Assim, diante dessas mudanças paradigmáticas na História Social do Trabalho, poderia o campo crítico do Direito do Trabalho ficar indiferente ou alheio a esses afluxos teóricos, de forte base empírica? Por que então o lugar do trabalhador negro na historicidade do ramo juslaboral ainda carece dessas valiosas contribuições? Estaria esse campo crítico orientado por lugares comuns, desprovido de novas perspectivas historiográficas sobre as relações de trabalho no Brasil? Vejamos na seção seguinte.

3 Discutindo o déficit racial no campo crítico do direito do trabalho

Apresentar um debate ou análise histórica na área jurídica tem se mostrado uma tarefa hercúlea que suscita fortes calafrios para os profissionais do ofício - os historiadores -, tendo em vista a tendência dos sujeitos do ofício jurídico de buscar no passado elementos de uma certa linearidade que confirmam, inexoravelmente, as suas pretensões ou argumentações. Quase sempre, não aparecem as contradições, tensões e conflitos bem como os sujeitos históricos respectivos, sendo a história apenas um emaranhado unívoco de normatizações legislativas, protocolares para o apogeu da dogmática jurídica. Saindo dessa armadilha - ou se tentando -, uma noção de como compreender os fenômenos históricos pode nortear a incursão nessa área.

Nessa esteira, Clóvis Moura29 29 MOURA, Clóvis. As injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990. observa que uma posição epistemológica fundamental frente ao fato histórico e à ciência deve ser o primeiro dever do historiador, fundada na compreensão de que a história é um processus, que se realiza através de choques e contradições que se verificam na realidade objetiva e sujeita-se à causalidade. Nesse sentido, para o autor, a história tem uma dimensão diacrônica, o que, por sua vez, implica a constatação de um processo e que esse processo do homem sido e a-ser é o seu objetivo. Para o autor, a práxis social é contraditória, razão pela qual a história reflete, nas suas categorias e no seu embasamento lógico, um processo antinômico no qual os grupos sociais, classes ou estamentos atuam com objetivos determinados e, muitas vezes, conflitantes.

Por outro lado, João Bernardo30 30 BERNARDO, João. Propostas para uma metodologia da História. História Revista. 11 (2). Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/historia/article/view/9006/6231. observa que a história trata da relação entre fatos, razão pela qual um fato só adquire dimensão histórica se entrar em relação com outros fatos, norteada por contradições, sob a forma de uma estrutura, na qual se busca a explicação de nexos causais. Assim, para o autor, a estrutura é hierarquizada e todos os níveis da análise histórica devem remeter a um modo de produção, ou pressupô-lo. No seu entender, em última análise, a história só deve ser socioeconômica. Por fim, para o português, o historiador não é tributário de uma visão do passado, mas de um desejo de futuro, sendo que os conceitos históricos são uma maneira de interpretar o passado e de moldar o futuro.

Contudo, Antônio Carlos Wolkmer31 31 WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. sinaliza para uma trajetória da historicidade jurídica nacional marcada por mitos, falácias e contradições, de perfil e natureza ideológica, na qual a tradição legal é profundamente comprometida com uma formação social elitista, agrário-mercantil, antidemocrática e formalista. Nesse sentido, para o autor, é uma historicidade jurídica estruturada na tradição teórico-empírica construída pela força da autoridade, da continuidade, da acumulação, da previsibilidade e do formalismo. No seu entender, a obtenção de nova leitura histórica do fenômeno jurídico enquanto expressão cultural de ideias, pensamentos e instituições implica a reinterpretação das fontes do passado sob o viés da interdisciplinaridade e da reordenação metodológica, em que o Direito seja descrito sob uma perspectiva desmistificadora. Assim, deve-se substituir os modelos teóricos, construídos de forma abstrata e dogmatizada, por investigações históricas, engendradas da dialética da produção e das relações sociais concretas.

Nesse sentido, como articular tais considerações para a nossa problemática em questão? A partir de como se processa a narrativa histórica do Direito do Trabalho. Note que essa narrativa se mostra, na sua expressão hegemônica, como subsidiária ao estudo da dogmática juslaboralista, apresenta uma história linear e evolutiva, que desemboca, de modo acrítico, para a relação de trabalho livre e assalariada, fundamenta-se na impossibilidade de recuos, involuções e descontinuidades, e é incapaz de evidenciar as leis como resultantes de tensões e conflitos sociais, bem como os seus contrastes em diferentes formas de organização social. 32 32 Nesse sentido, ver a presente obra: SILVA, Vanessa Rodrigues. “Escravizados livres”: crítica ao discurso jurídico sobre a história do direito do trabalho a partir da representação historiográfica do trabalho escravo. 2015. Monografia de Graduação (Bacharelado em Direito). Universidade de Brasília. Brasília. O que isso implica, pergunta-se o leitor, para as argumentações do presente texto. As contradições e os sujeitos de cada formação social no Brasil não aparecem em sua dimensão histórica nem os papéis que exercem nos modos de produção para a caracterização do Direito do Trabalho.

Em razão disso, o campo crítico do Direito do Trabalho não pode estar sujeito a tais incompreensões históricas, devendo romper com esses lugares comuns a que a dogmática tradicional nos conduz. Nesse sentido, é imperioso romper com certos entendimentos cristalizados no ramo crítico juslaboral quanto a esse déficit racial, assim como até que ponto certas leituras podem ser complementadas, por lhe faltarem um olhar ainda mais apurado.

Se é bem verdade que o advento de uma legislação regulando as relações de trabalho não se deve confundir com o surgimento do Direito do Trabalho33 33 Observação feita por Jorge Luiz Souto Maior, na sua referida obra, p. 11. , como o compreendemos enquanto forma jurídica, não é despiciendo observar que as relações de trabalho não devem ser enquadradas mecanicamente em direção à forma societal do capital, sob pena de perdermos as “tensões dinâmicas em que detectamos a ruptura com o passado”, nas palavras de João Bernardo. Assim, uma ruptura com o passado requer estarmos atentos às diferenças nas quais tornaram possíveis que o Direito do Trabalho no país se estruturasse enquanto tal, a partir de uma processualidade dialética. Nisso se colocam lado a lado o trabalho escravizado com o trabalho livre, como expressões de relações de trabalho em disputa por hegemonia, na dinâmica história do Brasil, razão pela qual o ramo crítico juslaboral não deve perder de vista que as tensões da coexistência dessas modalidades de trabalho possam ser superadas automaticamente com o fim do escravismo colonial. E, ainda, como tais tensões moldaram a leitura sobre o surgimento do Direito do Trabalho como realidade histórica no país bem como a apreendemos em uma dimensão crítica.

Nessa linha, Jorge Luiz Souto Maior se lança na empreitada de compreender a história do Direito do Trabalho no Brasil a partir de uma dimensão estrutural, na qual associa o surgimento da legislação trabalhista e, consequentemente, do Direito do Trabalho, à formação do modelo capitalista. Em suas palavras, “as relações de trabalho no Brasil estão envolvidas, desde sua formação, em lógicas capitalistas, mas que se concretizam sob estruturas escravistas e servis”. 34 34 MAIOR, op. cit, p. 17. Nesse percurso, busca destacar a relevância da escravidão para a sociabilidade brasileira e, notadamente, para as relações de trabalho, ao mesmo tempo em que expõe formas de rebeldia do escravizado frente ao sistema repressivo do escravismo colonial.

O autor observa que “a escravidão, uma vez institucionalizada, produziu riquezas, aumentando as desigualdades, ao mesmo tempo em que proporcionou a produção de uma racionalidade repressiva da condição humana”, sendo que a Abolição, “juridicamente considerada, não alterou as bases materiais de sua existência”. No seu entender, os negros são “considerados juridicamente livres em uma sociedade que se pretende burguesa e liberal, mas que não deixa de ser escravista”. 35 35 MAIOR, Ibidem, p. 54 e 55.

É interessante como Souto Maior destaca a coexistência de trabalho escravizado com o trabalho livre do imigrante, dando ênfase a como o trabalho exercido por este último estava subsumido à lógica da escravidão, na perspectiva dos interesses dos proprietários de terras. Para o autor, “a participação de escravos nas fábricas [...] tinha o efeito de rebaixar salários e até de estabelecer uma relação do tipo senhorial do proprietário da indústria com os trabalhadores”. Assim, conclui observando que “o projeto liberal da liberdade contratual, para a difusão de relações de trabalho, atende, perfeitamente, aos interesses do capital”. 36 36 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Op, cit, p. 98. Não seria aqui um evidente exemplo de como a ordem social do capital já surge no horizonte brasileiro fazendo uso da estrutura racializada do escravismo colonial, mobilizando relações de trabalho livre sob uma base escravocrata? Certamente que sim.

Nessa leitura, o autor analisa, de modo lacônico, a presença de escravizados no setor industrial, paralelamente ao uso do trabalhador livre, deixando a contento abordagens mais recentes sobre a experiência do trabalho manufatureiro e industrial realizado por escravizados, assim como a complexidade dessa modalidade, urbana e rural, com as transformações tecnológicas e ideológicas do século XIX, em diversas sociedades escravistas. É verdade que Souto Maior não se esquiva de pensar o destino ocupacional dos ex-escravizados, na transição para a Primeira República, contudo é patente certa dificuldade sua em posicionar tais trabalhadores nas ações da classe trabalhadora brasileira, se resumindo à assertiva de que a “associação entre escravizados e brancos livres pobres deu o tom inicial da classe trabalhadora no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro”. 37 37 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Op, cit, p. 126.

Nesse sentido, como então compatibilizar a assertiva do autor de que a massa trabalhadora que se formou no final da última década do século XIX era diversificada com a invisibilidade do trabalhador negro, que não aparece como agente da luta concreta da classe trabalhadora em busca de uma legislação social?

Veja que Souto Maior mostra que os trabalhadores libertos assumiam ocupações menos prestigiadas, com baixos salários, ou laboravam em arranjos organizativos próprios, como o setor portuário, mas seria crível supor ausência de capacidade para uma luta coletiva organizada? Se sim, como explicar a greve geral dos trabalhadores em padaria, no ano de 1912, na cidade do Rio de Janeiro, uma categoria com presença maciça de ex-escravizados? Veja que Marcelo Badaró Mattos38 38 MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e Sindicatos no Brasil. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. destaca que os ex-escravizados e seus descendentes, que exerciam o trabalho portuário na segunda metade do século XIX, não apenas continuaram no setor, mas também se organizaram sindicalmente na cidade do Rio de Janeiro.

Percebe-se que, na análise dos movimentos operários no Brasil, trazida por Souto Maior, o elemento negro é fagocitado pelas experiências de lutas anarquistas e socialistas no setor urbano industrial, provenientes dos imigrantes, que acabariam por dar o tom da classe trabalhadora na disputa sobre a futura legislação social. Não se percebe, portanto, a agência dos trabalhadores negros nessa empreitada. Nessa linha, ainda que, segundo o autor, “a maior parte dos operários fosse de estrangeiros isso não significa dizer que apenas os estrangeiros estavam engajados na luta operária”, 39 39 MAIOR, Op, cit, p. 133. não permite sair do lugar comum da sobrevalorizada percepção de uma atuação sindical, na qual se priva a evidência da participação dos trabalhadores negros nas lutas da classe trabalhadora brasileira.

Note que Marcelo Badaró Mattos40 40 MATTOS, Marcelo Badaró. Op. cit, p. 36. sinaliza o peso relativamente pequeno do operariado industrial típico no conjunto da força de trabalho (13,8% da população empregada). Se é assim, por que então uma ênfase a esse operariado, com forte presença de imigrantes, tendo em vista a sua reduzida parcela na composição da classe trabalhadora da época? Não seria tal categoria marginal na classe trabalhadora brasileira de outrora? Onde estariam os trabalhadores negros, senão fora dessa referida classe?

Por fim, é proveitoso o esforço de Souto Maior para romper com uma leitura tradicional desprovida de historicidade, na qual as tensões e contradições são substituídas pelos elementos ideológicos da pacificação social promovida pelo Direito, o que apenas encobre a nossa rígida hierarquia social. Ao mesmo tempo, me parece que tal esforço não supera uma certa linearidade na compreensão da história do Direito do Trabalho no Brasil. Ao não se tratar detidamente as experiências dos trabalhadores escravizados, livres e libertos, como relações de trabalho, passíveis de regulação social, ainda que sob outra forma societária - e como isso repercute na transição capitalista -, a análise histórica perde o movimento dialético que nos permite relacionar o passado ao presente, bem como projetar as problemáticas a ser superadas no conflito capital - trabalho, nas ações futuras. E é exatamente essa a problemática envolta na transição do escravismo colonial para a sociedade de classes, que fica a contento na leitura do referido autor.

Já Wilson Ramos Filho41 41 RAMOS FILHO, Wilson. Direito Capitalista do Trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil. São Paulo: LTr, 2012. , em que pese sinalizar para o crescimento do uso de africanos escravizados como força de trabalho predominante, uma visão depreciativa do trabalhador brasileiro e o prolongamento da escravidão no Brasil, bem como para as origens do proletariado nacional anteriores à imigração europeia, há uma sucinta análise, quase protocolar, da transição do escravismo para a sociedade de classes. Veja que o autor passa imediatamente a pontuar as experiências da classe trabalhadora organizada, sem fazer menção, em momento algum, de que modo ela é formada, dando ênfase exclusiva ao imigrante europeu na conformação da ação sindical. Não há, portanto, qualquer espaço para se compreender como o trabalhador negro, recentemente livre das amarras escravocratas - e até pouco tempo, principal força de trabalho -, é inserido na sociedade de classes e em quais ocupações, numa evidente demonstração da incapacidade do autor em posicionar tal sujeito histórico na nova dinâmica societal capitalista.

Nessa linha, de modo explícito, o autor ignora a estrutura racializada, salvo quando aponta diretamente o vínculo predominante dos imigrantes europeus na formação da classe operária brasileira no início do século XX. Ainda que o autor não atrele as origens da classe trabalhadora no Brasil à imigração europeia, há em sua obra um sujeito histórico, que conduz revoltas, paralisações e greves e possui ação sindical, mas que, no entanto, é extremamente abstrato, reduzido a nomenclaturas assépticas de “anarco-sindicalistas”, “anarquistas”, “socialistas” e “comunistas”, em momento algum identificável a um fato histórico concreto, em sua completude.

Por fim, aqui o déficit racial nas leituras críticas do Direito do Trabalho se mostra pelo completo silenciamento da estrutura racializada e, portanto, o trabalhador negro sequer se apresenta como sujeito histórico da classe trabalhadora brasileira.

No que se refere a Maurício Godinho Delgado42 42 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019. , o autor é conciso ao observar que, em país de formação colonial, de economia essencialmente agrícola, com um sistema econômico construído em torno da relação escravista de trabalho até fins do século XIX, não há que se falar na existência do ramo juslaboral, em virtude da ausência do trabalho juridicamente livre. A única menção do jurista mineiro à escravatura é a sua extinção com a Lei Áurea, ao eliminar da ordem sociojurídica relação de produção incompatível com o ramo justrabalhista e, consequentemente, estimular a incorporação da força de trabalho sob a forma de relação de emprego.

Há, portanto, no referido autor um completo silenciamento da estrutura racializada. Ainda que se entenda correta a compreensão de que o Direito do Trabalho, como experiência histórica, decorre da forma jurídica sob o capital, seria somente o trabalho livre capaz de propiciar a formação de grupos proletários, que viabilizasse a geração de ideologias de ação e organização coletivas, aptas a produzirem regras jurídicas, como expressamente sinaliza o autor?

Como bem observa Marcelo Badaró Mattos43 43 MATTOS, Marcelo Badaró. Op. cit, p. 16-17 e 21. , na sociedade brasileira, marcada pela longevidade do escravismo colonial, não seria possível pensar o surgimento de uma classe trabalhadora assalariada sem levar em conta as lutas de classes, e os seus valores e referências, que se desenrolaram entre os trabalhadores escravizados e seus senhores. O autor frisa que os trabalhadores assalariados, ao compartilharem espaços de trabalho e de vida urbana com os escravizados, atuaram coletiva e organizadamente pela sua libertação, evidenciando certa modalidade de solidariedade na luta pela liberdade, como parte do arsenal de valores da nova classe em formação.

Dessa forma, evidencia-se que Jorge Luiz Souto Maior tem produzido um esforço em sua obra para debater a estrutura racializada da sociedade brasileira e o seu impacto no Direito do Trabalho, ao passo que nas respectivas obras de Wilson Ramos Filho e Maurício Godinho Delgado há um explícito déficit racial em suas leituras críticas. Assim, o que se pretende aqui é, ao sinalizar tal quadro, propor um debate público que inclua o campo crítico juslaboralista numa perspectiva de rompimento com a estrutura racializada, promovendo um repensar da historicidade das relações de trabalho no país.

Para Max Horkheimer44 44 HORKHEIMER, Max. Op. cit, p. 162. , “determinar o conteúdo e a finalidade de suas próprias realizações, e não apenas nas partes isoladas mas em sua totalidade, é a característica marcante da atividade intelectual. Sua própria condição a leva à transformação histórica”. No entender do autor, o conformismo do pensamento, a insistência em que isto constitua uma atividade fixa, um reino à parte dentro da totalidade social, faz com que o pensamento abandone a sua própria essência.

Nessa linha, Guerreiro Ramos45 45 RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução Crítica à Sociologia Brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995, p. 51 e 53. observava que as tarefas de crítica e autocrítica não poderão ser realizadas sem que ocorra mudança de atitude entre os intelectuais, pois tais tarefas são incompatíveis com o individualismo. No seu entender, os critérios de pensamento são induzidos da realidade concreta, e esta indução é um esforço de compreensão, no qual se está sujeito a percepções ilusórias, razão pela qual resulta a necessidade da autocrítica, pela qual o pensador pode liberar-se de equívocos. Para o autor, a autocrítica implica também na disposição para suportar o debate, porque a indução dos critérios de pensamento a partir da realidade é trabalho coletivo, cuja validade se garante pelo controle de todos.

Assim, diante do problema da crítica e autocrítica, impõe-se a realização de determinadas tarefas. Entre outras, a revisão crítica de nossa produção intelectual, realizada até aqui, à luz dos fatos da realidade brasileira, e o estímulo da autoanálise, como instrumento de purgação de equívocos e vícios mentais e de ajustamento do produtor intelectual às propensões da realidade. Dessa forma, no seu entender, ser crítico é ser capaz de enxergar o significado indireto ou implícito do produto intelectual, ou ser capaz de surpreender as verdadeiras ‘forças motrizes’ que ‘movem’ o produtor. Por fim, finaliza ponderando que é necessário “provocar a polêmica, pois por meio dela é possível liquidar as moedas falsas que ainda circulam entre nós, com o seu valor discutível”.

Considerações finais

Diante do que foi exposto, é necessário enfrentar os desafios impostos pelo déficit racial do campo crítico do Direito do Trabalho.

Primeiro, a marca da nossa sociabilidade é exatamente ser permeada historicamente pela estrutura racializada, num contexto de capitalismo dependente, que fundamenta a gênese da regulação social do trabalho no país. Nessa linha, qualquer pretensão de analisar a formação das relações de trabalho e o surgimento do ramo juslaboral dever capaz de explicitar o papel exercido pelo trabalhador escravizado para a constituição da sociedade livre e assalariada. Nesse sentido, de um lado, as lutas coletivas e cotidianas protagonizadas pelos escravizados enquanto sujeitos históricos, em uma estrutura social que os coisificavam, permitiram estabelecer as condições para a formação da classe trabalhadora brasileira. De outro, as mobilizações, paralisações e greves dos trabalhadores negros na Primeira República evidenciam a sua agência política para o delineamento de um sistema de proteção social no Brasil. Assim, o campo crítico do Direito do Trabalho deverá reconhecer o trabalhador negro como agente relevante na historicidade das relações de trabalho no Brasil, desconstruindo os lugares comuns pelo exercício de uma (auto)crítica coletiva e politicamente direcionada, por meio de sua produção intelectual.

Segundo, é extremamente necessário que esse campo absorva as novas leituras da História Social do Trabalho, introjetando os seus aportes teóricos e empíricos, de modo a enfrentar concretamente, no seu ofício intelectual, o reposicionamento do trabalhador negro na ação sindical e coletiva da classe trabalhadora. Quebrar as construções ideológicas de um imigrante modernizador, racional e disciplinado para as relações de trabalho livre e assalariado, sujeito histórico inexorável do sindicalismo brasileiro, naturalmente branco, urbano, industrial e apto às transformações advindas da industrialização e modernização.

Terceiro, estar disposto a enfrentar o debate racial. As tensões, conflitos e contradições da estrutura racializada brasileira impõe que o pesquisador do campo crítico do Direito do Trabalho seja capaz de mobilizar recursos intelectuais para a sua superação, por meio da transformação histórica. E isso implica sair de sua zona de conforto acadêmica e ir para o debate público, no qual, através do tensionamento e da autocrítica, saídas coletivas são possíveis.

Assim, que a estrutura racializada e o déficit racial sejam as nossas moedas falsas.

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  • 6
    Para que se tenha uma ideia da amplitude desse projeto, basta citar alguns dos nomes envolvidos: em economia, além de Friedrich Pollock, Henryk Grossmann (1881-1950) e Arkadij Gurland (1904-1979); em ciência política e direito, Franz Neumann (1900-1954) e Otto Kirchheimer (1905-1965); na crítica da cultura, Theodor W. Adorno (1903-1969) — que viria posteriormente a ser o grande parceiro de Horkheimer na produção em filosofia —, Leo Löwenthal (1900-1993) e, alguns anos mais tarde, Walter Benjamin (1892-1940); em filosofia, além de Horkheimer, também Herbert Marcuse (1898-1978); e em psicologia e psicanálise, Erich Fromm (1900-1980) (NOBRE, Op. cit., 2011NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor: 2011.).
  • 7
    HORKHEIMER, Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In BENJAMIN, Walter; HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W, HABERMAS, Jurgen. Textos Escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
  • 8
    NOBRE, Marcos. Op. cit.
  • 9
    Os autores constroem uma teoria da dominação a partir do controle instrumental da natureza, na qual todas as formas de dominação derivam da lógica de identidade da razão instrumental, motivo pelo qual explicam a origem da dinâmica da regressão da civilização. Por isso, Marcos Nobre (2011NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor: 2011.) afirma que, no capitalismo administrado, a razão se vê reduzida a uma capacidade de adaptação a fins previamente dados de calcular os melhores meios para alcançar fins que lhe são estranhos. No seu entender, essa racionalidade é dominante na sociedade não apenas por moldar a economia, o sistema político ou a burocracia estatal, ela também faz parte da socialização, do processo de aprendizado e da formação da personalidade.
  • 10
    BRESSIANI, Nathalie de Almeida. Economia, Cultura e Normatividade: o debate de Nancy Fraser e Axel Honneth sobre redistribuição e reconhecimento. 2010. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • 11
    MELO, Rúrion. Sentidos da emancipação: para além da antinomia revolução versus reforma. 2009___________. Sentidos da emancipação: para além da antinomia revolução versus reforma. 2009. Tese (Doutorado em Filosofia). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo.. Tese (Doutorado em Filosofia). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo.
  • 12
    RAMOS FILHO, Wilson. Direito Capitalista do Trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil. São Paulo: LTr, 2012.
  • 13
    DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019..
  • 14
    DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019.; MAIOR, Jorge Luiz Souto. História do direito do trabalho no Brasil: curso de direito do trabalho, volume I: parte II. São Paulo: LTr, 2017; RAMOS FILHO, Wilson. Direito Capitalista do Trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil. São Paulo: LTr, 2012.
  • 15
    FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 5 ed. São Paulo: Globo, 2006.
  • 16
    FERNANDES, Florestan. Significado do Protesto Negro. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1989____________. Significado do Protesto Negro. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1989., p.13-14.
  • 17
    AZEVEDO, Celia Maria Marinho. Onda Negro, Medo Branco: o negro no imaginário das elites Século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
  • 18
    AZEVEDO, Op. cit.
  • 19
    Lúcio Kowarick, em sua obra Trabalho e Vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil, observava que a construção de uma ideia de vadiagem do trabalhador nacional, escravizado, liberto ou prestes a ser libertado, associando-o ao desamor ao trabalho disciplinado e orientado para a então nascente sociedade de classes no país, o que, no seu entender, reforçava a ordem escravocrata e relegava o nacional a uma posição marginal no mercado de trabalho, em atividades mais degradadas e mal remuneradas.
  • 20
    CHALHOUB, Sidney; SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980. Cad. AEL , v. 14, n. 26, 2009, pp. 13-47, p. 15.
  • 21
    LARA, Silvia Hunold. Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil. Proj. História , São Paulo, (16), fev. 1998.
  • 22
    ALVES, Raissa Roussenq. Entre o silêncio e a negação: uma análise da CPI do trabalho escravo sob a ótica do trabalho “livre” da população negra. 2017. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade de Brasília. Brasília.
  • 23
    NEGRO, Antonio Luigi; GOMES, Flávio. Além de senzalas e fábricas: uma história social do trabalho. Tempo Social - Revista de Sociologia da USP, v.18, n.1, junho/2006, pp. 217-240.
  • 24
    CHALHOUB; SILVA, Op.cit.
  • 25
    Nesse sentido, é relevante apontar o trabalho de Maria Celia Paoli, Éder Sader e Vera da Silva Telles - Pensando a Classe Operária: os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico (notas de uma pesquisa). Revista Brasileira de História, n. 6, p. 129-149, set. 1983 -, no qual os autores examinam os modos de construção da imagem dos trabalhadores nas Ciências Sociais e as transformações que colocam no centro da reflexão o problema da emergência dos trabalhadores enquanto sujeito político. Passa-se então, da classe operária como ““determinado por condições exteriores à sua existência concreta” para uma orientação que busca “captar nas experiências dos dominados a inteligibilidade de suas práticas”.
  • 26
    NEGRO, Antonio Luigi; GOMES, Flávio dos Santos. As greves antes da “grève”: as paralisações do trabalho feitas por escravos no século XIX. Cienc. Cult. , vol. 65, n. 2, pp. 56-59, 2013.
  • 27
    A título exemplificativo, pode-se apontar paralisações, greves e reivindicações em 1858 (tipógrafos), em 1866 (luta dos caixeiros contra a abertura do comércio aos domingos), em 1873 (greve dos cocheiros do Jardim Botânico, demandando a readmissão de companheiros demitidos), todas no Rio de Janeiro, assim com a luta dos trabalhadores em padarias, nas cidades de Santos (1876) e São Paulo (1877), por meio do líder da categoria, João de Mattos, a primeira greve no país, a dos Ganhadores, na cidade de Salvador (1857).
  • 28
    MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres no processo de formação da classe trabalhadora no Brasil. In: ANPUH, XXIV Simpósio Nacional de História, 2007, pp. 1-10.
  • 29
    MOURA, Clóvis. As injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990.
  • 30
    BERNARDO, João. Propostas para uma metodologia da História. História Revista. 11 (2). Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/historia/article/view/9006/6231.
  • 31
    WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002..
  • 32
    Nesse sentido, ver a presente obra: SILVA, Vanessa Rodrigues. “Escravizados livres”: crítica ao discurso jurídico sobre a história do direito do trabalho a partir da representação historiográfica do trabalho escravo. 2015. Monografia de Graduação (Bacharelado em Direito). Universidade de Brasília. Brasília.
  • 33
    Observação feita por Jorge Luiz Souto Maior, na sua referida obra, p. 11.
  • 34
    MAIOR, op. cit, p. 17.
  • 35
    MAIOR, Ibidem, p. 54 e 55.
  • 36
    MAIOR, Jorge Luiz Souto. Op, cit, p. 98.
  • 37
    MAIOR, Jorge Luiz Souto. Op, cit, p. 126.
  • 38
    MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e Sindicatos no Brasil. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
  • 39
    MAIOR, Op, cit, p. 133.
  • 40
    MATTOS, Marcelo Badaró. Op. cit, p. 36.
  • 41
    RAMOS FILHO, Wilson. Direito Capitalista do Trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil. São Paulo: LTr, 2012.
  • 42
    DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: LTr, 2019..
  • 43
    MATTOS, Marcelo Badaró. Op. cit, p. 16-17 e 21.
  • 44
    HORKHEIMER, Max. Op. cit, p. 162.
  • 45
    RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução Crítica à Sociologia Brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995, p. 51 e 53.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2021
  • Aceito
    17 Nov 2021
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