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Em que se pode reconhecer a alteridade? Política, virada narrativa e usos pragmáticos

How do we recognize otherness? Politics, narrative turn and pragmatic uses

Resumo

Este artigo questiona a redução da ação política à sua dimensão narrativa, e a da alteridade a uma identidade binária, fixa e projetiva. Para tanto, mobiliza dois planos analíticos que progressivamente se interceptam: o primeiro apreende criticamente as relações entre direito e literatura, que submetem a realidade a um regime narrativo; o segundo revisa alguns pontos da fortuna crítica dos gender, postcolonial e subaltern studies, que arriscam perder sua eficácia política em função de sua captura por narrativas dependentes de autenticações identitárias. Os planos se interceptam na problematização constante da alteridade reduzida a um ideal moral e ao propor uma análise a partir de uma pragmática de inspiração pós-estrutural e pós-identitária, capaz de enriquecer problematicamente as abordagens mais estruturais. Como resultados, define-se um corpus de questões transversais para uma agenda de pesquisa em movimentos sociais identitários que se beneficie da interação criativa entre essas matrizes teóricas.

Palavras-chave:
Alteridade; Política; Pragmatismo; Pós-estruturalismo; Virada Narrativa

Abstract

This essay inquires the reduction of political agency to its narrative dimension, and also the reduction of otherness to a binary, fixed and projective identity. Therefore, the essay draws two analytical plans which progressively intercept each other: the first one, critically apprehends the relationship between law and literature, since it subsumes reality to a narrative regime; the second one, reviews some topics on the critic collection of gender, postcolonial and subaltern studies, that risk to lose their political efficacy due to its capture by identitarian narratives. Those two analytical planes intercept each other through the constant problematization of the reductionist conceptions of otherness, such as ideal and moral principles. They also converge in the proposal of a pragmatic enlivened by post-structuralist and post-identity trends, aiming to problematically enrich the more structural approaches. As results, the essay defines a corpus of transversal problems composing a research agenda on identitarian social movements which could benefit from the creative interaction between all those theoretical matrices.

Keywords:
Linguistic Turn; Otherness; Politics; Post-structuralism; Pragmatism

Introdução

Este artigo promove uma interrogação interdisciplinar sobre algumas tendências atuais relacionadas ao uso dos conceitos de narratividade e alteridade, tendo como pano de fundo aproximativo o debate norte-americano dos anos 1980, ainda que não exclusivamente – essas tendências serão delimitadas, em detalhes, a seguir. Problematiza especificamente como o deslocamento do campo político pela e para a dimensão narrativa implicou uma reorganização da representação em torno da produção de um modelo de polêmica ou de guerras em diversos níveis – culturais, narrativas e de cânones.

Essa problematização se relaciona com uma dupla hipótese, que deriva dos usos pragmáticos das noções de ação política e de alteridade no âmbito de movimentos sociais catalisados por identidades – a exemplo dos movimentos de gênero, raça, identidade sexual etc. Neles, é comum que ao mesmo tempo em que a ação política pareça reduzir-se à sua dimensão narrativa (na qual agir e falar politicamente se equivalem), a noção de alteridade também parece se fechar sob formas de identidade que, colocadas em disputa linguística e subsumidas à hierarquizações situacionais, têm sua multiplicidade reduzida a binarismos de tipo fixo e projetivo.

Nosso argumento é o de que não apenas essas duas dimensões, da narratividade e da alteridade reduzida a formações identitárias em oposição, se interceptam e se retroalimentam em um contexto polêmico das guerras culturais ou narrativas, mas que essa dinâmica representativa e linguística que absorve o político impõe aos movimentos sociais um paradoxo no nível do discurso, e um impasse no nível da ação. Não se trata apenas de uma incompatibilidade entre o que se diz e o que se faz, mas da efetiva absorção do agir pelo falar e das multiplicidades pela forma do “mesmo”.

Essa dupla hipótese é submetida a um diálogo com autores e autoras que, por um lado, permitem apreender a questão a partir de um recorte histórico e cultural privilegiado (Peters, Hunter, Foucault, Deleuze e Guattari), bem como de autores e autoras que lançaram alguns dos mais importantes fundamentos para as mobilizações identitárias e sua construção crítica interna (o que chamamos aqui, resumidamente, de gender, queer, postcolonial e subaltern studies).

Para tanto, buscamos reconstruir algumas das principais chaves conceituais que parecem recomendar usos pragmáticos bastante divergentes tanto das identidades (materiais provisionais para reconversões subjetivas) como da noção mesma de alteridade (irredutível a qualquer das formas da identidade). Esse diálogo permitirá reposicionar os movimentos sociais identitários, suas noções de narratividade e alteridade, seus paradoxos e seus impasses, em um campo mais abrangente de apreensão dos critical studies, sugerindo novas agendas de investigação que considerem além da interseccionalidade, as relações potenciais transversais entre os movimentos; além da alteridade das identidades minoritárias, os processos de subjetivação minoritários e plurais, capazes de desafiar a própria axiomática de grupo; além dos usos essencialistas ou meramente estruturais das identidades em um campo narrativo e polêmico, os usos pragmáticos das identidades como materiais provisionais de subjetivação, reconversão e ação política.

Esse percurso é construído paulatinamente através de quatro campos de problemas intercalados: (i) os impasses do movimento Direito e Literatura analisados por Julie Peters como resultado de uma dupla ansiedade e idealização, cujo ponto de convergência é a virada narrativa; (ii) uma possível relação entre o que Foucault denominou polêmica e aquilo que James Davison Hunter chamou de guerras culturais, ambos tendo como pano de fundo o contexto norte--americano dos anos 1980; (iii) as potencialidades presentes no espólio criativo dos critical studies (gender, queer, postcolonial e subaltern studies) e a tensão existente nesta literatura entre essencialização identitária e produção de diferença, entre estrutura e singularização; (iv) uma análise, a partir de Deleuze e Guattari, das possibilidades político-teóricas do conceito de minorias e da fragilidade das posições homogeneizantes em lidar com o pluralismo inerente ao acontecimento e em escapar dos mecanismos ecumênicos do capitalismo.

Isso permite não só revisar e avaliar criticamente essa cena teórica, que se desenrola entre o fim dos anos 1960 e o início dos anos 1990, e continua a desdobrar-se ainda hoje, mas também diagnosticar uma série de linhas problematizantes que trazem perplexidades em comum: seria a virada narrativa, ou a busca de subjetividades essencializadas, uma “reação” à incapacidade dos movimentos sociais em prolongar as possibilidades políticas e existenciais contidas em acontecimentos divisores e emblemáticos, como Maio de 1968 ou Junho de 2013? Narrativa e Identidade seriam dois atalhos tomados para colmatar uma realidade em fuga ou em rápida transformação? O modelo religioso, jurídico e político da polêmica ou das guerras culturais traduziria uma tendência presente nos ativismos quando se deparam com um real evanescente e desafiador? É possível pensar uma política baseada em operações pragmáticas de reconversão subjetiva de identidades, que possam deslizar das fórmulas essencialistas e polarizadoras?

Sem dúvida, essas questões se projetam bem além do presente texto, que busca levantar alguns traços do problema a partir de desdobramentos situados em debates teóricos e contextos específicos. O esforço geral do trabalho implica retomar progressivamente o fio condutor da noção de alteridade, sempre ameaçada pela sua representação como uma identidade binária, fixa e projetiva, mas também como peça capturável por máquinas de guerra identitárias, de narrativas ou capitalísticas. Por outro lado, enfatiza-se que essa fortuna crítica pós-1968, parece apontar, embora a partir de premissas distintas, para uma função provisional e limitada da narrativa e da identidade, reduzidas ora a um suporte para passar à ação, ora a um fator de limitação que permanece, no entanto, aberto a processos multiplicadores de reconversão subjetiva.

Assim, sem abandonar as lutas políticas no nível das demandas concretas, dos direitos abstratos ou dos axiomas, a saída proposta para o problema envolve, por um lado, ressituar uma agenda de pesquisa sobre movimentos sociais a partir da noção de minoria – como “fórmula das multiplicidades” (Deleuze e Guattari, 2007) –, explorando tanto o papel agregador e provisional das identidades quanto, e principalmente, as capacidades de construção transversal e de singularização das lutas.

1 Direito e literatura: narrar o real, realizar o narrado?

O artigo de Julie Stone Peters (2005)PETERS, J. S. 2005. Law, Literature, and the Vanishing Real: On the Future of an Interdisciplinary Illusion, PMLA,Vol. 120, No. 2, p. 442-453., “Law, literature and the vanishing real: on the future of a interdisciplinary illusion”, constitui um excelente ponto de partida para a discussão porque, ao contrário do viés celebratório produzido pela crítica desde meados da década de 1970, descreve o encontro entre direito e literatura como um sucessivo fracasso produzido pelo mesmo impasse: ambas as disciplinas buscaram no campo das narrativas uma saída para uma crise de expectativas ativistas e progressistas, mas não encontram nada além de uma projeção fantasmagórica de suas próprias idealizações.

Em sua argumentação, a autora deixa claro, em primeiro lugar, que existe uma dimensão geracional a indicar que pelo menos parte dos protagonistas do movimento Direito e Literatura eram herdeiros das lutas pelos direitos civis e contra a guerra do Vietnã (ou seja, herdeiros do ciclo de 1968). Por conseguinte, há uma dimensão temporal que inscreve o movimento no interstício que vai da crise do próprio ciclo de 1968 até a ascensão da direita a partir dos anos 1980. Essa dupla inscrição implica que a relação interdisciplinar Direito e Literatura procede de uma reação, no sentido específico de ser mais uma resposta à crise político-criativa do pós-1968, do que uma agenda contemporânea ao ciclo de lutas americano.

Para Julie Peters (2005)PETERS, J. S. 2005. Law, Literature, and the Vanishing Real: On the Future of an Interdisciplinary Illusion, PMLA,Vol. 120, No. 2, p. 442-453., essa reação se deu através de uma via de mão dupla. A primeira partia da percepção de que a crítica literária não dava conta de uma intervenção no real que o direito poderia suprir. Assim, uma aliança com as teorias jurídicas poderia inserir a literatura no campo do ativismo judicial que se seguiu às lutas de 1968 e fornecer uma dimensão concreta à disciplina. A segunda, que atingia o direito, dizia respeito à busca de um fundo valorativo sólido que pudesse enfrentar tanto o formalismo jurídico, como a crescente influência das teorias ligadas ao Law and Economics, garantindo, ao mesmo tempo, um arsenal interpretativo para levar a cabo o ativismo jurídico no âmbito da Justiça.

Essa tentativa de reencontro com o real foi movida por um vago espírito humanizador, que serviu de elo entre duas ansiedades: “a literatura poderia salvar o direito de si mesmo ao lembrá-lo de sua humanidade perdida, garantindo-lhe uma nova realidade através da infusão do humano. Ao mesmo tempo, ao dizer a verdade ao poder [através do direito], a literatura poderia, finalmente, fazer alguma coisa real” (Peters, 2005PETERS, J. S. 2005. Law, Literature, and the Vanishing Real: On the Future of an Interdisciplinary Illusion, PMLA,Vol. 120, No. 2, p. 442-453., p. 445). A armadilha é que esse real, na esteira da crise dos movimentos dos anos 1960 e da ascensão da direita americana, foi concebido através de uma inflação da própria ideia de narrativa ou de representação pela narração, tornando-se presa fácil de mecanismos ligados às guerras culturais dos anos 1980 e dos modelos de polêmica.

Peters analisa a aproximação entre direito e literatura a partir de três eixos: a) o direito como retórica de James Boyd White; b) o direito como hermenêutica em Ronald Dworkin; c) o direito como narrativa ou como contação de estórias (narrative jurisprudence e legal storytelling movement).

  1. a

    O livro de James Boyd White de 1973, The Legal Imagination, se transforma num dos pontos de partida mais reconhecidos do movimento Law and Literature ao afirmar que “o direito não é um sistema de regras, ou algo que pode ser reduzido às escolhas políticas ou conflitos de interesse, ele é antes aquilo que eu chamo de linguagem” (White, 1985, p. xiii). Isso significa que o direito deveria ser entendido como uma área específica da retórica, uma arte manuseável por seus operadores, que participam do processo de compor e estruturar narrativas, mesmo que através de mecanismos de coerção previstos legalmente.

A partir dessa premissa, White define duas questões essenciais que deveriam interrogar o direito: a) até que ponto o Outro pode contar a sua história, ser ouvido e ser reconhecido, sem ser desumanizado ou manipulado?; b) como o direito poderia colocar essas falas em contato, integrando as diferenças numa única composição? É no enfrentamento dessas duas questões que a relação entre direito e literatura se mostraria produtiva: a literatura poderia colaborar com o direito ao trazer narrativas não tradicionais e dilemas éticos que demonstram os limites do formalismo jurídico; o direito poderia integrar essas narrativas em seu processo de persecução da justiça.

Assim, em um mundo atravessado pelos escombros de 1968 e pela penetração da grade econômica e utilitária por todos os poros do corpo social, White reage prometendo uma comunidade fundada nos poderes da linguagem e no potencial ético da interpretação e da função de exemplaridade dos textos clássicos. O texto é alçado a uma “parte da cultura que transcende sua imediata localização no espaço, tempo e contexto social” (White, 1984WHITE, J. B. 1984. When words lose their meaning. Constituitions and reconstitutions of language, character and community. Chicago; London: The university of Chicago Press., p. 280), podendo servir de fonte para novos usos e sentidos por indivíduos e coletividades. Uma comunidade textual de sentido é criada e convida os participantes a avaliar ativamente a obra literária, a sua própria vida, a sua cultura, as suas relações, as suas narrativas através de valores como dignidade, justiça, empatia etc. Por isso, para o autor, o compartilhamento de uma narrativa pode representar a possibilidade mesma de se reinventar o ideal ético da “amizade”, agora através da mediação e da transcendência do papel exercido pelo texto.

  1. b

    Alguns anos mais tarde, o debate jurídico americano recebeu outra conhecida proposta de aproximação entre direito e literatura, elaborada por Ronald Dworkin, que postulou a conhecida imagem do direito como um grande romance em cadeia no qual os julgadores são comparados a escritores comprometidos com a integridade de uma obra em construção (Dworkin, 2001DWORKIN, R. 2001. Uma questão de princípio. Tradução de Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes., p. 217-251). Embora essa imagem tenha sido tomada apenas em seus efeitos hermenêuticos – como possibilidade de superar de maneira não-relativista interpretações legalistas, baseadas na intenção dos legisladores ou em concepções heterodoxas do direito (anarquistas, marxistas, religiosas etc.), existe nela uma clara dimensão política, que ainda é pouco explorada.

Peters oferece uma boa pista ao constatar que a “virada hermenêutica” dworkiana cumpria o duplo papel de afastar as interpretações jurídicas conservadoras e tradicionalistas (em ascensão naquele momento pelas nomeações de Reagan no Sistema Justiça) e realizar um esforço de reconstrução. De forma semelhante às pretensões de White, o alicerce desse esforço pode ser encontrado na ideia de uma “comunidade de princípios”, fundada na história institucional americana e movida por um potencial reflexivo voltado para as melhores interpretações dessa mesma história. O direito como romance em cadeia encarnava, portanto, a retomada de um ideário de cooperação social e de progressismo político-jurídico, num ambiente cultural fraturado pelo ceticismo, pelo radicalismo vazio, ou pela ascensão ultraconservadora.

  1. c

    Por fim, a autora comenta duas agendas de pesquisas complementares, denominadas narrative jurisprudence e storytelling movement, que se consolidaram a partir do final dos anos 1980, propondo uma nova teoria crítica adequada às lutas dos movimentos sociais, em especial a partir de temáticas de gênero ou de raça. A proposta parte de duas premissas: a) a primeira, de que o direito exerceria uma violência baseada em narrativas-mestras e majoritárias, cuja origem e estrutura deveria ser revelada; b) a segunda, de que uma crítica radical do direito deveria promover as contra-narrativas e as estórias daqueles que são destituídos de poder jurídico em face das decisões judiciais e dos espaços de justiça que veiculavam as narrativas majoritárias (cf. Delgado, 1989DELGADO, R. 1989. “Storytelling for Oppositionists and Others: A Plea for Narrative”. Michigan Law Review, Vol. 87, No. 8, Legal Storytelling, p. 2411-2441. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/pdf/1289308.pdf>. Acesso em: 09.05.2019.
    https://www.jstor.org/stable/pdf/1289308...
    ).

O real aqui é reconstituído, não por sua indexação a uma cadeia de interpretações ligada à história institucional americana, como em Dworkin, mas por uma invocação moral da fala dos oprimidos e de suas experiências verdadeiras. Peters não deixa de apontar para o resultado curioso dessa operação: a crítica literária e jurídica encontra uma fundação ética de bases essencialistas após décadas de teorias que apontavam para a direção oposta. A virada representada pelas teorias narrativas do direito na busca de uma verdade inerente ao texto literário, ou de uma função moralizante ou exemplar das histórias narradas, se explicaria por um deslocamento do conflito político que tornou palatável a busca por uma retórica humanista com missões refundadoras.

Assim, se as três afluentes do movimento direito e literatura lograram valorizar o papel da produção de sentido e dos conflitos inerentes a esse domínio no interior de procedimentos apresentados como neutros ou técnicos, o risco de uma idealização, em especial das concepções de linguagem, comunidade e sujeito, parece atingir essas correntes. Para Peters, na ávida busca de refundação de um real estilhaçado pela crise do pós-1968 e das possibilidades de um novo ativismo, as duas disciplinas acabaram entrando em uma sala de espelhos onde a literatura reforçava a dimensão idealista do ativismo jurídico e o direito reforçava as pretensões humanizadoras da literatura.

Cada disciplina buscava, justamente, aquilo que a outra não podia mais oferecer: a literatura já havia perdido suas pretensões universalizadoras e humanistas despindo a narrativa de sua carga autoral, exemplar ou moral; o ativismo jurídico, por sua vez, se mostrava enredado numa teia de regulações, procedimentos dispersos e pressões utilitárias que limitavam qualquer expectativa compreensiva de intervenção na realidade. Ainda assim, nos escombros deixados pelos levantes americanos, ambas as disciplinas se encontram na busca de um real que aspirava “por autenticidade ética, certeza ontológica e honestidade narrativa” (Peters, 2005PETERS, J. S. 2005. Law, Literature, and the Vanishing Real: On the Future of an Interdisciplinary Illusion, PMLA,Vol. 120, No. 2, p. 442-453., p. 449).

2 Quando o real esvanece: polêmica, guerras culturais e a gênese do sentido

Partindo da análise de Peters, outras questões podem ser colocadas para o desdobramento do problema: a) a virada narrativa funcionaria como uma recomposição da representação no campo estético e político suscetível ao que Michel Foucault e James Davison Hunter denominaram, nos anos 80, de polêmica ou de guerra cultural?; b) uma pragmática do acontecimento, através de aportes de autores como William James, Foucault, Deleuze e Guattari, poderia apontar para o “ponto cego” das teorias narrativas do direito, isto é, o problema da gênese do próprio sentido?

É curioso que, no mesmo contexto das viradas narrativas, Foucault, em uma entrevista ao antropólogo Paul Rabinow realizada em Berkeley, em 1983, analisa a função da polêmica como um elemento parasitário na produção de verdade, afirmando que o polemista tem como objetivo final “não chegar mais próximo possível de uma verdade difícil, mas sim obter o triunfo da causa justa que ele manifestamente sustenta desde o princípio” (Foucault, 2002FOUCAULT, M. 2002. “Política da verdade: Paul Rabinow entrevista Michel Foucault” In: RABINOW, Paul. Antropologia da Razão. Tradução de João Guilherme Biehl. Rio de Janeiro: Relume Dumará., p. 18). Para Foucault, a história da polêmica poderia ser traçada através da presença do modelo religioso, jurídico e político. No primeiro, é a intangibilidade de algum ponto do dogma que serve para demonstrar a falta moral do adversário que o negligenciou, desencadeando uma lógica de culpabilização e de revelação dos interesses subjetivos internos e inconfessáveis presentes na violação. No modelo jurídico, por sua vez, a polêmica serve, não para abrir uma oportunidade de discussão igualitária, mas para instruir um processo: “não lida com um interlocutor, mas com um suspeito; colhe as provas da sua culpa, designa uma infração cometida por ele, emite um veredito e o condena (...). O polemista diz a verdade, mas na forma de um julgamento e segundo a autoridade que conferiu a si mesmo” (Foucault, 2002FOUCAULT, M. 2002. “Política da verdade: Paul Rabinow entrevista Michel Foucault” In: RABINOW, Paul. Antropologia da Razão. Tradução de João Guilherme Biehl. Rio de Janeiro: Relume Dumará., p. 18).

No entanto, é o terceiro modelo – o político – que, segundo Foucault, seria o mais poderoso na atualidade. A polêmica “define alianças, recruta partidários, une interesses ou opiniões, representa um partido; ela também situa o outro como um inimigo que apoia interesses opostos aos seus e contra o qual é preciso lutar até que, derrotado, se renda ou desapareça” (Foucault, 2002FOUCAULT, M. 2002. “Política da verdade: Paul Rabinow entrevista Michel Foucault” In: RABINOW, Paul. Antropologia da Razão. Tradução de João Guilherme Biehl. Rio de Janeiro: Relume Dumará., p. 18). Embora todos esses procedimentos – condenações, batalhas, vitórias, derrotas e as narrativas que as acompanham – constituam, para o filósofo, uma grande teatralização, ou mesmo uma comédia, eles validam sistematicamente práticas políticas reais. A polêmica possui, assim, uma dimensão horizontal estabelecida entre os participantes e, também, vertical, sustentando um tipo de representação política que afasta a liberdade de crítica através do estímulo à teatralização generalizada.

A análise de Foucault, além de contemporânea ao momento tratado no artigo de Peters, oferece uma leitura convergente com as análises realizadas, também nos Estados Unidos, sobre o conceito de guerras culturais e seus efeitos. No livro Cultural Wars: the struggle to define America, James Davison Hunter (1991)HUNTER, J. D. 1991. Cultural Wars: the struggle to define America. New York: Basic Books. sustenta que a guerra cultural americana tem como principal característica, não uma disputa em torno de diferentes teologias, dogmas, ou tradições, mas um conflito entre grandes narrativas sobre como interpretar o passado e o futuro da América e o seu fundamento moral. A novidade, portanto, não seria a disputa entre múltiplas interpretações de questões diversas ligadas à vida material ou religiosa, mas um realinhamento difuso de diferentes grupos moralmente pré-legitimados em torno de duas grandes narrativas opostas.

Por isso, as guerras culturais promovem uma mutação na relação entre política e produção de sentido: as palavras se tornam mais importantes que as ações, os usos práticos e o contexto; o debate político é dominado por poucos símbolos escolhidos como objetos de acirramento e de disputa, a relação com os partidos políticos se estabelece através de uma forte identificação moral; os próprios partidos tendem a se colocar como fiadores das grandes narrativas e da disputa pelo predomínio de um modo de vida sobre os outros.

Mesmo partindo de perspectivas diferentes, Foucault e Hunter parecem incomodados com o mesmo tipo de questão: como sair dos modelos da polêmica para restabelecer um tipo de prática coletiva baseada no direito a colocar problemas para a política e para os próprios sujeitos, tendo como ponto de partida um campo de experiências difíceis e concretas? Como estabelecer uma relação entre sujeito e verdade que não esteja, desde o princípio, indexada por concepções já legitimadas por grandes narrativas bélicas e morais? Como se liberar de uma autocompreensão de si baseada na obediência e no sacrifício exigido pelas trincheiras, em direção ao exercício do livre direito de interpelar o poder e suas formas de produção de verdade?

Numa conferência intitulada Pragmatismo e Humanismo (1907), William James sustenta que a realidade é normalmente vista como algo já existente, como uma entidade independente à espera de ser descoberta e revelada. Mas, ao invés de nos perguntarmos “o que é a realidade?”, deveríamos nos colocar, antes, a pergunta “como se fabricam as realidades?”, questão que altera completamente o problema. Para James, a realidade não é uma entidade única e preestabelecida, podendo ser desmembrada em três partes que estão sempre em movimento. A primeira corresponderia a um fluxo de sensações que nos envolve e se precipita sobre nós (“se força contra nós”); a segunda seria formada pelas relações que percebemos diretamente no interior desse fluxo, permitindo sua ordenação em conceitos e ideias; a terceira se refere ao conjunto de verdades prévias e consolidadas, a que qualquer abordagem sobre a realidade precisa se reportar.

A ideia de que uma parte da realidade é composta por fluxos anônimos, “completamente cegos e evanescentes” (James, 2006JAMES, W. 2006. Pragmatismo. São Paulo: Martin Claret., p. 132), anteriores a qualquer conceito ou abstração, é um deslocamento fundamental realizado pelo pragmatismo, posteriormente trabalhado por outros autores como Deleuze e Guattari. É o que permite afirmar que a realidade não possui qualquer suporte prévio e englobante; que ela possui uma dimensão “plástica”, pluralista, aberta a adições, mutações e criações. Da mesma forma, é o que faz com que uma parte da realidade esteja sempre vazando pelos lados, rompendo com a estabilidade pretendida por nossas crenças, hábitos e conceitos. Ela “vem ao nosso encontro sem se deixar possuir”, na citação que James faz de Schiller, seu colega pragmatista (James, 2006JAMES, W. 2006. Pragmatismo. São Paulo: Martin Claret., p. 132). Ou, então, a partir da imagem jurídica criada pelo próprio James: ela é um cliente cuja causa precisa ser conduzida por um advogado, mas a representação se dá sempre através de uma procuração limitada e parcial (James, 2006JAMES, W. 2006. Pragmatismo. São Paulo: Martin Claret., p. 133).

É curioso que, no mesmo texto, James tenha escolhido também as figuras do juiz de direito e do professor de gramática como modelos para a crença em princípios e verdades estabelecidas de antemão. Essas figuras tentam, segundo James: “convencer a audiência de que estão se referindo a entidades preexistentes às suas decisões, às palavras ou à sintaxe, impondo-as de forma unívoca e clamando por obediência” (James, 2006JAMES, W. 2006. Pragmatismo. São Paulo: Martin Claret., p. 131). Mas essas preconcepções abstratas de verdade, do direito e da linguagem “evaporam-se com o menor toque de um fato novo” (James, 2006JAMES, W. 2006. Pragmatismo. São Paulo: Martin Claret., p. 131), fazendo-nos lembrar que elas são mais o resultado de processos ligados à experiência e à realidade, que a aplicação de fórmulas abstratas e preestabelecidas.

Por isso, a preocupação central da concepção de verdade em James é saber se ela pode assegurar a passagem do estoque de ideias acumuladas na experiência para as novas realidades que se precipitam contra nós, sem que a verdade seja enclausurada em modelos preexistentes ou fundações idealizadas. Se a passagem for bem sucedida, poderemos retomar o vínculo com a realidade e restabelecer a crença e a confiança no mundo, através de novas ideias e experiências que se acrescentam àquelas já existentes. Não se trata de buscar o conforto de uma nova origem, de uma grande narrativa ou de um fundamento primeiro, mas de explorar as bordas por onde o fluxo do sensível escapa, adicionando-lhes um novo processo no interior do qual verdade, crença e intervenção no mundo tornam-se indistinguíveis. Daí a formulação de David Lapoujade em seu livro sobre James: “o que o pragmatismo em geral exige são comunidades semiológicas múltiplas cujas regras de interpretação se elaboram pouco a pouco e de forma imanente” (Lapoujade, 2017LAPOUJADE, D. 2017. William James: a construção da experiência. Tradução de Hortência Santos Lencastre. São Paulo: n-1 edições., p. 117).

Se partirmos da premissa de que acontecimentos como os levantes de 1968 ou de Junho de 2013 promovem “choques” que alteram radicalmente os parâmetros que organizam a relação entre o fluxo sensível, a ordenação das ideias e as verdades prévias – isto é, se colocam “na gênese do próprio sentido” –, uma série de novos problemas surgem. Na leitura de Zourabichvili (2000)ZOURABICHVILI, F. 2000. “Deleuze e o Possível (sobre o involuntarismo na política)”. In: ALLIEZ, E. (Org.). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Editora 34., trata-se de um momento em que a realidade é fissurada e foge a toda significação prévia, abrindo um estranho campo polívoco onde novas possibilidades são criadas. É justamente do paradoxo lógico da coexistência de possibilidades radicalmente diferentes que surge, e o (não) sentido que irá redistribuir as condições de emergência das significações, das manifestações e das designações, oferecendo um novo sentido à linguagem (Deleuze, 1974DELEUZE, G. 1974. A lógica do sentido. Tradução de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo: Perspectiva).

É a lógica aberrante do acontecimento: quanto mais ele desaparece sob o peso dos entulhos acumulados pelas polêmicas, guerras culturais e pelas disputas por novas narrativas, mais ele emerge como critério de avaliação do próprio sentido da atualidade. É ele que permite avaliar o fim de um ciclo político diante da nova repartição operada no sensível e a criação de uma nova realidade – uma distribuição que deriva do encontro abrupto com as nossas próprias condições de vida. E é ele que indica o quão insatisfatórias são as novas crenças forjadas com o objetivo de transformar o acontecimento em teatralização, e a expressão desse acontecimento em representação.

Podemos agora retornar à reflexão de Peters sobre o movimento Direito e Literatura. Talvez um dos motivos do fracasso, ao menos nas suas primeiras intenções, tenha sido exatamente um mau encontro com o acontecimento. As ansiedades recíprocas diante de um real evanescente empurraram o movimento para uma tentativa de refundação ética que, curiosamente, deixava de lado os critérios de avaliação e de interpretação que podem existir na fronteira entre a gênese e o sentido. Sem conseguir expandir os compossíveis que foram lançados pelos “choques” produzidos nos levantes, os “herdeiros de 1968” abandonaram as genealogias das fronteiras paradoxais para habitar comunidades idealizadas, erguidas, no entanto, por uma linguagem sem acontecimento. A sala de espelhos fazia emergir o “Outro” e suas narrativas, mas como um reflexo perpétuo de si mesmo: uma repetição sem diferença.

3 Retornar ao social: alteridade, interseccionalidade e subalternidade

Esse conjunto de questões exige situar um solo problemático distinto, mas que não deixa de lhe ser correlato. Assim como Peters (2005)PETERS, J. S. 2005. Law, Literature, and the Vanishing Real: On the Future of an Interdisciplinary Illusion, PMLA,Vol. 120, No. 2, p. 442-453. percebia que quase todos os esforços críticos promovidos na interface entre Direito e Literatura resultaram em um esvanecimento do real preenchido por subtração com idealismos morais na esfera narrativa, Foucault (2002)FOUCAULT, M. 2002. “Política da verdade: Paul Rabinow entrevista Michel Foucault” In: RABINOW, Paul. Antropologia da Razão. Tradução de João Guilherme Biehl. Rio de Janeiro: Relume Dumará. e Hunter (1991)HUNTER, J. D. 1991. Cultural Wars: the struggle to define America. New York: Basic Books. – por meios heterogêneos –, buscavam sair dos modelos da polêmica ao perceber que eles reatualizavam binarismos idealistas e morais envolventes, obturando as continuidades práticas entre as ações políticas efetivas dos sujeitos envolvidos.

É em torno desse eixo problemático – ainda relacionado à cena pós-1968 nos Estados Unidos – que os estudos pós-coloniais e sobre a subalternidade, por um lado, e as teorias sobre as opressões estruturais e interseccionais, por outro, emergem como efeitos de diálogos, não raro polêmicos, com pensadores da Europa continental, mas também como efeitos de análise de casos jurídicos concretos envolvendo as lutas feministas e antirracistas no contexto norte-americano. Casos construídos pela jurisprudência americana, que tanto atraíram os críticos literários da época, foram também o campo concreto que tornou visível – senão talvez para os juízes – a sobreposição de discriminações de tipo estrutural até então compreendidas como categorias de análise, ou experiências sociais, mutuamente excludentes (Crenshaw, 1989CRENSHAW, K. 1989. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics, University of Chicago Legal Forum: Vol. 1989: Iss. 1, Article 8. Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/uclf/vol1989/iss1/8>. Acesso em 11/04/2019.
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, p. 139).

Em seu Demarginalizing the Intersection of Race and Sex, Kimberlee Crenshaw analisa, entre outros, o caso DeGraffenreid v. General Motors (1976), em que cinco mulheres negras processaram a General Motors alegando que o sistema de antiguidade, adotado como política de carreira pela empresa, perpetuava efeitos discriminatórios pretéritos contra mulheres negras. Em juízo, as requerentes demonstraram que, dado que a General Motors não empregava mulheres negras antes de 1964, todas as mulheres negras empregadas após 1970 foram demitidas durante uma recessão econômica em função da aplicação do critério de antiguidade. O pleito judicial foi sumariamente rejeitado pela corte em função de as requerentes não terem demonstrado a existência de casos jurisprudenciais que estatuíssem “que mulheres negras constituem uma classe especial a ser protegida contra discriminação” (Crenshaw, 1989CRENSHAW, K. 1989. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics, University of Chicago Legal Forum: Vol. 1989: Iss. 1, Article 8. Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/uclf/vol1989/iss1/8>. Acesso em 11/04/2019.
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, p. 141). Não se tratava, aos olhos da corte, nem de um caso de discriminação de gênero, nem de raça. Dessa forma, a corte que examinou o caso considerou que faltava fundamentação normativa para que um grupo de mulheres negras pudesse “combinar remédios legais criando um novo ‘super-remédio’ capaz de garantir-lhes um amparo legal que excede as intenções originais dos legisladores” (Crenshaw, 1989CRENSHAW, K. 1989. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics, University of Chicago Legal Forum: Vol. 1989: Iss. 1, Article 8. Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/uclf/vol1989/iss1/8>. Acesso em 11/04/2019.
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, p. 141).

O caso é um dos exemplos analisados por Crewnshaw (1989) a fim de demonstrar, por um lado, que as concepções dominantes de discriminação tendem a ser pensadas a partir de um eixo único de categorias reciprocamente excludentes – o que torna invisíveis e impensáveis discriminações de caráter multidimensional, ou operadas em regime de sobreposição e acúmulo. Por outro lado, seus efeitos práticos consistem em subordinar a compreensão de opressões multidimensionais às experiências dos sujeitos mais privilegiados de um dado grupo social. Assim, segundo Crenshaw, tudo se passa como se os casos de discriminação racial enfatizassem o ponto de vista de negros como um grupo social homogêneo do qual estariam, de antemão, excluídos negros pobres e mulheres negras, por exemplo; como se os casos de discriminação de gênero enfatizassem um grupo social homogêneo composto por mulheres do qual estariam a priori excluídos os pontos de vista de mulheres negras e de mulheres pobres. Assim, “esse foco nos membros mais privilegiados do grupo marginaliza as demandas mais sobrecarregadas e obscuras, que não possam ser entendidas como resultados de fontes discretas de discriminação” (Crenshaw, 1989CRENSHAW, K. 1989. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics, University of Chicago Legal Forum: Vol. 1989: Iss. 1, Article 8. Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/uclf/vol1989/iss1/8>. Acesso em 11/04/2019.
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, p. 140).

No entanto, esses problemas de exclusão não poderiam, segundo Crenshaw (1989)CRENSHAW, K. 1989. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics, University of Chicago Legal Forum: Vol. 1989: Iss. 1, Article 8. Disponível em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/uclf/vol1989/iss1/8>. Acesso em 11/04/2019.
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, ser solucionados simplesmente pela inclusão das mulheres negras como uma estrutura analítica pré-formada, uma vez que a experiência interseccional seria mais ampla do que a soma de racismo e sexismo, implicando um tipo de discriminação singular (Crewshaw, 1989, p. 149). A experiência interseccional não deve ser compreendida como resultante da soma de opressões estruturais correspondentes a tipos identitários ideais e homogêneos, mas da singularidade de uma experiência qualitativamente diferente (não o “ser mulher” somado ao “ser negra”, mas o “ser-mulher-negra”, como uma experiência política e ontologicamente incindível e, portanto, singular).

Isso permite entrever não apenas as formas acríticas dominantes de pensar sobre a discriminação; mas, também, que a operação de redução de experiências de opressão estrutural a um grupo social pré-definido por uma identidade e uma narrativa homogênea se efetua ao preço de produzir usos discriminatórios de segunda ordem. Isto é, ao considerar a mulher o outro do homem – para extrapolarmos o exemplo de Crenshaw – são as experiências singulares de opressão de uma multiplicidade de “outros” dessa mulher, constituída como um tipo ideal binário do homem, por espelhamento, que são subtraídos narrativamente à realidade. Os casos jurídicos e a jurisprudência americana testemunham, nesse sentido, a constitutividade pragmática desses usos e a dimensão “compossível” do acontecimento de que tratamos no ponto anterior.

Como na sala de espelhos de Peters (2005)PETERS, J. S. 2005. Law, Literature, and the Vanishing Real: On the Future of an Interdisciplinary Illusion, PMLA,Vol. 120, No. 2, p. 442-453., o que aparece é o Mesmo, e tanto as teorias da interseccionalidade quanto os casos jurídicos dos quais elas emergem demonstram que para incluir o outro do homem (a mulher), as narrativas convencionais apagam todos “os outros” por meio da afirmação de um dos termos internos constituintes de um binarismo. Assim, a alteridade que reconhece “o Outro”, também o encapsula na imagem especular de uma identidade pré-constituída e codificada, rasurando as multiplicidades de “outros do Outro”.

Isso se explica pelo fato de a alteridade tanto ser forjada em regime de contradição especular com uma identidade que permanece fundacional, quanto em função de sua estabilização abstrata em uma identidade representativa e homogênea – “o Outro”, que inclui seus outros apenas na medida de sua exclusão. Assim, se por um lado a palavra “mulher” adiciona à esfera do real um termo, por outro sua adição subtrai os demais termos não-binários (homem/mulher): “os outros” contidos na (e pela) categoria “mulher”.

Eis o que é pensável na operação que se multiplica ao infinito nas teorias sobre experiências interseccionais de opressões de gênero, raça, classe e sexualidade, e o que elas sintomaticamente denunciam: a insuficiência política da constituição de identidades representativas e abstratas segundo esquemas binários por antítese ou contraposição, e a adição narrativa de realidades por subtração.

Embora conjuntos variáveis de opressões se amalgamem em experiências pessoais, sua singularidade compreende dimensões que transcendem as biografias individuais. Ao comentar a standpoint theory nos estudos feministas, Patricia Hill Collins (1997)COLLINS, P. H. 1997. Comment on Hekman's “Truth and Method: Feminist Standpoint. Signs, Vol. 22, No. 2 (Winter), p. 375-381. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3175278>. Acesso em 26/03/2019.
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postulou não apenas que seus quadros analíticos se sustentariam na correlação entre saberes e poderes, mas também que a noção de “ponto de vista” não é individual. Ela se refere a “experiências historicamente compartilhadas, baseadas em grupos sociais” com um grau de permanência histórica transindividual, enfatizando menos as experiências de caráter individual do que “as condições sociais que constroem dado grupo” (Collins, 1997COLLINS, P. H. 1997. Comment on Hekman's “Truth and Method: Feminist Standpoint. Signs, Vol. 22, No. 2 (Winter), p. 375-381. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3175278>. Acesso em 26/03/2019.
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, p. 375). Trata-se de avaliar, tendo as experiências pessoais como matéria bruta, o enlace constitutivo entre o social e o poder estruturados sob formas hierárquicas e discriminatórias. Assim, “Raça, gênero, classe social, etnicidade, idade e sexualidade não são categorias descritivas aplicadas a indivíduos. Ao revés, esses elementos da estrutura social emergem como dispositivos fundamentais que desenvolvem a resultante de desigualdades em um grupo” (Collins, 1997COLLINS, P. H. 1997. Comment on Hekman's “Truth and Method: Feminist Standpoint. Signs, Vol. 22, No. 2 (Winter), p. 375-381. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3175278>. Acesso em 26/03/2019.
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, p. 376).

Da standpoint theory não poderia resultar de forma alguma uma topologia da identidade ou de uma narrativa autêntica representável pelo indivíduo ou idealizada por sua voz – algo tão proliferante nas polêmicas e nas guerras culturais. Segundo Collins, isso significaria não apenas eliminar as relações de poder criadoras de significações, mas também importaria na adoção do indivíduo como representante do grupo, algo “particularmente problemático quando se compara a voz individual com a voz ou o ponto de vista do grupo” (Collins, 1997COLLINS, P. H. 1997. Comment on Hekman's “Truth and Method: Feminist Standpoint. Signs, Vol. 22, No. 2 (Winter), p. 375-381. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3175278>. Acesso em 26/03/2019.
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, p. 379), que é o forjado pelos poderes e estruturas de hierarquização.

Um dos pontos focais das teorias pós-coloniais consiste precisamente no questionamento radical e aberto da possibilidade mesma de o subalterno e o colonizado falarem. Nessas correntes, a alteridade como projeção das subjetividades dominantes e coloniais, torna-se o centro de uma crítica demolidora, com consequências epistêmicas e comunicacionais. Quando, em Plantation Memories, Grada Kilomba (2010) propõe a escrita como um ato por meio do qual devir-sujeito, trata-se de desfazer-se de uma alteridade de empréstimo; isto é, de uma “máscara branca” por meio da qual a sua realidade como Outrem derivaria de uma projeção fantasmática colonial e objetal, que Frantz Fanon (1988)FANON, F. 1988. Black faces, white masks. Translated by Charles Lam Markmann. London: Pluto Press. descreveu com precedência.

Trata-se de falar, mas não sob as condições injuntivas da alteridade de projeção que a colonização preparou para si, mas de falar como um Self. Escrever torna-se, então, o ato político que instaura o ser como uma “oposição absoluta ao que o projeto colonial predeterminou” (Kilomba, 2010, p. 12). Escrever é “trazer à voz a realidade psicológica do racismo diário tal como contado por mulheres Negras [...]. Aqui, nós falamos ‘em nosso nome’ e sobre nossa própria realidade, de nossa perspectiva, silenciada por tempo demais” (Kilomba, 2010, p. 13). No entanto, em relação aos estruturalismos das teorias interseccionais ou da standpoint theory, tudo parece reintroduzido: o eu como anverso de sua artefatualidade colonial, a realidade psicológica da opressão captada na interface entre raça e gênero, a reivindicação pessoal da sua experiência de sofrimento e dor cotidiana, a capacidade de usar uma voz própria, não capturada em uma alteridade de projeção fantasmática branca.

É precisamente a capacidade de falar, enunciar verdades em nome próprio, de tomar a palavra e de ser ouvido, que move a polêmica que se agita sob Can the subaltern speak?, de Gayatri Chakravorty Spivak (2010 [1985]SPIVAK, G. C. 2010. Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida et al. Belo Horizonte: Editora UFMG.). Nesse texto, que anos mais tarde Spivak (InLandry e Maclean, 1996LANDRY, D.; MACLEAN, G. (Eds.). 1996. Sulbatern talk. Interview with the editors. In: The Spivak reader. Selected works of Gayatri Chakravorty Spivak. New York: Routledge, p. 287-308., p. 288) reconheceria como emocional, angustioso e iniciático, questiona com radicalidade a premissa que Foucault e Deleuze assumem em Os intelectuais e o poder, segundo a qual “os oprimidos sabem e podem falar por si mesmos”. A noção de subalternidade, segundo Spivak, seria introduzida a um só tempo para tornar essa premissa impossível, recaindo na sua polêmica conclusão de que o subalterno não pode falar ou ser lido como tal (Spivak, 2010SPIVAK, G. C. 2010. Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida et al. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 126). Ao presumir a capacidade para saber e falar dos subalternos, Foucault e Deleuze repetiriam em outros termos uma epistemologia e uma política de contínuo silenciamento colonial, que repousaria em uma assimilação do subalterno por catacrese, tornando-se “[...] cúmplice na persistente constituição do Outro na sombra do Eu” (Spivak, 2010SPIVAK, G. C. 2010. Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida et al. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 46) europeu; reintroduzindo, sob um discurso antirepresentacional, “o Outro” do colonizador como um essencialismo subjetivo pré-formado, na condição objetal de ser-para-o-intelectual (Spivak, 2010SPIVAK, G. C. 2010. Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida et al. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 57-59).

Se Spivak discute a imolação de uma jovem mulher no Terceiro Mundo, não é para romantizar a subalternidade feminina ou encerrá-la no íntimo de uma identidade autêntica, mas para demarcar a relação incindível entre a subalternidade e a impossibilidade de falar: “mesmo quando a [mulher] subalterna faz um esforço mortal para falar, ela não consegue ser ouvida [...]” (Spivak InLandry e Maclean, 1996LANDRY, D.; MACLEAN, G. (Eds.). 1996. Sulbatern talk. Interview with the editors. In: The Spivak reader. Selected works of Gayatri Chakravorty Spivak. New York: Routledge, p. 287-308., p. 292). É justamente em função de jamais ser possível olhar para algo como o subalterno em estado puro que persiste uma impossibilidade de falar (e, estruturalmente, de ser ouvido) atrelada à subalternidade (Spivak InLandry e Maclean, 1996LANDRY, D.; MACLEAN, G. (Eds.). 1996. Sulbatern talk. Interview with the editors. In: The Spivak reader. Selected works of Gayatri Chakravorty Spivak. New York: Routledge, p. 287-308., p. 289-292). Precisamente por isso, Spivak considera que “demandas de identidade são manipulações políticas de pessoas que parecem compartilhar uma característica e, portanto, é um tipo de conceito vencedor” (Spivak InLandry e Maclean, 1996LANDRY, D.; MACLEAN, G. (Eds.). 1996. Sulbatern talk. Interview with the editors. In: The Spivak reader. Selected works of Gayatri Chakravorty Spivak. New York: Routledge, p. 287-308., p. 292). Spivak recusa tanto o essencialismo do “social” quanto o das exigências de identidade que, segundo ela, não deveriam veicular senão demandas provisionais, sujeitas a uma crítica interna persistente, assumindo “o risco de não ter um modelo absoluto” (Spivak InLandry e Maclean, 1996LANDRY, D.; MACLEAN, G. (Eds.). 1996. Sulbatern talk. Interview with the editors. In: The Spivak reader. Selected works of Gayatri Chakravorty Spivak. New York: Routledge, p. 287-308., p. 294).

Isso nos permite reler Grada Kilomba, que ao retomar a crítica de Spivak, reconhece, por um lado, que sua intenção fora a de “desafiar a presunção fácil de que se pode recuperar o ponto de vista do subalterno” (Kilomba, 2010, p. 27); por outro lado, seria necessário reconhecer que “o subalterno nunca foi nem uma vítima passiva, nem um cúmplice voluntário da dominação” (Kilomba, 2010, p. 26). Assim, seria preciso interpretar o esforço de Kilomba ao propor as constelações de experiências de vida como material para restabelecer os laços de experiências singulares de racismo cotidiano com a memória histórica e coletiva impressa em racismos de tipo institucional e estrutural (Kilomba, 2010, p. 43-48). Assim, o projeto de Kilomba, ao mesmo tempo em que reivindica uma escrita “em nome próprio”, parece fazê-lo, por um lado, como uma operação provisória, que desloca uma episteme colonial baseada em critérios de poder raciais (Kilomba, 2010, p. 27); por outro, destruir a objetalidade da alteridade forjada e atribuída pelo exercício da razão colonial (Kilombra, 2010, p. 19).

Assim, Plantation memories parece aproximar-se muito do exercício que Nancy Fraser (1995FRASER, N. 1995. Pragmatism, feminism and the linguistic turn. In: BENHABIB, Seyla et al. Feminist contentions. New York: Routledge, p. 157-171., p. 160) propusera: produzir a conexão entre análises discursivas (no caso de Fraser, de gênero; no caso de Kilomba, na sua intersecção com raça e subalternidade) com análises estruturais de instituições e economia política. Eis o que permite afastar as autenticações topológicas, ideais, morais e identitárias como um falso-problema, jamais colocado em termos essencialistas, seja pelas teorias interseccionais de gênero e raça, seja no seu frutífero cruzamento com os estudos pós-coloniais ou da subalternidade.

4 Subjetivações políticas: capital, guerras, identidades

Em um curto texto publicado em Le nouveau Magazine Littéraire, Nadia Yala Kisukidi (2019)KISUKIDI, N. Y. 2019. “La guerre du canon n’aura pas lieu”. Le Nouveau Magazine Littéraire, abr. Disponível em: <https://www.nouveau-magazine-litteraire.com/universit%C3%A9/la-guerre-du-canon-n%E2%80%99aura-pas-lieu>. Acesso em: 12.04.2019.
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mapeou o reflexo universitário das guerras culturais como uma guerra entre cânones. De um lado, as forças conservadoras, chauvinistas, brancas e republicanas francesas, sob o pretexto de “proteger a Universidade”, sustentariam a universalidade como um fetiche conceitual europeu e fronteiriço interno a suas bibliotecas; de outro, forças múltiplas, migrantes e singulares incorporariam a “universalidade efetiva” das filosofias fundadas em geografias concretas, não projetadas em espaços ideais. Seriam como “explosões de seiva” afluindo sem cessar no íntimo da árvore morta da universidade tradicional.

Kisukidi reconhece que “a guerra dos cânones” – entre o etnocentrismo universalista francês e as gender e postcolonial theories – não ocorreu porque já ocorreu há mais de um século, e já foi vencida. Tudo se passa como se a memória de uma vitalidade selvagem ainda eficaz, constitutiva das “universalidades autênticas”, já houvesse estilhaçado toda fantasia de um etnocentrismo universalista europeu pela mera força de sua presença e circulação, mas também em função do trabalho intelectual anti-etnocêntrico e não-essencialista levado a cabo no cerne do pensamento francês, cuja memória Kisukidi evoca colocando lado a lado Césaire e Fanon, mas também Sartre e Bergson.

Ao fazê-lo, Kisukidi parece promover uma estratégia de saída, reduzindo as canon wars e as cultural wars, senão a um falso-problema, à poeira da batalha teórica e social que elas dissimulam e organizam: a penetração dos gender e postcolonial studies não apenas não autoriza as acusações conservadoras como dissuadem o seu uso como um “veneno identitário” (Kisukidi, 2019KISUKIDI, N. Y. 2019. “La guerre du canon n’aura pas lieu”. Le Nouveau Magazine Littéraire, abr. Disponível em: <https://www.nouveau-magazine-litteraire.com/universit%C3%A9/la-guerre-du-canon-n%E2%80%99aura-pas-lieu>. Acesso em: 12.04.2019.
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). Assim, a identificação de uma geografia do pensamento não conduz a uma sedentarização romântica de identidades (femininas, negras, pós-coloniais ou subalternas).

Dispensar as canon wars como um falso-problema que organiza topologias ideais, morais, identitárias – a serem afirmadas ou recusadas –, em torno de uma prática recursiva de violência simbólica, sistemática e geral, que assume a forma de polêmica contínua e estéril, é a condição essencial para retomar, pelas mãos da teoria, o terreno das subjetivações políticas aos modos de organização que o implicam nos circuitos de poder.

Em A vida psíquica do poder: teorias da sujeição, Judith Butler (2017)BUTLER, J. 2017. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Tradução de Rogério Bettoni. Belo Horizonte: Autêntica. cruza exemplarmente essa dupla margem, produzindo uma relação positiva ao tensionar autores do cânone – como Hegel, Nietzsche, Freud, Althusser, Lacan e Foucault –, perfurando-os e expandindo-os problematicamente por outros, geralmente do campo das queer, gender e postcolonial theories, como Gayatri Spivak, Sandra Bartrky, Margaret Whitford, Zakia Pathak, Rajeswari Rajan, Denise Riley, Jacqueline Rose etc.

A questão que a move diz respeito à relação reflexiva entre poder e sujeito. Seu problema é duplo: (a) como o poder instaura o sujeito como instância da sua reflexividade?; e (b) como o sujeito, dependente e apegado ao poder que o faz existir socialmente, pode agir contra o poder? A reflexividade propõe descrever a subjetivação/sujeição como processo de invaginação das relações de poder que constrangem e sustentam o sujeito; e que, ao encerrar a subjetividade sujeitada nessa redoma de forças, explica a possibilidade da resistência e da ação política como a manifestação exterior de um excesso de poder não estruturado, ou não-estruturável, pelos circuitos de poder que engendraram os sujeitos. Isso se provaria não por uma precedência da resistência em relação ao poder – como em Foucault –, mas pela efetividade de ações não-recursivas, excessivas, que depositam na História séries de rupturas e movimentos centrífugos radicados na subjetividade (Butler, 2017BUTLER, J. 2017. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Tradução de Rogério Bettoni. Belo Horizonte: Autêntica., p. 20).

Butler alerta contra duas formas de desejo teórico que parecem estar em jogo nas culture e nas canon wars, e recusa tanto a posição “que considera o momento supremo da política aquele que se assume e declara uma ‘posição do sujeito’” quanto a outra, “em que a rejeição do sujeito como um tropo filosófico subestima os requisitos linguísticos de qualquer entrada na sociedade” (Butler, 2017BUTLER, J. 2017. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Tradução de Rogério Bettoni. Belo Horizonte: Autêntica., p. 38). Por um lado, a perspectiva sobre o sujeito – como demonstrado ao se revisar as teorias interseccionais, ou a standpoint theory – exige que o sujeito abandone a primeira pessoa em benefício de uma análise de sua gênese; por outro lado, a questão da ação “exige que a perspectiva da primeira pessoa seja retomada” (Butler, 2017BUTLER, J. 2017. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Tradução de Rogério Bettoni. Belo Horizonte: Autêntica., p. 38). Apenas nesse duplo movimento, que também envolve gênese e sentido, é possível descrever os circuitos de poder que subjetivam e apoiar-se neles na busca de pontos de reconversão subjetiva, permitindo tanto que se ocupem os lugares discursivos da injúria (as identidades forjadas pelo poder), quanto promover a sua ressignificação subjetiva (Butler, 2017BUTLER, J. 2017. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Tradução de Rogério Bettoni. Belo Horizonte: Autêntica., p. 112).

A premissa de Butler (2017BUTLER, J. 2017. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Tradução de Rogério Bettoni. Belo Horizonte: Autêntica., p. 28) sustenta-se na recusa do “dualismo ontológico que postula a separação entre o político e o psíquico”. Isso permite tanto postular o psíquico como efeito do poder, como postular o poder como um efeito psíquico, mas também permite estabelecer uma continuidade ontológica entre a dimensão do libidinal e a do político, tornado possível revesar – os invés de cindir – os aspectos estruturais, duradouros e fixos, e pós-estruturais, dinâmicos e moventes, da análise da subjetivação.

Félix Guattari, compartilhando essas premissas em outros termos, oferece como efeitos de sua análise institucional, e da pesquisa esquizoanalítica desenvolvida mais tarde – precisamente no cenário do pós-maio de 1968, ao lado de Gilles Deleuze – um conjunto de conceitos-problemas que poderiam concatenar-se para expandir as análises sobre subjetividade e política, oferecendo ferramentas para retomar a subjetivação aos modos morais, ideais, topológicos, belicosos, de organização da subjetividade, próprios das restaurações posteriores ao acontecimento ou do capitalismo ecumênico.

Algumas de suas premissas permitem rearticular as pistas estruturais que revisamos brevemente a partir das gender e post-colonial theories, gerando uma nova hipótese: a de que a afirmação de uma identidade fixa e estática, separada de pragmáticas de reconversão subjetiva, é o efeito político de um movimento de reterritorialização bélica da subjetividade – que, não raro, assume formas neoarcaicas no contexto das culture, narrative ou canon wars; a afirmação de uma identidade em sentido absoluto e imóvel, ou de uma alteridade projetiva binária, pode ser descrita como uma reação psicopolítica a um processo de desterritorialização subjetiva mais geral no interior das turbulências dos acontecimentos divisores (Maio de 1968 ou Junho de 2013) e da reestruturação do capital.

No início da década de 1990, Félix Guattari afirmava que “O ser humano contemporâneo é fundamentalmente desterritorializado. [...] seus territórios etológicos originários – corpo, clã, aldeia, culto, corporação... – [...] se incrustam [...] em universos incorporais” (Guattari, 2012GUATTARI, F. 2012. Caosmose: um novo paradigma estético. 2. ed. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. São Paulo: Editora 34.., p. 149). Seu diagnóstico se baseava na percepção de que o capitalismo, em uma fase pós-industrial, descentrava “seus focos de poder das estruturas produtivas de signos e de subjetividade [...]” (Guattari, 2015, p. 270), e suas semióticas plurais produziam um modelo de subjetividade desarticulado de um solo fixo, assumindo a forma de um nomadismo subjetivo generalizado. Por um lado, essa operação exprimia, no âmbito da subjetividade, as consequências das descodificações e desterritorializações que o capitalismo mundial integrado produziu; por outro, descrevia a produtividade subjetiva da tensão propriamente capitalista em termos transnacionais, que combinava uma isomorfia das “formações [sociais e estatais] diversas” com a exigência de “certa polimorfia periférica” (Deleuze e Guattari, 2007, p. 127-128), unificada de forma imanente sob a forma de uma axiomática econômica internacional.

Assim, ao repelir indefinidamente os seus próprios limites, o capitalismo inclui e captura toda diferença sob a forma da coexistência polimorfa entre formações sociais e político-estatais, ao mesmo tempo em que as controla e administra por meio de uma isomorfia axiomática do capital mundial. Seu resultado subjetivo paradoxal é “um falso nomadismo, que na verdade nos deixa no mesmo lugar, no vazio de uma modernidade exangue [...]” (Guattari, 2015, p. 31). Pontilhada por variações axiomatizadas, a subjetividade capitalística se encontra “ameaçada de petrificação, perde o gosto pela diferença, pelo imprevisto, pelo acontecimento singular”; o entretenimento e a política agora são “drogas neurolépticas que previnem contra a angústia ao preço da infantilização, da desresponsabilização” (Guattari, 2015, p. 30).

Nesse sentido, as identidades em guerra talvez não sejam mais do que reterritorializações neoarcaicas – que remetem à fixidez territorial dos Estados despóticos, que o capitalismo implodiu – sobre identidades, corporalidades, familialismos, neotribalismos e territorialidades pré-formadas por agenciamentos de poder capitalísticos. As guerras culturais, narrativas, ou de cânones, talvez sejam funcionamentos narcolépticos, ou anestesias obsedantes, que permitem manter-se polimorfo no interior de uma miragem narcísica de singularidade enquanto tomamos parte no ritual ecumenista da axiomática do capitalismo mundial e suprimimos, nós mesmos, todos os compossíveis (as linhas de fuga) presentes nos levantes e acontecimentos divisores.

Que suas exigências possam ser formuladas por meio de uma gramática de direitos, isso não as tornaria mais ou menos subversivas politicamente. O jogo binário entre a identidade codificadora e a alteridade projetiva, especular e fantasmática que a primeira engendra se reproduz como tal. Ainda que os querelantes conquistem certo direito, isto é, que tenham sucesso em adicionar um novo termo à axiomática capitalista, é possível que isso se deva mais à expansão plástica do capitalismo – nunca saturado, sempre capaz de realizar uma nova adição por subtração – do que a qualquer alteração real nas relações interiores a uma dada formação social, ou na relação de isomorfia entre uma formação social e a axiomática econômica mundial. Na era das cultural, narrative e das canon wars, a fixidez das identidades não apenas não basta a uma saída política, como conserva e potencializa o risco de se tornar uma peça central da máquina de guerra que reproduz a axiomática do capital em cada uma de suas menores engrenagens.

O problema proposto pelas teorias da interseccionalidade e da subalternidade, como também por Butler (2017)BUTLER, J. 2017. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Tradução de Rogério Bettoni. Belo Horizonte: Autêntica. ou Kisukidi (2019)KISUKIDI, N. Y. 2019. “La guerre du canon n’aura pas lieu”. Le Nouveau Magazine Littéraire, abr. Disponível em: <https://www.nouveau-magazine-litteraire.com/universit%C3%A9/la-guerre-du-canon-n%E2%80%99aura-pas-lieu>. Acesso em: 12.04.2019.
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, não pressupõe as identidades como termos finais, ou pré-formados, da ação política. Pelo contrário, as identidades, ou os lugares injuriosos que as hierarquias sociais e de poder reservaram devem ser ocupados e traduzidos politicamente por operações de ressignificação ou, como preferimos, de reconversão subjetiva. E embora os discursos, os saberes e as narrativas componham com esses processos, não só não os esgotam, como não explicam a pluralidade contida na gênese. Sob sua aparente performatividade, é preciso encontrar seus diversos usos políticos – muito materialistas.

Se levarmos a sério as teorias interseccionais e da subalternidade, veremos que, por um lado, elas reconhecem uma função provisional da identidade e de suas demandas e, por outro, que sua política exige operações pragmáticas de reconversão subjetiva de identidades, que impliquem alterações das condições estruturais e macropolíticas que convergem para a gênese de singularidades. Trata-se, portanto, de ressituar seus sentidos pragmáticos em função de uma operação de singularização coletiva, sem jamais abandonar a luta na dimensão dos axiomas (Deleuze e Guattari, 2007). Isto é, demandar sem ceder potência a uma identidade de projeção, fixa e fabricada pelo poder, ou às suas miragens de autenticidade; demandar sem que a luta política se traduza apenas na adição por subtração de um novo termo à axiomática capitalista – com o qual suas estruturas de hierarquização social, racial, econômica, política e de gênero podem muito bem continuar a conviver.

5 Conclusão: Os axiomas e os fluxos: sobre uma agenda de pesquisa minoritária dos movimentos sociais identitários

Em Mil Platôs, Deleuze e Guattari (2007, p. 162) definiam a função da axiomática como “um restabelecimento da ordem a impedir que os fluxos semióticos descodificados [...] fujam por todos os lados”. Isso não implica representá-la como função de uma ciência apodítica, exata, ou sob a forma de um sobregoverno transcendente, absoluto e decisório, mas como uma experimentação contínua, em grande parte construída por tateamentos, intuições, operações de adição e subtração de axiomas, de reterritorialização de fluxos (de matéria-energia, de população, alimentar, urbano etc.) e de desterritorialização. Isso implica, lembrando o universo pluralista de William James, que tanto o capitalismo quanto a política são uma axiomática e que, precisamente por isso, “nada está dado de antemão” (Deleuze e Guattari, 2007, p. 162).

Embora o capitalismo mundial funcione adicionando e subtraindo axiomas, repelindo e deslocando seus próprios limites, “as lutas se apoiam diretamente nos axiomas” (Deleuze e Guattari, 2007, p. 165). Mas aí, é sempre necessário distinguir “os fluxos vivos e os axiomas que os subordinam a centros de controle e decisão, que lhes fazem corresponder a esse ou aquele segmento [...]” (Deleuze e Guattari, 2007, p. 166). Ou seja, uma pragmática de regras e avaliações imanentes às comunidades de interpretação que evitaria o risco da idealização fundada no sujeito ou na narrativa.

Não há outro modo de estilhaçar o equilíbrio dinâmico entre a polimorfia e a isomorfia capitalistas senão por meio da “pressão dos fluxos vivos, e dos problemas que eles põem e impõem [...] no interior da axiomática” (Deleuze e Guattari, 2007, p. 166). Seu conceito de minoria como uma noção não-ligada ao número, mas às relações internas ao número, desempenha aqui um papel agregador e transversal das variações e múltiplas relações possíveis das lutas. Minoria, como “a fórmula das multiplicidades”, mas também como “figura do universal” (Deleuze e Guattari, 2007, p. 174), é o conceito que permite passar entre a luta determinante que se desenrola no nível dos axiomas – nas quais se posicionam as chamadas lutas “identitárias” – e a capacidade de uma minoria para propor reivindicações e problemas sob a forma inovadora e desafiadora do Particular, tensionando “o ponto que a axiomática não pode suportar” (Deleuze e Guattari, 2007, p. 174).

Trata-se de lutas, e de minorias não-numeráveis, que não podem ser avaliadas nem por sua capacidade para constituir Estados viáveis ou comunidades essenciais, nem por sua capacidade de entrar e se impor a um sistema majoritário, mas por sua capacidade de ampliar o desvio e a dimensão indecidível (sede das decisões revolucionárias) entre as proposições de fluxos e as proposições de axiomas. Os últimos podem ser resolvidos nos termos da axiomática capitalista, por adição-subtração; os primeiros, ainda que modestos, e mesmo que assumam uma forma inovadora do Particular, desafiam a plasticidade imanente da axiomática capitalista que, ao tentar conter os fluxos, deslocando e repelindo seus limites, não cessa de suscitar, por outro lado, “fluxos em todos os sentidos que escapam à sua axiomática” (Deleuze e Guattari, 2007, p. 177).

Essas pistas suscitam uma série de efeitos em relação aos processos políticos de subjetivação envolvendo as identidades. Por um lado, contribuem para potencializar o que já parece bem estabelecido nas teorias interseccionais, pós-coloniais, em certos ramos dos queer, gender e subaltern studies: a necessidade de passar das análises discursivas às estruturais, em sentido institucional e econômico-político, e não abstrato (Fraser, 1995FRASER, N. 1995. Pragmatism, feminism and the linguistic turn. In: BENHABIB, Seyla et al. Feminist contentions. New York: Routledge, p. 157-171., p. 160); a vantagem em ultrapassar a identidade na direção da ação (agency) (Spivak InLandry e Maclean, 1996LANDRY, D.; MACLEAN, G. (Eds.). 1996. Sulbatern talk. Interview with the editors. In: The Spivak reader. Selected works of Gayatri Chakravorty Spivak. New York: Routledge, p. 287-308., p. 294), ou mesmo de servir-se do lugar injurioso que as hierarquias e os poderes reservam ao preço de produzir reconversões subjetivas (Butler, 2017BUTLER, J. 2017. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Tradução de Rogério Bettoni. Belo Horizonte: Autêntica.). Isso abre espaço para estender a esses estudos críticos o que Preciado (2014PRECIADO, B. 2014. Manifesto contrassexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições., p. 27) pretendeu fazer a respeito da sexualidade, compreendida como uma tecnologia biopolítica, ao mesmo tempo linguística e protética: “identificar os espaços errôneos, as falhas da estrutura do texto [...] e reforçar o poder dos desvios e derivações [...]”. Estamos já bem distantes da transcendência e permanência do texto invocada por James Boyd White, na direção de uma pragmática do disforme.

Não mais o “Outro” como fonte original de uma narrativa fundante, mas um tornar-se-outro em que as identidades fixas são tomadas como pontos de apoio provisionais que aceitam correr os riscos de “não ter um modelo absoluto” (Spivak InLandry e Maclean, 1996LANDRY, D.; MACLEAN, G. (Eds.). 1996. Sulbatern talk. Interview with the editors. In: The Spivak reader. Selected works of Gayatri Chakravorty Spivak. New York: Routledge, p. 287-308., p. 294), sendo deslocadas por processos construtivistas, pragmáticos e transversais de singularidades. Em um texto seminal, Félix Guattari (1981) propunha o conceito de transversalidade para dar conta de processos dinâmicos de grupos com capacidade para unir um questionamento pulsional radical e uma redefinição política dos papeis estabelecidos em um grupo, seja a partir de uma relação vertical, ou de relações de caráter horizontalizado, superando esses dois eixos de segmentarização subjetiva em benefício de práticas transversais de singularização. De um ponto de vista mais amplo, a transversalidade seria também uma forma de prolongar os compossíveis presentes no acontecimento, evitando as segmentações operadas por polarização ou essencialização.

Portanto, mais do que as identidades fixas segmentadas pelos binarismos hierarquizantes dos agenciamentos de poder, ou do atalho das comunidades narrativas que alimentaram iniciativas como o movimento Direito e Literatura nos Estados Unidos, talvez fosse útil investigar quais usos pragmáticos os movimentos sociais têm feito das identidades. Que relação os grupos têm conseguido estabelecer entre o uso das identidades e a formulação de proposições de fluxos ou de axiomas? Não apenas como movimentos sociais baseados em identidades se representam opressões interseccionais, mas também se, e de que maneira, suas práticas permitem deslocar as identidades da função capitalística e bélica envolvida por operações recursivas de poder?

Em que pontos o social em movimento tem conseguido fugir das máquinas de guerra identitárias que colonizam narrativamente as possibilidades de ação política? Como esses movimentos lidam com os efeitos de acontecimentos como Maio de 1968 ou Junho de 2013, e podem fugir do modelo da polêmica e da teatralização do próprio acontecimento? Em seu movimento paradoxal, de axioma e de fluxo, como a identidade pode constituir um elemento de uso nas operações de reconversão subjetiva, retomando localmente os processos de subjetivação política à axiomática econômica do capitalismo mundial? Até que ponto os usos que as identidades permitem promovem uma conexão problemática entre movimentos sociais caracterizados por fatores de agregação identitários distintos? Ou o uso das identidades têm dificultado a proposição das condições e de problemas transversais a grupos heterogêneos?

Todas essas questões, entre outras, poderiam constituir as premissas problemáticas de uma agenda de pesquisa sobre movimentos sociais identitários, deslocando a máquina de guerra identitária das cultural, narrative e canon wars em proveito de uma aliança estratégica e transversal superadora dos impasses atuais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    09 Out 2020
  • Aceito
    01 Fev 2021
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