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Linguagem (não) estigmatizante em julgados no Judiciário Brasileiro

(Non) stigmatizing language in the judgments of the Brazilian Judiciary

Resumo

Linguagem (não) estigmatizante em julgados no Judiciário Brasileiro. Far-se-á uma análise acerca do uso de nomes que estigmatizam os sujeitos, a partir da atuação do Judiciário Brasileiro, como nítido desafio à efetivação do direito fraterno ao respeito. Para tanto, por meio de uma pesquisa exploratória com abordagem quali-quantitativa, o artigo parte de uma busca por julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que utilizem possível linguagem estigmatizante, a fim de verificar se grupos vulneráveis são tratados com respeito por essas Cortes ou são destituídos de suas subjetividades e aniquilados em suas particularidades. O problema de pesquisa: a linguagem no trato judiciário encontra-se em conformidade com a Constituição e compromete-se com a efetivação do direito ao respeito no contexto de afirmação da pessoa humana no Estado Democrático de Direito Brasileiro pós-1988? A hipótese é que a linguagem usada pelo Poder Judiciário reproduz, em alguma medida, os diversos processos de exclusão que marcam a história da sociedade brasileira no que toca à afirmação de direitos de grupos vulneráveis. O plano de investigação será desenvolvido em quatro seções e, ao final, considerações representativas para a necessária discussão do tema.

Palavras-chave:
Direito ao respeito; Linguagem estigmatizante; Discurso Judiciário; Grupos Vulneráveis; Conformidade Constitucional

Abstract

(Non) stigmatizing language in the judgments of the Brazilian Judiciary. An analysis will be made about the use of names that stigmatize subjects, based on the performance of the Brazilian Judiciary, as a clear challenge to the realization of the fraternal right to respect. To this end, through an exploratory research with a qualitative and quantitative approach, the article starts from a search for judgments of the Federal Supreme Court and the Superior Court of Justice that use possible stigmatizing language, in order to verify whether vulnerable groups are treated with respect by these Courts or are deprived of their subjectivities and annihilated in their particularities. The research problem: is the language in the judicial usage in conformity with the Constitution and is it committed to the realization of the right to respect in the context of affirmation of the human person in the post-1988 Brazilian Democratic Rule of Law? The hypothesis is that the language used by the Judiciary Branch reproduces, to some extent, the various processes of exclusion that mark the history of Brazilian society in terms of the affirmation of the rights of vulnerable groups. The research plan will be developed in four sections and, at the end, representative considerations for the necessary discussion of the topic.

Keywords:
Right to respect; Stigmatizing language; Legal speech; Vulnerable Groups; Constitutional Compliance

1. Introdução

A fraternidade designa o laço necessário de indivíduos para a construção de uma sociedade igualitária, pautada no respeito às pluralidades e à demodiversidade. Fundamenta-se na perspectiva de que todos os participantes da sociedade merecem igual proteção de direitos, de condições de acesso a esses direitos e de tratamento isonômico pelas instituições, sem rótulos, estigmas e mitigação de sua dignidade.

Em sociedades como a brasileira, formalmente marcadas por processos de constitucionalização da cidadania, são as desigualdades exaltadas como via de justificação de exclusões e favorecimento de determinados sujeitos em detrimento de outros. Nesse panorama, a linguagem jurídica antidiscriminação precisa ter papel de destaque na luta contra as injustiças, na afirmação de direitos e na instrumentalização da igualdade material preconizada pela Constituição da República, respeitando a pessoa, independente da sua origem, raça, classe, escolaridade, orientação sexual, gênero, vínculos e outros marcadores da diferença.

Com a palavra estigma, referimo-nos a um atributo depreciativo que se atribui aos sujeitos que fogem de um padrão social definido como normalidade. No caso do Direito, esse padrão estaria representado pelo perfil do jurisdicionado que geralmente tem acesso aos órgãos do Sistema de Justiça, ou seja, pelo homem branco, heterossexual, sem deficiência física ou mental e possuidor de bens. A linguagem estigmatizante é tida, então, como a linguagem capaz de imprimir um estigma a qualquer sujeito que seja diferente daquele, delimitando também a imagem que ele terá de si mesmo como normal (normal, pois oposto ao sujeito estigmatizado).

Adotaremos em nossas análises a noção de estigma emprestada por Goffman (2008GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008., p. 14), que a divide em três tipos: a) as abominações do corpo, que são as deformidades físicas; b) as culpas de caráter individual, percebidas como vontade fraca, paixões não naturais, crenças falsas, sendo essas inferidas geralmente nos distúrbios mentais, na prisão, nos vícios, na homossexualidade, na pobreza; e c) os estigmas raciais, nacionais ou religiosos, que são transmitidos a partir dos preconceitos relacionados a grupos minoritários.

Tendo esses pontos como balizas, objetiva-se analisar eventual linguagem estigmatizante em julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a fim de verificar se os grupos vulneráveis (pobres, marginalizados, negros, pessoas com deficiência, homossexuais, dependentes químicos, e outros) são tratados com respeito por essas Cortes, eleitos como órgãos representativos dos demais tribunais do país ou são destituídos de suas subjetividades e aniquilados em suas particularidades. O problema de pesquisa: a linguagem no trato judiciário encontra-se em conformidade com a Constituição e compromete-se com a efetivação do direito ao respeito no contexto de afirmação da pessoa humana no Estado Democrático de Direito Brasileiro pós-1988? A hipótese é que a linguagem usada pelo Poder Judiciário reproduz, em alguma medida, os diversos processos de exclusão que marcam a história da sociedade brasileira no que toca à afirmação de direitos de grupos vulneráveis.

Para isso, fez-se uso de pesquisa exploratória, abordagem quali-quantitativa, tendo como técnica de pesquisa apurada a documental, a partir do uso do buscador eletrônico de jurisprudência do STF e do STJ, tendo como marco temporal julgados do período entre outubro de 1988 (entrada em vigor da nova ordem constitucional) e julho de 2020 (mês da pesquisa), para uma análise aprofundada da relevância da linguagem utilizada pelo juiz e do uso dela como instrumento de dizer o Direito, protegendo a pessoa em suas múltiplas dimensões e/ou oprimir sujeitos. Ademais, fez uso de técnicas de pesquisa bibliográfica e análise de conteúdo dos dados sistematizados.

A fugir um pouco das discussões levantadas pelos teóricos do labeling approach e da criminologia crítica, que partem a estudar a questão da seletividade penal e, de certo modo, permeiam a discussão da estigmatização de grupos vulneráveis, focaremos nossos esforços em um objeto de estudo muito mais restrito que este e ainda não explorado, tendo em vista que não encontramos qualquer livro ou artigo científico que tratasse especificamente da estigmatização de sujeitos por meio da linguagem utilizada pelo juiz em processos judiciais.

O plano de investigação será dividido em quatro seções. A primeira faz análise do discurso jurídico e suas entrelinhas; na sequência, o objeto de estudo - a linguagem do juiz - no campo dos desafios impostos pela modernidade ao desenvolvimento de uma sociedade fraterna; em seguida, teceremos breves comentários acerca da nomeação dos sujeitos estigmatizados no Direito; e, por último, faremos a análise de julgados, representativos para o objetivo delineado. Por fim, sem intuito de esgotar o tema, considerações finais sobre a investigação e o contributo para essa necessária abertura da pauta.

2. A linguagem jurídica e o discurso por trás do dito

Analisar a linguagem jurídica implica, também, perceber o que não está escrito nela ou revelado. Isto porque o idioma do sujeito que fala (do juiz, por exemplo) é sua própria condição de possibilidade, e não simplesmente um instrumento de expressão, o que significa que a existência do sujeito falante está envolvida em um idioma que o antecede e o excede (BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Lenguaje, poder e identidad. Tradução e prólogo de Javier Sáez e Beatriz Preciado. Madri: Sintesis, 1997., p. 54). Por isso, a análise do pensamento do sujeito falante quando escreve é sempre alegórica em relação ao discurso que ele utiliza (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008., p. 31), exigindo um mergulho mais profundo nas letras e nos discursos escolhidos.

Para centralizar aqui o objeto de estudo, que será emprestado da linguagem escrita do julgador em seu ofício, adota-se o conceito de linguagem de Habermas (1989HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989., p. 166), para quem o agir comunicativo é compreendido como um processo circular no qual o ator (o sujeito que pretende se comunicar) é, ao mesmo tempo, o iniciador, que domina as situações por meio de ações imputáveis, e o produto das tradições nas quais se encontra, dos grupos aos quais pertence e dos processos de socialização nos quais se insere.

Por isso, uma análise linguística, como a que pretendemos aqui fazer, precisa ser conduzida atentamente, de maneira a observar o sujeito comunicativo inserido em seu meio e a partir das possibilidades que lhe sejam dadas. Utilizando-se dos ensinamentos de Gadamer (1999GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999., p. 559-560), para compreender o que alguém diz (ou escreve) é necessário pôr-se de acordo sobre a coisa, pois a linguagem é o meio em que se realiza o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa.

Pretendemos também fixar nosso estudo no campo das lutas simbólicas pela imposição oficial dos sentidos. Bourdieu (1989BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989., p. 11) explica que os sujeitos estão envolvidos numa luta simbólica para imporem uma definição de mundo o quanto mais aproximada possível aos seus interesses - o que pode encontrar eco na utilização da linguagem jurídica como meio de normatizar, tornar o mundo social adstrito a determinada decisão feita por quem tem como ofício decidir.

Não podemos esquecer que essa luta simbólica, quando travada por um mandatário do Estado, como é o caso do juiz, implica uma relação de dominação ainda maior, porque este sujeito possui algo que Weber (2015WEBER, Max. Política como vocação. In: WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. Tradução e notas de Marco Antonio Casanova. São Paulo: Martin Claret, 2015., p. 63-64) chama de legitimidade, a crença na validade da disposição para a obediência no cumprimento de deveres instituídos; neste caso, pelo conjunto normativo estatal que legitimou a função de decidir do juiz.

Os dominados, nesse sistema de organização, portanto, não têm outra escolha a não ser a da aceitação da definição legítima da sua identidade ou da busca da assimilação, por meio de estratégias de dissimulação que façam desaparecer todos os sinais destinados a lembrar o seu estigma, a fim de produzir a imagem de si a menos afastada possível dessa identidade, dada por quem tem o poder legitimador (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989., p. 124-125).

Esse aporte será importante para o nosso estudo, apesar de destoar um pouco da matriz foucaultiana de entendimentos na qual buscamos nos inspirar, porque Bourdieu, em certa medida, explica com mais detalhes os processos de legitimação da atividade dos agentes a partir do valor relacional de suas posições, o que enriquece a discussão levada a cabo por Foucault de produção de verdades centrada nos discursos produzidos pelas instituições políticas.

Diz-nos Foucault (2005FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. 4. tir. da 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005., p. 29) que somos forçados a produzir uma dada verdade pelo poder que a exige e que precisa dela para funcionar. O poder, então, institucionaliza a busca da verdade e a profissionaliza: é o discurso verdadeiro (ou legítimo) que decide, veicula, julga, condena, classifica, obriga a tarefas e prescreve uma certa maneira de viver em função de discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder (FOUCAULT, 2005FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. 4. tir. da 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005., p. 29).

Tudo, claro, depende de quem fala e institucionaliza essa fala por meio de decisões judiciais, no caso do juiz. Foucault (2008FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008., p. 56-57) nos ensina que o status do médico, que podemos usar como exemplo para tirar proveito para o nosso estudo acerca da linguagem, compreende critérios de competência e de saber: instituições, sistemas, normas, condições legais que dão direito à prática e à experimentação do saber, uma divisão das atribuições, subordinação hierárquica, complementaridade funcional, demanda, transmissão e troca de informações com outros indivíduos ou com outros grupos que também possuem seus próprios status (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008., p. 56-57). O exemplo do médico serve para mostrar a imposição do discurso legítimo por meio do acesso às informações privilegiadas que atores como ele possuem. A preservação de aspectos esotéricos do conhecimento especializado, como o conhecimento jurídico dado ao juiz, separado do conhecimento leigo sobre as normas que regem o seu espaço social, é provavelmente a principal base do status diferenciado alcançado por esse tipo de especialista, o que nos sistemas modernos têm pouco ou nada a ver com sua inefabilidade, mas dependem de um longo treinamento que agracia o sujeito especializado com a chave para o caráter dos sistemas abstratos modernos (GIDDENS, 2002GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002., p. 34-35).

Foucault (1989FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização, introdução e revisão técnica de Roberto Machado. 8. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989., p. 16) vê no especialista não alguém portador de valores universais, mas principalmente alguém que ocupa uma posição específica, cuja especificidade está ligada às funções do dispositivo de produção de verdades em nossas sociedades, marcada pela sua posição de classe e suas condições de vida e de trabalho vinculadas à sua condição de intelectual. Em um sistema de produção de verdades como esse, o juiz estaria em uma posição privilegiada de legitimação, vez que a mando do Estado e detentor de uma ampla especialização do saber jurídico.

Tal especialização alcançada pelo juiz, na luta simbólica como aquele que diz o direito, talvez não tivesse tanta força se não fosse pela importância que o espaço público conseguiu na modernidade. Rita Segato (2016SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Madri: Traficantes de Sueños, 2016., p. 168) ensina que, com a modernidade, a dualidade estrutural da comunidade foi transformada em binarismo, ou seja, para falar politicamente, declarar um discurso que tenha validade, é necessário declará-lo na esfera pública, o que, depois da saída do mundo tribal, passou a ser o espaço do Um, onde o que é dito tem um impacto político em todas as pessoas.

Nesse ponto, Bourdieu (2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). Tradução de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 110) novamente é chamado, por aproximar o que se torna público do que é oficial. Para o autor, o público é a ideia que um grupo tem de si mesmo, sua representação que pretende dar de si para si mesmo e para os outros. Ele percebe, dessa forma, uma grande aproximação entre a teatralização na representação de um grupo e aquilo que a aquele grupo entende como oficial, pois, diferentemente do privado, que deve ser ocultado, o público implica necessariamente um efeito de universalização, de moralização, tendente a ser oficializado e, por isso, o comportamento do agente social em público deve servir ao espetáculo (BOURDIEU, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). Tradução de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 113).

Assim sendo, a linguagem jurídica se desenvolve num espaço em que a fala deve se adaptar para se tornar pública. Ora, pode-se pensar que a mulher, o negro, o gay, o preso, o pobre, o deficiente, todos falam; mas, nas entrelinhas, esses sujeitos dominados (e estigmatizados) têm que fazer um esforço maior para aprender a falar na esfera pública, porque essa é a esfera que monopoliza e totaliza o político (SEGATO, 2016SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Madri: Traficantes de Sueños, 2016., p. 168), e, sobretudo, normatiza a fala para adequar os sujeitos a ela, e não o contrário.

3. O direito ao respeito como expressão do direito à fraternidade

Agora, pretendemos nos voltar às formas a partir das quais os sujeitos são representados na esfera pública e quais derivam dessa representação. Hall (2006HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006., p. 21) percebe que a forma como o sujeito é representado interfere diretamente na identidade dele, o que a tornou politizada, podendo ser reforçada ou atenuada e formando, nas sociedades atuais, uma política de diferença. A representação do sujeito é, portanto, seu próprio status, referindo-se ao próprio gozo dos direitos decorrentes deste.

Butler (1997BUTLER, Judith. Lenguaje, poder e identidad. Tradução e prólogo de Javier Sáez e Beatriz Preciado. Madri: Sintesis, 1997., p. 52-53), ao investigar a linguagem do ódio, verifica que somos seres que dependem da convocação do Outro para existir e que, portanto, não há como nos proteger contra a dependência de uma linguagem da qual não somos autores, gerando um apego aos termos que nos prejudicam porque, pelo menos, eles nos concedem uma certa forma de existência social e discursiva. O sujeito, assim, representa-se a partir da linguagem que lhe é dada e, dessa forma, podemos perceber a importância da linguagem jurídica na representação dos sujeitos, pois imprime neles uma identidade que é oficial, e em outras palavras, legítima.

Usaremos nesse ponto as lições de Thomas Marshall sobre cidadania, um direito e pressuposto de tantos outros direitos, que permite a uma sociedade se fraternizar em torno de fundamentos comuns.

Marshall (1967MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967., p. 63-64) divide o conceito de cidadania em três elementos: o elemento civil, composto dos direitos necessários à liberdade individual (liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça); o elemento político, que se deve entender como o direito de participar do exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo; e o elemento social, que se refere ao direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade.

Para o autor, em tempos antigos, esses três direitos faziam parte de um único direito de cidadania, mas que evoluiu em um processo de fusão geográfica e de separação funcional (MARSHALL, 1967MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967., p. 64). Duas consequências teriam se seguido a partir desse processo: primeiro que as instituições, das quais os três elementos da cidadania dependiam, desligaram-se, tornando possível para cada um seguir seu próprio caminho; e segundo que as instituições, que passaram a ser de caráter nacional e especializado, não poderiam pertencer mais tão intimamente à vida dos grupos sociais a que elas serviam, da forma como eram quando faziam parte apenas da vida local (MARSHALL, 1967MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967., p. 65-66).

Esse distanciamento do cidadão ordinário do Parlamento se deveu, também, aos tecnicismos do Direito e de seu processo, que fez com que aquele tivesse de depender de especialistas para orientá-lo na reivindicação de seus direitos, fato determinante para decidir não simplesmente que direitos eram reconhecidos em princípio, como também até que ponto os direitos reconhecidos em princípio poderiam ser usufruídos na prática (MARSHALL, 1967MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967., p. 65-66). Percebe-se, pois, que o direito se desprendeu da comunidade tanto quanto se desprendeu do sujeito, e passou a ser visto como uma figura especializada, que depende de certos ritos para se alcançar e que dá especial atenção ao status de cada sujeito nesse processo (se especialista ou não).

Marshall (1967MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967., p. 76) conceitua a cidadania como o status concedido àqueles que são membros integrantes de uma comunidade, o que permite uma igualdade com respeito aos direitos e obrigações a todos os sujeitos que fazem parte desse status de cidadão. Essa igualdade, na sua visão, seria contraposta pela classe social, por ser um sistema de desigualdade, o que fez com que o impacto da cidadania sobre a classe social tomasse a forma de um conflito entre princípios opostos (MARSHALL, 1967MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967., p. 76). O que a cidadania formalmente iguala; a classe social, e o que decorre dela, materialmente diferencia.

Para Marshall (1967MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967., p. 79), a cidadania, ainda em suas formas iniciais, constitui um princípio de igualdade, e que se desenvolveu pelo enriquecimento do conjunto de direitos de que os sujeitos eram capazes de gozar, evolução que não se conflita com as desigualdades da sociedade capitalista, tendo em vista que são necessárias para a manutenção dessa forma de desigualdade. A superação dessa oposição de princípios (a cidadania da igualdade e a desigualdade das classes sociais) só se faz possível respeitando os sujeitos desiguais, para que possam ser incluídos no status de verdadeira igualdade entre os cidadãos - portanto, o maior desafio para o alcance da fraternidade nas sociedades capitalistas modernas.

Neste trabalho, forjaremos essa igualdade a partir do respeito ao outro como expressão desse direito de fraternidade dado aos cidadãos; respeito que passa pela representação dos sujeitos como sujeitos iguais, não estigmatizados, reconhecidos em sua desigualdade, mas não excluídos pela linguagem do Direito que os rotula. Essa representação precisa primeiro estar contida na construção do sujeito cidadão como sujeito constitucional, participante da sociedade que o acolhe.

Rosenfeld (2003ROSENFELD, Michael. A identidade do sujeito constitucional. Tradução de Menelock de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003., p. 36), sobre o assunto, adverte que o constitucionalismo deve se articular com o pluralismo, pois precisa levar o outro em conta, na medida em que os constituintes devem forjar uma identidade constitucional que transcenda os limites de sua própria subjetividade. Para ele, a identidade do sujeito constitucional surge como um vazio gerado por esse distanciamento que separa a imagem que os constituintes têm de si próprio e aquela da comunidade pluralista que deve ser levada em conta, o que dá aos elaboradores da Constituição a tarefa hercúlea de preencher esse vazio por meio do discurso constitucional, que, inevitavelmente, passa a soar como uma língua estrangeira, que não se adequa nem ao sujeito constituinte, nem à sociedade que se pretendeu constituir (ROSENFELD, 2003ROSENFELD, Michael. A identidade do sujeito constitucional. Tradução de Menelock de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003., p. 36).

O autor avista essa identidade constitucional como algo complexo, fragmentado, parcial e incompleto, sempre aberto à maior elaboração e à revisão (ROSENFELD, 2003ROSENFELD, Michael. A identidade do sujeito constitucional. Tradução de Menelock de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003., p. 23). Como exemplo, ele utiliza a maneira como a expressão “Nós, o Povo” (“We The People”) é utilizada como tentativa de representar o sujeito constitucional americano. Segundo ele, a unidade do “Nós, o Povo” quando abordada do ponto de vista da realidade, na verdade, representa os autores da Constituição dos Estados Unidos de 1787, um grupo de homens brancos e proprietários, que não representava de modo algum aqueles que estariam sujeitos às suas prescrições constitucionais, verificando, assim, que essa unidade traz consigo uma contradição absoluta (ROSENFELD, 2003ROSENFELD, Michael. A identidade do sujeito constitucional. Tradução de Menelock de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003., p. 23-25).

A realidade do sujeito constitucional, entretanto, não pode se vê à mercê dessa contradição, se imaginarmos o desafio da construção de uma sociedade sempre mais fraterna, porque esta precisa abraçar os seus participantes, de modo a promover sua inclusão. Se o sujeito constituído não se vê representado na Constituição que o constituiu, como pode querer participar ativamente dela como cidadão?

Percebam que esse é também um problema da linguagem jurídica e das suas possibilidades: o hiato constitucional formado pela tentativa de representação do povo apenas mostra a dificuldade das sociedades modernas de vencer as barreiras formadas pelas desigualdades do sistema capitalista. Hall (2006HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006., p. 49) explica que as culturas nacionais são uma criação moderna e que a lealdade e a identificação que, numa era pré-moderna, eram dadas à tribo, ao povo, à religião e à região, foram transferidas, gradualmente, nas sociedades ocidentais, à cultura nacional, que se tornou, dessa maneira, uma fonte poderosa de significados para as identidades dos sujeitos modernos.

A formação de uma cultura nacional, ao seu ver, contribuiu para criar padrões de alfabetização universais, generalizou uma língua única como o meio dominante de comunicação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, tornando-se uma característica-chave das demandas capitalistas (HALL, 2006HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006., p. 49-50). Nessas instituições, fixa-se o Direito e sua normatização social, que, com os novos ares imprimidos, pelo menos nas sociedades ocidentais, pela onda de renovação dos direitos humanos, têm de adequar a representação do sujeito moderno nos standards de garantia dos direitos, que se dará pela efetivação dos direitos sociais de fraternidade (assim considerados como os de terceira geração ou dimensão), nos quais o direito ao respeito se exprime.

A igualdade constitucional, portanto, requer que as identidades e as diferenças relevantes sejam adequadamente levadas em conta, o que, na prática, acabam por serem contestadas (ROSENFELD, 2003ROSENFELD, Michael. A identidade do sujeito constitucional. Tradução de Menelock de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003., p. 86). Em verdade, dada a lógica da tensão dialética entre identidade e diferença, tanto a identidade quanto a diferença são invocadas, quer para tornar os direitos de igualdade mais inclusivos, ou mesmo mais excludentes, pois a relevância dada às diferenças no processo pode servir para restringir o âmbito da igualdade constitucional (ROSENFELD, 2003ROSENFELD, Michael. A identidade do sujeito constitucional. Tradução de Menelock de Carvalho Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003., p. 86-87), seja por meio de atitudes concretas, seja por meio do que está por trás da linguagem estigmatizante, como aportamos no capítulo anterior.

4. A nomeação e a construção da identidade do sujeito moderno estigmatizado pela linguagem jurídica

Tratar-se-á, nessa seção, especificamente do processo de nomeação dos sujeitos constitucionais modernos na linguagem utilizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em alguns de seus julgados. O objetivo é demonstrar como sujeitos marcados por estigmas sociais são representados pela linguagem jurídica dessa Corte, a fim de observarmos o (des)respeito como forma de exclusão do status de igualdade dos cidadãos que, em certo ponto, pode sinalizar a efetividade da construção de uma sociedade fraterna.

O estigma, do qual falamos, esteve historicamente ligado ao sujeito criminoso, estereótipo atribuído não necessariamente àquele que cometeu crime, mas aos sujeitos mais vulnerabilizados da sociedade. Foucault (2002FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. 3. ed. Rio de Janeiro: NAU, 2002., p. 58-59) nos ensina que, no Direito feudal, o litígio era regulamentado pelo sistema de prova (épreuve), resolvido por uma série de provas aceitas e não aceitas, no qual o objetivo não era provar a verdade, mas a força e a importância social de um indivíduo. Nesse sistema, por exemplo, uma das provas aceitas era o juramento, que deveria ser dado por pessoas que fossem próximas socialmente do acusado, geralmente sua família, e não se fundava em fornecer um álibi para o suspeito, mas testemunhar seu peso, sua influência, enfim, sua importância para aquela sociedade; quem não fosse importante, portanto, era condenado.

Essa ideia, todavia, não desapareceu com as teorias formalistas de Beccaria, Bentham, Brissot e demais teóricos do iluminismo penal, uma vez que o crime, que se desvinculou da visão religiosa ou moral que se tinha dele, passou a ser visto como algo que danifica a sociedade, e o criminoso, como inimigo social (FOUCAULT, 2002FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. 3. ed. Rio de Janeiro: NAU, 2002., p. 80-81). A forma que a lei teria para reagir ao crime, para esses teóricos, explica Foucault (2002FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. 3. ed. Rio de Janeiro: NAU, 2002., p. 82-83), seria a partir da punição, e uma dessas punições possíveis se reveste em uma espécie de exclusão do sujeito criminoso, ou seja, punição a nível de escândalo, da vergonha e da humilhação de quem cometeu uma infração.

Hannah Arendt (2007ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo e posfácio de Celso Lafer. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007., p. 191) já havia percebido a relação estreita entre ação e discurso como característica de nossa condição humana, aspecto que se observa genuinamente na pergunta que se faz a todo recém-chegado: “Quem és?”. Ela indica que, desacompanhada do discurso, a ação perderia o seu caráter revelador e o seu próprio sujeito, pois, sem o discurso, a ação deixaria de ser ação, uma vez que não haveria ator; e o ator, o sujeito que pratica o ato, só é possível se for, ao mesmo tempo, o autor das palavras (ARENDT, 2007ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo e posfácio de Celso Lafer. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007., p. 191).

É eminentemente humano a maneira como a ação e o discurso ocorrem entre os sujeitos, na medida em que conservam sua capacidade de revelar o agente falante mesmo quando o seu conteúdo é meramente “objetivo”, pois, até mesmo nos discursos mais “objetivos”, como na simples subsunção da lei ao fato, por exemplo, a mediação física e mundana, juntamente com os seus interesses, é revestida e sobrelevada por outra mediação inteiramente diferente, constituída de atos e palavras, cuja origem se deve unicamente ao fato de que os homens agem e falam diretamente com os outros, realidade nomeada de teia de relações humanas (ARENDT, 2007ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo e posfácio de Celso Lafer. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007., p. 195).

No que diz respeito à linguagem escrita, Gadamer (1999GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999., p. 572-573) ensina que todo escrito é uma espécie de fala alheada, que necessita da reconversão de seus signos à fala e ao sentido, reconversão esta que se coloca como o verdadeiro sentido hermenêutico, porque é através da escrita que ocorre ao sentido uma espécie de auto-alheamento (GADAMER, 1999GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999., p. 572-573). Nessa perspectiva, aquele que escreve o que fala, já não pode mais voltar em suas palavras, porque, como algo escrito, já está e já não se consegue mais controlar o sentido daquilo que é. Eis a necessidade de se escolher bem o que se escreve como nomeação dos sujeitos que se pretende alcançar com o escrito.

Para Butler (1997BUTLER, Judith. Lenguaje, poder e identidad. Tradução e prólogo de Javier Sáez e Beatriz Preciado. Madri: Sintesis, 1997., p. 56), a nomeação exige um contexto intersubjetivo, pois o nome surge como um neologismo que aborda o outro e, após nomeado, o neologismo se torna seu. Nesse contexto, a possibilidade de nomear alguém exige que esse alguém já tenha sido nomeado antes, pois o mesmo assunto da fala que é nomeado se torna potencialmente em um assunto que nomeará o outro (BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Lenguaje, poder e identidad. Tradução e prólogo de Javier Sáez e Beatriz Preciado. Madri: Sintesis, 1997., p. 56).

A nomeação de si e do outro é o principal objeto buscado no campo de batalhas pelo poder simbólico. Isto porque o poder simbólico é também o poder de constituir o dado pela atividade de enunciação, de confirmar a visão do mundo e a ação sobre esse mundo, dominando o próprio mundo pela crença na legitimidade das palavras enunciativas e na legitimidade daquele que as pronunciam (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989., p. 14-15). A função do juiz, logo, torna-se a função de nomear legitimamente os sujeitos, na crença destes de que essa função é legítima e de que as palavras as quais se escolheu para nomear também são legítimas.

Heidegger segue um caminho diferente do que preferiu Bourdieu, jogando com as palavras. Para o autor, nomear é simplesmente aparelhar alguma coisa com um nome, que, por sua vez, é a designação que confere a alguma coisa um signo fonético ou gráfico, que lhe confere uma cifra, a qual ousamos, por vezes, subestimá-la (HEIDEGGER, 2003HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2003., p. 124-125). Nomear, para ele, não é tão somente distribuir títulos ou atribuir palavras, mas evocar para a palavra, porque nomear evoca e aproxima o que se evoca (HEIDEGGER, 2003HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2003., p. 15-16). O poder do nome que se escreve, como já ressaltamos aqui em diversos momentos, é, pois, de extrema relevância na construção do sujeito que se nomeou, porque o que se escreve chama para aquele de quem se escreveu o sentido do nome, outorgado pela autoridade do sujeito que escreve.

Heidegger (2003HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2003., p. 178-179), que não ousou subestimar o poder dos nomes, afirma que os nomes são palavras pelas quais o que já é se torna tão concreto e denso que passa a brilhar e a florescer por toda parte na terra: “Os nomes são palavras que apresentam. Os nomes apresentam o que já é, entregando-o para a representação, os nomes testemunham seu poder paradigmático sobre as coisas”. Por isso, torna-se salutar a análise das palavras usadas na nomeação, porque nomear é preciso, mas as possibilidades dadas por esta atividade têm muito mais a dizer sobre ela do que podemos imaginar.

Não podemos nos esquecer que o nosso objeto de estudo se centra no campo do Direito, que, como já abordamos, têm papel de destaque na luta simbólica. Essa luta é pelo monopólio da nomeação legítima como imposição oficial da visão legítima do mundo social, por meio da nomeação oficial, ato de imposição simbólica que tem a seu favor toda a força do coletivo, do consenso, do senso comum, porque é operada por um mandatário autorizado pelo Estado, o juiz, detentor do monopólio da violência simbólica legítima (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989., p. 146-147).

Por isso, Segato (2016SEGATO, Rita Laura. La guerra contra las mujeres. Madri: Traficantes de Sueños, 2016., p. 126-127) afirma que o campo jurídico é, acima de tudo, um campo discursivo, em que a Luta pelo Direito é a luta pela indicação, pela consagração legal dos nomes do sofrimento humano, para entronizar legalmente os nomes que já estão em uso e, outrossim, a luta para colocar as palavras da lei em uso na boca do povo. Assim, ela entende haver uma necessidade de legislar sobre direitos humanos, não tanto pela produtividade do Direito no sentido de orientar as sentenças dos juízes, mas por sua capacidade de simbolizar os elementos de um projeto de mundo, de criar um sistema de denominações que permita que o direito se constitua como um campo de disputa, uma complexa arena política (SEGATO, 2003SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violencia. 1. ed. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2003., p. 17-18).

O que aqui se afirma, e reitera, é pela necessidade do respeito aos sujeitos dominados pelo poder simbólico de nomeação e pelo uso da linguagem inclusiva desses sujeitos no pacto da igualdade cidadã, tendo em vista os mandamentos impositivos da Fraternidade. Somos relembrados por Reynaldo da Fonseca (2019FONSECA, Reynaldo Soares. O princípio jurídico da fraternidade no Brasil: em busca de concretização. Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, v. 1, n. 16, 26 out. 2019. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/redunb/article/view/27948. Acesso em: 14 ago. 2020.
https://periodicos.unb.br/index.php/redu...
, p. 76-77), de que, por assim dizer, o criminoso, seja ele quem for ou qualquer que tenha sido a gravidade do seu ato, também é membro do tecido social e não pode ser afastado do princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse caminho, faremos uma análise que, longe de querer esgotar a problemática, apenas nos mostra o caminho das pedras e exemplifica como determinados nomes são utilizados pela linguagem jurídica como instrumentos de estigmatização.

5. Sujeitos, representação e estigmas nos julgados do STF e do STJ no contexto pós-1988.

Na busca de termos que estigmatizam, utilizou-se principalmente os termos politicamente incorretos indicados na cartilha Politicamente correto e direitos humanos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que relaciona alguns nomes que devem ser evitados, por servirem como estigmatização de determinados sujeitos (QUEIROZ, 2004QUEIROZ, Antônio Carlos. Politicamente correto e direitos humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2004. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/a_pdf_dht/cartilha_politicamente_correto.pdf. Acesso em: 15 jul. 2020.
http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/...
, não paginado).

Como resultado da nossa busca por julgados que fossem posteriores à entrada em vigor da Constituição Cidadã, no buscador eletrônico de jurisprudência do STF, pesquisamos pelo termo marginal, com a possibilidade de busca por plural e outras variantes dessa palavra, e encontramos 11 (onze) ementas de acórdãos que fizessem menção a esse nome, tendo apenas 1 (um) dos resultados, o Habeas Corpus (HC) 108431, de relatoria da Ministra Carmen Lúcia, apresentado esse termo sendo utilizado pelo próprio julgador e com o sentido de reiterar estereótipos estigmatizantes1 1 Para determinarmos o que seria esse tal sentido de reiterar estereótipos estigmatizantes, buscamos termos que estivessem na cartilha da Secretaria Especial dos Direitos Humanos ou outros tidos socialmente como não mais aceitáveis, como já mencionamos, e que fossem utilizados de maneira primária pelo magistrado da Corte Constitucional (suas próprias nomeações) e não mera repetição de termos utilizados pelas partes do processo ou provenientes da reforma de outros acórdãos dos tribunais inferiores. A intenção aqui não é personalizar o uso destes termos, nem muito menos apontar erros do Supremo Tribunal Federal, mas tão somente alertar para o uso desses nomes mesmo após a entrada em vigor da Constituição de 1988, que tem a Fraternidade como um de seus pilares, e conscientizar os magistrados e todos que fazem uso da nomeação no Direito para o abandono de palavras que estigmatizam os sujeitos e suas histórias. . No julgado, podemos ler que: “A sentença condenatória que reconhece ser o Paciente primário e portador de bons antecedentes desfigura as alegações de vida marginal para denotar a necessidade de preservação da ordem pública” (BRASIL, 2011BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 108431. Relatora: Ministra Carmen Lúcia, 04 de outubro de 2011. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1525553. Acesso em: 15 jul. 2020.
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
a, não paginado, grifo nosso).

Utilizando o buscador eletrônico de jurisprudência do STJ, encontramos esse nome utilizado de maneira estigmatizante em, pelo menos, cinco ementas de acórdãos do tribunal: no Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 301/BA (Relator: Ministro Jose Candido de Carvalho Filho, julgado em 13/02/1990), no HC 4.746/SP (Relator: Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 23/09/1996BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Habeas Corpus 4.747/SP. Relator: Ministro Fernando Gonçalves, 23 de setembro de 1996. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199600348650&dt_publicacao=01/06/1998. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
), no HC 4.747/SP (Relator: Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 23/09/1996BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Habeas Corpus 4.747/SP. Relator: Ministro Fernando Gonçalves, 23 de setembro de 1996. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199600348650&dt_publicacao=01/06/1998. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
), no RHC 7.147/SC (Relator: Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 10/03/1998cBRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus 7.147/SC. Relator: Ministro Fernando Gonçalves, 10 de março de 1998. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199800007725&dt_publicacao=30/03/1998. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
) e no HC 418.200/RJ (Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 03/04/2018BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Habeas Corpus 418.200/RJ. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 03 de abril de 2018. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201702501050&dt_publicacao=09/04/2018. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
). Nestas ementas, podemos encontrar termos como marginais perigosos, conluio com conhecido marginal, promiscuidade entre marginais, conduta idêntica à dos marginais, (BRASIL, 1990BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus 301/BA. Relator: Ministro Jose Candido de Carvalho Filho, 13 de fevereiro de 1990. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=198900107658&dt_publicacao=12/03/1990. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
; 1996aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Habeas Corpus 4.747/SP. Relator: Ministro Fernando Gonçalves, 23 de setembro de 1996. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199600348650&dt_publicacao=01/06/1998. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
; 1996bBRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 72170. Relator: Ministro Sydney Sanches, 09 de abril de 1996. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=73602. Acesso em: 15 jul. 2020.
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
; 1998a; 2018bBRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Recurso Especial 1707948/RJ. Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz, 10 de abril de 2018. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/webstj/Processo/justica/jurisprudencia.asp?valor=201702820032. Acesso em: 9 dez. 2020.
https://processo.stj.jus.br/webstj/Proce...
; não paginados).

Fizemos o mesmo percurso de busca por outros termos, sempre optando pela possibilidade de busca por plural destes e outras variantes, e aqui apresentaremos os principais resultados.

O nome trombadinha foi encontrado em 1 (uma) ementa de acórdão, utilizado de maneira primária pela Corte do STF, no HC 75110, sob a relatoria para o acórdão do Ministro Maurício Corrêa. Nele podemos ler: “Violência exercida contra a vítima, atacada e derrubada por um trombadinha que lhe retira a bolsa das mãos: circunstância elementar que tipifica o crime de roubo” (BRASIL, 1997BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Habeas Corpus 75110. Relator: Ministro Marco Aurélio, Relator para o acórdão: Ministro Maurício Corrêa, 10 de junho de 1997. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=75744. Acesso em: 15 jul. 2020.
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
, não paginado, grifo nosso). Já em pesquisa de jurisprudência do STJ, o Recurso Especial (Resp) 336.634/SP (Relatora: Ministra Laurita Vaz) se encaixou nos nossos parâmetros de busca, contendo a mesma locução (BRASIL, 2003bBRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Habeas Corpus 435.498/PB. Relator: Ministro Joel Ilan Paciornik, 16 de agosto de 2018. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201800232915&dt_publicacao=28/08/2018. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
, não paginado).

A busca pelo termo ladrão, no STF, obteve mais resultados, sendo encontrado em 6 (seis) ementas de acórdãos, todos eles de maneira primária, nos seguintes julgados: HC 74481 (Relator: Ministro Sydney Sanches, julgado em 10/10/1996BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 74481. Relator: Ministro Sydney Sanches, 10 de outubro de 1996. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=75269. Acesso em: 15 jul. 2020.
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
)2 2 No julgado: “Firmou-se em Plenário a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que ‘o roubo está consumado se o ladrão é preso em decorrência de perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim que tenha, ou não, posse tranqüila desta’ (RTJ 135/161)” (BRASIL, 1996d, não paginado, grifo nosso). , HC 70303 (Relator: Ministro Paulo Brossard, julgado em 22/03/1994)3 3 No julgado: “(…). CONSUMAÇÃO E TENTATIVA DE ROUBO. PRECEDENTES DO STF. PACIENTE QUE, EMBORA PRESO LOGO APÓS SEQUENCIA DE ROUBOS, ASSUMIU A POSSE DOS BENS MÓVEIS SUBTRAIDOS. O ROUBO SE CONSUMA NO INSTANTE EM QUE O LADRÃO SE TORNA POSSUIDOR DA COISA MÓVEL ALHEIA SUBTRAÍDA MEDIANTE GRAVE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA” (BRASIL, 1994a, não paginado, grifo nosso). , HC 70289 (Relator: Ministro Sydney Sanches, julgado em 15/06/1993BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 70289. Relator: Ministro Sydney Sanches, 15 de junho de 1993. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=72331. Acesso em: 15 jul. 2020.
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
)4 4 No julgado: “O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenaria, firmou jurisprudência no sentido de que o delito de roubo ‘já está consumado se o ladrao é preso em decorrência de perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim que tenha, ou não, posse tranquila desta’ (RE 108.479)” (BRASIL, 1993b, não paginado, grifo nosso). , HC 89488 (Relatora: Ministra Ellen Gracie, julgado em 27/05/2008)5 5 No julgado: “Firmou-se em Plenário a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que 'o roubo está consumado se o ladrão é preso em decorrência de perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim que tenha, ou não, posse tranqüila desta'” (BRASIL, 2008, não paginado, grifo nosso). , HC 72170 (Relator: Ministro Sydney Sanches, julgado em 09/04/1996)6 6 No julgado: “A tentativa não pode ser reconhecida, seja porque a questão envolve matéria de fato, que não pode ser reexaminada no âmbito estreito do "Habeas Corpus", seja porque o S.T.F. firmou sua jurisprudência no sentido de que ‘o roubo esta consumado se o ladrao é preso em decorrência de perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim que tenha, ou não, posse tranquila desta’ (R.E. no 102.490 - SP, rel. Min. MOREIRA ALVES, R.T.J. 135(1): 161, jan. 1991). 2. Hipótese, ademais, em que ‘os ladrões retiraram as coisas roubadas da esfera de vigilância das vítimas e tiveram sobre elas a desvigiada posse durante quase uma hora, livres de perseguição’” (BRASIL, 1996c, não paginado, grifo nosso). e HC 70550 (Relator: Ministro Paulo Brossard, julgado em 03/05/1994BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Habeas Corpus 70550. Relator: Ministro Paulo Brossard, 03 de maio de 1994. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=72518. Acesso em: 15 jul. 2020.
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)7 7 No julgado: “O roubo se consuma no instante em que a detenção de coisa movel alheia se transforma em posse mediante a cessação da grave ameaça ou violência a pessoa, sendo irrelevante no direito brasileiro que o ladrão tenha posse tranquila e possa dispor livremente da ‘res furtiva’, ou o lapso de tempo em que manteve a posse, ou ainda que tenha saido da esfera de vigilancia da vítima” (BRASIL, 1994b, não paginado, grifo nosso). . No STJ, pelo menos duas ementas de acórdão se encaixaram na nossa pesquisa8 8 Nos referimos às ementas dos acórdãos do REsp 93.593/PR (Relator: Ministro Anselmo Santiago, julgado em 30/03/1998a) e do REsp 132.362/SP (Relator: Ministro Anselmo Santiago, julgado em 02/06/1998b). , usando, as duas, a locução fuga do(s) ladrão(ões) (BRASIL, 1998BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Recurso Especial 132.362/SP. Relator: Ministro Anselmo Santiago, 02 de junho de 1998. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199700344614&dt_publicacao=29/06/1998. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
; 1998; não paginados).

Além destes, buscou-se pelo termo homicida e foram encontradas 6 (seis) ementas de acórdão do STF, mas, desta vez, em apenas 2 (duas) delas o nome foi utilizado de maneira originária pelo julgador. São as ementas dos seguintes julgados: HC 67155 (Relator: Ministro Sydney Sanches, julgado em 17/10/1989)9 9 No julgado: “TENDO A DEFESA SUSTENTADO APENAS A TESE DA NEGATIVA DA AUTORIA, AFASTADA PELOS JURADOS, QUE RECONHECERAM A PRATICA DO HOMICIDIO, QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE (VINGANCA PESSOAL), NEM POR ISSO INCIDIRAM EM CONTRADIÇÃO, AO ADMITIR A CIRCUNSTÂNCIA DE MERA ATENUAÇÃO DA PENA, PREVISTA NO ART. 65, III, 'C', DO C.P., POIS A INFLUENCIA DA VIOLENTA EMOÇÃO PODE TER SIDO DITADA PELO MODO EXCESSIVAMENTE ENERGICO COM QUE A VÍTIMA REPELIU A TENTATIVA DE RECONCILIAÇÃO, SEM PREJUIZO DO CARÁTER VINGATIVO DO ATO DO HOMICIDA” (BRASIL, 1989, não paginado, grifo nosso). e HC 88733 (Relator para o acórdão: Ministro Cezar Peluso, julgado em 17/10/2006)10 10 No julgado: “(…). CONSUMAÇÃO E TENTATIVA DE ROUBO. PRECEDENTES DO STF. PACIENTE QUE, EMBORA PRESO LOGO APÓS SEQUENCIA DE ROUBOS, ASSUMIU A POSSE DOS BENS MÓVEIS SUBTRAIDOS. O ROUBO SE CONSUMA NO INSTANTE EM QUE O LADRÃO SE TORNA POSSUIDOR DA COISA MÓVEL ALHEIA SUBTRAIDA MEDIANTE GRAVE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA” (BRASIL, 2006, não paginado, grifo nosso). . Já em ementas do STJ, pudemos verificar a presença do termo como substantivo (a pessoa do homicida, e não adjetivos relacionados à conduta deste no caso específico em julgamento) apenas no HC 3.232/RS (Relator: Ministro Adhemar Maciel, julgado em 28/03/1995), onde lemos: “O homicida apresentou-se espontaneamente à polícia” (BRASIL, 1995BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Habeas Corpus 3.232/RS. Relator: Ministro Adhemar Maciel, 28 de março de 1995. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199500028875&dt_publicacao=04/09/1995. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
, não paginado, grifo nosso).

O termo meretriz, no STF, foi encontrado apenas na ementa do acórdão do HC 68704, que teve como relator o Ministro Marco Aurélio em julgamento do dia 10 de setembro de 1991, onde se escreveu: “O fato de tratar-se de meretriz nada representa, mormente quando as pessoas ouvidas deixaram esclarecido que o agente, ameaçando-a com arma de fogo, obrigou-a a dirigir-se, despida, a determinado cômodo, enquanto os demais participes efetuavam o roubo” (BRASIL, 1991BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Habeas Corpus 68704. Relator: Ministro Marco Aurélio, 10 de setembro de 1991. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=71168. Acesso em: 15 jul. 2020.
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
, não paginado, grifo nosso). Esse termo não encontrou resultados em ementas de acórdãos do STJ.

Outro termo diz respeito ao nome opção sexual, ao invés de orientação sexual, como sugerem os movimentos sociais pela visibilidade LGBTI+: termo encontrado em 4 (quatro) acórdãos do STF, estando presente em 3 (três) destes apenas na indexação (sem constar no texto do acórdão), e em 1 (um) deles na ementa do Inquérito (Inq) 3590, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, onde se consta: “O disposto no artigo 20 da Lei nº 7.716/89 tipifica o crime de discriminação ou preconceito considerada a raça, a cor, a etnia, a religião ou a procedência nacional, não alcançando a decorrente de opção sexual” (BRASIL, 2014BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Inquérito 3590. Relator: Marco Aurélio, 12 de agosto de 2014. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6717176. Acesso em: 15 jul. 2020.
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
, não paginado, grifo nosso).

No Superior Tribunal de Justiça, em julgado também relativamente recente, a ementa do acórdão do REsp 1302467/SP, que teve como relator o Ministro Luís Felipe Salomão, constando inclusive no Informativo de Jurisprudência nº 558 do Tribunal, escreveu-se que “As condições do direito de ação jamais podem ser apreciadas sob a ótica do preconceito, da discriminação, para negar o pão àquele que tem fome em razão de sua opção sexual” (BRASIL, 2015BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Recurso Especial 1302467/SP. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão, 03 de março de 2015. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201200026714&dt_publicacao=25/03/2015. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
, não paginado, grifo nosso).

Também usado um pouco mais recentemente tem sido o termo viciado em drogas, apontado como politicamente incorreto e encontrado na ementa de 4 (quatro) acórdãos do Supremo Tribunal Federal de maneira primária: HC 98456 (Relator: Ministro Cezar Peluso, julgado em 29/09/2009)11 11 No julgado: “O fato de o réu ser viciado em drogas não constitui critério idôneo para que se lhe eleve a pena-base acima do mínimo, porquanto o vício não pode ser valorado como conduta social negativa”. O termo “viciado” em drogas, ao invés de “usuário”, por exemplo, também reforça estereótipos e estigmatizações desses sujeitos (BRASIL, 2009a, não paginado, grifo nosso). , HC 104405 (Relator: Ministro Luiz Fux, julgado em 14/02/2012)12 12 No julgado: “(…) a medida socioeducativa de internação está devidamente fundamentada não apenas na gravidade do ato infracional equiparado ao crime de latrocínio (CP, art.157, § 3º), mas também na violência exercida contra a vítima, que integra o próprio tipo penal, e na desajustada conduta social do paciente, viciado em drogas” (BRASIL, 2012, não paginado, grifo nosso). , RHC 104144 (Relator: Ministro Luiz Fux, julgado em 14/06/2011BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus 104144. Relator: Ministro Luiz Fux, 14 de junho de 2011. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=625428. Acesso em: 15 jul. 2020.
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)13 13 No julgado: “A medida socioeducativa de internação está devidamente fundamentada não apenas em face da gravidade do ato infracional equiparado ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada (CP, art. 121, § 2º, II, c/c art. 14, II), mas, também, na violência exercida contra a vítima, violência que integra o próprio tipo penal - essentialia delicti -, na desajustada conduta social do menor, posto viciado em drogas e afastado da escola, acrescida pelo fato de que o meio social em vive é desfavorável e na impossibilidade de controle ou contenção de seus atos por sua única responsável” (BRASIL, 2011b, não paginado, grifo nosso). e RHC 97667 (Relatora: Ministra Ellen Gracie, julgado em 09/06/2009BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus 97667. Relatora: Ministra Ellen Gracie, 09 de junho de 2009. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=597915. Acesso em: 15 jul. 2020.
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)14 14 No julgado: “Apesar do laudo de dependência ter sido negativo, a Juíza sentenciante considerou crível a alegação do recorrente de que era viciado em drogas. Mesmo assim, diante do conjunto probatório dos autos da ação penal, a Magistrada concluiu que a droga transportada pelo recorrente não era para uso próprio e sim destinada ao tráfico internacional” (BRASIL, 2009b, não paginado, grifo nosso). . A mesma pesquisa foi feita no buscador de jurisprudência do STJ e encontramos 6 (seis) resultados15 15 Nos referimos aos seguintes julgados: HC 16.214/SP (Relator: Ministro Edson Vidigal, julgado em 22/05/2001), HC 17.479/SP (Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca, julgado em 04/10/2001), HC 16.327/SP (Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca, julgado em 27/11/2001), HC 25.796/RJ (Relator: Ministro Jorge Scartezzini, julgado em 11/03/2003), HC 435.498/PB (Relator: Ministro Joel Ilan Paciornik, julgado em 16/08/2018) e RHC 108.516/RS (Relator: Ministro Jorge Mussi, julgado em 23/04/2019). que se encaixaram nos parâmetros definidos, de 2001 a 2019 (BRASIL, 2001aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Habeas Corpus 16.214/SP. Relator: Ministro Edson Vidigal, 22 de maio de 2001. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200100295517&dt_publicacao=13/08/2001. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
; 2001bBRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Habeas Corpus 16.327/SP. Relator: Ministro José Arnaldo Da Fonseca, 27 de novembro de 2001. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200100361943&dt_publicacao=02/09/2002. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
; 2001cBRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Habeas Corpus 17.479/SP. Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca, 04 de outubro de 2001. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200100864885&dt_publicacao=04/02/2002. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
; 2003aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Habeas Corpus 25.796/RJ. Relator: Ministro Jorge Scartezzini, 11 de março de 2003. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200201656374&dt_publicacao=02/06/2003. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
; 2018aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Habeas Corpus 418.200/RJ. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 03 de abril de 2018. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201702501050&dt_publicacao=09/04/2018. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
; 2019aBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26. Relator: Ministro Celso de Mello, 13 de junho de 2019. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4515053. Acesso em: 9 dez. 2020.
http://portal.stf.jus.br/processos/detal...
; não paginados).

Outros dois nomes foram encontrados cada um em uma única ementa de acórdão do STF. São eles: o termo portador do HIV, encontrado no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada (STA-AgR) 795 (Relator: Ministro Dias Toffoli, julgado em 05/04/2019BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 795. Relator: Ministro Dias Toffoli, 05 de abril de 2019. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=749630510. Acesso em: 15 jul. 2020.
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)16 16 No julgado: “A manutenção da decisão atacada geraria, ainda, situação danosa ao erário, ante a pacífica orientação do Superior Tribunal de Justiça de que o servidor militar portador do HIV tem direito à reforma ex officio, por incapacidade definitiva, com a remuneração calculada com base no posto hierarquicamente imediato, independentemente do grau de desenvolvimento do HIV” (BRASIL, 2019b, não paginado, grifo nosso). O termo “portador” do HIV, ao invés de “soropositivo”, por exemplo, reforça estereótipos e estigmatizações desses sujeitos. , e o termo débil mental, encontrado no HC 74313 (Relator: Néri Da Silveira, julgado em 22/10/1996BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Habeas Corpus 74313. Relator: Ministro Néri da Silveira, 22 de outubro de 1996. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=75141. Acesso em: 15 jul. 2020.
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
)17 17 No julgado: “Paciente condenado por atentado violento ao pudor e atentado contra a liberdade sexual de menor, com treze anos e débil mental” (BRASIL, 1996e, não paginado, grifo nosso). O termo reforça estereótipos e estigmatizações de pessoas com deficiências mentais. . As buscas também encontraram apenas 1 (um) resultado de uso cada, de maneira originária, em ementas de acórdãos do Superior Tribunal de Justiça18 18 São as ementas do REsp 635.785/RJ (Relator: Ministro Gilson Dipp, julgado em 08/06/2004) e do HC 2.103/RJ (Relator: Ministro Edson Vidigal, julgado em 29/09/1993). (BRASIL, 1993BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Habeas Corpus 2.103/RJ. Relator: Ministro Edson Vidigal, 29 de setembro de 1993. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199300217496&dt_publicacao=25/10/1993. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
a; 2004BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Recurso Especial 635.785/RJ. Relator: Ministro Gilson Dipp, 08 de junho de 2004. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200400031638&dt_publicacao=02/08/2004. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
; não paginados).

A pesquisa também encontrou alguns termos utilizados reiteradas vezes pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive recentemente, reforçando estereótipos nas suas utilizações, os quais, por terem representado um número grande de julgados, citaremos apenas as quantidades. A busca pelo nome portador de deficiência encontrou 114 (cento e quatorze) resultados no STF e 261 (duzentos e sessenta e um) resultados no STJ, ao revés do uso de pessoa com deficiência, como orientam os movimentos pelos direitos das pessoas com deficiência no plano internacional; e o termo apenado resultou na busca de 146 (cento e quarenta e seis) julgados do STF e 4.052 (quatro mil e cinquenta e dois) julgados do STJ, não obstante todos os movimentos contemporâneos pela efetividade do direito-garantia do estado de inocência e suas repercussões no trato a ser dado a pessoa humano em conflito com a lei penal, assim como seu outro derivado - o nome detento, que apareceu em 41 (quarenta e um) julgados do STF e em 483 (quatrocentos e oitenta e três) julgados do STJ.

O termo menor infrator, localizado em 14 (quatorze) julgados do STF e 449 (quatrocentos e quarenta e nove) julgados do STJ, nos quais se identifica este nome em ementas de acórdãos e em suas indexações, confrontando a luta dos movimentos pela defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, que orientam a escolha da nomenclatura criança ou adolescente em conflito com a lei com base nos dispositivos normativos e principiológicos do Estatuto da Criança e do Adolescente; bem como, tratado como sinonímia, o termo delinquente, encontrado na indexação e na ementa de 19 (dezenove) julgados do STF e 62 (sessenta e dois) julgados do STJ.

Cabe refletir, por fim, que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça parecem, nos últimos anos, mais preocupados com o problema da estigmatização dos sujeitos a partir da atividade judiciária. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26/DF, no STF, por exemplo, a Corte entendeu que os homoafetivos, por integrarem grupo vulnerável, estão expostos à perversa estigmatização (BRASIL, 2019BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus 108.516/RS. Relator: Ministro Jorge Mussi, 23 de abril de 2019. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201900482385&dt_publicacao=10/05/2019. Acesso em: 13 ago. 2020.
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a, não paginado).

A Corte, em outros momentos, como no Recurso Extraordinário (RE) 494601/RS, quando tratou do sacrifício de animais em cultos religiosos, também referiu a estigmatização que sofre determinados grupos, como os praticantes de religiões de matriz africana, fruto do preconceito estrutural contra os negros (BRASIL, 2019BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus 108.516/RS. Relator: Ministro Jorge Mussi, 23 de abril de 2019. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201900482385&dt_publicacao=10/05/2019. Acesso em: 13 ago. 2020.
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c, não paginado). Na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 461/PR, o STF entendeu, inclusive, que o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpida no art. 1º, III, da nossa Constituição, implica no direito de todos os indivíduos à igual consideração e respeito e aniquilação de estigmas (BRASIL, 2020BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 461. Relator: Ministro Roberto Barroso, 24 de agosto de 2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5204906. Acesso em: 9 dez. 2020.
http://portal.stf.jus.br/processos/detal...
, não paginado).

Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça, que, no RHC 9736/SP, conclui, por exemplo, que o objetivo maior do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) seria evitar a estigmatização do “menor infrator” (BRASIL, 2001BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Habeas Corpus 16.214/SP. Relator: Ministro Edson Vidigal, 22 de maio de 2001. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200100295517&dt_publicacao=13/08/2001. Acesso em: 13 ago. 2020.
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
, não paginado). Já no REsp 1334097/RJ, o Tribunal vai além e até confere o direito ao esquecimento aos réus marcados pelo “estigma” de um processo criminal19 19 Com um entendimento similar também decidiu em outros julgados da seguinte maneira: “Não se pode tornar perpétua a valoração negativa dos antecedentes, nem perenizar o estigma de criminoso para fins de aplicação da reprimenda, pois a transitoriedade é consectário natural da ordem das coisas. Se o transcurso do tempo impede que condenações anteriores configurem reincidência, esse mesmo fundamento - o lapso temporal - deve ser sopesado na análise das condenações geradoras, em tese, de maus antecedentes.” (BRASIL, 2018, não paginado, grifo nosso). (BRASIL, 2013BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Recurso Especial 1334097/RJ. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão, 28 de maio de 2013. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/webstj/Processo/justica/jurisprudencia.asp?valor=201201449107. Acesso em: 9 dez. 2020.
https://processo.stj.jus.br/webstj/Proce...
, não paginado).

6. Considerações finais

Apesar da identificação de uma quantidade significativa de julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que utilizam nomes estigmatizantes para se referirem aos sujeitos representados nas controvérsias judiciais, verificamos que a grande maioria deles não são mais utilizados atualmente, demonstrando um certo avanço e conscientização do órgão julgador na razoável escolha de palavras que demonstrem respeito aos sujeitos dos quais decidirá seus dilemas judiciais, bem como uma conformação com a base constitucional do Ordenamento Jurídico. Essa preocupação é vista até mesmo nos esforços mais atuais destas Cortes pela não estigmatização dos sujeitos em estado de vulnerabilidade.

Mesmo assim, termos como portador de HIV, portador de deficiência, apenado, detento, menor infrator e delinquente, parecem fazer parte da linguagem utilizada pelos juristas das mais altas cortes do país, principalmente do Superior Tribunal de Justiça, revelando a necessidade desse estudo e da urgente tomada de consciência que precisa ser levada a frente por pesquisas como essa.

Outra característica intrigante, apontada pela pesquisa de jurisprudência realizada, diz respeito à quase exclusividade de tal discurso estigmatizante majoritariamente nas questões criminais, justamente as que mais facilmente destituem os sujeitos de sua dignidade, indispensável para manter o status de cidadão que precisa existir em uma sociedade fraterna, reforçando os moldes de uma sociedade punitivista na contemporaneidade em práticas, mentalidades e discursos.

Nas palavras do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, “(…) o crime é uma das esferas mais difíceis de lidar numa perspectiva fraterna” (FONSECA, 2019FONSECA, Reynaldo Soares. O princípio jurídico da fraternidade no Brasil: em busca de concretização. Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, v. 1, n. 16, 26 out. 2019. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/redunb/article/view/27948. Acesso em: 14 ago. 2020.
https://periodicos.unb.br/index.php/redu...
, p. 76), pois, segundo ele, é na seara penal que o desafio da fraternidade que se torna mais distante a vivência fraterna, tendo em vista as situações vivenciadas, como a gravidade dos crimes, o rancor e a revolta da vítima, a reação da comunidade e outros. (FONSECA, 2019FONSECA, Reynaldo Soares. O princípio jurídico da fraternidade no Brasil: em busca de concretização. Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, v. 1, n. 16, 26 out. 2019. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/redunb/article/view/27948. Acesso em: 14 ago. 2020.
https://periodicos.unb.br/index.php/redu...
, p. 76).

A discussão que se levantou ao longo da exposição, à vista disso, demonstrou que a linguagem jurídica, ao passo que rotula pela nomeação, também reforça estereótipos estigmatizantes de sujeitos já bastante marginalizados pela desigualdade de classes que marca as sociedades ocidentais capitalistas contemporâneas. E, como sempre lembrado, torna essa estigmatização oficial e assimilada, por meio da nomeação legítima cifrada pelo poder simbólico do Direito.

Importa, pois, fazer cumprir o direito ao respeito, expressão primeira dos direitos de fraternidade, certos de que a representação do sujeito moderno dirá a sua posição na garantia dos demais direitos, afinal, restou comprovado, que o juiz não dará direito a quem ele, preconcebidamente, considera ser vagabundo ou a quem atribua outra desvaloração, quanto menos o enxergará como sujeito de direitos.

Decerto, o uso da linguagem que respeita e não coisifica o indivíduo, indubitavelmente, denota o compromisso com os valores de proteção a pessoa humana que a Constituição e o plano internacional apregoam e, que no mundo real, afigura-se como urgente e necessária.

  • 1
    Para determinarmos o que seria esse tal sentido de reiterar estereótipos estigmatizantes, buscamos termos que estivessem na cartilha da Secretaria Especial dos Direitos Humanos ou outros tidos socialmente como não mais aceitáveis, como já mencionamos, e que fossem utilizados de maneira primária pelo magistrado da Corte Constitucional (suas próprias nomeações) e não mera repetição de termos utilizados pelas partes do processo ou provenientes da reforma de outros acórdãos dos tribunais inferiores. A intenção aqui não é personalizar o uso destes termos, nem muito menos apontar erros do Supremo Tribunal Federal, mas tão somente alertar para o uso desses nomes mesmo após a entrada em vigor da Constituição de 1988, que tem a Fraternidade como um de seus pilares, e conscientizar os magistrados e todos que fazem uso da nomeação no Direito para o abandono de palavras que estigmatizam os sujeitos e suas histórias.
  • 2
    No julgado: “Firmou-se em Plenário a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que ‘o roubo está consumado se o ladrão é preso em decorrência de perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim que tenha, ou não, posse tranqüila desta’ (RTJ 135/161)” (BRASIL, 1996BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Habeas Corpus 4.746/SP. Relator: Ministro Fernando Gonçalves, 23 de setembro de 1996. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199600348642&dt_publicacao=03/02/1997. Acesso em: 13 ago. 2020.
    https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
    d, não paginado, grifo nosso).
  • 3
    No julgado: “(…). CONSUMAÇÃO E TENTATIVA DE ROUBO. PRECEDENTES DO STF. PACIENTE QUE, EMBORA PRESO LOGO APÓS SEQUENCIA DE ROUBOS, ASSUMIU A POSSE DOS BENS MÓVEIS SUBTRAIDOS. O ROUBO SE CONSUMA NO INSTANTE EM QUE O LADRÃO SE TORNA POSSUIDOR DA COISA MÓVEL ALHEIA SUBTRAÍDA MEDIANTE GRAVE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA” (BRASIL, 1994BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Habeas Corpus 70303. Relator: Ministro Paulo Brossard, 22 de março de 1994. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=72340. Acesso em: 15 jul. 2020.
    http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
    a, não paginado, grifo nosso).
  • 4
    No julgado: “O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenaria, firmou jurisprudência no sentido de que o delito de roubo ‘já está consumado se o ladrao é preso em decorrência de perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim que tenha, ou não, posse tranquila desta’ (RE 108.479)” (BRASIL, 1993BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Habeas Corpus 2.103/RJ. Relator: Ministro Edson Vidigal, 29 de setembro de 1993. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199300217496&dt_publicacao=25/10/1993. Acesso em: 13 ago. 2020.
    https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
    b, não paginado, grifo nosso).
  • 5
    No julgado: “Firmou-se em Plenário a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que 'o roubo está consumado se o ladrão é preso em decorrência de perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim que tenha, ou não, posse tranqüila desta'” (BRASIL, 2008BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Habeas Corpus 89488. Relatora: Ministra Ellen Gracie, 27 de maio de 2008. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=533779. Acesso em: 15 jul. 2020.
    http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
    , não paginado, grifo nosso).
  • 6
    No julgado: “A tentativa não pode ser reconhecida, seja porque a questão envolve matéria de fato, que não pode ser reexaminada no âmbito estreito do "Habeas Corpus", seja porque o S.T.F. firmou sua jurisprudência no sentido de que ‘o roubo esta consumado se o ladrao é preso em decorrência de perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim que tenha, ou não, posse tranquila desta’ (R.E. no 102.490 - SP, rel. Min. MOREIRA ALVES, R.T.J. 135(1): 161, jan. 1991). 2. Hipótese, ademais, em que ‘os ladrões retiraram as coisas roubadas da esfera de vigilância das vítimas e tiveram sobre elas a desvigiada posse durante quase uma hora, livres de perseguição’” (BRASIL, 1996BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Habeas Corpus 4.746/SP. Relator: Ministro Fernando Gonçalves, 23 de setembro de 1996. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199600348642&dt_publicacao=03/02/1997. Acesso em: 13 ago. 2020.
    https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
    c, não paginado, grifo nosso).
  • 7
    No julgado: “O roubo se consuma no instante em que a detenção de coisa movel alheia se transforma em posse mediante a cessação da grave ameaça ou violência a pessoa, sendo irrelevante no direito brasileiro que o ladrão tenha posse tranquila e possa dispor livremente da ‘res furtiva’, ou o lapso de tempo em que manteve a posse, ou ainda que tenha saido da esfera de vigilancia da vítima” (BRASIL, 1994BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Habeas Corpus 70303. Relator: Ministro Paulo Brossard, 22 de março de 1994. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=72340. Acesso em: 15 jul. 2020.
    http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
    b, não paginado, grifo nosso).
  • 8
    Nos referimos às ementas dos acórdãos do REsp 93.593/PR (Relator: Ministro Anselmo Santiago, julgado em 30/03/1998aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Recurso Especial 93.593/PR. Relator: Ministro Anselmo Santiago, 30 de março de 1998. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199600233993&dt_publicacao=04/05/1998. Acesso em: 13 ago. 2020.
    https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
    ) e do REsp 132.362/SP (Relator: Ministro Anselmo Santiago, julgado em 02/06/1998b).
  • 9
    No julgado: “TENDO A DEFESA SUSTENTADO APENAS A TESE DA NEGATIVA DA AUTORIA, AFASTADA PELOS JURADOS, QUE RECONHECERAM A PRATICA DO HOMICIDIO, QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE (VINGANCA PESSOAL), NEM POR ISSO INCIDIRAM EM CONTRADIÇÃO, AO ADMITIR A CIRCUNSTÂNCIA DE MERA ATENUAÇÃO DA PENA, PREVISTA NO ART. 65, III, 'C', DO C.P., POIS A INFLUENCIA DA VIOLENTA EMOÇÃO PODE TER SIDO DITADA PELO MODO EXCESSIVAMENTE ENERGICO COM QUE A VÍTIMA REPELIU A TENTATIVA DE RECONCILIAÇÃO, SEM PREJUIZO DO CARÁTER VINGATIVO DO ATO DO HOMICIDA” (BRASIL, 1989BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 67155. Relator: Ministro Sydney Sanches, 17 de outubro de 1989. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=70180. Acesso em: 15 jul. 2020.
    http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
    , não paginado, grifo nosso).
  • 10
    No julgado: “(…). CONSUMAÇÃO E TENTATIVA DE ROUBO. PRECEDENTES DO STF. PACIENTE QUE, EMBORA PRESO LOGO APÓS SEQUENCIA DE ROUBOS, ASSUMIU A POSSE DOS BENS MÓVEIS SUBTRAIDOS. O ROUBO SE CONSUMA NO INSTANTE EM QUE O LADRÃO SE TORNA POSSUIDOR DA COISA MÓVEL ALHEIA SUBTRAIDA MEDIANTE GRAVE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA” (BRASIL, 2006BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Habeas Corpus 88733. Relator: Gilmar Mendes, Relator para o acórdão: Cezar Peluso, 17 de outubro de 2006. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=394986. Acesso em: 15 jul. 2020.
    http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
    , não paginado, grifo nosso).
  • 11
    No julgado: “O fato de o réu ser viciado em drogas não constitui critério idôneo para que se lhe eleve a pena-base acima do mínimo, porquanto o vício não pode ser valorado como conduta social negativa”. O termo “viciado” em drogas, ao invés de “usuário”, por exemplo, também reforça estereótipos e estigmatizações desses sujeitos (BRASIL, 2009BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Habeas Corpus 98456. Relator: Ministro Cezar Peluso, 29 de setembro de 2009. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605445. Acesso em: 15 jul. 2020.
    http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
    a, não paginado, grifo nosso).
  • 12
    No julgado: “(…) a medida socioeducativa de internação está devidamente fundamentada não apenas na gravidade do ato infracional equiparado ao crime de latrocínio (CP, art.157, § 3º), mas também na violência exercida contra a vítima, que integra o próprio tipo penal, e na desajustada conduta social do paciente, viciado em drogas” (BRASIL, 2012BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 104405. Relator: Ministro Luiz Fux, 14 de fevereiro de 2012. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1797198. Acesso em: 15 jul. 2020.
    http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
    , não paginado, grifo nosso).
  • 13
    No julgado: “A medida socioeducativa de internação está devidamente fundamentada não apenas em face da gravidade do ato infracional equiparado ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada (CP, art. 121, § 2º, II, c/c art. 14, II), mas, também, na violência exercida contra a vítima, violência que integra o próprio tipo penal - essentialia delicti -, na desajustada conduta social do menor, posto viciado em drogas e afastado da escola, acrescida pelo fato de que o meio social em vive é desfavorável e na impossibilidade de controle ou contenção de seus atos por sua única responsável” (BRASIL, 2011BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Habeas Corpus 108431. Relatora: Ministra Carmen Lúcia, 04 de outubro de 2011. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1525553. Acesso em: 15 jul. 2020.
    http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
    b, não paginado, grifo nosso).
  • 14
    No julgado: “Apesar do laudo de dependência ter sido negativo, a Juíza sentenciante considerou crível a alegação do recorrente de que era viciado em drogas. Mesmo assim, diante do conjunto probatório dos autos da ação penal, a Magistrada concluiu que a droga transportada pelo recorrente não era para uso próprio e sim destinada ao tráfico internacional” (BRASIL, 2009BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Habeas Corpus 98456. Relator: Ministro Cezar Peluso, 29 de setembro de 2009. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605445. Acesso em: 15 jul. 2020.
    http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pag...
    b, não paginado, grifo nosso).
  • 15
    Nos referimos aos seguintes julgados: HC 16.214/SP (Relator: Ministro Edson Vidigal, julgado em 22/05/2001), HC 17.479/SP (Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca, julgado em 04/10/2001), HC 16.327/SP (Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca, julgado em 27/11/2001), HC 25.796/RJ (Relator: Ministro Jorge Scartezzini, julgado em 11/03/2003), HC 435.498/PB (Relator: Ministro Joel Ilan Paciornik, julgado em 16/08/2018) e RHC 108.516/RS (Relator: Ministro Jorge Mussi, julgado em 23/04/2019).
  • 16
    No julgado: “A manutenção da decisão atacada geraria, ainda, situação danosa ao erário, ante a pacífica orientação do Superior Tribunal de Justiça de que o servidor militar portador do HIV tem direito à reforma ex officio, por incapacidade definitiva, com a remuneração calculada com base no posto hierarquicamente imediato, independentemente do grau de desenvolvimento do HIV” (BRASIL, 2019BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus 108.516/RS. Relator: Ministro Jorge Mussi, 23 de abril de 2019. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201900482385&dt_publicacao=10/05/2019. Acesso em: 13 ago. 2020.
    https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
    b, não paginado, grifo nosso). O termo “portador” do HIV, ao invés de “soropositivo”, por exemplo, reforça estereótipos e estigmatizações desses sujeitos.
  • 17
    No julgado: “Paciente condenado por atentado violento ao pudor e atentado contra a liberdade sexual de menor, com treze anos e débil mental” (BRASIL, 1996BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Habeas Corpus 4.746/SP. Relator: Ministro Fernando Gonçalves, 23 de setembro de 1996. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=#_processo=#_registro=199600348642&dt_publicacao=03/02/1997. Acesso em: 13 ago. 2020.
    https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/list...
    e, não paginado, grifo nosso). O termo reforça estereótipos e estigmatizações de pessoas com deficiências mentais.
  • 18
    São as ementas do REsp 635.785/RJ (Relator: Ministro Gilson Dipp, julgado em 08/06/2004) e do HC 2.103/RJ (Relator: Ministro Edson Vidigal, julgado em 29/09/1993).
  • 19
    Com um entendimento similar também decidiu em outros julgados da seguinte maneira: “Não se pode tornar perpétua a valoração negativa dos antecedentes, nem perenizar o estigma de criminoso para fins de aplicação da reprimenda, pois a transitoriedade é consectário natural da ordem das coisas. Se o transcurso do tempo impede que condenações anteriores configurem reincidência, esse mesmo fundamento - o lapso temporal - deve ser sopesado na análise das condenações geradoras, em tese, de maus antecedentes.” (BRASIL, 2018BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). Habeas Corpus 435.498/PB. Relator: Ministro Joel Ilan Paciornik, 16 de agosto de 2018. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201800232915&dt_publicacao=28/08/2018. Acesso em: 13 ago. 2020.
    https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/...
    , não paginado, grifo nosso).

7. Referências Bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2020
  • Aceito
    11 Jan 2021
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