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Vivente e vida nua: Conceitos de Biopolítica

Living and bare life: Concepts of Biopolitics

Resumo

Os conceitos de Biopolítica em Foucault e em Agamben, por vezes, são lidos enquanto termos similares, que partem de uma mesma análise sobre as relações de dominação e controle. Este artigo busca analisar se e em que medida estes possuem estruturações diversas na teoria dos autores.

Palavras-chave:
Biopolítica; Agamben; Foucault

Abstract

The concepts of Biopolitics in Foucault and Agamben sometimes are read as similar terms, starting from the same analysis on the relations of domination and control. This article seeks to analyze if and in what measure they have different structures in the authors' theory.

Keywords:
Biopolitics; Agamben; Foucault

1. Introdução

Esse artigo busca traçar, de forma não exaustiva, paralelos e distanciamentos entre a teoria foucaultiana e agambeana sobre biopolítica. Apesar de muitas vezes tratados como o mesmo conceito ou pelo menos muito próximos1 1 Edgardo Castro é um dos autores que aproxima o conceito de ambos, mesmo marcando a diferença entre esses, a partir de uma leitura que Foucault não abandonou o conceito de soberania. Defende inicialmente que biopolítica não é um conceito unívoco em Foucault, afirmando existirem pelo menos quatro conceituações possíveis do termo, retornando o soberano enquanto um eixo presente a partir da Vontade do Saber em oposição ao Em defesa da Sociedade (2008). Assim propõe que o autor não realizaria rupturas ou teria um pensamento linear progressivo, mas sim torsões sobre seus conceitos (CASTRO, 2011). Tal forma de estruturação terminaria por gerar a possibilidade de que a biopolítica e governamentalidade não dependessem do abandono em si da categoria soberano, mas apenas uma preponderância de um método sobre o outro (2014). A possibilidade e presença do soberano enquanto concomitante a biopolítica parece se tornar mais maleável e gradual no decurso das obras de Castro, como se observa no seguinte trecho “A macrofísica da soberania se substitui pela microfísica disciplinar. [...]A partir da análise dos dispositivos de segurança e da problemática moderna da população, Foucault é conduzido até a questão do governo e da governamentalidade. Quanto mais falava de população, ele sustenta, mais falava de governo e menos de soberano” (CASTRO, 2015, p. 74 e 85). Há de se destacar que nas obras de Castro (2008, 2011, 2015) o conceito de tanatopolítica, quando esse trabalha a leitura do racismo por Foucault, não surge, sendo permanentemente abordado enquanto uma outra expressão de biopolítica. Como se defenderá no decurso deste artigo é, justamente, na tensão entre os conceitos de biopolítica e tanatopolítica que as diferenças entre os conceitos de biopolíticas de Agamben e Foucault se tornam inconciliáveis, ao mesmo tempo que suas propostas teóricas convergem. Divergimos também desta leitura a partir da centralidade do soberano em uma leitura hobbesiana em Agamben (2007), mesmo que a partir de uma releitura crítica a Hobbes, enquanto está é posta de lado em Foucault (CASTRO, 2008). , ambos os autores se utilizam de fundamentos diferenciados para dar conta da ideia de controle e poder na modernidade.

Foucault, com a noção de transição entre pré-modernidade dirigida pelo poder soberano aos dispositivos de controle atuais, busca nas instituições e formas dispersas de domesticação do vivente as técnicas de poder, recuperando ainda assim algum nível de potência do sujeito. Por outro lado, Agamben, que em sua metodologia vale-se de releituras de outros autores e recortes de suas teorias, busca, principalmente, em Arendt, Foucault, Benjamin e Schimitt2 2 Agamben é um autor que opera, fundamentalmente, na releitura de uma série de autores, a partir da apropriação e reconfiguração de seus conceitos, normalmente partindo de clássicos gregos até a filosofia contemporânea, com forte influência da teologia política e, mais recentemente, da teologia econômica. A amplitude do autor torna inviável, sem um recorte conceitual rigoroso, a compreensão do todo de sua obra por um único artigo. Seus conceitos de vida nua, soberano e estado de exceção, assim como de biopolítica e testemunho se intercruzam em toda sua coletânea homo sacer. No entanto, este artigo recortou os três autores prioritários em sua obra para a definição de biopolítica, pelo menos no que pode auxiliar a compreender suas diferenças em relação a Foucault. traçar seu próprio conceito de dominação na contemporaneidade que, distintamente de Foucault, ainda se vale da figura do poder soberano enquanto sujeito central. Nesse sentido, busca-se indagar aqui se há pontos de convergência entre os autores ou se os recortes realizados por Agamben terminam por criar um conceito completamente autônomo e até antagônico ao proposto pelo filósofo-historiador francês.

Na elaboração de tal análise, a metodologia empregada neste artigo se valeu tanto de bibliografia primária, quanto secundária. Especificamente no que concerne ao conceito biopolítico em Agamben, voltou-se ainda para parte da bibliografia primária que circunda sua obra no que diz respeito a conceituação de biopolítica- para além de Foucault- retornando a textos fundamentais utilizados pelo filosofo italiano, especialmente à Hannah Arendt e Benjamin. Será assim elaborado em três etapas o artigo: na primeira parte se realizará uma breve exposição, que não se pretende exaustiva, sobre pontos fundamentais para a conceituação de biopolítica em Foucault; em um segundo momento irá se analisar o mesmo conceito dentro da teoria de Agamben, buscando também em Arendt e Benjamin compreender seus argumentos; por fim, será realizada uma análise comparativa entre os conceitos buscando seus paralelos e distanciamentos.

2. Biopolítica em Foucault

Segundo Edgardo Castro (2008)CASTRO, Edgardo. Biopolítica: De la soberanía al Gobierno. Revista Latinoamericana de Filosofia, vol. XXXIV, n. 2, 2008 a primeira vez que o termo biopolítica aparece em Foucault ocorre durante uma conferência em 1974 proferida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tendo tomado mais corpo teórico na parte final de sua obra Vontade de Saber de 1976. Ganha contornos definitivos com o lançamento de seus cursos no Collège de France publicados apenas em 2004. Sua definição, segundo Liesen e Walch (2012), seria uma técnica polimórfica de poder presente na modernidade, que traz a lógica de um poder positivo que atuaria não apenas no corpo individual, mas também no que ele denomina população3 3 Eduardo Mendieta (2007) afirma que a partir da criação da ideia de povo, forjada em um cenário que buscava-se resistir a invasões externas e a tirania dos reis, esse conceito passa, com a introdução da racionalidade política do Estado moderno e ampliação de suas pretensões ao poder, a ser compreendido como população que tem caracteres biológicos. , distinto do poder meramente negativo existente na era pré-moderna, focada exclusivamente no Estado e no soberano.

Na análise de André Duarte (2010)DUARTE, André. Vidas em Risco: Crítica do presente em Heidegger, Arendt e Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010., Foucault inicia seus estudos sobre essa matéria para observar o poder que não mais age sobre os corpos individuais apenas, mas sobre o “corpo da espécie humana”, tendo como suporte a estatística que permite avaliar o comportamento humano ao longo do tempo. A transição teria se encontrado na passagem da monarquia - que o rei possuía literalmente um corpo que precisava ser mantido - para a República- na qual a própria sociedade teria se transformado em um corpo que precisa ser constantemente protegido de uma forma quase médica. Neste processo, os suplícios medievais foram substituídos por outros métodos de proteção contra os entes tidos como degenerados que se encontravam dentro do corpo político, utilizando-se, por exemplo, da eugenia e da criminologia. Esta mudança de concepção deslocou a ideia de um acordo de vontades formador da sociedade, para uma concepção de poder como gerenciamento de corpos, em busca de criação e manutenção deste mesmo poder (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, MICHEL. Microfísica do Poder, Organização, introdução e revisão técnica Roberto Machado, 25ª edição, São Paulo: Graal, 2012).

Bianchi (2014)BIANCHI, Eugenia. Biopolitica: Foucault y después. Contrapuntos entre algunos aportes, limites y perspectivas associadas a la bioplitica contemporânea. Astrolabio, n. 13, 2014, pp. 218-251, Disponível em < https://revistas.unc.edu.ar/index.php/astrolabio/article/view/7779>, Acessado em 11.12.2016
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, ao recuperar Castro, afirma que existiriam quatro linhas diferentes de tratamento do conceito de biopolítica em Foucault: (a) vinculando as medicinas com as tecnologias do corpo e a economia, no qual o capitalismo incide no corpo de forma não individual, passando a dá-lo uma dimensão social; (b) apresentando o corpo-máquina e o corpo-espécie, que busca a maximização das forças produtivas e a regulação da população; (c) partindo do conceito de uma transformação biologicista do período da guerra das raças; (d) analisando a biopolítica perante a razão do Estado e o liberalismo.

Na tentativa ainda de demarcação do termo na obra de Foucault, Liesen e Walsh (2012)LIESEN, Laurette T.; WALSH, Mary Barbara. The competing meanings of ´biopolitics´in political Science: biological and postmodern approaches to politics. Politics and the life sciences, vol.31, vol. 31, n. 1-2, spring/fall 2012, Disponível em < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23379312>, Acessado em 11 de dez. 2016
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apontam a importância da distinção entre a ideia de biopolítica e biopoder. Para os autores apesar de muitas vezes na obra de Foucault tais conceitos serem utilizados como sinônimos, o biopoder incidiria sobre o que foi chamado de anátomo-política, centrado no corpo enquanto máquina ou na disciplina do corpo, enquanto biopolítica visaria a regulação da população. Inicialmente, vale destacar, a biopolítica incidiria fundamentalmente no vivente, ou seja, a tecnologia do poder seria aplicada sobre a população, otimizando-a econômica e biologicamente, invertendo a lógica soberana pré-moderna do fazer morrer e deixar viver, para seu oposto. (LÓPEZ, 2012LÓPEZ, CRISTINA, De la vida, la muerte y la resistência em la investigaciones de Michel Foucault sobre Biopolitica, OABLib, 2012, Disponível em < http://www.oalib.com/paper/2285000>, Acessado em 11.12.2016
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)

Foucault (1991)FOUCAULT, MICHEL. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão, Tradução: Ligia M. Pondé Vassalo, 8ª edição, Petrópolis: Ed. Vozes, 1991 aponta que o poder disciplinar, sob a égide da ordem interna, molda os corpos para que estes sejam massas dóceis e úteis, atingindo tal intuito através de mecanismos como a prisão, a escola e os hospitais. Sua função seria, justamente, a de “adestrar os corpos” para melhor se utilizar deles, pretendendo ligar as forças existentes na sociedade para que haja como um todo. Tal não representaria um abandono das singularidades, mas sim sua redução ao que lhe é útil. Na realidade, em oposição aos grandes processos do soberano, a disciplina atuaria de forma modesta e discreta. O que se pretendia nesta nova forma de poder, que seria completamente diversa das relações soberanas inerentes ao feudalismo, seria a busca por extrair tempo e trabalho dos corpos através da vigilância constante (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, MICHEL. Microfísica do Poder, Organização, introdução e revisão técnica Roberto Machado, 25ª edição, São Paulo: Graal, 2012).

A biopolítica, qual seja, o poder sobre a população, somada ao poder disciplinar, seriam os responsáveis pelo fim último buscado pelo Estado moderno: a normalização dos corpos (DUARTE, 2010DUARTE, André. Vidas em Risco: Crítica do presente em Heidegger, Arendt e Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.). Deve ser ressaltado, no entanto, a distinção entre este biopoder e os mecanismos de disciplina. Patton (2010) aponta que a disciplina recai sobre o indivíduo, enquanto a biopolítica age, justamente, sobre territórios, sendo manifesta em diversas formas e sobre todo o conjunto da população. Já que atuante sob o coletivo, seu exercício se dá por dispositivos muito diversos dos disciplinares, tornando a segurança o mecanismo de se fazer viver melhor.

Para efetivar essa biopolítica é necessária a existência de determinadas tecnologias que se materializam no mecanismo chamado de governamentalidade. Focando na relação entre população, segurança e governo, começa a se mostrar necessário uma forma de inserir a economia, ou seja, a maneira de gerir bem os indivíduos, dentro da arte de governar, ligada à política. A figura da polícia torna-se central nesta administração, caracterizando assim a vigilância como uma necessidade constante em toda a população, que deve ser disciplinada de forma detalhada.

De modo pormenorizado, a governamentalidade em Foucault (2012)FOUCAULT, MICHEL. Microfísica do Poder, Organização, introdução e revisão técnica Roberto Machado, 25ª edição, São Paulo: Graal, 2012 possui significado tríplice: (a) conjunto de dispositivos responsáveis pelo exercício do poder de forma específica sobre a população; (b) tendência que o Ocidente conduziu para fazer valer esta forma de poder, em detrimento das demais, desenvolvendo saberes específicos para operacionalizar o controle; (c) resultado da transição do estado de Justiça da Idade Média para o estado administrativo, através da inserção constante da governamentalização. Deve-se ressalvar que Foucault não defende a existência de um poder centralizado na figura soberana na modernidade4 4 Conforme foi exposto em momento oportuno Foucault vê uma rede difusa e dispersa de poderes inscritos sobre os corpos daqueles que compõe a sociedade em detrimento do sistema anterior que lutava intestinamente pela manutenção do poder soberano, tese esta defendida por Agamben. . Para o autor a economia do poder liberal é, justamente, a relação entre a segurança e a liberdade, que é medida pela ideia de perigo. Este, a partir do século XIX, passa a permear toda a vida dos sujeitos que se submetem ao liberalismo, começando a se criar a ideia de que vivemos sempre circundados por sua ameaça (FOUCAULT, 2004FOUCAULT, MICHEL. Nascimento da Biopolítica, Tradução: Eduardo Brandão, Editora Martins Fontes, 2004.).

Diferentemente do que se pode imaginar, a entrada do “viver melhor” no campo político não fez com que a morte em si desaparecesse, apesar de ter tomado contornos mais sutis. Na biopolítica, de acordo com Mendieta (2007)MENDIETA, Eduardo. Hacer vivir y dejar morrir: Foucault y la genealogia del racismo. Tabula Rasa, n.6, enero-junio 2007, pp. 138-152, o poder se legitima em proporção à sua capacidade de dar condições de sobrevivência, tendo no racismo o eixo que justificativa o seu poder de morte ou a ocorrência dessa. Em outros termos, é nas mortes daqueles e daquelas que passam a ser caracterizados como um perigo biológico para os demais membros da população que é feita a transformação da biopolítica em tanatopolítica. Aqui o racismo passa a ser o discurso mais comum para o exercício da biopolítica, já que as tidas como “sub-raças” passam a ser vistas como risco ao patrimônio biológico. Esse “racismo de Estado”, como é chamado, realiza essa “limpeza étnica” dentro de seu próprio corpo (DUARTE, 2010DUARTE, André. Vidas em Risco: Crítica do presente em Heidegger, Arendt e Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.). Através do racismo decide-se quem deve viver e quem deve morrer, em nome da purificação biológica. Pode-se perceber deste modo que na biopolítica o inimigo, incluindo aqui não só os de raça diferente, mas qualquer um que seja visto como anormalidade social, deve ser exterminado (DUARTE, 2010DUARTE, André. Vidas em Risco: Crítica do presente em Heidegger, Arendt e Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010., p.232).

Foucault (2005)FOUCAULT, MICHEL, Em defesa da Sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976), Tradução Maria Ermantina Galvão, São Paulo: Martins Fontes, 2005 propõe, que a inserção do racismo - que nasce justamente com a colonização - nos mecanismos biopolíticos faz com que a morte, ou o fazer matar, baseie-se em um argumento de fazer viver melhor o corpo populacional. Tal só pode ser engendrado através da ideia de um poder de morte que recai sobre toda a sociedade, e que, por tal, requer uma defesa, como observado no nazismo, que foi para Foucault (2005)FOUCAULT, MICHEL, Em defesa da Sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976), Tradução Maria Ermantina Galvão, São Paulo: Martins Fontes, 2005, o paradigma da extensão total do biopoder, coincidente com o poder soberano de morte.

Foucault (2008)FOUCAULT, MICHEL. Segurança, território e população: Curso dado no Collège de France (1977-1978), Tradução: Eduardo Brandão. Editora Martins Fontes, 2008 afirma que a segurança visa fazer valer o que a lei e a disciplina garantiam anteriormente, só que inversamente a disciplina, a segurança trabalha sobre um dado, buscando maximizar o que é tido enquanto bom e minimizar o que se apresenta como risco, operando sempre, concomitantemente, com a ideia de planejamento e de futuro, avaliando uma população como uma multiplicidade que depende do meio no qual existe, inclusive biologicamente (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, MICHEL. Segurança, território e população: Curso dado no Collège de France (1977-1978), Tradução: Eduardo Brandão. Editora Martins Fontes, 2008). Diferentemente do que ocorria com a disciplina, essa nova forma trazida pela segurança não normaliza a todos para que o anormal se destaque, mas sim, desde o princípio, grada a normalidade e a anormalidade, fazendo com que esses convivam entre si.

Não se busca neste capítulo exaurir o tema da biopolítica em Foucault, mas apenas traçar os contornos iniciais para ser possível identificar as aproximações e diferenças deste em relação ao que Agamben constrói enquanto conceito de biopolítica, inclusive a partir de extratos pontuais de Foucault.

3. Biopolítica em Agamben: Usos de Arendt, Benjamin e Foucault

A teoria de Giorgio Agamben sobre o poder se foca em quatro principais figuras: soberano, homo sacer, biopolítica e campos5 5 Em O uso dos corpos Agamben se dedica mais a relação do uso dos corpos e cuidado de si em Foucault, relendo-o conjuntamente com outros autores como Heidegger. No entanto, tendo em vista o recorte específico na conceituação de Foucault e de Agamben de biopolítica, e não dos usos dos conceitos foucaultianos em geral por Agamben e suas releituras, este não será analisado neste artigo. Nos valeremos, em relação à essa obra, tão somente dos trechos em que realiza uma extensão de sua conceituação biopolítica. (AGAMBEN, 2017) . O autor apresenta a exceção não mais como uma manifestação esporádica de uma violência necessária à manutenção da ordem, mas sim uma função essencial ao direito. Para se explicar a forma de dominação (biopolítica) e a vida nua (homo sacer) é necessário a compreensão da estrutura que abriga e funda a possibilidade de perpetuação deste estado de exceção.

É fundamental marcar que, para Agamben, o estado de exceção não foi criado dentro do regime absolutista, opressor explicitamente, mas sim dentro do sistema democrático-liberal da Assembleia Constituinte Francesa de 1791, mesma que inseriu o sujeito como cidadão da República. Criou dentro do processo que universaliza os direitos um mecanismo que permitisse a suspensão da norma em casos de necessidade (VIEIRA, 2012).

Agamben (2004)AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, Tradução: Iraci D. Poleti, São Paulo: Bointempo, 2004, tomando a teoria de Carl Schmitt sobre exceção como referência6 6 Deve ser ressaltado que Agamben, ao utilizar Schmitt, não se coloca como discípulo deste. Agamben difere de autor por utilizar a permanência da exceção não como forma de justificação de um determinado posicionamento totalitário, mas sim como ferramenta de crítica ao direito e a soberania. Assim não o segue acriticamente, mas se apropria de sua conceituação para observar a relação entre a lei e o soberano (VIEIRA, 2012) . , aponta que o estado de exceção não se limita a situações extremas ou de necessidade, mas sim é a marca do início e do fim de um ordenamento jurídico. Esse se localiza no espaço entre o jurídico e o político7 7 A visão de exceção como zona de indiscernibilidade entre jurídico e político vem da concepção schmittiana sobre o estado de exceção, no qual afirma que quando se tornam presentes os momentos de crise do ordenamento, a decisão que engendra a manutenção e a garantia desse não vem da lei ou do texto legal, mas sim da decisão soberana (LIBANO, 2010). (LIBANO, 2010LIBANO, Taiguara Soares Souza, Constituição, Segurança Pública e Estado de Exceção Permanente: A biopolítica dos Autos de Resistência, 2010, Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito- Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Disponível em http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/Busca_etds.php?strSecao=especifico&nrSeq=18771@1, Acessado em 09 de dez 2020
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), se relacionando durante toda a sua vigência com o direito. O estado de exceção entraria em vigor afastando determinados preceitos legais, justamente, para tentar manter a ordem então vigente ou, em outros termos, suspenderia a norma jurídica para que esta se conservasse (VIEIRA, 2012). Se analisado pelo paradigma do sujeito vivente, coloca-se como o local no qual se faz a ligação do direito com a vida, sendo este o mecanismo que o sujeito se relaciona e ao mesmo tempo é abandonado pelo direito (AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, Tradução: Iraci D. Poleti, São Paulo: Bointempo, 2004).

O estado de exceção é a forma pela qual o totalitarismo moderno se instauraria, não eliminando apenas seus inimigos, como também as parcelas da sociedade que acreditam que não se enquadrariam na visão imperante (AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Não à tatuagem biopolítica. Folha de São Paulo. 18 de janeiro de 2004, Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1801200404.htm, Acessado em 16 de jul de 2016
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). O que se apresenta com o conceito de estado de exceção é incidência do direito no real para a sua normalização, tendo uma relação dual com o fato, no qual ele é incluso na norma jurídica por não estar de acordo com ela, ou seja, é incluso por meio de sua exclusão. Assim a norma é criada com base no paradigma do que não é de acordo com ela, ou seja, a norma parece ser criada a partir de fatos que negariam sua existência (VIEIRA, 2012). O estado de exceção é, exatamente, o momento em que o jurídico é interrompido para que a impossibilidade de controle do soberano se inicie, na qual a sociedade é inundada por este de forma completa (DURANTAYE, 2009). O soberano ocupa um local de centralidade neste estado de exceção, sendo apresentado, dentro da teoria de Agamben, como aquele que está dentro e fora do direito ao mesmo tempo, sendo este o “paradoxo da soberania”: dentro, pois é nela que o soberano encontraria o fundamento para decidir sobre o estado de exceção, e fora, pois, acima da norma comumente válida (AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, Tradução: Iraci D. Poleti, São Paulo: Bointempo, 2004).

A soberania, quando advinda de uma instituição, ainda toma uma característica mais peculiar: ela se coloca como pretérita à lei, como se doasse a força desta, apesar de extrair sua própria legitimidade do ordenamento. No Estado de Direito, para o autor, a norma ocuparia exatamente a posição do soberano, não por essa ser autoaplicável, mas por possuir conceitos universais moralmente válidos a todos (RASCH, 2007RASCH, William. From Sovereign Ban to Banning Sovereingty. In. CALARCO, Matthew; DECAROLI, Steven. Giorgio Agamben: Sovereignty & Life, Stanford University Press, 2007).

Deste modo, a exceção, quando decretada pelo soberano, apresenta a necessidade da própria existência e vigência da norma, já que mantém sua relação com o que cria de exceção pela própria suspensão da vigência da lei. A decisão possui suma relevância quando vem do soberano, pois o efeito jurídico se mantém mesmo que contrário à lei ou com justificação insatisfatória, vez que consiste na tomada de uma lei geral e aplicação na vida, que com toda sua singularidade não se compatibiliza com os termos gerais legais, fazendo cair por terra o argumento que vê na aplicação da norma a grande falha da completude do Estado de Direito (VIEIRA, 2012).

No caso da norma jurídica, a referência ao caso concreto supõe um ‘processo’ que envolve uma pluralidade de sujeitos e que culmina, em última instância, na emissão de uma sentença, de um enunciado cuja referência operativa à realidade não é garantido pela norma, mas pelos poderes institucionais à ela relacionados” (VIEIRA, 2012, p. 143)

A exceção garante assim a validade da norma quando toma o que não está incluso nela por meio da expulsão deste excedente do próprio ordenamento e sua remessa ao limiar entre o direito e o caos, o espaço do anormal. O que se propõe aqui é que a própria relação original do direito é a exceção: o direito deve abarcar aquilo que não está previsto diretamente no ordenamento, aquela exceção que a norma não se aplica ou aquela situação em que o direito não tutele, estabelecendo assim uma relação com algo que está fora. Pertence ao direito o que está incluso na norma e o que se excepciona a esta, sendo, justamente, o estado de exceção o que origina este direito, logo, o que permite a localização de todo o ordenamento (VIEIRA, 2012).

Na visão agambeana, o estado de exceção não se encontra nem dentro, nem fora do direito, este encontra-se em uma zona de indiferença na qual fazer parte ou não, não seria excludente, apenas faria que o espaço que ele ocupa passasse a ser indeterminado. Apesar de suspender a ordem, a exceção não extirpa por completo sua relação com o direito, assim como não é porque o mesmo para de viger que significaria que o ordenamento tenha sido abolido em definitivo (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007). Sua característica fundamental, justamente, é não ser localizável. Se, no entanto, tenta-se localizar essa exceção em um espaço, retirando assim sua característica fundamental, termina-se, de acordo com Agamben (2004)AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, Tradução: Iraci D. Poleti, São Paulo: Bointempo, 2004, criando os campos, espaços de mera exceção por excelência. Desta forma, aquilo que não pode ser incluído de forma alguma no ordenamento, o será pela exceção.

De modo suscinto, o estado de exceção não seria o preenchimento de uma lacuna deixada pelo direito visando à manutenção da constituição, mas sim uma abertura fictícia de uma lacuna para que a norma permaneça sendo aplicada em situações normais (AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, Tradução: Iraci D. Poleti, São Paulo: Bointempo, 2004). Assevera que esse não pode ser tido como interior ao direito - mesmo se observado a sua forma factual- já que suspende a norma. Não obstante, não deixa de possuir uma ordem interna, mesmo não sendo a ordem jurídica como conhecida. A exceção soberana, então, teria na realidade relação com a norma que se ligaria com a sua própria exceção em momentos tidos como juridicamente normais, transformando o estado de exceção naquele local aonde a natureza e o próprio direito se confundem. O espaço em que a lei mantém o elo relacional com o que extralegal (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007).

Conforme pode ser observado pelo que acima foi exposto, em um primeiro momento, Agamben conclui que “se a exceção é a estrutura da soberania [...] ela é a estrutura originária na qual o direito se refere à vida e a inclui em si por meio da própria suspensão.” (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007, p. 35). A esta relação ele atribui o nome de bando8 8 O conceito de bando sofre uma influência na nomeação a partir de Jean Luc-Nancy e sua teoria no que concerne a vigência de uma Lei sem significar, reconhecendo a relevância de sua obra na filosofia contemporânea. No entanto, ao se debruçar sobre a definição do que seria bando soberano recorre a Kafka em diálogo com Benjamin para explicitar o efetivo papel que liga o bando soberano à exceção permanente. (AGAMBEN, 2007; CASTRO, 2011) , na qual o banido se apresenta não apenas como aquele que é expulso do direito ou que não possui relação com ele, mas como o que a lei abandona, não sendo possível dizer nem se ele faz parte ou não do direito. Assim observa-se que a lei não é apenas suspensa no estado de exceção, espaço máximo da confusão entre direito e vida, mas abandona o vivente que se encontra dentro deste espaço, tornando-o homo sacer.

Agamben (2007)AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007 parte da concepção da lei como geral, logo, nada prescrevendo, o que a levaria a agir com mais força no espaço em que a norma de nada vale, ou seja, sobre o bando, que o inclui o excluindo, o que é fundamental a qualquer lei. Desse modo, a lei que vigora e nada significa, na verdade, não poderia ter de fato exequibilidade, sendo este o paradigma da relação soberana, na qual se inclui o vivente apenas com relação ao seu abandono. Com essa lei que vige sem significado, o paradigma da modernidade torna-se a possibilidade de que o menor gesto possa representar uma sanção extrema, pois se confunde com a própria vida. Esse estado de exceção na concepção agambeana seria permanente, se valendo para tal construção da VIII tese de Benjamin.

A violência que mantem e que põe o direito9 9 Observando a teoria de Walter Benjamin (1986), percebe-se que o direito sempre se colocou como estado de exceção, não apenas pela suspensão da lei, mas sim pelo direito se manifestar em ciclos de violência que põe o direito, ou seja, uma violência que inicia um novo ordenamento e uma violência que o mantêm, que é aquela utilizada para garantir que a ordem não seja invertida, negando as teorias inclusivas e meramente abstratas existentes no direito positivo e no contratualismo. Para ocasionar a ruptura deste ciclo, Benjamin propõe a ideia de violência divina, que é aquela completamente à parte do direito. A relação entre essas duas violências do direito se denomina “dualidade no funcionamento da violência”. como aponta Ari Hirvonen (2011), na qual ambas se confundem por completo quando observadas perante a instituição da polícia. Nesta instituição, criação e manutenção do direito se confundem, já que a polícia é capaz de executar as ordens normativas que visam à manutenção do poder imperante. , o estado de exceção, não se efetiva mais apenas por intermédio da suspensão em si da norma ou por sua invalidação genérica. Seus usos apontam uma virada da sua relação com o soberano sob a figura da ameaça: o poder soberano se manifesta e se reforça na violência de uma potencial decisão quanto à exceção, em uma ameaça que cria o fantasma que aquele é absoluto, no sentido de suspender a norma caso deseje, mesmo que não o faça. Esse cenário engendra uma dupla relação na qual a possibilidade de ameaça à esta soberania também já seria o suficiente para a suspensão completa da norma, ou seja, o poder repressor soberano se manifesta apenas pela ou sobre a existência de uma potencialidade, se tornando genuinamente permanente (GULLÍ, 2007GULLÌ, Bruno. The Ontology and Politics of Exception: Reflections on the work of Giorgio Agamben. IN:. CALARCO, Matthew; DECAROLI, Steven. Giorgio Agamben: Sovereignty & Life, Stanford University Press, 2007).

É aqui que Agamben (2007)AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007 diverge de outros teóricos em sua concepção do estado de exceção. A questão não estaria, como se pensa, em torno das divisões de poderes, mas em sua “força de lei”, termo cunhado por Derrida (2007)DERRIDA, Jacques, Força de Lei- O “Fundamento místico da autoridade”, Tradução: Leyla Perrone-Moisés, São Paulo: Martins Fontes, 2007. Ao se traçar um paralelo entre esta e o estado de exceção, percebe-se que a lei não possui mais “força de lei” - essa obrigatoriedade de sua aplicação e cumprimento - mas atos que são extralegais passam a possuí-la. Na verdade, o estado de exceção faz com que exista a força de lei, sem a existência da lei em si, atribuindo a essa uma característica mística na qual a anomia do estado de exceção busca sua significação.

Inicialmente, a ideia de “força da lei” era vista como uma relação entre justiça e violência, sendo para Agamben (2007)AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007, inclusive, o soberano o ponto de indiferença entre ambos os conceitos. Cabe ressaltar um termo por diversas vezes utilizado por Agamben na abordagem desse tema: a ideia de nomos. Esse significaria o espaço no qual se realiza a união entre a violência e a justiça, entre localização e direito, mas que sempre produz um excesso que não possui direito, sobre o qual soberano pode agir sem as limitações existentes nesse nomos (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007). Agamben apresenta que a exceção é a outra face do estado de natureza. Se reportando a Schmitt e a sua oposição ao pensamento hobbesiano - que acredita que o estado de natureza se dissolve após o contrato - Agamben demonstra que o estado de exceção nada mais é do que a passagem do estado de natureza e da violência do direito de externos à norma para algo intrínseco a esta (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007).

Na visão de Agamben (2004)AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, Tradução: Iraci D. Poleti, São Paulo: Bointempo, 2004, Schmitt tenta inserir a violência dentro do direito, enquanto Benjamin tenta distanciá-la cada vez mais do mesmo, acreditando que essa faria parte do agir humano. A violência teria sido inserida no direito não por este ter sido capturado na zona anômica, como defendido por Schmitt, mas sim porque é inerente a esse agir humano, sendo assim refletida no ordenamento. Quando se propõe que Benjamin acredita em uma violência completamente externa ao direito, não deve ser entendido como aquelas que põem e mantém o direito, mas sim à violência revolucionária ou pura, responsável pela interrupção dessas duas outras formas internas ao direito, que escapa das relações meios-fins, que nem põe o direito, nem o conserva, mas sim o de-põe (VIEIRA, 2012). Em outros termos, uma violência que é apenas manifestação. Benjamin se coloca assim em um pensamento diametralmente oposto ao de Schmitt, que vê a violência sempre como interna ao direito, nem que seja por meio de sua inclusão exclusiva realizada no estado de exceção (AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, Tradução: Iraci D. Poleti, São Paulo: Bointempo, 2004).

Enquanto na visão de Agamben (2004)AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, Tradução: Iraci D. Poleti, São Paulo: Bointempo, 2004 Schmitt apresenta o soberano ocupando o lugar de Deus na terra, para Benjamin o soberano apenas se colocoria na posição desse, mas se mantendo como criatura, marcando o estado de exceção não como o símbolo do milagre, mas sim da catástrofe. Com a teoria de Benjamin, o estado de exceção não seria visto mais como um espaço que relaciona o fora e o dentro, mas sim como o local em que a anomia e o direito se confundem por completo, logo a regra. Porém, se a regra se confunde com a exceção, então a ordem não pode mais persistir, já que na visão de Schmitt o estado de exceção seria apenas a forma em que a norma seria suspensa para que se tornasse aplicável, e agora violência e direito, vida e lei, passam a se confundir permanentemente no espaço da anomia. Durantaye (2009) propõe que neste estado de exceção real10 10 O autor ao analisar a obra de Agamben, aponta a diferenciação o estado de exceção real (proposta de Benjamin) e fictício (como visto por Schmitt), um sendo temporário e o outro permanente. Benjamin acredita que o estado de exceção real é permanente e se opõe ao estado fictício de exceção que atribui àquele que suspende a norma. , que une lei e violência, estaria exatamente o extremo oposto do atual estado de exceção fictício, que vigora na contemporaneidade, já que nele a vida não é inteiramente transformada em lei - como hoje o é, transmutando as relações em pura vigilância e controle- mas é indiscernível desta.

É nessa etapa de sua teoria que busca a biopolítica como um dos dispositivos de inserção desse vivente no estado de exceção, gerando a figura do homo sacer. Ao utilizar-se de Arendt tenta trazer o campo, rompendo com a autora que não atenta, ao seu ver, que é quando tudo é controlado de forma biopolítica que se atinge o auge do totalitarismo (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007).

Em Agamben o ponto recuperado da teoria de Hannah Arendt em sua formulação da biopolítica encontra-se na questão do nascimento dos direitos humanos. De acordo com Arendt (2007)ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo, Tradução: Roberto Rapozo, Ed. Cia. Das Letras, 2007, a Declaração dos Direitos e Deveres do Homem visa, justamente, a proteção do homem contra a violência do Estado. No entanto, em seu próprio interior, os Direitos Humanos já possuem seus paradoxos. Versando sobre um homem geral, a Declaração passou a não versar sobre ninguém, o que gerou uma identificação entre o homem dos direitos e o cidadão, já que aqueles dependiam inteiramente de um órgão para serem executados, qual seja, o Estado. Para Arendt, a vinculação entre exequibilidade de direitos e pertencimento à um Estado pode ser percebida, exatamente, ao se observar a condição daqueles que não pertenciam a local nenhum e que, por isso, perderam, concomitantemente, seu “direito a ter direitos”. Benhabibb (2004)BENHABIB, Seyla. The Rights of Other: Aliens, residents and citizens, Cambridge University Press, 2004 bem aponta que o grande dilema entre povos sem nação e direitos humanos surgiu, quando esse não pôde proteger os sujeitos cujo único pertencimento que possuíam com o mundo era sua própria humanidade. Agamben faz justamente a interligação entre estes conceitos, formulando uma ideia de biopolítica como dispositivo soberano atuante na vida nua que se alastrou com o conceito de direitos humanos trazido por Arendt. O autor, assim, faz com que as teorias passem a dialogar, se estendendo e se complementando, no novo nomos biopolítico na terra: o campo.

A leitura de Agamben nos indica que a biologização da política é interna à sociedade atual, fazendo-se um constante uso da vida natural dos homens nos cálculos do poder. Vincula-se assim a formação do indivíduo não mais no “eu”, mas sim em um controle externo, modelo que encontraria seu ápice nos estados totalitários modernos. Já Arendt afirma que, na realidade, o que pode ser visto hoje, após o advento da II Guerra Mundial, é o que se trouxe da experiência dos campos: o completo domínio dos corpos. Para tentar fazer dialogar as teorias de Foucault e Arendt, Agamben utiliza-se do conceito de vida nua, aquela vida abandonada pelo direito, para buscar compreender a politização da vida, que nada mais é do que a inserção no âmbito da política de todos os assuntos relacionados à vida por mais privados que estes possam ser (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007).

De acordo com o que é apresentado por Agamben, todo o direito adquirido pelos cidadãos através de sua luta com o poder faz com que sua vida se torne cada vez mais inscrita na ordem estatal. Passa-se a pleitear em espaços públicos aspectos que apenas pertenciam antes à esfera privada. Com essa constante politização da vida, surge a completa dominação dos corpos, da qual Arendt falava, que atinge seu ápice nos governos totalitários. Através da neutralização das diferenças dos assuntos politicamente relevantes ou não, passa-se a politizar todos os campos da vida, até aqueles que pareciam os mais neutros possíveis, tornando essa vida nua inscrita no estado de exceção em esfera de decisão do soberano.

É no constante controle sobre a vida biológica, tornando-a o campo das decisões político-soberanas que uma democracia se transformaria rapidamente em regime totalitário e vice-versa. A forma de governo escolhida passa a ser apenas a busca pela melhor forma de controle e usufruto da vida que já foi abandonada pelo direito no atual estado de exceção permanente. Para Agamben (2007)AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007, essa centralidade da vida em todas as argumentações sociais transforma o campo, espaço biopolítico em última instância- principalmente quando observado sob o paradigma que a biopolítica, hoje, rapidamente poderia se subverter em tanatopolítica, já que estes dispositivos se encontram tão fluídos - no paradigma político moderno.

Agamben (2007)AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007 busca enfatizar, ao trazer Hannah Arendt para seu conceito biopolítico, justamente, a crítica à amplitude e abstração da lei, com uma análise feita pela mesma aos direitos do homem. Conforme Vieira (2012), a nova onda teórica que mantém relação acrítica e de adulação dos direitos humanos na modernidade, não se atentou de sua irmandade com a democracia liberal e sociedade de mercado, elo fundamental para se entender a forma de articulação oculta entre o modelo jurídico moderno e o modo biopolítico do poder. Agamben apresenta que o problema seria mais profundo do que a mera criação de órgãos e instituições que efetivassem esses direitos, pois eles apenas transfeririam o poder soberano para outra instância, mantendo todas problemáticas inerentes à soberania (Vieira, 2012)

Agamben (2007)AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007, através de Binding, traz um dos últimos conceitos apresentados em seu estudo: “a vida indigna de ser vivida”, um dos auges do pensamento da biopolítica em sua teoria. Para tal caracterização, conforme se expõe, deve-se primeiro perguntar se existem determinadas vidas humana que já perderam tanto o seu status de bem jurídicos que não possuem mais valor nenhum. Tal conceito aplica-se, inicialmente, àquelas pessoas que possuam um ferimento ou doença incurável, que ele chama de “incuravelmente perdidos”, e que, por tal, não possuem mais o desejo de continuarem vivos de forma manifesta. Aqui, conforme exposto pelo próprio Agamben (2007)AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007, não se busca demonstrar argumentos a respeito da eutanásia, mas enfatizar a relevância e risco do momento em que a política tenta atribuir valores à vida. Neste ponto, necessariamente, se coloca também o poder de criar o limite na qual a vida deixa de ser politicamente relevante, cessando de ter valor jurídico e se tornando um fato, ou melhor, uma morte na qual o direito não mais pode punir. O que propõe é que toda a sociedade, inclusive a moderna, traça esse limiar na qual algumas vidas não possuem mais valor, podendo seu assassinato ocorrer sem haver punição, o que ele chama de vida sacra.

A definição dessa vida como sacra é uma decisão política na qual se baseia o poder soberano e representa a transformação dessa vida nua em vida matável, principalmente, sobre a égide da biopolítica, na qual também se busca a preservação da “saúde” do corpo social, sendo esse exatamente o ponto em que a biopolítica se transforma em tanatopolítica. A vida que antes tinha se emancipado e a autonomia do seu valor que passava a ser uma decisão pessoal do vivente, perde a sua autonomia na vida política, que usa essa mesma vida como mais uma plataforma decisória do soberano. A política hoje, defende Agamben com o conceito que forja sobre biopolítica, passou a ter a função de medir os valores vivos de um povo e de controlar e garantir o cuidado para com o corpo biológico da nação. O que se busca na biopolítica moderna, e aí que está seu diferencial, conforme exposto pelo autor, é o fato que hoje qualquer dado biológico também é um dado biopolítico, e vice-versa, o que quer dizer que na modernidade a política busca dar forma a vida do povo, através da polícia ou por uma forma equivalente de agir soberano.

De acordo com o autor, a vida e política originalmente eram separadas e se encontravam apenas na exceção, onde habitava a vida nua. Porém, quando essas passam se confundir, como ocorre na biopolítica, então a política passa a ser o estado de exceção e a vida de todos passa a ser sacra e, logo, matável.

Agamben reafirma que a biopolítica é a regra hoje e a vida nua produzida nos tempos totalitários é a vida que se encontra nesse reino, onde impera o estado de exceção permanente e a anomia. Na realidade, a biopolítica e as normas excepcionais se tornaram tão presentes nas nossas práticas cotidianas dentro de países democráticos que hoje se encontram normalizadas, sendo acolhidas por nós mesmo quando se referem às práticas que antes víamos como inumanas (AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, Tradução: Iraci D. Poleti, São Paulo: Bointempo, 2004B). Assim, para Agamben “ um direito que pretende decidir sobre a vida toma corpo em uma vida que coincide com a morte.” (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007, p.192).

Deste modo, em um primeiro momento de Agamben (2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, Tradução: Iraci D. Poleti, São Paulo: Bointempo, 2004; 2007; 2010) o neoliberalismo econômico não ocupa um papel central em seu conceito de biopolítico, havendo uma preponderância do debate em torno da vida nua produzida a partir do nazismo e de governos totalitários, o que, por sua vez, o afasta ainda mais da concepção foucaultiana na qual o liberalismo e neoliberalismo, enquanto práticas governamentais, não enquanto teoria econômica, são essenciais a compreensão da biopolítica (CASTRO, 2008CASTRO, Edgardo. Biopolítica: De la soberanía al Gobierno. Revista Latinoamericana de Filosofia, vol. XXXIV, n. 2, 2008; 2015; FOUCAULT; 2004).

Não obstante Castro (2011)CASTRO, Edgardo. Lecturas foucaulteanas. Una historia conceptual de la biopolítica, UNIPE, 2011 apontar que haveria um melhor acabamento do conceito biopolítico agambeano em o Reino e a Glória, a partir da entrada da teologia econômica em sua teoria. O que nos parece é que teria sido realizado um aprofundamento de seu debate com Foucault a respeito do soberano a partir da ideia de governamentalidade, distintamente da centralidade do sujeito inicialmente proposta pelo autor. Este só retoma seu papel central em O uso dos corpos na qual o conceito de governo e uma perspectiva econômica do capitalismo tomam mais vulto em sua obra para analisar a biopolítica (AGAMBEN, 2017AGAMBEN, Giorgio. O uso dos Corpos, Tradução: Selvino J. Assmann, São Paulo: Boitempo, 2017).

Tratando em primeiro plano de O Reino e a Glória, Agamben (2011)AGAMBEN, Giorgio. O Reino e a Glória: uma genealogia teológica da economia do governo: homo sacer II, Tradução: Selvino J. Assmann, São Paulo: Boitempo, 2011 propõe em verdade realizar um aprofundamento da ideia de oikonomia, especialmente no conceito de providência que acredita que Foucault deixou esmaecido em sua arqueologia. O que a um primeiro momento parece uma aproximação de Foucault por defender que os dispositivos do soberano teriam se espalhado na sociedade a partir da economia- entendida aqui no sentido de arte de governar - o que de fato Agamben termina por fazer é recuperar novamente um papel central do soberano clássico, especialmente o medieval, para afirmar que os dois mecanismo da providencia e destino subjazem a democracia ocidental, na qual se une o papel do governo com rituais sacralizantes do soberano a partir da mídia. Segundo o próprio autor

“O que está em questão é nada menos que uma nova e inaudita concentração, multiplicação e disseminação da função da glória como centro só sistema político. O que ficava confinado às esferas da liturgia e dos cerimoniais concentra-se agora na mídia e, por meio dela, difunde-se e penetra em cada instante e em cada âmbito, tanto público quanto privado, da sociedade. A democracia contemporânea é uma democracia inteiramente fundada na glória, ou seja, na eficácia da aclamação, multiplicada e disseminada pela mídia além do que se possa imaginar” (AGAMBEN, 2011AGAMBEN, Giorgio. O Reino e a Glória: uma genealogia teológica da economia do governo: homo sacer II, Tradução: Selvino J. Assmann, São Paulo: Boitempo, 2011, p. 275)

Assim, por mais que haja pontuais aproximações aparentes entre determinados pontos teóricos dos autores, seja no retorno do soberano em Foucault quando o racismo transmuta a biopolítica em tanatopolítica, seja no alargamento da centralidade da governamentalidade em Agamben a partir de sua análise sobre a economia, não pode ser deixado de lado que o soberano não é uma figura secundária aos autores, seja pelo seu afastamento no controle do vivente na biopolítica foucaultiana, seja pelo seu permanente agigantamento na obra agambeana. E é nele que o aparente diálogo se torna fissura entre suas biopolíticas, como será analisado a seguir.

4. A impossibilidade da confluência de conceitos: em vias de uma conclusão

Apesar de alguns teóricos como Cerutti (2011)CERRUTI, Pedro, Benjamin, Foucault y Agamben: arqueologia del poder. Barbaroi, n. 34, jan./jul. 2011, disponível em < https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/1650>, Acessado em: 11.12.2016
https://online.unisc.br/seer/index.php/b...
defenderem que é possível ver o ponto de conexão entre a teoria de Agamben e Foucault a partir da função da polícia e da teoria de Walter Benjamin sobre tal relação11 11 Cerruti afirma que Benjamin traça uma ideia de norma quando feita pela polícia não como direito em si, mas sim como normativas emitidas em contexto de vigilância que nada teriam a ver com o aparato legal mais formal, o que se conectaria com a ideia de Foucault sobre um dos mecanismos no qual a biopolítica se manifestaria. , ou a partir do não abandono completo do soberano por Foucault como Castro (2011)CASTRO, Edgardo. Lecturas foucaulteanas. Una historia conceptual de la biopolítica, UNIPE, 2011, defende-se nesse artigo que a divergência e apagamento de categorias fundamentais de Foucault por Agamben fazem com que suas leituras a respeito da biopolítica sejam inconciliáveis.

O primeiro ponto que cabe destaque na divergência entre os conceitos criados pelos autores é o papel do direito e da soberania. Foucault (2012)FOUCAULT, MICHEL. Microfísica do Poder, Organização, introdução e revisão técnica Roberto Machado, 25ª edição, São Paulo: Graal, 2012 defende que deve se deslocar a análise da dominação exercida pelo soberano de forma central através do direito, para uma observação sobre como e em que grau este direito é fundamental para a dominação exercida quotidianamente através do controle difuso da sociedade. O que Foucault (2010)FOUCAULT, MICHEL .Os anormais: Curso no Collège de France (1974-1975), Tradução: Eduardo Brandão, São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010 pretende mostrar é, justamente, uma inversão das técnicas de poder, que já não mais exclui, como fazia com a monarquia, mas normaliza e vigia de forma constante e permanente. Assim, esse novo método da “arte de governar” é formado por três processos diferentes: a invenção no século XVIII de uma teoria política centrada na ideia de vontade e sua transferência para o aparelho governamental; a instalação e prolongamento deste Estado em diversas instituições; e por último, a técnica geral de exercício de poder, transferível a diversas instituições e aparelhos.

O que Agamben pontua e diverge de Foucault é nessa tentativa de encontrar um momento estanque, qual seja a modernidade, para traçar a linha divisória do início da biopolítica. Agamben indica que a característica fundamental deste conceito é sua indeterminabilidade, refletida no sujeito daquele que habita o campo, na vida nua (ZARTALOUDIS, 2010ZARTOALUDIS, Thanos. Giorgio Agamben: Power, law and the uses of criticismo, Rouledge, 2010).

Criva-se uma segunda divergência no conceito de Foucault e Agamben: a relação entre lei e vida, marcando a distinção em que ambos dão a função do soberano, e a diferenciação entre norma e exceção (MILLS, 2007MILLS, Catherine, Biopolitics, Liberal Eugenics, and Nihilism, In. CALARCO, Matthew; DECAROLI, Steven, Giorgio Agamben: sovereignity & life, Staford University Press, 2007). De acordo com Ojakangas (2005)OJAKANGAS, Mika, Impossible Dialogue on Bio-power: Agamben and Foucault. Foucault studies, n. 2, may 2005, pp. 5-28 para Foucault a soberania, que possuía poder de morte, a partir do século XVII começou a se dissolver em biopoder, exterminando com as relações de um poder vertical que se impõe, transmutando-o em normas que administram a vida dos sujeitos de acordo com sua utilidade e valor. A normalização se daria através de processos que mantém o anormal e o normal cindidos, porém não excluídos da sociedade, ou seja, ao invés de se valer de meios legais e violência o poder passa a ser exercido por técnicas. Por meio do permanente conflito entre lei e disciplina que o poder normalizador da biopolítica se estabeleceria, passando a fazer com que a lei opere em uma forma diversa da verticalização soberana.

Assim, para Foucault, a legalidade não possui uma ligação intrínseca com o soberano, que só ressurge na biopolítica através do racismo. O soberano para Foucault ocupa um paradoxo no qual foi substituído pelo biopoder e se mantém na tripartição disciplina, governo e soberania. Mills (2007)MILLS, Catherine, Biopolitics, Liberal Eugenics, and Nihilism, In. CALARCO, Matthew; DECAROLI, Steven, Giorgio Agamben: sovereignity & life, Staford University Press, 2007 continua afirmando que, em contrapartida, Agamben coloca que a ligação entre a vida e a lei se dá através da decisão soberana, sendo nesta que sempre residiu a biopolítica. Este elo não surgiu na modernidade, mas apenas veio à tona por meio da vida nua, que garantiu a normalidade da exceção na política. Assim, a biopolítica em Agamben, ao focar sua incidência no homo sacer, termina por se tornar um poder de capacidade de morte (OJAKANGAS, 2005OJAKANGAS, Mika, Impossible Dialogue on Bio-power: Agamben and Foucault. Foucault studies, n. 2, may 2005, pp. 5-28). Nas palavras do autor “A vida biopolítica não é vida nua (ser) isolado das formas de vida (sujeitos) mas tornando-se- devir de seres: ´agora é na vida posterior, a partir do seu desdobramento, que o poder estabelece sua dominação” (OJAKANGAS, 2005OJAKANGAS, Mika, Impossible Dialogue on Bio-power: Agamben and Foucault. Foucault studies, n. 2, may 2005, pp. 5-28, p.13, tradução livre).

No que se refere ao poder de morte do Estado, a relação entre ambos os autores, no que diz respeito ao sujeito, parece se aproximar um pouco mais ao se observar a tanatopolítica e o racismo, apesar dessa aproximação não representar de fato uma aderência de uma teoria a outra. O que Agamben termina por fazer em sua tese é negligenciar em absoluto o eixo racial previsto em Foucault, em uma tentativa de recuperar um poder vertical em conformidade com o totalitarismo nazista e espalhá-lo no campo social como se afetasse potencialmente a todo e a qualquer vida desviante. O poder de morte é central em sua teoria e o grande mote da atuação do poder. Inversamente Foucault pretendia, justamente, enfatizar que a estratégia biopolítica é a manutenção e prolongamento da vida, sendo necessária a justificação da morte, que não é um fato positivo ou indiferente como em Agamben, mas sim um fato que abalaria a legitimidade do poder e por tal precisaria ou ser escondido ou justificado através do racismo ou, segundo Ojakangas (2005)OJAKANGAS, Mika, Impossible Dialogue on Bio-power: Agamben and Foucault. Foucault studies, n. 2, may 2005, pp. 5-28 da alegação que aquele sujeito ou grupo representariam uma ameaça a permanência da vida de todo o corpo social.

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    Edgardo Castro é um dos autores que aproxima o conceito de ambos, mesmo marcando a diferença entre esses, a partir de uma leitura que Foucault não abandonou o conceito de soberania. Defende inicialmente que biopolítica não é um conceito unívoco em Foucault, afirmando existirem pelo menos quatro conceituações possíveis do termo, retornando o soberano enquanto um eixo presente a partir da Vontade do Saber em oposição ao Em defesa da Sociedade (2008). Assim propõe que o autor não realizaria rupturas ou teria um pensamento linear progressivo, mas sim torsões sobre seus conceitos (CASTRO, 2011CASTRO, Edgardo. Lecturas foucaulteanas. Una historia conceptual de la biopolítica, UNIPE, 2011). Tal forma de estruturação terminaria por gerar a possibilidade de que a biopolítica e governamentalidade não dependessem do abandono em si da categoria soberano, mas apenas uma preponderância de um método sobre o outro (2014). A possibilidade e presença do soberano enquanto concomitante a biopolítica parece se tornar mais maleável e gradual no decurso das obras de Castro, como se observa no seguinte trecho “A macrofísica da soberania se substitui pela microfísica disciplinar. [...]A partir da análise dos dispositivos de segurança e da problemática moderna da população, Foucault é conduzido até a questão do governo e da governamentalidade. Quanto mais falava de população, ele sustenta, mais falava de governo e menos de soberano” (CASTRO, 2015CASTRO, Edgardo. Introdução a Foucault, Tradução: Beatriz de Almeida Magalhães, Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p. 74 e 85). Há de se destacar que nas obras de Castro (2008CASTRO, Edgardo. Biopolítica: De la soberanía al Gobierno. Revista Latinoamericana de Filosofia, vol. XXXIV, n. 2, 2008, 2011CASTRO, Edgardo. Lecturas foucaulteanas. Una historia conceptual de la biopolítica, UNIPE, 2011, 2015CASTRO, Edgardo. Introdução a Foucault, Tradução: Beatriz de Almeida Magalhães, Belo Horizonte: Autêntica, 2015) o conceito de tanatopolítica, quando esse trabalha a leitura do racismo por Foucault, não surge, sendo permanentemente abordado enquanto uma outra expressão de biopolítica. Como se defenderá no decurso deste artigo é, justamente, na tensão entre os conceitos de biopolítica e tanatopolítica que as diferenças entre os conceitos de biopolíticas de Agamben e Foucault se tornam inconciliáveis, ao mesmo tempo que suas propostas teóricas convergem. Divergimos também desta leitura a partir da centralidade do soberano em uma leitura hobbesiana em Agamben (2007)AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007, mesmo que a partir de uma releitura crítica a Hobbes, enquanto está é posta de lado em Foucault (CASTRO, 2008CASTRO, Edgardo. Biopolítica: De la soberanía al Gobierno. Revista Latinoamericana de Filosofia, vol. XXXIV, n. 2, 2008).
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    Agamben é um autor que opera, fundamentalmente, na releitura de uma série de autores, a partir da apropriação e reconfiguração de seus conceitos, normalmente partindo de clássicos gregos até a filosofia contemporânea, com forte influência da teologia política e, mais recentemente, da teologia econômica. A amplitude do autor torna inviável, sem um recorte conceitual rigoroso, a compreensão do todo de sua obra por um único artigo. Seus conceitos de vida nua, soberano e estado de exceção, assim como de biopolítica e testemunho se intercruzam em toda sua coletânea homo sacer. No entanto, este artigo recortou os três autores prioritários em sua obra para a definição de biopolítica, pelo menos no que pode auxiliar a compreender suas diferenças em relação a Foucault.
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    Eduardo Mendieta (2007)MENDIETA, Eduardo. Hacer vivir y dejar morrir: Foucault y la genealogia del racismo. Tabula Rasa, n.6, enero-junio 2007, pp. 138-152 afirma que a partir da criação da ideia de povo, forjada em um cenário que buscava-se resistir a invasões externas e a tirania dos reis, esse conceito passa, com a introdução da racionalidade política do Estado moderno e ampliação de suas pretensões ao poder, a ser compreendido como população que tem caracteres biológicos.
  • 4
    Conforme foi exposto em momento oportuno Foucault vê uma rede difusa e dispersa de poderes inscritos sobre os corpos daqueles que compõe a sociedade em detrimento do sistema anterior que lutava intestinamente pela manutenção do poder soberano, tese esta defendida por Agamben.
  • 5
    Em O uso dos corpos Agamben se dedica mais a relação do uso dos corpos e cuidado de si em Foucault, relendo-o conjuntamente com outros autores como Heidegger. No entanto, tendo em vista o recorte específico na conceituação de Foucault e de Agamben de biopolítica, e não dos usos dos conceitos foucaultianos em geral por Agamben e suas releituras, este não será analisado neste artigo. Nos valeremos, em relação à essa obra, tão somente dos trechos em que realiza uma extensão de sua conceituação biopolítica. (AGAMBEN, 2017AGAMBEN, Giorgio. O uso dos Corpos, Tradução: Selvino J. Assmann, São Paulo: Boitempo, 2017)
  • 6
    Deve ser ressaltado que Agamben, ao utilizar Schmitt, não se coloca como discípulo deste. Agamben difere de autor por utilizar a permanência da exceção não como forma de justificação de um determinado posicionamento totalitário, mas sim como ferramenta de crítica ao direito e a soberania. Assim não o segue acriticamente, mas se apropria de sua conceituação para observar a relação entre a lei e o soberano (VIEIRA, 2012) .
  • 7
    A visão de exceção como zona de indiscernibilidade entre jurídico e político vem da concepção schmittiana sobre o estado de exceção, no qual afirma que quando se tornam presentes os momentos de crise do ordenamento, a decisão que engendra a manutenção e a garantia desse não vem da lei ou do texto legal, mas sim da decisão soberana (LIBANO, 2010LIBANO, Taiguara Soares Souza, Constituição, Segurança Pública e Estado de Exceção Permanente: A biopolítica dos Autos de Resistência, 2010, Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito- Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Disponível em http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/Busca_etds.php?strSecao=especifico&nrSeq=18771@1, Acessado em 09 de dez 2020
    http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br...
    ).
  • 8
    O conceito de bando sofre uma influência na nomeação a partir de Jean Luc-Nancy e sua teoria no que concerne a vigência de uma Lei sem significar, reconhecendo a relevância de sua obra na filosofia contemporânea. No entanto, ao se debruçar sobre a definição do que seria bando soberano recorre a Kafka em diálogo com Benjamin para explicitar o efetivo papel que liga o bando soberano à exceção permanente. (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Tradução: Henrique Burigo, Belo Horizonte: UFMG, 2007; CASTRO, 2011CASTRO, Edgardo. Lecturas foucaulteanas. Una historia conceptual de la biopolítica, UNIPE, 2011)
  • 9
    Observando a teoria de Walter Benjamin (1986)BENJAMIN, Walter. Crítica da Violência - Crítica do Poder. São Paulo: Ed. USP, 1986. p.160-175., percebe-se que o direito sempre se colocou como estado de exceção, não apenas pela suspensão da lei, mas sim pelo direito se manifestar em ciclos de violência que põe o direito, ou seja, uma violência que inicia um novo ordenamento e uma violência que o mantêm, que é aquela utilizada para garantir que a ordem não seja invertida, negando as teorias inclusivas e meramente abstratas existentes no direito positivo e no contratualismo. Para ocasionar a ruptura deste ciclo, Benjamin propõe a ideia de violência divina, que é aquela completamente à parte do direito. A relação entre essas duas violências do direito se denomina “dualidade no funcionamento da violência”. como aponta Ari Hirvonen (2011)HIRVONEN, Ary, “The Politics of Revolt: On Benjamin and Critique of law”. Law and Critique, Ed. Springer, volume 22, Issue 2, July 2011,pp.101-118, na qual ambas se confundem por completo quando observadas perante a instituição da polícia. Nesta instituição, criação e manutenção do direito se confundem, já que a polícia é capaz de executar as ordens normativas que visam à manutenção do poder imperante.
  • 10
    O autor ao analisar a obra de Agamben, aponta a diferenciação o estado de exceção real (proposta de Benjamin) e fictício (como visto por Schmitt), um sendo temporário e o outro permanente. Benjamin acredita que o estado de exceção real é permanente e se opõe ao estado fictício de exceção que atribui àquele que suspende a norma.
  • 11
    Cerruti afirma que Benjamin traça uma ideia de norma quando feita pela polícia não como direito em si, mas sim como normativas emitidas em contexto de vigilância que nada teriam a ver com o aparato legal mais formal, o que se conectaria com a ideia de Foucault sobre um dos mecanismos no qual a biopolítica se manifestaria.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2021
  • Aceito
    25 Maio 2021
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