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A assim chamada violação eficiente do direito: uma crítica marxista à Análise Econômica do Direito

The so-called efficient breach: a Marxist critique to Law and Economics

Resumo

O artigo examina a assim chamada violação eficiente do direito, formulação teórica situada no campo da Análise Econômica do Direito. Extrai-se da análise de textos selecionadas de Coase, Birmingham e Posner que há algo de convergente entre esta teoria e a crítica marxista ao direito, especialmente no que se refere à percepção do caráter adeontológico do fenômeno jurídico. A proposta consiste, em suma, no confronto entre estas duas perspectivas.

Palavras-chave:
Crítica marxista ao direito; Análise Econômica do direito; Violação do direito

Abstract

The article examines the so-called efficient breach theory, a formulation located in Law and Economics field. It extracts from the analysis of selected texts by Coase, Birmingham and Posner that there is something convergent between this theory and the Marxist critique of law, especially with regard to the perception of the non-normative character of the legal phenomenon. The proposal, in short, consists of confronting these two perspectives.

Keywords:
Marxist critique of law; Law and Economics; Violation of law

Introdução

Entre o arbítrio e o cálculo pelos quais o capital se realiza nas trocas intersubjetivas, a revelação da mercantilização e da calculabilidade da vida nas sendas da crítica marxista ao direito impõe a tarefa de investigar com mais profundidade a materialidade das relações de violação do direito. A precarização das relações de trabalho pela via da ilegalidade, as prisões ilegais e os massacres realizadas pela força policial estatal, a grilagem de terras, a violência privada nos conflitos territoriais, a contaminação das águas, do solo e do ar em escala industrial, as populações atingidas por megaempreendimentos, barragens ou desastres socioambientais: nesses e em tantos outros exemplos semelhantes, estamos diante de sistemáticas de relações de violação do direito que rebaixam, quando não eliminam, a vida das populações historicamente exploradas e, por vezes, motivam a mobilização de lutas de resistência e disputa.

Para a crítica marxista ao direito, desvendar as formas sociais que condicionam processos de violência e luta como estes implica reconhecer que mercadoria, sujeito de direito, valor e relação jurídica são relações sociais que se complementam na explicação do modo de produção capitalista. Trata-se, portanto, de um método de investigação do fenômeno jurídico e, por extensão, da violabilidade do direito fundado na relacionalidade. Nos marcos da crítica da economia política, para além da intersecção entre disciplinas autônomas, direito e economia apresentam-se como duas categorias complementares na compreensão do real sob o critério da totalidade.

De modo parcialmente semelhante, mas radicalmente distinto, a Análise Econômica do Direito (AED) - levando originariamente o nome Law and Economics - também aposta na interface entre economia e direito como forma de produção de conhecimento a respeito da sociedade capitalista. Esses dois modos de pensar o direito situam-se em campos político-epistêmicos opostos: o primeiro reunindo, em geral, intelectuais críticos ao modo de produção capitalista e engajados em sua superação; o segundo reunindo, em geral, defensores de políticas de livre mercado e da maximização da eficiência econômica.

Assim como a economia política clássica apresentou um considerável avanço em relação à descrição fisiocrata da produção de riquezas na sociedade burguesa, evidentemente sem deixar de incorrer em outras contradições, o campo da AED acabou apresentando materiais interessantes ao pensamento crítico e à reconstrução teórica do fenômeno da violação do direito.

O objetivo do presente trabalho é produzir aproximações aos fundamentos econômico-políticos do fenômeno da violação do direito a partir do confronto entre essas duas tradições de pensamento; trata-se, mais precisamente, de uma crítica marxista a textos do campo da AED identificados como centrais na construção da teoria da violação eficiente do direito, tradução aqui adotada para a expressão efficient breach theory.1 1 Nos trabalhos brasileiros identificados, encontramos com maior frequência a tradução “inadimplemento eficiente” (PERRI, 2017) para a expressão “efficient breach”, também havendo quem opte por “rompimento eficiente” (IOLOVITCH, 2016), “descumprimento eficiente” (RIBAS, 2016) e “violação eficiente” (BONNA, 2015). De nossa parte, entendemos que a tradução mais adequada é essa última. A consulta a dicionário especializado apontou como traduções preferenciais para o substantivo “breach” as palavras descumprimento, infração, violação e inadimplemento, e para o verbo “breach” a palavra violar (CASTRO, 2013). Entendemos que “violação” é a expressão com maior capacidade de abranger traduções para as expressões vão desde “breach of contract” (violação do contrato) até “breach of law” (violação do direito), expressões que aparecem nos textos que serão analisados. Nas situações em que a palavra breach aparece sem predicativo, traduziremos por violação do direito, evitando ambiguidades que, em nossa língua, outras noções ligadas ao ato de violar poderiam ocasionar.

Objetivando verificar quais contribuições para a crítica marxista ao direito podem ser extraídas do exame da gênese deste conceito na literatura estadunidense, este artigo apresenta a investigação de formulações de Coase (1960COASE, Ronald. The problem of social cost, The Journal of Law & Economics, Estados Unidos da América, Chicago, v. 3, out. 1960, p. 1-44.), Birmingham (1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.) e Posner (1986POSNER, Richard A. Economic analysis of law. 3. Ed. Nova Iorque: Wolter Kluwer & Business, 1986.; 2009) - autores cujas obras sustentam a premissa basilar desta teorização eficientista: a de que os direitos, às vezes, “valem a pena” ser violados e, neste caso, a violação deve ser socialmente estimulada. Normatividade jurídica significa, nesses marcos, tanto violabilidade do direito quanto calculabilidade da violação.

Trata-se de uma forma de representação transacional e eficientista dos direitos violados, eticamente assentada na idealização de que a sociedade estará melhor conforme se contabilize maior soma de ganhos sociais. Assume-se, com isso, a não normatividade do direito, premissa coerente à perspectiva ética que, no fundo, sustenta a acumulação capitalista como o mais elevado critério de justiça vigente. Consequentemente, não é tanto a norma jurídica violada que importa, mas sim a abordagem econômica dos ganhos da violação em comparação analítica aos custos voltados a evitar ou reparar violações.

A crítica marxista ao direito depara-se, com isso, com um reflexo invertidamente espelhado no campo da AED. Economia e direito se atravessam, mas de modo diametralmente opostos. Onde a teoria da violação eficiente do direito enxerga realocação econômica de recursos, a crítica marxista encontra relações conflituais entre as classes capitalista e trabalhadora, entre empreendimentos e comunidades tradicionais, entre empresas transnacionais e populações vulneráveis etc. Ocultam-se, por baixo do véu da abstração conceitual, direitos trabalhistas surrupiados, fronteiras transgredidas, barreiras rompidas e atos massivos de destruição ecológica em marcha. Pois a violação eficiente do direito é expressão categorial não apenas de relações intercapitalistas, mas também de relações sociais violentamente reais como essas.

A primeira parte do trabalho dedica-se a fundamentar a investigação das representações conceituais do campo da AED como procedimento epistêmico inspirado na experiência da crítica marxista realizada por Pachukanis (2017PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovitch. Teoria Geral do direito e marxismo. Tradução Paulo Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017.) às teorias burguesas do direito expressivas ao seu tempo. As três próximas seções voltam-se ao estudo e à interpretação do pensamento de Coase, Birmingham e Posner sobre a violação do direito, tendo por base as suas contribuições na gênese do conceito violação eficiente do direito. Em síntese, Coase identifica o “direito” de causar danos como fator de produção; Birmingham cunha a expressão “violação eficiente” e a fundamenta na mobilidade das mercadorias; Posner, por fim, identifica a violação do direito como opção mercadológica e a violabilidade da norma jurídica como forma de evitar custos de oportunidade. A seção final apresenta uma síntese sobre a gênese do conceito de violação eficiente do direito nas obras investigadas, apontando para a investigação da aplicabilidade das expressões categoriais da AED como agenda de pesquisa para uma crítica marxista à forma da violação do direito.

Este artigo tem origem na pesquisa de dissertação de mestrado intitulada A Estranha Forma da Violação do Direito, defendida no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Paraná, expondo parte de seus resultados e revisando aspectos que o distanciamento temporal permitiu mais bem vislumbrar. Reitero os agradecimentos à contribuição fundamental dos orientadores Iara Vigo de Lima e Ricardo Prestes Pazello, bem como à CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela bolsa que oportunizou o período de dedicação integral aos estudos.

1 A violação do direito entre a crítica marxista e a análise econômica

Evguiéni Pachukanis, autor responsável pelo lançamento das mais rigorosas bases da crítica marxista ao direito no século vinte, desenvolveu as suas formulações a partir de profunda investigação sobre as categorias desenvolvidas pelo pensamento jurídico burguês, como norma jurídica, relação jurídica e sujeito de direito. Neste sentido, as obras de alguns juristas burgueses, como Maurice Hauriou, são analisadas com destaque para o seu caráter “perspicaz” e consideradas pela crítica nos limites de suas contradições (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovitch. Teoria Geral do direito e marxismo. Tradução Paulo Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017.: 140).2 2 Para aprofundamentos sobre a crítica pachukaniana à obra de Maurice Hauriou, cf. Bjarne Melkevik (2016). Trata-se de movimento semelhante ao que Marx realizou com as categorias da economia política, entre as quais mercadoria, dinheiro e valor. Para Pachukanis - que com isso, em uma metáfora de tipo bélico por ele mobilizada para se referir às teorias jurídicas burguesas, não se esquivava de “adentrar no território do inimigo” (2017: 76) -, esse tipo de investigação “não apenas nos oferece a forma do direito em seu aspecto mais exposto e dissecado, mas, ainda, reflete o processo de desenvolvimento histórico real” (2017: 80).

Como veremos, a pesquisa realizada indica que a teoria da violação eficiente do direito é desenvolvida como uma espécie de resposta dos expoentes da AED às necessidades históricas da classe com a qual se identificam. Neste sentido, se “também a economia política começou seu desenvolvimento com questões práticas” (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovitch. Teoria Geral do direito e marxismo. Tradução Paulo Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017.a: 69), aqui buscaremos demonstrar em que medida o exame crítico de representações burguesas pode permitir a produção de aproximações críticas em relação à reconstrução teórica da violação do direito.

Não podemos deixar de mencionar a existência de pesquisas sólidas realizadas com o objetivo de examinar criticamente a AED, porém em ângulos distintos ao aqui proposto (cf. DWORKIN, 1980DWORKIN, Ronald. Why Efficiency?, Hofstra Law Review, n. 8, p.564-72, 1980.; HORWITZ, 1980HORWITZ, Morton J. Law and Economics: Science or Politics?, Hofstra Law Review, v. 8, p. 905-912, 1980.; LESS, 1974LESS, Arthur Allen. Economic Analysis of Law: some realism about nominalism. Virginia Law Review, v. 60, n. 3, mar./1974, p. 451-482.; LINHARES, 2011LINHARES, José Manuel Aroso. O pragmatismo interdisciplinar de Posner como “teoria” a decisão judicial. Em: MORAIS DA ROSA, Alexandre Morais; LINHARES, José Manuel Aroso. Diálogos com a Law & Economics. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 2. ed. p. 149-279.; MARCELLINO JÚNIOR, 2006MARCELLINO JÚNIOR, Júlio César. Princípio constitucional da eficiência administrativa: (des)encontros entre economia e direito. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2006.; COPETTI NETO, 2010COPETTI NETO, Alfredo. Democracia sostanziale e analise economica del diritto. Tese (Doutorado) - Scuola Dottorale Internazionale di Diritto ed Economia, “Tullio Ascarelli”, Universitá Degli Studi “Roma Tres”, Roma, 2010.; STRECK, 2011STRECK, Lenio Luiz. Apresentação: a Análise Econômica do Direito e caráter “predatório no Estado Democrático de Direito”. Em: MORAIS DA ROSA, Alexandre; LINHARES, José Manuel Aroso. Diálogos com a Law & Economics. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 2. ed. p. 149-279.; 2017; JASPER, 2010JASPER, Eric Hadmann. O desencanto da economia. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Universidade de Brasília, Brasília, 2010.; HEINEN, 2012HEINEN, Luana Renostro. Uma crítica à democracia pragmática de Richard Posner a partir de Jacques Rancière. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012.). Sem questionar o valor destas reflexões, a proposta desta pesquisa difere-se delas na medida em que pretende investigar a violação do direito como um fenômeno material e não normativo e, dentro deste exercício de aproximação, examinar a representação do fenômeno da violação do direito pela AED.

Para David Harvey, as investigações de Marx não rejeitavam as formas burguesas de pensamento do mundo, mas consideravam que “deviam ser respeitadas, não importa quão unilaterais ou desvirtuadas fossem”. O método crítico, neste sentido, “toma o que os outros disseram e vislumbraram e trabalha com este material a fim de transformar o pensamento - e o mundo que ele descreve - em algo novo” (HARVEY, 2013HARVEY, David. Para entender O capital: Livro I. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.: 14). Crítica é mais precisamente o processo em que se busca, realizando mediações, trazer à consciência os fundamentos de determinado objeto e, também, negá-lo e realizar a sua superação prático-teórica (NETTO, 2011NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.). E a classe burguesa nunca deixou de expressar as relações materiais dominantes com a formulação de ideias atualizadas às necessidades históricas próprias de cada época, criando material para ser apropriado pelas vias do exame crítico. Quer dizer, também os indivíduos dos séculos XX e XXI que se identificam com a classe dominante - entre os quais aqueles que se situam no campo da AED - “possuem, entre outras coisas, também consciência”3 3 A este respeito, vale lembrar a seguinte passagem de A Ideologia Alemã: “As ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação. Os indivíduos que compõem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência [...]”. (MARX; ENGELS, 2007, p. 47). .

A relação entre direito e economia, mais especificamente, é abordada na história do pensamento humano sob diversas óticas. Em Marx, por exemplo, há em sua obra uma rica abordagem sobre o fenômeno jurídico, ainda que não sistematizada. Nada impediria, a princípio, que indicássemos aquilo que Marx e o posterior desenvolvimento da crítica marxista ao direito produziram como uma abordagem baseada na interface “economia e direito” ou, até mesmo, como uma espécie de “análise econômica do direito”.

Hoje, entretanto, a partir da irradiação no meio acadêmico da força geopolítica dos Estados Unidos da América, está mundialmente consolidado este campo do conhecimento - com crescente influência ideológica nos cursos de direito no Brasil e dotado de certa especificidade - o qual passamos a identificar quando nos deparamos com as expressões “Direito e Economia” (Law and Economics) ou “Análise Econômica do Direito” (Economic Analysis of Law). Em uma breve síntese, não havendo espaço para uma melhor demonstração do processo histórico de consolidação deste campo, podemos por ora caracterizá-lo pelo modo pragmático ou consequencialista de pensar o direito a partir da aplicação de postulados da microeconomia neoclássica subjetivista mirando a eficiência na alocação social de recursos (cf. COOTER, 1982COOTER, Robert D. Law and the Imperialism of Economics: An Introduction to the Economic Analysis of Law and a Review of the Major Books. UCLA Law Review, v. 29, p. 1260-1269, 1982.; POSNER, 1986POSNER, Richard A. Economic analysis of law. 3. Ed. Nova Iorque: Wolter Kluwer & Business, 1986.; BOWLES, 1991BOWLES, Roger. Economics and law. In: GREENWAY, David; BLEANEY, Michael; STEWART, Ian M. T. (Orgs.). Companion to contemporary economic thought. Inglaterra, Londres: Routledge, 1991. p. 781-796.; GODOY, 2005GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e Economia: introdução ao movimento Law and Economics. Revista Jurídica Brasília, v. 7, n. 73, 2005.; GICO JUNIOR, 2010GICO JUNIOR, Ivo T. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. Economic Analysis of Law Review, v. 1, n. 1, p. 7-33, 2010. DOI: 10.18836/2178-0587
https://doi.org/10.18836/2178-0587...
; RIBEIRO; KLEIN, 2011RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius (coord.). O que é Análise Econômica do Direito: uma introdução. Belo Horizonte: Fórum, 2011.; COOTER; ULEN, 2016).4 4 Para uma explanação desta caracterização, cf. Uchimura (2018).

A preocupação pragmática da AED é notória, e com isso os seus expoentes se destacam como intelectuais capazes de fornecer respostas práticas à classe da qual suas ideias se aproximam. Neste sentido, é curioso notar que a formação da AED e a sua ascensão a partir da década de 1970 coincidem com o período de agravamento da crise mundial de acumulação capitalista - e, nisso, coincidem também com a retomada dos estudos do debate jurídico soviético no continente europeu. Isso nos leva a pensar que os produtos teóricos da AED, dos quais o conceito de violação eficiente do direito é um expressivo exemplo, não são outra coisa senão um conjunto de generalizações e abstrações “trabalhadas pelos juristas burgueses e que se originam da necessidade de sua própria época e de sua própria classe” (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovitch. Teoria Geral do direito e marxismo. Tradução Paulo Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017.: 80).

No Brasil, por sua vez, a AED veio se consolidando mais firmemente como campo a partir da década de 2010, tendo por expressão material a consolidação de periódicos como a Economic Analysis of Law Review, da Universidade Católica de Brasília, e de organizações de juristas e intelectuais como a ABDE - Associação Brasileira de Direito e Economia, o IDERS - Instituto de Direito e Economia do Rio Grande do Sul, a ANDE - Associação Nordestina de Direito e Economia e a ADEPAR - Associação Paranaense de Direito e Economia. A AED tem apresentado também uma tendência de crescente recepção nos tribunais brasileiros, tendo sido suscitada na fundamentação de julgamentos de casos de relevância nacional e, além disso, na elaboração de projetos de lei (PARGENDLER; SALAMA, 2014; COURA, 2017). Trata-se de movimento alinhado ao que Thiago Arruda Queiroz Lima (2020) identificou por “neoliberalização da Justiça no Brasil”.

Para a crítica marxista ao direito, a norma jurídica apenas pode ser vista como derivação de relações existentes ou sintoma de probabilidade do “surgimento em um futuro próximo das relações correspondentes” (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovitch. Teoria Geral do direito e marxismo. Tradução Paulo Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017.: 98-99). A norma jurídica é mero desenho no papel, ora retratando relações socais existentes, ora projetando relações sociais futuras. A normatividade, com isso, interessa apenas secundariamente para a investigação do direito como fenômeno social objetivo. A singularidade do exame da AED para o exercício da crítica marxista consiste em que, para essa, de modo semelhante ao antinormativismo característico do pensamento pachukaniano, o que interessa não são as tentativas formalistas de sua explicação a partir de suas próprias tintas, mas sobretudo as consequências econômicas dos desenhos que saem do papel, isto é, uma aproximação teórica à materialidade das relações jurídicas.

Tal semelhança, entretanto, é evidentemente parcial. Os fundamentos da busca por objetividade na investigação do direito se baseiam em fundamentos político-epistêmicos distintos entre si. A razão de ser da AED é a alocação eficiente de recursos no mercado, objetivo que pretende universalizar como de interesse geral da humanidade a partir dos postulados da racionalidade econômica. O compromisso da crítica marxista ao direito, por sua vez, é com a práxis revolucionária na luta de classes e, no limite, com a extinção transitiva das relações jurídico-mercantis da sociedade burguesa. Onde a racionalidade econômica mira a alocação eficiente de recursos, a crítica marxista revela “uma cadeia ininterrupta de relações jurídicas” que oculta a desigualdade das relações de produção (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovitch. Teoria Geral do direito e marxismo. Tradução Paulo Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017.: 97).

No limite, se de fato atingir a eficiência na alocação social de recursos fosse o objetivo racional de todos nós, seria necessário que, a todo instante, calculássemos incansável e herculeamente as infinitas possibilidades de violação do direito em nossas múltiplas relações dadas na forma de contratos, leis ou direitos subjetivos. O caráter heroico e fantasioso dessas simplificações, porém, está longe de ser satisfatoriamente afastado pela familiar perspectiva da fórmula pacta sunt servanda - ainda mais imaginativa em sua representação deontologicizante do fenômeno jurídico.

Parece-nos, com isso, constituírem as formulações consolidadas no campo da AED um material interessante ao exame da crítica marxista ao direito. Qual realidade se quer expressar, afinal, com a categoria violação do direito? Se pretendêssemos encontrar respostas a esta pergunta, por exemplo, diretamente nas práticas gerenciais das grandes transnacionais violadoras contumazes de direitos, sabemos que na entrada do terreno oculto da produção encontraríamos alguma advertência implícita do tipo “[n]o admittance except on business [entrada permitida apenas para tratar de negócios]” (MARX, 2017MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. Tradução Rubens Enderle. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2017.: 250). Partiremos, com isso, da premissa de que, atravessando a crítica ao pensamento burguês bibliograficamente consolidado, poderemos ampliar o repertório de elementos para a construção de respostas teóricas a essa pergunta que nos é central. “Para Marx” - retomando o comentário de Harvey (2013HARVEY, David. Para entender O capital: Livro I. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.: 14) - “um conhecimento novo surge do ato de tomar blocos conceituais radicalmente diferentes, friccioná-los uns contra os outros e fazer arder o fogo revolucionário”. Eis a tarefa de aproximação aqui iniciada.

2 Coase e o “direito” de causar danos como fator de produção

Em O Problema dos Custos Sociais5 5 Tradução nossa para The Problem of Social Cost. , publicado em 1960 no periódico da Universidade de Chicago The Journal of Law and Economics, Ronald Coase trata da questão da relação entre danos e reparação a partir da noção de “custos de transação”, abordagem que abriu os caminhos para o posterior desenvolvimento da teoria da violação eficiente do direito. É nesta publicação que Coase propõe um giro na análise econômica dos arranjos sociais, marco constitutivo da consolidação inicial da AED.6 6 Para uma análise sobre a abordagem de Coase como como manifestação histórica da concepção instrumental da violação de normas jurídicas, cf. Uchimura e Lima (2018).

Para o estadunidense, esses deveriam abranger também as externalidades, afastando-se a sua concepção como falhas de mercado inalcançáveis pela cientificidade econômica marginalista. Nas palavras do autor, “este problema deve ser olhado na totalidade e na margem” (COASE, 1960COASE, Ronald. The problem of social cost, The Journal of Law & Economics, Estados Unidos da América, Chicago, v. 3, out. 1960, p. 1-44.: 2, tradução nossa). O argumento de Coase é que a melhor solução para os problemas da responsabilidade civil seria mimetizar o mercado para encontrar o arranjo escolhido pelas próprias partes em um contrato hipotético.

A argumentação de Coase é apresentada com o exemplo fictício do problema do cercamento entre proprietários rurais vizinhos entre si, sendo um criador de gados e um agricultor. Na imagem sugerida pelo autor, não haveria nenhuma cerca construída entre as propriedades dos dois produtores, o que criaria a condição de risco de destruição das plantações do segundo produtor pelo rebanho do primeiro. Neste caso, o problema dos custos sociais consistiria, recorrendo à linguagem empresarial, em um típico trade-off colocado a ambos: construir ou não uma cerca para prevenir danos e custos emergentes.

Em síntese, na análise econômica proposta por Coase, o cercamento deve ser determinado apenas no caso em que esta seja a melhor alocação de recursos do ponto de vista social - e “social” tem aqui um sentido próximo à soma de ganhos individuais. O autor passa, assim, à comparação analítica entre os custos com a construção da cerca e os custos com a reparação pela destruição da colheita, examinando o problema em dois cenários distintos de responsabilidade civil: (i) um arranjo social em que a regra atribui ao criador de gados o dever de reparar os danos causos e (ii) um arranjo social em que não existe tal atribuição.

Basicamente, Coase está preocupado com os custos das operações de mercado, aos quais ele atribui a categoria custos de transação. Coase considera que, inevitavelmente, as operações de mercado têm custos, e alocação eficiente de recursos depende mais da racionalidade nas decisões tomadas pelos produtores do que dos arranjos sociais adotados. Com base nisso, pode-se chamar de Teorema de Coase a seguinte fórmula: “se as transações têm custo zero, o arranjo inicial de direitos de propriedade não determinará o uso final da propriedade”. Tal teorema, assim proposto e comentado por Richard Posner, estabeleceu “um modelo [framework] de análise da atribuição dos direitos de propriedade e da responsabilidade civil em termos econômicos” (1986: 7, tradução nossa), tendo sido generalizado na forma do argumento de que “muitas das doutrinas e instituições do sistema jurídico são mais bem compreendidas e explicadas como esforços de promover a alocação eficiente de recursos” (1986: p. 20, tradução nossa).

Para além das conclusões de Coase sobre a relação entre a atuação estatal e a alocação eficiente de recursos, a parte de sua argumentação mais diretamente relacionada ao desenvolvimento da teoria da violação eficiente do direito é o seguinte: no uso da imagem da decisão pelo cercamento ou não do terreno pelo criador de gados, a racionalidade econômica implica optar pela prevenção da violação dos direitos do vizinho apenas no cenário em que o custo com o prejuízo da colheita for maior que o da construção da cerca. A esse respeito, Coase afirma o seguinte: “é claro, pode ser mais barato para o criador de gados não cercar e pagar pela colheita danificada” (COASE, 1960COASE, Ronald. The problem of social cost, The Journal of Law & Economics, Estados Unidos da América, Chicago, v. 3, out. 1960, p. 1-44.: 3, tradução nossa). A opção de indenizar os danos causados aparece nitidamente representada em conceitos mercadológicos: “mais barato” e “pagar pela colheita danificada”.

Coase apresenta, com isso, a análise econômica como técnica voltada a apurar a relação entre custos com prevenção e custos com reparação sob a forma de variáveis dependentes entre si. Trata-se, no exemplo, dos custos com a construção e a manutenção da cerca em comparação com os custos com a indenização pela colheita danificada. Foi essa forma de enfrentar o problema jurídico que inspirou, nos anos seguintes, uma série de juristas e economistas a buscarem sofisticados métodos de formalização matemática no desenvolvimento da AED, como exemplificam os casos de Brown (1973BROWN, John Prather. Toward an economic theory of liability, The Journal of Legal Studies, Estados Unidos da América, Chicago, v. 2, n. 2, junho de 1973, p. 323-349.) e Shavell (1987).

Há um ponto central na argumentação de Coase que nos interessa para, com ele, transitarmos para a análise dos trabalhos em que aparece diretamente o conceito de “violação eficiente”. O autor conclui emblematicamente que “o direito subjetivo [right] de fazer algo com efeitos prejudiciais (como emitir fumaça, barulho, odores etc.) também é um fator de produção” (COASE, 1960COASE, Ronald. The problem of social cost, The Journal of Law & Economics, Estados Unidos da América, Chicago, v. 3, out. 1960, p. 1-44.: 44, tradução nossa). Causar danos, assim, é para Coase um direito subjetivo (right). Mas não apenas: é um direito subjetivo a ser considerado pelas unidades produtivas na organização de sua produção. Coase apresenta algo importante para examinarmos. O que está implícito na citação é que, nos marcos da concorrência capitalista, quem não leva em conta a possibilidade de causar danos sai perdendo. Ganha, por outro lado, quem melhor organiza a produção ao identificar as opções jurídicas “mais baratas” - ainda que esta venha a ser a de “pagar pela colheita danificada” ou, de modo geral, “fazer algo com efeitos prejudiciais”. É uma imposição tendencial do capitalismo, em síntese, que a relação entre danos e reparação, nos marcos da responsabilidade civil, seja calculada pelas unidades concorrentes.

Evidentemente, tal imposição não é uma grande descoberta de Coase sobre o capitalismo. Mas o caso é que a formulação presente na nova abordagem proposta pelo estadunidense, no curso do desenvolvimento da AED, conduziu os seus expoentes ao desenvolvimento de novas representações da questão e, consequentemente, à produção de um novo modo de pensar o fenômeno da violação do direito.

3 Birmingham, a mobilidade das mercadorias e a garantia da equivalência contratual

A sistematização do conceito de violação eficiente do direito foi realizada pela primeira vez em um estudo sobre a responsabilidade civil contratual publicado em 1970 por Robert Birminghan, à época professor do curso de direito na Universidade de Indiana, intitulado Violação do Contrato, Extensão da Indenização e Eficiência Econômica.7 7 Tradução nossa para Breach of Contract, Damage Measures, and Economic Efficiency . Segundo Cláudia Perri (2016), trata-se da primeira vez que o conceito efficient breach foi utilizada no campo jurídico. Anos mais tarde, com o uso da expressão “theory of efficient breach” (GOETZ; SCOT, 1977), pela primeira vez se falou em uma teoria da violação eficiente do direito - termo que passou a ser mais difundido na literatura da doutrina contratual estadunidense. De modo distinto em relação ao exemplo trabalhado por Coase, a análise de Birmingham se delimita ao fenômeno contratual. Enquanto Coase conclui o seu argumento tratando de danos como emissão de fumaça e odores, em geral extracontratuais, Birmingham - ainda que diretamente fundamentado no teorema coaseano - tratou especificamente dos danos causados em decorrência de violações de promessas contratualmente formalizadas entre duas partes.

De início, é importante observamos que o desenvolvimento do conceito de violação eficiente no texto de Birmingham parte de uma surpreendente contextualização da historicidade do fenômeno contratual. Já na introdução do artigo, o autor apresenta a premissa de que o principal fator explicativo da formação de contratos é a oferta de oportunidades de ganhos para as partes ocasionada na relação de cooperação. O contrato, neste sentido, é referido como o mecanismo jurídico apropriado para o sistema econômico das trocas livres,8 8 Para expor este ponto de vista, o autor faz uso da seguinte citação: “O contrato, neste ponto de vista, é o mecanismo jurídico apropriado para um sistema econômico baseado nas livres trocas em comparação com a tradição e o costume ou o comando de distribuição de recursos” (KESSLER; SHARP citados por BIRMINGHAM, 1970, p. 274, nota 3, tradução nossa). ou seja, para o modo de produção capitalista. A partir disso, Birmingham aponta o seguinte: “os postulados fundamentais do direito contratual estão assim, inevitavelmente, relacionados de modo próximo às premissas do sistema da liberdade de empresas” (BIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.: 273-274, tradução nossa).

Ainda em relação ao aspecto histórico do contrato, podemos apresentar as reflexões de Birmingham a partir da seguinte pergunta: antes do século XVI, o que ocorreria em decorrência da violação de uma promessa informal realizada entre duas pessoas, digamos, de “A” para “B”? Para o estadunidense, a resposta é que, ainda que fosse observada uma ação decorrente da violação, essa não seria propriamente jurídica, já que “regras de direito contratual bem articuladas são um produto de elaboração posterior” (BIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.: 273). Citando o trabalho Legal Realism, de Grant Gilmore (1961GILMORE, Grant. Legal realism: its cause and cure. The Yale Law Journal, n. 70, p. 1037-1048, 1961), o artigo aponta que o direito contratual é, para a Inglaterra e os Estados Unidos, uma invenção do século XIX, tendo o contrato jurídico ganhado existência no curso da revolução industrial.

Com isso, mesmo que sem dizê-lo, Birmingham ressalta o momento histórico apontado pela crítica marxista em que “o direito achado no capital” se revela como relação social dotada de “especificidade histórica” (PAZELLO, 2021PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito Insurgente: para uma crítica marxista ao direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.: 50). As promessas informais situadas antes do desenvolvimento completo do capitalismo, sem que houvesse a garantia conferida pela forma jurídica da relação entre sujeitos de direito, não seriam especificamente jurídicas, tampouco a ação observada em decorrência da violação destas promessas. É interessante observar, portanto, que o contrato - modelo fundamental da relação jurídica, na expressão de Kashiura Júnior (2009KASHIURA JÚNIOR, Celso Naoto. Crítica da igualdade jurídica: contribuição ao pensamento jurídico marxista. São Paulo: Quartier Latin, 2009.) - é apontado por Birmingham, teórico da violação eficiente do direito, como uma invenção humana relacionada à revolução industrial.

A partir da apresentação deste contexto, o texto volta-se à análise da questão da violação do contrato. Birmingham analisa o sistema de responsabilidade civil no direito estadunidense com base em uma formulação extraída do caso Robinson v. Harmon: “que quando uma parte sustenta uma perda em razão de uma violação de contrato, ela deve, até onde o dinheiro pode fazê-lo, ser colocado na mesma situação, em relação aos danos, como se o contrato tivesse sido executado” (BIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.: 274, tradução nossa).

Para Birmingham, as violações eficientes dos contratos não devem ser desencorajadas. É socialmente desejável, na visão do autor, que o conteúdo moral das promessas formalizadas em contrato seja eliminado em nome da eficiência na alocação de recursos. E é isso que expressa a regra do caso Robinson v. Harmon. Um dos pontos centrais da argumentação de Birmingham está na formulação da eficiência presente no conceito de ótimo de Pareto em sua adaptação por Kaldor e Hicks. O autor explica o sentido deste conceito citando a seguinte passagem: “deixar todos melhores do que antes ou, pelo menos, alguns melhores sem deixar ninguém pior” (KALDOR apudBIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.: 278, tradução nossa).

A aplicação deste conceito na análise econômica da violação do contrato, por sua vez, é observada nas “mudanças de estados econômicos cujo movimento, ao beneficiar qualquer indivíduo, podem ser feitas apenas ao custo da ofensa a outro [at the cost of injury to another]” (BIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.: 278, tradução nossa). Em outras palavras, na interpretação de Birmingham, a aplicação do ótimo de Pareto/Kaldor-Hicks resulta na concepção de que a violação eficiente do contrato pressupõe a assunção de um custo de ofensa pela parte violadora.9 9 Em relação ao ótimo de Pareto, é necessário observamos algumas ressalvas. Este conceito muitas vezes é defendido com base na seguinte retórica: se ninguém perde, como poderia alguém ser contra? Porém, o que está escondido por trás da aparente defesa do bem coletivo nesta pergunta é que - ao menos na argumentação de Birmingham que analisamos - este perde-ganha se reduz absolutamente ao jogo do acúmulo de capital sob a forma dinheiro, e este não é um jogo que está no horizonte da absoluta maioria da população global explorada e não proprietária. O que a crítica marxista revela, pelo contrário, é o óbvio: este “ganho”, evidentemente, não nasce do fato da violação contratual, mas em algum lugar do circuito da produção na exploração de um ser humano pelo outro.

Na interpretação de Birmingham sobre o ótimo de Pareto, percebe-se o abandono da noção de felicidade presente na clássica formulação benthamiana da filosofia utilitarista. A eficiência, distintamente da utilidade, se manifesta fenomenicamente em termos puramente quantitativos de ganhos monetários. Isso talvez porque o pensamento econômico da segunda metade do século XX, já hegemonizado pelo movimento de matematização da economia (LIMA, 1999LIMA, Iara Vigo de. A matematização da teoria econômica: uma abordagem histórica. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1999.), reunisse agora condições para incidir sobre o direito também como um objeto analiticamente quantificável.

Em síntese, a promessa informal de que anteriormente tratava Birmingham agora, no capitalismo, se realiza sob a forma jurídica - na crítica marxista, a forma que garante a relação de troca entre sujeitos de direito. É esta formalização contratual que, como podemos observar, torna a violabilidade da promessa uma possibilidade mais adequada ao capitalismo. Assinar um contrato é assumir uma promessa que pode ser juridicamente violada. E aqui um importante detalhe: a relação eficiente de compensação decorrente da violação vai apenas “até onde o dinheiro pode fazê-lo”.

O que é necessário observarmos a partir da crítica marxista em primeiro lugar é que há algo a ser revelado na análise da regra da responsabilidade civil baseada na reparação integral, ou seja, da regra de que a consequência jurídica da violação do contrato é o dever de deixar a parte ofendida “na mesma situação, em relação aos danos, como se o contrato tivesse sido executado”. A noção de “mesma situação” remete diretamente à categoria equivalência jurídica, desenvolvida de modo aguçado por Pachukanis (2017PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovitch. Teoria Geral do direito e marxismo. Tradução Paulo Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017.). A relação contratual entre “A” e “B” é uma relação que, quando nasce, já nasce sob as condições da dupla equivalência: entre si como sujeitos de direito iguais e, também, entre as vontades que se equiparam no contrato. Aparece no momento da violação, entretanto, um terceiro momento de manifestação jurídica do princípio da equivalência.

Quando “A” viola a promessa que fez a “B”, nasce uma nova fictio juris10 10 Expressão utilizada por Marx em “Na sociedade burguesa, predomina a fictio juris [ficção jurídica] de que todo homem possui, como comprador de mercadorias, um conhecimento enciclopédico sobre elas” (MARX, 2017, p. 114, nota 5). : a obrigação de reparação. Neste momento, aparece o Estado como representação da organização centralizada que garante que a vítima da violação seja colocada em uma situação tal “como se o contrato tivesse sido executado”. Apesar de não ser a organização estatal a única força voltada a garantir os contratos (basta, aqui, pensarmos nos órgãos privados de proteção de crédito como exemplo de poder não estatal voltado à mesma garantia),11 11 A questão é tratada por Pachukanis na seguinte passagem: “Um direito absolutamente estável, em geral, não existe na natureza; por outro lado, a estabilidade das relações de direito privado no Estado burguês moderno ‘bem construído’ não se apoia de nenhum modo unicamente na polícia e nos tribunais. As dívidas não são saldadas apenas porque seriam ‘saldadas de qualquer maneira’, mas para que o crédito seja conservado no futuro. É evidente o efeito prático que, no mundo dos ‘negócios’, existe na forma do protesto de notas promissórias.” (PACHUKANIS, 2017, p. 100, nota 8). é ela que, por meio do litígio, apresenta-se como o principal meio para liberar “A” da obrigação decorrente da violação. É a decisão judicial transitada em julgado, ainda que homologando acordos realizados de modo extraprocessual entre as partes, que lhes confere a segurança jurídica em relação à quitação do contrato em seu grau mais estável, ou seja, sem que nenhuma delas - a não ser em casos bastante excepcionais - possam recorrer à força coercitiva da organização estatal como garantia de realização da equivalência do contrato.

O litígio contratual, com isso, manifesta-se como o momento em que o Estado, por meio da organização jurisdicional, exerce o poder de garantir os contratos realizando algumas das tendências centrais do movimento do capital: realizar a equivalência no processo de troca e, ao final, liberar as partes para que retornem ao estado de livres guardiões de mercadorias. A política de responsabilidade civil baseada na reparação integral, por sua vez, limita a ação estatal no terreno jurídico aos contornos da equivalência fictícia entre dois fenômenos mediados pela ficção jurídica: (i) a promessa contratual realizada de “A” para “B” e (ii) a conversão dessa promessa em determinada quantidade de dinheiro equivalente ao estado em que “B” estaria como se houvesse sido realizada sua vontade inicial.

Ou seja, a fictio juris que fundamenta a liberação estatal de “A” pelo pagamento de uma indenização monetária é uma ficção também baseada na forma da equivalência: o limite “eficiente” do poder estatal na posição de garante contratual está na conversão entre a expectativa baseada na vontade contratual originária de “B” e uma quantidade equivalente de dinheiro, uma equiparação tipicamente mercantil. Birmingham rejeita, em outras palavras, a adoção de medidas estatais de coerção (enforcement) do cumprimento das obrigações contratuais, tais quais sanções punitivas (punitive sanctions).

Para explicar seu ponto de vista, Birmingham apresenta um quadro histórico dividindo em três momentos a doutrina contratual estadunidense sobre o arbitramento ou a medição das indenizações (damage measures). O primeiro momento descrito pelo autor é o do modelo de interpretação tradicional, em que a influência exercida pela moral e pela religião se mostravam mais fortes. Neste estágio, a coerção das obrigações (enforcement) se sobrepunha como premissa, e a compensação sob a forma da equivalência ainda não estava nitidamente definida.

O segundo momento da doutrina contratual identificado por Birmingham é descrito como o movimento transitivo da doutrina em direção à objetividade. Os pressupostos naturalistas próximos da moral e da religião cedem algum espaço a critérios mais objetivos. Citando Oliver Holmes Junior, influente juiz da Corte Suprema dos EUA no início do século vinte, a questão é agora colocada nos seguintes termos: “[o] dever de manter um contrato na common law significa uma previsão de que se deve pagar uma indenização se não mantê-lo - e nada mais” (HOLMES JUNIOR apudBIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.: 283, tradução nossa). Tal afirmação é, por vezes, chamada na literatura estadunidense de “heresia holmesiana”, postulado descritivo sobre a qual a teoria da violação eficiente do direito teria desenvolvido uma versão prescritiva (KLASS, 2014KLASS, Gregory. Efficient Breach. Georgetown Public Law Research Paper, n. 13, v. 18, p. 362-387, 2014.: 362, tradução nossa).

Na análise desta citação, fazendo referência a uma decisão judicial da Corte Suprema estadunidense, proferida também por Holmes no caso Bromage v. Genning, Birmingham faz uso da referência ao ato de eleger (election) para descrever a opção entre cumprir o contrato ou pagar a indenização pelos danos. O contrato revela-se com isso como expressão formal da elegibilidade entre opções disponíveis entre sujeitos de direito.

Birmingham faz neste ponto o resgate da afirmação de que o desenvolvimento do direito contratual está ligado ao “sucesso do capitalismo durante o século XIX” e ao “reconhecimento dos benefícios materiais da livre empresa”. As mudanças na doutrina, por sua vez, acompanham o amadurecimento da sociedade capitalista: para o autor, o “componente objetivo” identificado na segunda fase da doutrina contratual é resultado dos esforços de “facilitar a competição” mediante o desenvolvimento de “controles jurídicos apropriados” (BIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.: 283, tradução nossa).

Com isso Birmingham chega à terceira fase da doutrina contratual como resultado da anterior: o momento da eficiência na regulação. É aqui que encontramos o ponto central de seu argumento. Birmingham caracteriza como ultrapassado o debate sobre a estabilidade como um dos objetivos do contrato. Em seu lugar, aparece, a proposição do debate sobre a eficiência como expressão da “renúncia da autonomia individual e reversão ao estado de ênfase nas formas sociais”. A violabilidade do direito, na argumentação de Birmingham, vincula-se estreitamente ao terreno da competição pelo maior acúmulo monetário. A soma destes acúmulos resulta no conceito de “realocação eficiente dos recursos comunitários” (BIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.: 284, tradução nossa). Isso significa que, quando “A” viola o contrato de forma eficiente, o ganho é social, e não meramente privado. Mesmo que “B” não receba o que foi prometido, desde que seja colocado na situação como se o contrato tivesse sido cumprido, também sairá ganhando, ao menos de acordo com o sentido de alocação de recursos atribuído pela perspectiva pragmática.

Aparece como consequência desta premissa a noção de violação deliberada do contrato. Aderindo aos pressupostos da racionalidade econômica, Birmingham busca apoio em um autor estadunidense a ele contemporâneo para sustentar que, “quanto mais deliberada a violação, maior a capacidade dele [do violador do contrato] ganhar” (MUELLER apudBIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.: 284, tradução nossa). A violação eficiente do direito tem por corolário o exercício da competição intercontratual: é um comando da visão eficientista do contrato que, para incrementar seus ganhos, os agentes econômicos devem constantemente deliberar se há mais ganhos em executá-los ou violá-los, ou seja, cumprir as promessas ou empreender novos arranjos contratuais.

Neste conjunto de relações, não cabe ao poder estatal interferir no arranjo objetivo de vontades entre as partes contratuais: “[p]enalizar tal ajuste pela sobrecompensação da parte inocente é desencorajar a realocação eficiente dos recursos da comunidade”. Além disso, a violação eficiente do contrato é funcional, na visão de Birmingham, não apenas para o incremento social dos ganhos, mas também para a elevação da “mobilidade de produtos essencial ao funcionamento próprio do mecanismo do mercado” (BIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.: 284-5, tradução nossa). Aqui estão sistematizados os principais elementos do conceito de violação eficiente do direito. A garantia da estrita equivalência contratual incumbida à organização estatal, sob o critério da eficiência no lugar da “ultrapassada” estabilidade, é sustentada como política de responsabilidade civil mais adequada aos “benefícios da livre empresa”. Trata-se, nitidamente, de um argumento desenvolvido sob certa preocupação com a reprodução do processo de valorização e, destarte, com a sustentação do modo de produção capitalista.

4 Posner, custos de oportunidade e a violação do direito como opção mercadológica

Em Economic Analysis of Law, obra pela primeira vez publicada em 1972, Richard Posner trata do conceito de violação eficiente do direito no momento dedicado a discutir remédios jurídicos a serem aplicados em casos de violação de contrato. Foi a partir desta abordagem que, segundo Gregory Klass (2014KLASS, Gregory. Efficient Breach. Georgetown Public Law Research Paper, n. 13, v. 18, p. 362-387, 2014.), a teoria da violação eficiente alcançou uma projeção considerável no cenário da doutrina contratual estadunidense.

No início do texto, Posner faz uma distinção introdutória entre as violações de contrato oportunistas e não oportunistas. O maior interesse de Posner está nesta segunda categoria, que se subdivide em voluntárias ou involuntárias. Em relação às violações voluntárias, o texto faz referência ao ditado de Holmes que vimos no item anterior, também referido como heresia holmesiana. Posner assim o complementa: “não faz parte da política do direito [policy of the law] compelir a aderência aos contratos, mas apenas exigir que a parte escolha entre agir de acordo com o contrato ou compensar a outra parte pelos danos resultantes de não fazê-lo” (POSNER, 1986POSNER, Richard A. Economic analysis of law. 3. Ed. Nova Iorque: Wolter Kluwer & Business, 1986.: 106, tradução nossa).

No texto, a regra geral dos remédios contratuais identificada como a mais eficiente é aquela em que a indenização é calculada com base na expectativa de lucro da vítima da violação, ou seja, a mesma regra da reparação integral observada no caso Robinson v. Harmon por Birmingham. Tal medida, prossegue, seria suficiente para “incentivar o cumprimento da promessa a não ser que isso resulte em um uso ineficiente de recursos”. E aqui entram os limites da atuação da organização estatal como objeto de preocupação de Posner. O que fazer diante de uma situação em que “uma parte é tentada a quebrar o contrato simplesmente porque o lucro com a violação excederia suas expectativas de lucro na conclusão do contrato”? Para o autor, se este ganho cobrir também as expectativas de lucro da vítima da violação, a violação deveria ser incentivada. O fundamento para o incentivo eficientista à violação do direito pelo Estado encontra-se sintetizado na seguinte argumentação:

Mas em alguns casos, uma parte pode ser tentada a quebrar o contrato simplesmente porque seu lucro na violação excederia a sua expectativa de lucro na realização do contrato. Se o seu lucro originado da violação também exceder o lucro esperado da outra parte na realização do contrato, e a indenização for limitada à perda desta expectativa de lucro, haverá um incentivo para que se cometa a violação. (POSNER, 1986POSNER, Richard A. Economic analysis of law. 3. Ed. Nova Iorque: Wolter Kluwer & Business, 1986.: 107, tradução nossa).

Desenvolvendo este raciocínio, o fato de um vendedor violar um contrato ao deixar de entregar um produto combinado, por exemplo, seria um indício de que “há outra transação que aumenta mais o valor do que a conclusão da venda”. Em relação a situações que seguem este mesmo padrão, Posner é enfático: “nós queremos encorajar a violação” (POSNER, 1986POSNER, Richard A. Economic analysis of law. 3. Ed. Nova Iorque: Wolter Kluwer & Business, 1986.: 118, tradução nossa). Já no limiar da década de 2010, esta argumentação foi retomada e apurada no artigo Let Us Never Blame a Contract Breaker, publicado em 2009, texto cujo desenvolvimento merece uma atenção maior de nossa parte.

O título da publicação é, por si só, bastante sugestivo. Nele, Posner realiza uma espécie de convite negativo ao leitor (“let us never”), desafiando a tradução à língua portuguesa. Em termos aproximativos, resultaria em algo como “nunca reprovemos um violador de contratos”. Já no início do texto, Posner apresente a seguinte tese: “conceitos de falta ou culpa, ao menos quando entendidos mais em termos morais do que transladados para termos econômicos ou outros termos práticos, não são acréscimos úteis à doutrina do direito contratual” (POSNER, 2009POSNER, Richard A. Let us never blame a contract breaker. Michigan Law Review, n. 107, p. 1349-1363, Michigan, 2009.: 1349, tradução nossa).

Assumindo que os arranjos contratuais constituem uma questão de barganha e que os custos desta barganha são sociais e não meramente privados, Posner argumenta que as violações de contrato eficientes deliberadas são eficientes - “efficient breaches are efficient” (POSNER, 2009POSNER, Richard A. Let us never blame a contract breaker. Michigan Law Review, n. 107, p. 1349-1363, Michigan, 2009.: 1353). Por trás da aparente tautologia, na mesma linha de sua exposição em Economic Analysis of Law, o autor pretende enfatizar que as violações eficientes do direito devem ser encorajadas pela organização estatal, uma vez que permitem uma alocação de recursos mais eficiente e, com isso, resultam na elevação do produto social.

Para desenvolver esse argumento, Posner retoma novamente a posição de Oliver Holmes, para o qual o contrato nada mais seria que “uma opção de executar ou pagar”. Com isso, a violação do contrato “não é um ato errado, mas meramente dispara o dever de pagar danos liquidados ou outros danos” (POSNER, 2009POSNER, Richard A. Let us never blame a contract breaker. Michigan Law Review, n. 107, p. 1349-1363, Michigan, 2009.: 1349, tradução nossa). As indicações de Holmes, entretanto, são bastante incipientes. É Posner que, em seu artigo, dá maior verticalidade à reflexão sobre a concepção do contrato como opção: “[d]esde que você pague os danos fixados pela corte no possível processo por quebra de contrato, [...] nenhuma reprovação [blame] pode ser atribuída a você pelo não cumprimento, mesmo que isso tenha sido deliberado” (POSNER, 2009: 1350, tradução nossa).

Olhando com atenção, podemos observar que Posner distingue a manifestação imediata do contrato - a forma como “o contrato é escrito” - e o que “realmente” ocorre no pagamento dos danos fixados. Em sua visão, ainda que o contrato seja escrito como dever-ser, apresenta-se aos contratantes como “opção” comprada pela parte contratante.12 12 Mais adiante, Posner chega a falar em uma “teoria contratual da opção [option theory of contract]” (POSNER, 2009, p. 1351). O pagamento da compensação fixada libera, juridicamente, o contratante da violação do contrato. Posner afasta o caráter normativo que se expressa nos instrumentos contratuais e coloca a questão em termos puramente mercadológicos: “quando você assina um contrato [...], você compra uma opção de executar a performance ou pagar danos” (POSNER, 2009POSNER, Richard A. Let us never blame a contract breaker. Michigan Law Review, n. 107, p. 1349-1363, Michigan, 2009.: 1350, tradução nossa). Neste particular, podemos caracterizar a perspectiva de Posner sobre o direito como adeontológica, ou seja, avessa à redução do fenômeno jurídico à sua aparente normatividade. E esse, estranhamente, é um ponto que se revela em comum com a crítica marxista ao direito.

A “adeontologicidade” é uma categoria proposta por Ricardo Pazello, a partir do estudo das críticas marxiana e marxista ao direito, para enfatizar “a refutação da tese de que o direito é um fenômeno da esfera do dever-ser cindida do ser das relações sociais”. O neologismo composto pela justaposição do modal “a” com expressão derivada da categoria “deontologia” se justifica na medida em que marca uma “característica negativa do direito” (PAZELLO, 2021PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito Insurgente: para uma crítica marxista ao direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.: 149). Na perspectiva do materialismo histórico, em síntese, as relações jurídicas operam no registro deôntico apenas em uma dimensão aparente, ocultando a realidade que na prática nega a discursividade normativa que abriga as relações materiais de produção social. O método da crítica marxista ao direito, com isso, consiste em negar a realidade parcial que o pensamento vê como verdade absoluta. Para enfatizar o caráter ôntico do direito, portanto, é necessário negar aquilo que se manifesta como realidade total e que, redutivamente, hegemoniza-se no pensamento jurídico dominante. Não basta dizer o que é, mas também negar aquilo que materialmente aparenta ser.

Semelhante perspectiva negativa da aparência deôntica do direito, embora celebratória da sociedade do capital em vez de a ela combativa, já aparecia, em alguma medida, nas representações da AED sobre o fenômeno da violação do direito que examinamos nos textos de Coase e Birmingham. Com Posner, entretanto, a ênfase no conceito de opção entre cumprir ou violar torna esta dimensão ainda mais nítida e ainda mais celebratória. Em seu argumento, o ato de deliberar é consequência de um cálculo econômico e, por isso, deve ser incentivado. Ao apresentar a pergunta “[o] que exatamente é uma violação ‘deliberada’ do direito?”, Posner argumenta que condutas eficientes devem ser incentivadas pelo Estado. Em um “caso comum de violação de contrato [em que] o custo da performance do réu excederia o benefício do demandante”, caberia ao Estado incentivar a violação. Caso contrário, “[c]ada parte estaria pressionando para maximizar sua parte no valor excedente [surplus value] que a violação tornaria disponível, e tal negociação seria custosa e poderia falhar”. A preocupação de Posner, porém, é com aquilo que ele entende por “social”: “[s]e falhasse, o excedente seria perdido, e este seria um custo social, e não meramente um custo privado” (POSNER, 2009POSNER, Richard A. Let us never blame a contract breaker. Michigan Law Review, n. 107, p. 1349-1363, Michigan, 2009.: 1353).

A partir desta base argumentativa, as violações involuntárias são identificadas como frequentemente ineficientes. O “custo de oportunidade”, nesse quadro, é uma categoria síntese de seu pensamento: é aquele em que a violação do direito aparece como situação mais vantajosa e deixa de ser praticada. Trata-se de um custo social, na medida em que não violar, neste caso, diminuiria a soma de ganhos sociais e resultaria em ineficiência (POSNER, 1986POSNER, Richard A. Economic analysis of law. 3. Ed. Nova Iorque: Wolter Kluwer & Business, 1986.; 1999). Tal argumento é resumido da seguinte forma: “[v]iolações involuntárias do direito geralmente são ineficientes: o promitente calculou mal [miscalculated] sua capacidade de cumprir [ability to comply] os termos contratados com os quais ele concordou” (POSNER, 2009: 1353, tradução nossa).

O amadurecimento da percepção da elegibilidade e da calculabilidade na violação do direito acaba aproximando a doutrina eficientista de abstrações com maior capacidade de revelar o movimento real do direito, uma vez que mais distante do fetichismo deontológico do fenômeno jurídico. Para a investigação da violação do direito, talvez esta mudança represente um movimento semelhante ao amadurecimento da teoria econômica fisiocrata para a teoria do valor-trabalho. Em ambos os casos, a teoria burguesa avança na produção de abstrações menos ingênuas da realidade, mas ao mesmo tempo cria uma série de outras confusões que ocultam a essência dos respectivos fenômenos em particular e, por extensão, do modo de produção capitalista em sua totalidade.

Considerações finais: para uma crítica marxista à violação do direito

Apesar de os debates sobre a teoria da violação eficiente do direito não se limitarem aos trabalhos selecionados para esta análise (cf. EISENBERG, 2004EISENBERG, Melvin. The Theory of Efficient Breach and the Theory of Efficient Termination. Berkeley University of California. Berkeley Program in Law and Economics: 2004. Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/0gq0n2gz. Acesso em 1 jun. 2018.
https://escholarship.org/uc/item/0gq0n2g...
; CRASWELL, 2001; KLASS, 2014KLASS, Gregory. Efficient Breach. Georgetown Public Law Research Paper, n. 13, v. 18, p. 362-387, 2014.; PERRI, 2017PERRI, Cláudia Haidamus. Aplicação da teoria do inadimplemento eficiente aos contratos nacionais. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.), tampouco terem sido abordadas críticas internas a tal (cf. MACNEIL, 1982MACNEIL, Ian R. Efficient breach of contract: Circles in the sky. Virginia Law Review, p. 947-969, 1982.; FRIEDMANN, 1989FRIEDMANN, Daniel. The efficient breach fallacy. The Journal of Legal Studies, v. 18, n. 1, p. 1-24, 1989.; SHAVELL, 2006SHAVELL, Steven. Is breach of contract immoral. Emory Law Review, v. 56, p. 439, 2006.), entendemos serem suficientes os argumentos que analisamos em Coase, Birmingham e Posner para uma compreensão inicial das bases gerais deste peculiar conceito.

Nesta abordagem, encontramos em formulações teóricas do campo da AED a abstração de objetivações materiais do fenômeno da violação do direito nas representações analisadas na construção da assim chamada teoria da violação eficiente do direito. A tarefa de “adentrar no território do inimigo” (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovitch. Teoria Geral do direito e marxismo. Tradução Paulo Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017.: 76), entretanto, não implicou aderir às suas concepções de mundo ou qualquer outra espécie de alheamento dos propósitos da crítica marxista. Em nosso caso, o campo da AED e sua característica sinceridade burguesa permaneceu e permanece causando reações de surpresa e espanto, sobretudo ao projetarmos os efeitos das aplicações práticas dos postulados analisados na realidade material. Assim como os métodos violentos de acumulação originária descritos por Marx (2017MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. Tradução Rubens Enderle. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2017.) no capítulo 24 d’O Capital, especialmente para as populações historicamente exploradas, não são nada idílicos os resultados práticos da violação do direito ocultados pelos postulados da eficiência econômica.

A violação eficiente do direito pode ser categorizada, a partir da crítica aos textos analisados, como fator de produção (Coase) baseado na mobilidade de mercadorias e na garantia da equivalência contratual (Birmingham), conferindo forma social à troca de quantidades desiguais e gerando a oposição entre valores excedentes acumuláveis e custos de oportunidade evitáveis (Posner). Entre a orientação pragmática à resolução de problemas e a pretensão de cientifizar a análise do direito com o empréstimo da linguagem econômica baseada na formalização matemática, essas formulações típicas da AED indicam que as relações de violação do direito não significam a negação do direito, mas, ao revés, a sua afirmação. De fato, na materialidade das relações de produção, são as relações intersubjetivas de troca decorrentes de fatos de violação, muito mais do que o direito petrificado em sua aparência normativa, que dão movimento real às relações jurídicas, objeto fundamental de investigação para a construção de uma crítica marxista à violação do direito.

Mais precisamente, o que se expressa nos textos de Coase, Birmingham e Posner são dois fundamentos do fenômeno jurídico que se condicionam mutuamente: (i) a calculabilidade da violação do contrato e (ii) o caráter adeontológico do fenômeno jurídico. Os fatos de violação eficiente de direito se manifestam, na visão pragmática destes autores, como resultado da prática de os contratantes calcularem sua capacidade de cumprimento. A calculabilidade entre as opções de cumprir ou descumprir o contrato, combinada com a pressão liberal para que o Estado não desencoraje este cálculo, afirma o caráter ôntico - ser, e não dever-ser - do direito.

Com isso, a violação eficiente do direito se manifesta não como uma representação puramente objetiva, como chega a mencionar Birmingham, mas como uma formulação próxima a uma expressão de certa economia política da segunda metade do século XX, eis que voltada a explicar a dinâmica das trocas mercantis e a “facilitar a competição” mediante o desenvolvimento de “controles jurídicos apropriados” a esse momento histórico, como o próprio autor contraditoriamente sustenta (BIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.: 283, tradução nossa). No fundo, o que está em jogo nestas discussões baseadas no critério da eficiência econômica é a construção de uma fundamentação política orientada à justificação de um conteúdo para o conceito de responsabilidade civil adequado à maximização da eficiência econômica.

Ao tratar do conceito de elegibilidade entre as opções de cumprir ou violar o contrato, identificando a eficiência como resultado do momento em que a doutrina contratual se move em direção à objetividade, Birmingham relaciona esse componente objetivo à liberdade de competição capitalista. Essa elegibilidade, em seguida, é encorajada pelo autor como forma de maximização do produto social. Posner, por sua vez, faz o mesmo com o conceito de cálculo de capacidade de cumprimento e, mais do que isso, chama a atenção ao custo de oportunidade implicado no cumprimento ineficiente como um custo social a ser evitado. Para ambos, quanto mais deliberada a violação do contrato, maiores as chances de o violador ganhar. E, se o violador ganhar sem a vítima perder, todos ganham. É esta a fórmula mágica em que se traduz a violação eficiente do direito.

O que Birmingham e Posner estão afirmando é que a violação eficiente do direito é uma questão de vontade, mas não de vontade irracional das partes. A eficiência da juridicidade está na deliberação entre as opções de cumprir ou violar, ou seja, no cálculo de oportunidades entre as infinitas possibilidades de “rearranjo de direitos”, para utilizar expressão de Coase (1960COASE, Ronald. The problem of social cost, The Journal of Law & Economics, Estados Unidos da América, Chicago, v. 3, out. 1960, p. 1-44.: 3, tradução nossa). Se a adeontologicidade do direito se mostra em sua face mais friamente calculista pelas tintas do pragmatismo econômico característico da AED, a arbitrariedade nas mãos do violador eficiente do direito nos remete a uma incisiva passagem de Teoria Geral do Direito e Marxismo:

A relação jurídica não pressupõe por sua própria “natureza” um estado de paz, assim como o comércio, a princípio, não exclui o assalto à mão armada, mas anda de mãos dadas com ele. Direito e arbítrio - conceitos que poderiam parecer opostos - estão, na verdade, estreitamente ligados. Isso é válido não apenas para o antigo direito romano, mas também para épocas mais recentes. [...] Marx elaborou de modo ainda mais preciso: “o direito do mais forte também é um direito”. Não há nada de paradoxal nisso, pois o direito, assim como a troca, é um meio de ligação entre elementos dissociados. (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovitch. Teoria Geral do direito e marxismo. Tradução Paulo Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017.: 139).

Por falar em Pachukanis, para uma crítica marxista à violação do direito, tomando os direitos subjetivos como “fatores de produção”, como parece ter identificado Coase (1960COASE, Ronald. The problem of social cost, The Journal of Law & Economics, Estados Unidos da América, Chicago, v. 3, out. 1960, p. 1-44.: 44, tradução nossa) com sincera precisão, outra problemática que se impõe a ser enfrentada é a aplicabilidade do conceito de violação eficiente do direito em direção a uma forma geral da violação do direito, ou seja, também às relações jurídicas entre partes não contratantes, como em violações de direitos subjetivos ou violações de normas legais.

Na medida em que a violação do direito, em sua generalidade, assume a forma contratual como uma variante particular de circulação (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovitch. Teoria Geral do direito e marxismo. Tradução Paulo Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017.), se a violação da promessa contratual aparece como um custo de oportunidade às unidades produtivas na formulação posneriana, aparentemente o mesmo ocorre com a violação de normas legais (sejam elas administrativas, tributárias, trabalhistas, penais ou socioambientais) e com a violação de direitos subjetivos.13 13 Para uma interpretação sobre a teorização da forma geral da violação do direito na obra pachukaniana, cf. Uchimura (2018). É essa a forma social que garante, no limite, a precificação do valor de uma vida interrompida por um massacre, por um acidente de trabalho ou por um desastre tecnológico. Eis a violabilidade como outra face da relacionalidade na caracterização marxista do fenômeno jurídico. Como agenda de pesquisa consequente ao aprofundamento da crítica marxista ao direito, aponta-se assim para a investigação e a verificação de expressões materiais da violação eficiente do direito em concreto, bem como às implicações dessa forma social às lutas sociais caracterizadas como lutas por direitos.

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    » https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/29913.
  • 1
    Nos trabalhos brasileiros identificados, encontramos com maior frequência a tradução “inadimplemento eficiente” (PERRI, 2017PERRI, Cláudia Haidamus. Aplicação da teoria do inadimplemento eficiente aos contratos nacionais. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.) para a expressão “efficient breach”, também havendo quem opte por “rompimento eficiente” (IOLOVITCH, 2016IOLOVITCH, Marcos Brossard. Efficient breach theory - a análise do rompimento eficiente dos contratos empresariais à luz da legislação brasileira e da Law and Economics. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.), “descumprimento eficiente” (RIBAS, 2016RIBAS, Juliana Rodrigues. Direito, economia e organizações: uma análise dos deveres de proteção e diligência nos contratos de trabalho. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.) e “violação eficiente” (BONNA, 2015BONNA, Alexandre Pereira. Danos em massa e os punitive damages. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.). De nossa parte, entendemos que a tradução mais adequada é essa última. A consulta a dicionário especializado apontou como traduções preferenciais para o substantivo “breach” as palavras descumprimento, infração, violação e inadimplemento, e para o verbo “breach” a palavra violar (CASTRO, 2013CASTRO, Marcílio Moreira de. Dicionário de Direito, Economia e Contabilidade: Inglês-Português / Português-Inglês. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.). Entendemos que “violação” é a expressão com maior capacidade de abranger traduções para as expressões vão desde “breach of contract” (violação do contrato) até “breach of law” (violação do direito), expressões que aparecem nos textos que serão analisados. Nas situações em que a palavra breach aparece sem predicativo, traduziremos por violação do direito, evitando ambiguidades que, em nossa língua, outras noções ligadas ao ato de violar poderiam ocasionar.
  • 2
    Para aprofundamentos sobre a crítica pachukaniana à obra de Maurice Hauriou, cf. Bjarne Melkevik (2016MELKEVIK, Bjarne. Pachukanis: uma leitura marxista de Maurice Hauriou. Tradução Ricardo Prestes Pazello. InSURgência: revista de direitos e movimentos sociais, Brasília, v. 2, n. 1, 2016, p. 480-488.).
  • 3
    A este respeito, vale lembrar a seguinte passagem de A Ideologia Alemã: “As ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação. Os indivíduos que compõem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência [...]”. (MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). Tradução Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 47).
  • 4
    Para uma explanação desta caracterização, cf. Uchimura (2018UCHIMURA, Guilherme Cavicchioli; LIMA, Iara Vigo de. Direito, violação e tecnicidade: a Análise Econômica do Direito nas concepções de Coase e Brown. Revista Direito e Práxis, v. 9, n. 4, p. 2143-2170, 2018. DOI: 10.1590/2179-8966/2018/29913.
    https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/2...
    ).
  • 5
    Tradução nossa para The Problem of Social Cost.
  • 6
    Para uma análise sobre a abordagem de Coase como como manifestação histórica da concepção instrumental da violação de normas jurídicas, cf. Uchimura e Lima (2018UCHIMURA, Guilherme Cavicchioli; LIMA, Iara Vigo de. Direito, violação e tecnicidade: a Análise Econômica do Direito nas concepções de Coase e Brown. Revista Direito e Práxis, v. 9, n. 4, p. 2143-2170, 2018. DOI: 10.1590/2179-8966/2018/29913.
    https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/2...
    ).
  • 7
    Tradução nossa para Breach of Contract, Damage Measures, and Economic Efficiency . Segundo Cláudia Perri (2016), trata-se da primeira vez que o conceito efficient breach foi utilizada no campo jurídico. Anos mais tarde, com o uso da expressão “theory of efficient breach” (GOETZ; SCOT, 1977GOETZ, Charles J.; SCOTT, Robert E. Liquidated damages, penalties and the just compensation principle: Some notes on an enforcement model and a theory of efficient breach. Columbia Law Review, v. 77, n. 4, p. 554-594, 1977.), pela primeira vez se falou em uma teoria da violação eficiente do direito - termo que passou a ser mais difundido na literatura da doutrina contratual estadunidense.
  • 8
    Para expor este ponto de vista, o autor faz uso da seguinte citação: “O contrato, neste ponto de vista, é o mecanismo jurídico apropriado para um sistema econômico baseado nas livres trocas em comparação com a tradição e o costume ou o comando de distribuição de recursos” (KESSLER; SHARP citados por BIRMINGHAM, 1970BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292., p. 274, nota 3, tradução nossa).
  • 9
    Em relação ao ótimo de Pareto, é necessário observamos algumas ressalvas. Este conceito muitas vezes é defendido com base na seguinte retórica: se ninguém perde, como poderia alguém ser contra? Porém, o que está escondido por trás da aparente defesa do bem coletivo nesta pergunta é que - ao menos na argumentação de Birmingham que analisamos - este perde-ganha se reduz absolutamente ao jogo do acúmulo de capital sob a forma dinheiro, e este não é um jogo que está no horizonte da absoluta maioria da população global explorada e não proprietária. O que a crítica marxista revela, pelo contrário, é o óbvio: este “ganho”, evidentemente, não nasce do fato da violação contratual, mas em algum lugar do circuito da produção na exploração de um ser humano pelo outro.
  • 10
    Expressão utilizada por Marx em “Na sociedade burguesa, predomina a fictio juris [ficção jurídica] de que todo homem possui, como comprador de mercadorias, um conhecimento enciclopédico sobre elas” (MARX, 2017MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. Tradução Rubens Enderle. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 114, nota 5).
  • 11
    A questão é tratada por Pachukanis na seguinte passagem: “Um direito absolutamente estável, em geral, não existe na natureza; por outro lado, a estabilidade das relações de direito privado no Estado burguês moderno ‘bem construído’ não se apoia de nenhum modo unicamente na polícia e nos tribunais. As dívidas não são saldadas apenas porque seriam ‘saldadas de qualquer maneira’, mas para que o crédito seja conservado no futuro. É evidente o efeito prático que, no mundo dos ‘negócios’, existe na forma do protesto de notas promissórias.” (PACHUKANIS, 2017PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovitch. Teoria Geral do direito e marxismo. Tradução Paulo Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 100, nota 8).
  • 12
    Mais adiante, Posner chega a falar em uma “teoria contratual da opção [option theory of contract]” (POSNER, 2009POSNER, Richard A. Let us never blame a contract breaker. Michigan Law Review, n. 107, p. 1349-1363, Michigan, 2009., p. 1351).
  • 13
    Para uma interpretação sobre a teorização da forma geral da violação do direito na obra pachukaniana, cf. Uchimura (2018UCHIMURA, Guilherme Cavicchioli; LIMA, Iara Vigo de. Direito, violação e tecnicidade: a Análise Econômica do Direito nas concepções de Coase e Brown. Revista Direito e Práxis, v. 9, n. 4, p. 2143-2170, 2018. DOI: 10.1590/2179-8966/2018/29913.
    https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/2...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Aceito
    30 Set 2021
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