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REDE DE DELIVERY DE COMIDA E SEUS ATORES: PRÁTICAS DE CONSUMO E DE MERCADO

FOOD DELIVERY NETWORK AND ITS ACTORS: CONSUMPTION AND MARKET PRACTICES

LA RED DE DISTRIBUCIÓN DE ALIMENTOS Y SUS ACTORES: PRÁCTICAS DE CONSUMO Y MERCADO

RESUMO

O objetivo deste trabalho é compreender como práticas de consumo e de mercados são instituídas e moldadas a partir da mediação de aplicativos de serviços de entrega de comidas que operam em rede. Como fundamentação teórica, foram adotadas as abordagens de práticas de consumo e de mercados (Estudos de Mercado Construtivistas - EMC), articuladas com a teoria ator-rede e a digitalização. A pesquisa é de natureza qualitativa e foi realizada por meio de um estudo de caso na rede de delivery de comidas. Os resultados apresentados foram obtidos a partir da análise temática dos dados e evidenciaram que para compreender as mudanças que recaem em um ator, é preciso compreender os demais atores e as transformações que sofreram e provocaram. Notou-se como o processo de digitalização provocou mudanças na constituição do ator não humano, que, por sua vez, reestruturou os modos como ocorrem as translações na rede investigada. Além disso, a articulação de práticas de consumo e de mercado contribuem para a ampliação do escopo teórico adotada nesta pesquisa, uma vez que para a compreensão de uma determinada rede, deve-se conhecer seus atores e suas práticas como um todo.

Palavras-chave:
Práticas de consumo; Práticas de mercado; Teoria ator-rede; Aplicativos de delivery; Digitalização.

The aim of this paper is to understand how practices of consumption and markets are instituted and shaped through the mediation of networked food delivery service apps.As a theoretical background, the approaches of consumer and market practices (Constructivist Market Studies - CME), articulated with actor-network theory and digitalization, were adopted.The research is qualitative in nature and was conducted through a case study in the food delivery network. The results presented were obtained from the thematic analysis of the data and showed that to understand the changes that fall on an actor, it is necessary to understand the other actors and the transformations they suffered and caused.It was noted how the digitalization process caused changes in the constitution of the non-human actor, which, in turn, restructured the ways in which translations occur in the investigated network. Moreover, the articulation of consumption and market practices contribute to the expansion of the theoretical scope adopted in this research, since to understand a given network, one must know its actors and their practices as a whole.

Keywords:
Consumption practices; Market practices; Actor-network theory; Delivery apps; Digitalization.


El objetivo de este artículo es comprender cómo se instituyen y configuran las prácticas de consumo y los mercados a través de la mediación de las aplicaciones de servicios de entrega de alimentos en red.Como fundamento teórico, se adoptaron los enfoques de prácticas de consumo y mercados (Constructivist Market Studies - CME), articulados con la teoría del actor-red y la digitalización. La investigación es de carácter cualitativo y se llevó a cabo mediante un estudio de casos en la red de distribución de alimentos.Los resultados presentados se obtuvieron a partir del análisis temático de los datos y evidenciaron que para entender los cambios que recaen sobre un actor, es necesario entender a los demás actores y las transformaciones que sufrieron y provocaron. Se observó cómo el proceso de digitalización provocó cambios en la constitución del actor no humano, lo que, a su vez, reestructuró las formas en que se producen las traducciones en la red investigada. Además, la articulación de las prácticas de consumo y de mercado contribuye a ampliar el ámbito teórico adoptado en esta investigación, ya que para entender una determinada red hay que conocer a sus actores y prácticas en su conjunto.

Palabras clave:
Prácticas de consumo; Prácticas de mercado; Teoría del actor-red; Aplicaciones de entrega; La digitalización.


INTRODUÇÃO

O foco nesta pesquisa é o processo em que aplicativosdigitais são utilizados e as práticas dos atores que operam em determinada rede(COCHOY et al., 2017COCHOY, F. et al. Digitalizing consumption: introduction. In: ______ (Eds.). Digitalizing consumption: how devices shape consumer culture, p. 1-19. London: Sage 2017.). Entender as influências provocadas pelo uso dos aplicativos digitais reforça as mudanças decorrentes da digitalização do consumo e permite explorar como dispositivos de mercado contribuem para tais mudanças entre atores em uma determinada rede.

Alguns estudos recentes evidenciam esse processo de digitalização do mercado, como Hagberg, Sundstrom e Egels-Zandén (2016)HAGBERG, J.; SUNDSTROM, M.; EGELS-ZANDÉN, N. The digitalization of retailing: an exploratory framework. International Journal of Retail & Distribution Management, v. 44, n. 7, p. 694-712, 2016., Hagberg (2016)HAGBERG, J. Agencing practices: a historical exploration of shopping bags. Consumption Markets & Culture, v. 19, n. 1, p. 111-132, 2016., Cochoy et al. (2017)COCHOY, F. et al. Digitalizing consumption: introduction. In: ______ (Eds.). Digitalizing consumption: how devices shape consumer culture, p. 1-19. London: Sage 2017. e Fuentes, Bäckström e Svingstedt (2017)FUENTES, C.; BÄCKSTRÖM, K.; SVINGSTEDT, A. Smartphones and the reconfiguration of retailscapes: Stores, shopping, and digitalization. Journal of Retailing and Consumer Services, v. 39, p. 270-278, 2017.. A compreensão de todo esse processo de digitalização requer a análise de práticas dos atores envolvidos, os enquadramentos de mercado, suas estruturas e outros. Isso porque o consumo envolve a relação entre humanos e produtos/serviços, podendo ser atribuído como interobjetividade (LATOUR, 1996LATOUR, B. On Interobjectivity. Mind, Culture, and Activity: An International Journal, v. 3, n. 4, p. 228-245, 1996.).Já os mercados, são constituídos por diferentes atores, inclusive os objetos de mercado e os dispositivos (GEIGER; KJELLBERG; SPENCER, 2012GEIGER, S.; KJELLBERG, H.; SPENCER, R. Shaping exchanges, building markets. Consumption Markets and Culture, v. 15, n. 2, p. 133-147, 2012.). No entanto, muitos estudos, nesta disciplina, negligenciam a questão da interobjetividade, focando mais na intersubjetividade (COCHOY, 2009COCHOY, F. Driving a shopping cart from STS to business, and the other way round: on the introduction of shopping carts in American grocery stores (1936-1959). Organization, v. 16, n. 1, p. 31-55, 2009.).

Para tanto, a base teórica deste trabalho está construída a partir de uma combinação entre estudos de práticas de consumo e de mercado (Estudos de Mercado Construtivistas - EMC). Para complementar, é lançado mão dos conceitos e pressupostos da teoria ator-rede (TAR). Isso porque a TAR possibilita compreender os atores além do ator humano (LUGOSI; QUINTON, 2018LUGOSI, P.; QUINTON, S. More-than-human netnography. Journal of Marketing Management, v. 34, n. 3-4, p. 287-313, 2018.), uma vez que está alinhada às ontologias orientadas ao objeto e fornece subsídios para compreender entidades não humanas que reconfiguram quem os atores são e oque eles fazem (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.). Além disso, permite ampliar o que é a pesquisa de consumo, indo para além de estudar somente o consumidor (COCHOY; MALLARD, 2018COCHOY, F.; MALLARD, A. Another consumer culture Theory. An ANT look at consumption, or how “Market-things” help “cultivate” consumers. In: O. KRAVETS, O.; P. MACLARAN, P.; S. MILES, S.; VENKATESH, A. (Eds.). The Sage handbook of consumer culture. London: Sage Publications, p. 384-403, 2018.).Essa articulação teórica foi assim pensada com o propósito de mostrar como as pesquisas de práticas de consumo e de mercado podem aproveitar a relação entre homem e objeto. Os aspectos da materialidade nas práticas de consumo são importantes para as práticas de mercado e vice-versa.

Os dispositivos de mercado constituem as práticas de consumo e de mercado (HAGBERG, 2016HAGBERG, J. Agencing practices: a historical exploration of shopping bags. Consumption Markets & Culture, v. 19, n. 1, p. 111-132, 2016.), e, aqui, destaca-se o processo de digitalização do consumo que envolve dispositivos digitais, mais especificamente, os aplicativos. Essa evolução digital enquadra um reconhecimento do papel que a materialidade e a tecnologia desempenham nas práticas de consumo e de mercado. Além disso, novos dispositivos de mercado estão relacionados à inovações de mercado, que alteram relações e influenciam de forma direta os atores deste mesmo mercado (COCHOY et al., 2020COCHOY, F. et al. Digitalizing consumer society: equipment and devices of digital consumption. Journal of Cultural Economy, v. 13, n. 1, 1-11, 2020.). O atual processo de digitalização abre margens para novas práticas de consumo e de mercado, sendo que estas últimas são possibilitadas pelas tecnologias dos aplicativos digitais.

Os aplicativos digitais são usados por consumidores em suas práticas de consumo, como, por exemplo, ferramentas de pagamento, provedores de informações, lojas virtuais, redes sociais, solicitação e contração de serviços. Como implicações, o uso desses dispositivos contribui para formatar novas identidades de consumo, provocando o desenvolvimento de novas culturas de consumo (COCHOY et al., 2017COCHOY, F. et al. Digitalizing consumption: introduction. In: ______ (Eds.). Digitalizing consumption: how devices shape consumer culture, p. 1-19. London: Sage 2017.). A transformação desses aplicativos digitais instiga a repensar a compreensão de escolha do consumidor, sua percepção, suas práticas, suas subjetividades e suas comunidades, tanto quanto as estruturas de mercado, práticas de mercado e inovação (COCHOY et al., 2017COCHOY, F. et al. Digitalizing consumption: introduction. In: ______ (Eds.). Digitalizing consumption: how devices shape consumer culture, p. 1-19. London: Sage 2017.).

Já não é de se surpreender mais com as diversas mudanças que ocorreram e estão ocorrendo no mercado e nas práticas de consumo por meio do uso dos aplicativos. Instalados em celulares de modelos smartphones, os aplicativos não são somente utilizados para compra de algo, mas em diferentes práticas cotidianas de seus usuários.

É preciso ter em mente, contudo, que o acesso a esses aplicativos - entendidos como softwares - é possibilitado, em sua maioria, por meio da sua instalação em um dispositivo físico - o hardware-, como, por exemplo, o celular smartphone. Há uma década os números de acessos e consumo por meio de telas já eram expressivos. Em 2012, 90% de todas as interações de consumo, em nível global, aconteceram por meio de telas, considerando televisões, tablets, smartphone e notebooks. Além do tempo de uso durante o trabalho, foi registrado que a média diária de tempo em frente às telas era de 4 horas.

Atualmente, conforme informações do relatório DataReportal (2021) com dados até janeiro de 2021, considerando a população mundial de 7,83 bilhões, mais de 5 bilhões possuem celulares, mais de 4,6 bilhões utilizam a internet, mais de 4 bilhões são usuários ativos em redes sociais e as utilizam por meio de celulares4 4 O número de usuários em redes sociais pode não representar um único indivíduo. Isso ocorre devido ao fato de algumas contas representarem empresas, animais, lugares e outros. . O tempo de uso diário de celulares é de 4 horas e 10 minutos, 92% do tempo de uso é em aplicativos e os outros 8% no buscador da internet. Ao longo dos últimos anos, o celular passou a ser a primeira tela. Em outras palavras, é o dispositivo mais utilizado em comparação com tablets, notebooks e televisões, tanto é que o maior tráfego da internet ocorre por meio dos celulares, representando 55,7%5 5 O restante do tráfego ocorre com a seguinte distribuição: 41,4% notebooks e computadores; 2,8% tablets; e 0,07% outros dispositivos. do total (DATAREPORTAL, 2021DATAREPORTAL. Digital 2021: Brazil, 2021. Disponível em: <https://datareportal.com/reports/digital-2021-brazil>. Acesso em: 2 jul. 2021.
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).

No território brasileiro, considerando a população de 211 milhões, os números de aparelhos smartphones já superaram o número de habitantes; há no Brasil mais de um smartphone por habitante. De acordo com Meirelles (2021)MEIRELLES, F. S. Pesquisa Anual do FGVcia. Uso da TI-Tecnologia da Informação nas Empresas. Fundação Getúlio Vargas, 2021., em junho de 2021 havia 242 milhões de smartphones em uso no Brasil. O número chega a 346 milhões de dispositivos portáteis se adicionarmos notebooks e tablets. Esses indicadores representam 1,6 dispositivo portátil por habitante (MEIRELLES, 2021MEIRELLES, F. S. Pesquisa Anual do FGVcia. Uso da TI-Tecnologia da Informação nas Empresas. Fundação Getúlio Vargas, 2021.).

Com a difusão da tecnologia digital, diferentes setores da sociedade e da economia foram e são transformados (RAVENELLE, 2020RAVENELLE, A. J. Digitalization and the hybridization of markets and circuits in Airbnb. Consumption Markets & Culture, v. 23, n. 2, p. 154-173, 2020.). Os telefones celulares smartphones tornaram-se tendência no que diz respeito à comunicação móvel (DOGRUEL; JOECKEL; BOWMAN, 2015DOGRUEL, L.; JOECKEL, S.; BOWMAN, N. D. Choosing the right app: an exploratory perspective on heuristic decision processes for smartphone app selection. Mobile Media and Communication, v. 3, n. 1, p. 125-144, 2015.). Característica dos smartphones é o uso de aplicativos, que transformam o telefone móvel, que passa de um dispositivo de comunicação para um computador pessoal inteligente, com inúmeras funções (DOGRUEL; JOECKEL; BOWMAN, 2015DOGRUEL, L.; JOECKEL, S.; BOWMAN, N. D. Choosing the right app: an exploratory perspective on heuristic decision processes for smartphone app selection. Mobile Media and Communication, v. 3, n. 1, p. 125-144, 2015.; WANG;PARK; FESENMAIER,2012WANG, D.; PARK, S.; FESENMAIER, D. R. The role of smartphones in mediating the touristic experience. Journal of Travel Research, v. 51, n. 4, p. 371-387, 2012.).O aumento da capacidade desses celulares permite a instalação de diversos aplicativos, ampliando a sua funcionalidade, por meio de ferramentas de busca, redes sociais e navegação (WANG;PARK; FESENMAIER, 2012WANG, D.; PARK, S.; FESENMAIER, D. R. The role of smartphones in mediating the touristic experience. Journal of Travel Research, v. 51, n. 4, p. 371-387, 2012.).

Nesse cenário, identificou-se uma prática comum do cotidiano ao consumo e ao mercado: o pedido de comidas por delivery, que estão atrelados aos aplicativos digitais de serviços de entrega de comida. Em convergência com os dados apresentados anteriormente sobre a difusão dos aplicativos digitais por meio dos telefones celulares smartphonese o acesso à internet, destaca-se o crescimento exponencial do uso dos aplicativos de serviços de entrega de comida. Segundo dados do relatório do Instituto Foodservice Brasil (IFB) constantes em estudo divulgado por Moura e Estarque (2019)MOURA, J.; ESTARQUE, M. Boom de delivery por app fomenta restaurantes virtuais e coworking de cozinha, 2019. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/uber-eats-fomenta-coworking-de-cozinha-e-restaurantes-digitais.shtml>. Acesso em: 17 out. 2019.
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, dentre os aplicativos desse tipo de serviço disponíveis para download no Brasil, o mais popular teve o número de pedidos dobrados em um período de um ano. Até julho de 2019 foram registrados cerca de 20 milhões de pedidos contra 8,5 milhões no mesmo mês de 2018. Além disso, no mesmo período de análise, aproximadamente 50 mil restaurantes estavam cadastrados e 100 mil no ano de 2019 (MOURA; ESTARQUE, 2019MOURA, J.; ESTARQUE, M. Boom de delivery por app fomenta restaurantes virtuais e coworking de cozinha, 2019. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/09/uber-eats-fomenta-coworking-de-cozinha-e-restaurantes-digitais.shtml>. Acesso em: 17 out. 2019.
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). Considerando o ano de 2020 e seu contexto de pandemia global, fator que contribuiu para crescimento exponencial dos números, o Brasil é o país da América Latina com o maior crescimento de delivery de comidas, abrangendo 51% do mercado latino. Os demais países com participação significativa neste mercado foram México e Argentina, com 27,07% e 11,85%, respectivamente (STATISTA, 2021STATISTA. Restaurant food delivery growth in selected countries worldwide between 2019 and 2020, 2021. Disponível em: <https://www.statista.com/statistics/1238889/restaurant-food-delivery-growth-in-selected-countries-worldwide>. Acesso em 22 set. 2021.
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).

Em vista de tudo o que foi apresentado até aqui, há um caminho ainda a ser percorrido no que tange à interseção entre práticas de consumo e de mercado, enfatizando o papel dos dispositivos de tecnologia digital nesta abordagem. Ao invés de focar em uma prática específica, lança-se luz para um ator não humano, que por meio de sua mediação com outros atores de uma mesma rede, provoca desdobramentos em diferentes práticas, contribuindo para suas transformações, ao mesmo tempo em que também é transformado ao longo do tempo. Além disso, devido ao fato de os mercados não seguirem uma estrutura pré-estabelecida, envolvem diferentes atores, com suas habilidades e dispositivos materiais. É nesse sentido que a TAR permite dar atenção para diferentes emaranhados de coisas no processo do consumo e explorar a complexidade das relações em rede de todo esse processo (COCHOY; MALLARD, 2018COCHOY, F.; MALLARD, A. Another consumer culture Theory. An ANT look at consumption, or how “Market-things” help “cultivate” consumers. In: O. KRAVETS, O.; P. MACLARAN, P.; S. MILES, S.; VENKATESH, A. (Eds.). The Sage handbook of consumer culture. London: Sage Publications, p. 384-403, 2018.).

De modo geral, o entendimento na natureza dos objetos e suas capacidades de agência possibilita analisar diferentes perspectivas, posto que abre novos caminhos para questões sobre lógica de mercado e estratégias de marketing. Seguindo a lógica de Latour (2012)LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012. e Callon (1986)CALLON, M. The sociology of an actor-network: the case of the electric vehicle. In: CALLON, M.; RIP, A.; LAW, J. (Eds.). Mapping the dynamics of science and technology: sociology of science in the real world Palgrave Macmillan, p. 19-34, 1986. ao examinar a agência dos atores não humanos, compreende-se sua relação com os consumidores e outros atores. Isso é ir para além das fronteiras que limitam os estudos dentro da dinâmica da inovação e explorar outras implicações e contribuições que envolvem a materialidade em estudos de práticas de consumo e mercados. Dessa forma, definiu-se o objetivo de compreender como práticas de consumo e de mercados e como são instituídas e moldadas a partir da mediação de aplicativos de serviços de entrega de comidas que operam em rede.

As contribuições deste trabalho repousam, no primeiro momento, em aspectos teóricos, ao destacar: i) como práticas de consumo e de mercado estão profundamente entrelaçadas entre si, especialmente quando se trata de suas mediações por dispositivos digitais; e ii) como a característica do ator não humano atua na reformatação de uma determinada rede. No segundo momento, também apresenta contribuições que versam sobre o processo de digitalização, ao afirmar a digitalização como um processo que impulsiona a simetria entre os atores da rede. Em termos gerenciais, no terceiro momento, contribui na compreensão de como os aplicativos digitais podem ser rentáveis e lucrativos para cidades de pequeno porte e interioranas.

1 BASE TEÓRICA

A ideia de um processo de digitalização das práticas de consumo e mercados representa uma transformação quanto ao que já existia em relação a atores, processos, práticas e dispositivos (HAGBERG; SUNDSTROM; EGELS-ZANDÉN,2016HAGBERG, J.; SUNDSTROM, M.; EGELS-ZANDÉN, N. The digitalization of retailing: an exploratory framework. International Journal of Retail & Distribution Management, v. 44, n. 7, p. 694-712, 2016.). Como consequência dessa transformação, novos produtos e serviços surgiram no mercado. Ocorreu uma transformação do analógico para o digital, conforme exemplo citado por Hagberg, Sundstrom e Egels-Zandén (2016)HAGBERG, J.; SUNDSTROM, M.; EGELS-ZANDÉN, N. The digitalization of retailing: an exploratory framework. International Journal of Retail & Distribution Management, v. 44, n. 7, p. 694-712, 2016., como o aumento dos caixas eletrônicos e a facilitação de novas formas de criação de valor, assim como a acessibilidade, a disponibilidade e a transparência, segundo observado por Amit e Zott (2001)AMIT, R.; ZOTT, C. Value creation in e-business. Strategic Management Journal, v. 22, p. 493-520, 2001..

Com efeito, a utilização desse termo - digitalização - remete a um processo e é nesse sentido que esta pesquisa é desenvolvida. Além disso, ressaltam-se dois aspectos quanto a essa compreensão. Primeiro, o olhar para esse processo possibilita apreender a rede como um todo, tanto na demanda como na oferta, ampliando as fronteiras dos estudos de práticas que focam, especialmente, no consumidor e em suas práticas ou em um determinado ator da rede (COCHOY et al., 2017COCHOY, F. et al. Digitalizing consumption: introduction. In: ______ (Eds.). Digitalizing consumption: how devices shape consumer culture, p. 1-19. London: Sage 2017.). Segundo, compreender a digitalização e não o digital significa que é um processo que está em contínua transformação, não tem um início objetivamente determinado, tanto menos o seu fim(FORS, 2009FORS, A. C. The beauty of the beast: the matter of meaning in digitalization. AI and Society, v. 25, n. 1, 27-33, 2009.; HAGBERG; SUNDSTROM; EGELS-ZANDÉN, 2016HAGBERG, J.; SUNDSTROM, M.; EGELS-ZANDÉN, N. The digitalization of retailing: an exploratory framework. International Journal of Retail & Distribution Management, v. 44, n. 7, p. 694-712, 2016.).

Ao pensar nos anos 1990, por exemplo, pouquíssimas pessoas diriam que situações cotidianas poderiam ser acompanhadas em tempo real e em escala global (FORS, 2009FORS, A. C. The beauty of the beast: the matter of meaning in digitalization. AI and Society, v. 25, n. 1, 27-33, 2009.). Entretanto, atualmente não é nada inusitado ver pessoas se socializando por meio das mídias sociais, caminhando e olhando para uma tela de celular, experimentando uma realidade virtual, pesquisando e comprando virtualmente, dentre outras práticas. Mas, para todas essas práticas serem desempenhadas, há a inter-relação com um dispositivo, especialmente os aplicativos digitais instalados em smartphones.

Desde a última década, diferentes aplicativos foram criados em várias categorias, sejam relacionadas à logística, transporte, reservas de hospedagens, solicitação de serviços domésticos, entregas de refeições e tantos outros.Tais aplicativos surgem das categorias de tecnologias smart, que facilitam a tomada de decisão dos consumidores, assim como moldam suas práticas de consumo (BALAJI; ROY, 2017BALAJI, M. S.; ROY, S. K. Value co-creation with Internet of things technology in the retail industry. Journal of Marketing Management, v. 33, n. 1-2, p. 7-31, 2017.). O conceito de smart refere-se ao uso da tecnologia que se faz presente em dispositivos eletrônicos ou sistemas que podem ser conectados à internet e usados de forma interativa(FOROUDI et al., 2017FOROUDI, P. et al. Investigating the effects of smart technology on customer dynamics and customer experience. Computers in Human Behavior, v. 80, p.271-282, 2017.), assim como os smartphones, que são os dispositivos físicos por meio dos quais os aplicativos, como dispositivos digitais, são operacionalizados. A digitalização do consumo passa pelos smartphones, que estão mudando a forma como se consome atualmente (FUENTES, 2019FUENTES, C. Smart consumers come undone: breakdowns in the process of digital agencing. Journal of Marketing Management, v. 35, n. 15-16, p. 1542-1562, 2019.). É o que Fuentes (2019)FUENTES, C. Smart consumers come undone: breakdowns in the process of digital agencing. Journal of Marketing Management, v. 35, n. 15-16, p. 1542-1562, 2019. chama a atenção por defender que essa digitalização provoca novos tipos de atores de mercado, resultado de um conjunto de processos tecnológicos e culturais que levam a hibridização dos atores com os dispositivos smart.

Em uma sociedade de grande difusão tecnológica e da digitalização de práticas de consumo e de mercados, a TAR encontrou-se em condições de terreno fértil (WILKINSON, 2004WILKINSON, J. Redes, convenções e economia política: de atrito à convivência. In: Encontro Anual Da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa Em Ciências Sociais, 28, 2004. Caxambu. Anais, Seminário Temático" Análise Sociológica dos Fenômenos Econômicos. Caxambu-MG, p. 1-32, 2004.). Em razão disso, e sua evolução como abordagem teórica e metodológica, diferentes pesquisadores tornaram-se adeptos de estudos na área da ciência e tecnologia (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.). Além disso, ao trabalhar a partir de uma perspectiva de rede com os atores humanos e não humanos, há um caminho oportuno para a compreensão sobre como ocorrem mudanças e translações6 6 O conceito de translação é compreendido como uma ação, por meio da qual um ator move outro em um caminho a partir de sua posição e objetivo original, levando-o a uma posição diferente ou para outros objetivos. Por isso, refere-se aos movimentos dos atores, que ocorrem na rede em relação às transformações nos arranjos de atores humanos e não humanos. Tais movimentos emergem dos interesses e das possibilidades dos atores, os quais alteram, restringem e negociam com o objetivo de conquistar algo. em diferentes arranjos7 7 Convém destacar que o conceito utilizado de arranjo parte de Callon (2009) e Çalişkan e Callon (2010). Os arranjos representam atos de elementos heterogêneos que se ajustam um ao outro em uma determinada rede, como operadores das translações. (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.).

Para tanto, observa-se um ponto essencial da TAR: a atuação dos objetos. Latour (2001)LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Florianópolis: Edusc, 2001. muda o quadro de referência do social, apresentando um termo alternativo, o qual é denominado como coletivo. A razão disso é que o conceito de coletivo abarca maior amplitude, em relação ao conceito de sociedade, evidenciando as associações entre humanos e não humanos.

[…] ao abandonar o dualismo, nossa intenção não é atirar tudo na mesma panela e apagar os traços característicos das diversas partes que integram o coletivo. Ansiamos também pela clareza analítica, mas ao longo de linhas que não é traçada pelo polêmico cabo de guerra entre objetos e sujeitos. O jogo não consiste em estender a subjetividade às coisas, tratar humanos como objetos, tomar máquinas por atores sociais e sim evitar a todo custo o emprego da distinção sujeito-objeto ao discorrer sobre o entrelaçamento de humanos e não-humanos. O que o novo quadro procura capturar são os movimentos pelos quais um dado coletivo estende seu tecido social a outras entidades. (LATOUR, 2001LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Florianópolis: Edusc, 2001., p. 222 e 223).

É nesse sentido que os processos de construção são coletivos, abarcando diversos elementos heterogêneos. Essa construção envolve elementos que não são compreendidos na sua totalidade, como, por exemplo, técnica, artefatos, interesses, computadores, ciência, conhecimento, história e pessoas (PECI; ALCADIPANI, 2006PECI, A.; ALCADIPANI, R. Demarcação científica: uma reflexão crítica. Organizações & Sociedade, v. 13, n. 36, p.145-161, 2006.; TONELLI, 2016TONELLI, D. F. Origens e afiliações epistemológicas da Teoria Ator-Rede: implicações para a análise organizacional. Cadernos EBAPE.BR, v. 14, n. 2, p. 377-390, 2016.). Dito de outro modo, os elementos que constituem um processo de construção não saem desse mesmo processo com características e propriedades apresentadas inicialmente, são todos transformadores e transformados (LATOUR, 2001LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Florianópolis: Edusc, 2001.).

Na perspectiva da TAR, “as coisas são mais do que ferramentas, pano de fundo ou palco em que atores sociais humanos desempenham os papéis principais”(BRAGA; SUAREZ, 2018BRAGA, C.; SUAREZ, M. Teoria Ator-Rede: novas perspectivas e contribuições para os estudos de consumo. Cad. EBAPE.BR, v. 16, n. 2, p.218-231, 2018., p. 219). Latour (1994)LATOUR, B. On technical mediation: philosophy, sociology, genealogy. Common Knowledge, v. 3, n. 2, p.29-64, 1994. rompe com a dualidade sujeito-objeto, pressupondo a simetria entre ambos os atores humanos e não humanos. Isso significa dizer que os objetos também têm agência, isto é, possuem capacidade de agenciamento, de agir de maneiras diferentes, dependendo de sua configuração,pois estão “associados de tal modo que fazem outros atores fazerem coisas” (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012., p. 158). É nesse sentido que Latour (2012)LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012. atribui a compreensão de híbrido, pois o resultado das ações advém de uma determinada associação de actantes ou agentes. Para o autor, é necessário evitar o equívoco de analisar ou o sujeito ou o objeto, segundo é defendido pelos materialistas e sociólogos (LATOUR, 2001LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Florianópolis: Edusc, 2001.). A separação entre os agentes impõe uma análise limitada sobre as redes de relações estabelecidas para a constituição das práticas sociais (TURETA; ALCADIPANI, 2009TURETA, C.; ALCADIPANI. O objeto na análise organizacional: a teoria ator-rede como método de análise da participação dos não humanos no processo organizativo. Cad. EBAPE.BR, v. 7, n. 1, p. 51-70, 2009.).

Assim sendo, compreende-se as razões da TAR ser utilizada como alternativa epistemológica para a compreensão de organizações, ações de atores humanos e não humanos e, em especial, estudos de mercado e consumo, conforme pesquisas já desenvolvidas (ver ANDRADE, 2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão & Regionalidade, v. 22, n. 64, p.52-66, 2006.; ARAUJO, 2007ARAUJO, L. Markets, market-making and marketing. Marketing Theory, v. 7, n. 3, p. 211-226, 2007.; ARAUJO; FINCH; KJELLBERG, 2010ARAUJO, L.; FINCH, J.; KJELLBERG, H. Reconnecting marketing to markets: an introduction. In: _____ (Eds.). Reconnectiong marketing to markets. Oxford: Oxford University Press, p. 1-12, 2010.; ÇALIŞKAN; CALLON, 2010ÇALIŞKAN, K.; CALLON, M. Economization, part 2: A research programme for the study of markets. Economy and Society, v. 39, n. 1, p. 1-32, 2010.; CALLON, 1986CALLON, M. The sociology of an actor-network: the case of the electric vehicle. In: CALLON, M.; RIP, A.; LAW, J. (Eds.). Mapping the dynamics of science and technology: sociology of science in the real world Palgrave Macmillan, p. 19-34, 1986.; COCHOY, 2008COCHOY, F. Calculation, qualculation, calqulation: shopping cart arithmetic, equipped cognition and the clustered consumer. Marketing Theory, v. 8, n. 1, p. 15-44, 2008.; KJELLBERG; HELGESSON, 2006KJELLBERG, H.; HELGESSON, C. F. Multiple versions of markets: multiplicity and performativity in market practice. Industrial Marketing Management, v. 35, n. 7, p. 839-855, 2006.; LAW, 2009LAW, J. Notas Sobre a Teoria Ator - Rede: Ordenamento, Estratégias e heterogeneidade. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2009.; LEME, 2015LEME, P. H. M. V. A construção do mercado de cafés certificados e sustentáveis da Utz Certified no Brasil: as práticas e os arranjos de mercado. Orientador: Dr. Daniel Carvalho de Rezende. 2015. 274 f. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2015.; MUNIESA;MILLO; CALLON, 2007MUNIESA, F.; MILLO, Y.; CALLON, M. An introduction to market devices. The Sociological Review, v. 55, p.1-12, 2007.; TONELLI, 2016TONELLI, D. F. Origens e afiliações epistemológicas da Teoria Ator-Rede: implicações para a análise organizacional. Cadernos EBAPE.BR, v. 14, n. 2, p. 377-390, 2016.; TURETA; ALCADIPANI, 2009TURETA, C.; ALCADIPANI. O objeto na análise organizacional: a teoria ator-rede como método de análise da participação dos não humanos no processo organizativo. Cad. EBAPE.BR, v. 7, n. 1, p. 51-70, 2009.). Foi a partir da TAR que atores não humanos emergiram nas análises de teoria social de uma forma diferente das anteriores (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.).

Quando se fala em práticas, a TAR contribui ao fornecer caminhos para compreensões, uma vez que há relação entre teoria ator-rede e estudos sobre prática. A TAR é uma teoria baseada nos actantes, que engloba atores humanos e não humanos como parte de redes sociais. Essa proximidade de relações entre TAR e abordagem da prática existe devido ao fato de que a prática emerge da interação entre esses atores. Alinhado a isso, há um reconhecimento por parte de Reckwitz (2002)RECKWITZ, A. Toward a theory of social practices: a development in culturalist theorizing. European Journal of Social Theory, v. 5, n. 2, p.245-263, 2002.quanto à importância dos estudos sobre ciência e tecnologia de Latour para o fortalecimento do campo da prática.

Observando essa compreensão sobre práticas, destacam-se a seguir duas vertentes de abordagens principais. De um lado, pesquisas desenvolvidas em estudos de práticas de mercados (ARAUJO; FINCH; KJELLBERG, 2010ARAUJO, L.; FINCH, J.; KJELLBERG, H. Reconnecting marketing to markets: an introduction. In: _____ (Eds.). Reconnectiong marketing to markets. Oxford: Oxford University Press, p. 1-12, 2010.)e, do outro lado, pesquisas desenvolvidas em estudos de práticas de consumo (SHOVE; PANTZAR, 2005SHOVE, E.; PANTZAR, M. Consumers, producers and practices: understanding the invention and reinvention of Nordic walking. Journal of Consumer Culture, v. 5, n. 1, p.43-64, 2005.). Não obstante, para o desenvolvimento deste trabalho, procura-se articular as duas abordagens - práticas de consumo e de mercado. Dessa forma, é possível lançar um olhar para toda a rede e seus atores, assim como os desdobramentos de suas diferentes práticas.

É mister considerar que os mercados são resultados práticos de esforços organizados (ARAUJO; FINCH; KJELLBERG, 2010ARAUJO, L.; FINCH, J.; KJELLBERG, H. Reconnecting marketing to markets: an introduction. In: _____ (Eds.). Reconnectiong marketing to markets. Oxford: Oxford University Press, p. 1-12, 2010.). Em tais esforços, simultaneamente a múltiplas ações não intencionais, os mercados estão em constante evolução, tanto no que tange às práticas que os moldam quanto às formas que eles assumem como resultados de tais práticas (ARAUJO;KJELLBERG;SPENCER, 2008ARAUJO, L.; KJELLBERG, H. SPENCER, R. Market practices and forms: introduction to the special issue. Marketing Theory, v. 8, n. 1, p. 5-14, 2008.). Isso quer dizer que estão em movimento e em constante construção (LATOUR, 1987LATOUR, B. Sciente in action: how to follow scientists and engineers through society. Boston: Harvard University Press, 1987.), o que também justifica as importantes implicações que podem emergir a partir dos estudos sobre eles. Os mercados assumem diferentes formas e dimensões estáveis não conseguem capturar a essência deles. Por isso, a atenção é dirigida para o entendimento de como os mercados são construídos e quais os arranjos existem para a construção de diferentes formas de mercado (ARAUJO; FINCH; KJELLBERG, 2010ARAUJO, L.; FINCH, J.; KJELLBERG, H. Reconnecting marketing to markets: an introduction. In: _____ (Eds.). Reconnectiong marketing to markets. Oxford: Oxford University Press, p. 1-12, 2010.).

Na perspectiva de Estudos Construtivistas de Mercados, os agentes de mercados são coletivos híbridos que possuem capacidades de agir conforme a sua constituição. E os objetos de mercados e os dispositivos são centrais para essa constituição, assim como moldam e são moldados por práticas de mercado(GEIGER; KJELLBERG; SPENCER, 2012GEIGER, S.; KJELLBERG, H.; SPENCER, R. Shaping exchanges, building markets. Consumption Markets and Culture, v. 15, n. 2, p. 133-147, 2012.). Em vista disso, a ênfase recai na troca de bens e não especificamente em seu consumo (HAGBERG, 2016HAGBERG, J. Agencing practices: a historical exploration of shopping bags. Consumption Markets & Culture, v. 19, n. 1, p. 111-132, 2016.). Além disso, na perspectiva construtivista, a atenção é direcionada para as bases materiais da capacidade de agência dos atores (NØJGAARD; BAJDE, 2021NØJGAARD, M. Ø.; BAJDE, D. Comparison and cross-pollination of two fields of market systems studies. Consumption Markets & Culture, v. 24, n. 2, p. 125-146, 2021.). Isso justifica o interesse em compreender como as relações entre diversas entidades materiais são concretizadas por meio de práticas de mercado, posto que essas últimas possibilitam a explicação de como consumidores, bens, dinheiro, anúncios, empresas e outros são configurados no mercado (NØJGAARD; BAJDE, 2021NØJGAARD, M. Ø.; BAJDE, D. Comparison and cross-pollination of two fields of market systems studies. Consumption Markets & Culture, v. 24, n. 2, p. 125-146, 2021.).

As práticas de consumo, por sua vez, envolvem componentes materiais que estão incluídos em múltiplas práticas. Assim como Reckwitz (2002RECKWITZ, A. Toward a theory of social practices: a development in culturalist theorizing. European Journal of Social Theory, v. 5, n. 2, p.245-263, 2002., p. 256) defende, os objetos são “como portadores de uma prática”. Shove (2007)SHOVE, E. The design of everyday life. London: Berg, 2007., no mesmo sentido, afirmam que o objeto não é um meio passivo de realização das práticas, pois ele co-constitui a própria prática. Essa compreensão está em linha com a noção de arranjo, conforme mencionado anteriormente, por isso, compreender práticas nas abordagens de consumo se faz necessário para a compreensão de agência (HAGBERG, 2016HAGBERG, J. Agencing practices: a historical exploration of shopping bags. Consumption Markets & Culture, v. 19, n. 1, p. 111-132, 2016.).

Ao trabalhar com essas duas abordagens de práticas, evita-se a análise de um ponto específico, e procura-se traçar como objetos, especificamente os aplicativos de delivery, estão integrados em diferentes práticas, contribuem para as transformações destas últimas e, de forma sincrônica, são transformados por elas.

Comum na literatura que abarca a abordagem de práticas de consumo é o papel dos objetos. Os objetos, nesse sentido, são considerados como componentes materiais das práticas. Eles são interligados com outros componentes, significados e materiais, resultando na inclusão em diferentes práticas. Reckwitz (2002RECKWITZ, A. Toward a theory of social practices: a development in culturalist theorizing. European Journal of Social Theory, v. 5, n. 2, p.245-263, 2002., p. 253) assinala que assim como os humanos, os objetos são “portadores de práticas”. Shove (2007)SHOVE, E. The design of everyday life. London: Berg, 2007., em complemento, argumenta que os objetos são elementos ativos na co-constituição de práticas.

Relacionado aos objetos, lança-se luz sobre os aplicativos digitais, uma vez que estes provocam novos tipos de práticas de consumo, novos repertórios de capacidades, de habilidades e de arranjos de mercado(JENKINS; DENEGRI-KNOTT, 2017JENKINS, R.; DENEGRI-KNOTT, J. Extending the mind: digital devices and the transformation of consumer practices. In: Cochoy, F.; Hagberg, J.; McIntyre, M. P.; Sörum, N. (Eds.). Digitalizing consumption: how devices shape consumer culture. London: Taylor & Francis, p. 85-102, 2017.). “Isso não significa que os consumidores se tornaram menos habilidosos, mas que suas habilidades foram redistribuídas entre pessoas e tecnologia” (JENKINS; DENEGRI-KNOTT, 2017JENKINS, R.; DENEGRI-KNOTT, J. Extending the mind: digital devices and the transformation of consumer practices. In: Cochoy, F.; Hagberg, J.; McIntyre, M. P.; Sörum, N. (Eds.). Digitalizing consumption: how devices shape consumer culture. London: Taylor & Francis, p. 85-102, 2017., p. 86). Assim como os carrinhos de supermercados (COCHOY, 2008COCHOY, F. Calculation, qualculation, calqulation: shopping cart arithmetic, equipped cognition and the clustered consumer. Marketing Theory, v. 8, n. 1, p. 15-44, 2008.), o congelador (HAND; SHOVE, 2007HAND, M.; SHOVE, E. Condensing practices: ways of living with a freezer. Journal of Consumer Culture, v. 7, n. 1, p. 79-104, 2007.) e a garrafa de água (BREI; TADAJEWSKI, 2015BREI, V.; TADAJEWSKI, M. Crafting the market for bottled water: a social praxeology approach. European Journal of Marketing, v. 49, n. 3/4, p. 327-349, 2015.), o aplicativo digital absorve algumas competências, conhecimento e agência que anteriormente estavam incorporados nas práticas dos indivíduos.

Dito isso, a combinação de ambas as abordagens de práticas - nos âmbitos de mercado e consumo - abrem os caminhos para aprofundamento nos principais aspectos que repousam sob a TAR. Além disso, essa combinação avança o conhecimento diante de estudos já realizados (conforme indicados anteriormente). Diferentemente de definir uma prática específica como ponto de partida e analisar seus diferentes elementos constituintes para o desenvolvimento desta pesquisa, questiona-se como um objeto interligado à diversas práticas contribui para moldá-las, ao mesmo tempo em que é moldado no contexto de uma rede. Dessa forma, tendo definido como questão central a capacidade dos dispositivos - ator não humano- de mediação das relações entre diferentes atores em uma determinada rede, é imperativamente necessário considerar o papel dos objetos.

2 MÉTODO

Este trabalho contempla uma natureza qualitativa, de modo consoante às características e às perspectivas teórica e metodológica que tangem às práticas de consumo, práticas de mercadoe TAR. A partir dessa base teórica, a pesquisa foi desenvolvida por meio de uma perspectiva construtivista, mais especificamente, o que Kjellberg e Helgesson (2006)KJELLBERG, H.; HELGESSON, C. F. Multiple versions of markets: multiplicity and performativity in market practice. Industrial Marketing Management, v. 35, n. 7, p. 839-855, 2006.identificam como construtivismo prático. Essa ontologia está em linha com a TAR, uma vez que há a preocupação com “a forma como o mundo é feito, e não com o sentido que lhe damos” (ANDERSSON; ASPENBERG; KJELLBERG, 2008ANDERSSON, P.; ASPENBERG, K.; KJELLBERG, H. The configuration of actors in market practice. Marketing Theory, v. 8, n. 1, p. 67-90, 2008., p. 69).

A estratégia de pesquisa utilizada foi o estudo de caso. A escolha dessa estratégia é justificada devido a particularidades que poderão ser acessadas por meio da investigação, que se faz adequada para pesquisas em rede em razão de sua flexibilidade, possibilitando fazer interações entre fundamentação teórica e dados empíricos. Em vista disso, o estudo de caso foi um meio para aprofundar o conhecimento sobre o papel de entidades materiais na rede em análise (YIN, 2001YIN, R. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.).

A compreensão da realidade investigada ocorreu a partir de um conjunto de atores humanos e não humanos que constituem os fluxos e os movimentos de efeitos na rede de serviços de entrega de comida (FOX; ALLDRED, 2015FOX, N. J.; ALLDRED, P. New materialist social inquiry: designs, methods and the research-assemblage. International Journal of Social Research Methodology, v. 18, n. 4, p. 399-414, 2015.). Por isso, o estudo de caso foi único, mas com subunidades de análises, de modo a desenvolver uma pesquisa mais complexa (YIN, 2001YIN, R. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001., p. 64). Cada uma das subunidades foi explorada individualmente, para, no momento da análise, formar uma figura geral da unidade investigada. Para tanto, a rede de serviços de entrega de comidas por meio de aplicativos foi o caso investigado, ou seja, cada grupo de atores - humanos e não humanos - que compõem as subunidades de análises.

O aplicativo de entrega de comidas escolhido para investigação é o Aiqfome, criado há mais de quinze anos, em 2007. Atualmente, a empresa do aplicativo registra mais de 23 milhões de pedidos feitos anualmente e aproximadamente 1,2 bilhões de reais faturados pelos restaurantes parceiros no período anual, de acordo com informações contidas no próprio blog da empresa. Em vista disso, os critérios utilizados para a escolha dos atores humanos foram aqueles que são consumidores, proprietários de estabelecimentos e entregadores que utilizam o aplicativo, além dos responsáveis pelo desenvolvimento e gerenciamento do aplicativo. A seleção destes ocorreu de forma proposital, por meio do contato dos autores da pesquisa com cada um deles, e conforme a disponibilidade de todos, respeitando os critérios. O acesso aos entrevistados ocorreu por meio de indicação ou por meio de contato inicial em redes sociais. Para os estabelecimentos, especificamente, foram entrevistados aqueles que possuíam notas acima de 4,5 nas avaliações do aplicativo.

As principais fontes de informações para a coleta de dados foram entrevistas, observações e análise documental (DENZIN; LINCOLN, 2006DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. A disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In: _____ (Eds.). O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed, p. 15-41, 2006.; ROWLEY, 2002ROWLEY, J. Using case studies in research. Management Research News, v. 25, n. 1, p. 16-27, 2002.). Os dados foram coletados em diferentes pontos no tempo e com diferentes informantes.No total foram conduzidas 41 entrevistas, atores humanos de cidades do interior do estado do Paraná e do estado de São Paulo. Ao todo, foram entrevistados atores de 12 cidades diferentes. A princípio, as entrevistas foram planejadas para serem realizadas de modo presencial. Porém, devido ao contexto de pandemia, apenas quatro entrevistas foram presenciais. As demais, foram realizadas de modo remoto, por meio de ligações ou videochamadas. A primeira entrevista foi realizada com a fundadora e diretora de operações da empresa do aplicativo. A partir disso, foram entrevistados os responsáveis pelos restaurantes, entregadores, consumidores e usuários do aplicativo. Os donos dos restaurantes e entregadores foram entrevistados em paralelo.

As observações, outra fonte de evidências em um estudo de caso(CRESWELL, 2007CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Bookmam, 2007.), foram organizadas por meio de um conjunto de materiais oriundos de observações do aplicativo, como a sua organização, estrutura, design, configurações, cardápios, conteúdos, promoções e outras informações. Quanto aos documentos, foi possível incluir relatórios oficiais, normas, procedimentos, materiais de divulgação, artigos de jornais, documentos digitais e outros.

Para alcançar o objetivo proposto, foi adotada a análise temática dos dados coletados.Após as transcrições e organização dos documentos, para a familiarização dos autores com todos os dados(FLICK, 2009FLICK, U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.), os arquivos foram importados para o software Atlas.ti, onde foram armazenados e gerenciados todos os materiais empíricos. As categorias emergiram do campo e, também, de conceitos principais da literatura teórica pertinente nesta pesquisa. Em outras palavras, as categorias foram criadas conforme surgiam no processo de análise (modo indutivo) e, ao mesmo tempo, conforme a base teórica para formulação de tais categorias (modo dedutivo) (Braun & Clarke, 2006BRAUN, V.; CLARKE, V. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, v. 3, n. 2, p. 77-101, 2006.).Feito isso, todos os códigos foram organizados em subcategorias, para então, organizá-los em categorias temáticas. Ao final dessa organização, foram definidas 3 categorias: atores da rede, práticas de consumo e práticas de mercado, conforme será apresentado na próxima seção.O objetivo, em toda a exploração e análise dos materiais, foi o de encontrar o papel atuante do aplicativo - ator não humano - como mediador na rede (Latour, 2001LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Florianópolis: Edusc, 2001., 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.), as práticas de mercado e de consumo e seus desdobramentos.

3 PRINCIPAIS ATORES DA REDE DE DELIVERY DE COMIDA

A compreensão de uma determinada rede ocorre por meio de seus atores e de suas respectivas ações, revelando as associações e interações estabelecidas entre eles (CALLON, 1986CALLON, M. The sociology of an actor-network: the case of the electric vehicle. In: CALLON, M.; RIP, A.; LAW, J. (Eds.). Mapping the dynamics of science and technology: sociology of science in the real world Palgrave Macmillan, p. 19-34, 1986.; LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.; LATOUR; WOOLGAR, 1997LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.). É necessário destacar que a apresentação de todos os principais atores se deve ao fato de que é impossível compreender uma rede pela visão de somente um ator, conforme já mencionado por Latour (1990)LATOUR, B. Visualisation and cognition: drawing things together. In H. KUKLICK, H. (Ed.). Knowledge and Society Studies in the Sociology of Culture Past and Present The MIT Press, p. 153-186, 1990.. Além de que as especificidades de cada ator implicam na heterogeneidade dos mercados, que por sua vez são continuamente formatados a partir da articulação entre atores (ARAUJO, 2007ARAUJO, L. Markets, market-making and marketing. Marketing Theory, v. 7, n. 3, p. 211-226, 2007.; HARRISON; KJELLBERG, 2014HARRISON, D.; KJELLBERG, H. Theories of markets: An inter-disciplinary review. In: 30th IMP Conference, Bordeaux, September. 2014.).

Os principais atores que operam em redes de delivery de comidasão: o aplicativo, os gestores do aplicativo e seus responsáveis, os consumidores, os representantes de estabelecimentos e os entregadores.

O aplicativo de delivery Aiqfome surgiu em 2007, ainda em formato de website. No ano de 2014, o aplicativo começou a operar em seu formato atual. Entre os aplicativos mais buscados nas lojas oficiais de cada sistema operacional, o Aiqfome está entre os 8 mais buscados na categoria comer e beber, contabilizando mais de 3 milhões de usuários, mais de 25 mil restaurantes parceiros, mais de 23 milhões de pedidos ao ano, mais de 1,2 bilhões de vendas ao ano e, atualmente, registra a nota de 4,8 nas avaliações dos usuários. Além disso, o aplicativo é considerado como a maior plataforma de delivery de comida online do interior do Brasil, conforme é apresentado em seus materiais de apresentação. Atualmente, o Aiqfome pode ser utilizado em 550 cidades do Brasil, estando presente em todas as regiões do país, em 22 estados.

O aplicativo Aiqfome é o único ator que tem relação direta com mais de um ator da rede, sendo os usuários e os responsáveis pelos estabelecimentos. O aplicativo congrega todos os restaurantes cadastrados com seus respectivos cardápios e todas as informações necessárias ao conhecimento do usuário, como: horário de atendimento, endereço, avaliações, tempo médio para a entrega da comida e opções de pagamento. Com um único cadastro do usuário, o Aiqfome armazena todas as informações para que no próximo pedido não haja necessidade de nova inserção de dados.

Os principais atores humanos que atuam de forma coordenada para funcionamento do aplicativo são seus gestores e demais membros de todas as áreas, que atuam na empresa do aplicativo e os licenciados, responsáveis por suas respectivas cidades. Os licenciados são atores que atuam juntamente com os responsáveis e desenvolvedores do aplicativo, e podem ser compreendidos como “os donos do Aiqfome em sua respectiva cidade”(Entrevistada 1, fundadora do App). A razão da escolha pelo trabalho com licenciados é justificada pelo melhor gerenciamento dos estabelecimentos, uma vez que havendo uma pessoa responsável em cada cidade agiliza a comunicação e atendimento às demandas.

4 PRÁTICAS DE CONSUMO DOS USUÁRIOS DE APLICATIVOS DE DELIVERY DE COMIDA

O uso do aplicativo de delivery é uma prática que foi e continua sendo desenvolvida pelos usuários. Isso porque a demanda de pedidos para entrega, mesmo que ainda pouco praticada, já estava presente no cotidiano dos usuários, apesar de ocorrer por outros meios. Até o contato inicial com o aplicativo, os mesmos usuários mantinham o hábito de realizar pedidos por meio de ligações telefônicas ou por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp. Há, ainda, aqueles que acessavam os buscadores na internet, como o Google, ou páginas comerciais dos restaurantes em redes sociais, para verificar o cardápio e depois realizar o pedido por ligação ou mensagem.

Apesar de existirem outras opções para solicitação de comidas por meio do delivery, não era algo muito agradável aos entrevistados. A exigência de ações necessárias desde a decisão de realizar o pedido até a sua finalização era algo que até irritava algumas pessoas, como mostra o relato de um entrevistado: “[…] na época ninguém queria pedir por telefone, era uma barreira pedir por telefone. A gente [ele, pais e irmãos] tinha que ficar ligando, falando endereço, troco. A gente não gosta de fazer esse tipo de coisa. Então, era meio que rotativo, cada hora era um que fazia.” (Entrevistado 41, consumidor). Além do rodízio de ligações entre as pessoas, o fato de as informações não estarem concentradas em um só lugar demandava mais tempo para a conclusão do processo do pedido e, até mesmo o interesse, por parte do solicitante, em querer realizar um pedido por esses meios era menor.

Em vista disso, os pedidos realizados por meio de ligações não eram tão corriqueiros quanto é observado hoje. Nota-se que os pedidos ocorriam mais aos finais de semana e para refeições entre familiares e amigos. Diferentemente do que ocorria, atualmente há a facilidade de acesso e disponibilidade de informações que podem ser encontradas no aplicativo de delivery de comida e, que, consequentemente, provocam mudanças nas práticas cotidianas dos usuários.

Para os usuários, o uso do aplicativo resulta em praticidade, facilidade, agilidade, comodidade, conforto, prazer, felicidade e alívio. Tais desdobramentos podem ser compreendidos por meio da execução e da sensação no que tange ao uso do aplicativo de delivery de comidas. A execução diz respeito ao modo como o uso do aplicativo ocorre no cotidiano dos usuários, que utilizam as definições que remetem à fácil utilização, à ausência de obstáculos ou possíveis dificuldades de uso, à funcionalidade e à rapidez, que caracterizam o aplicativo de delivery de comida. Quanto à sensação, está relacionada ao sentimento de satisfação. Em outras palavras, o fim último resultante do uso do aplicativo - a refeição de determinada comida - provoca sensação de bem-estar, merecimento e conveniência ao usufruir deste serviço de delivery e satisfazer uma necessidade e/ou desejo. Por conta disso, é algo agradável, confortável e prazeroso.

Observa-se que os desdobramentos de uso do aplicativo são semelhantes aos motivos que levaram os usuários a começar a utilizar o aplicativo. Ou seja, a percepção inicial manteve-se ao longo do tempo de uso e alcança o propósito do aplicativo entre os atores na rede de delivery de comida. Os motivos que levaram os usuários a usar o aplicativo foram: ofertas de descontos; não precisar falar ao telefone; fazer as escolhas no próprio tempo, seja de forma rápida ou com mais tempo e sem pressão para o fechamento do pedido; comparar pratos e preços entre os estabelecimentos cadastrados; pagar online, diretamente pelo aplicativo; ter acesso à diferentes estabelecimentos e seus respectivos cardápios em um só lugar; conhecer as avaliações de outros usuários; e comer algum prato diferente.

Os tipos de comidas solicitadas são, em sua grande maioria, para as principais refeições do dia: almoço e janta. Dentre os dois horários de refeições mais comuns, considera-se os dias da semana. Isto é, em dias úteis de trabalho, considerando de segunda à sexta-feira, predominam as refeições de prato feito, como a marmitex nos horários de almoço. Já nos finais de semana, predominam fast-food, comidas árabes, comidas japonesas, pratos vegetarianos, porções e massas, como, por exemplo, as pizzas. Há, ainda, alguns casos em que ocorrem a demanda de pedidos em horários alternativos, como em períodos vespertinos. Neste caso, os pedidos são para a refeição de café da tarde ou um lanche rápido em dias úteis. Os pratos pedidos mais comuns entre os entrevistados são açaí, pastel e sobremesa, como o sorvete.

Observa-se as diferenças das refeições em horários e dias. As refeições em horários de almoço e em dias úteis ocorrem por praticidade. São as refeições de culinária do cotidiano brasileiro, como: arroz e feijão. Tais refeições são realizadas sem a companhia de outra pessoa, muitas vezes pela própria rotina do trabalho diário, pois o tempo despendido com a refeição é menor e precisa ocorrer de modo mais ágil. Já as refeições em horários noturnos, o usuário se permite apreciar pratos diferentes, ao dispor de mais tempo e, em muitos momentos, estar na companhia de uma ou mais pessoas. Aqui, não ocorre a refeição por si só, como uma prática necessária para a sobrevivência humana, mas está inserida em um contexto diferente, como o descanso e o lazer.

Ao adicionar mais um aspecto - o local de entrega da comida - ao que tange às refeições dos usuários, observa-se que os horários das solicitações dos pedidos têm relação com o destino da entrega. As refeições realizadas durante o almoço ocorrem no momento do expediente de trabalho e, dessa forma, são entregues nos locais de trabalho ou em casa para aqueles que trabalham em home office. De modo predominante, as refeições para o jantar ou aquelas em horários alternativos são solicitadas para serem entregues nas próprias residências.

Outro elemento a ser considerado nas refeições dos usuários é o cupom de desconto. Os cupons são enviados por meio de notificações aos usuários que possuem o aplicativo instalado em seu aparelho de celular. Ao clicar na notificação, o aplicativo é aberto e o usuário é direcionado para a tela com todos os estabelecimentos que estão trabalhando com a promoção relacionada ao cupom de desconto recebido. Após isso, o usuário poderá proceder com o seu pedido.

Outra prática que ocorre de forma combinada é a compra não planejada e o uso de cupons de descontos.Neste tipo de compra, o cupom de desconto é o gatilho para ela ser executada. É possível compreender esse tipo de compra de duas formas. Primeiro, há aquelas compras que são incrementais, em que o usuário já planeja realizar um pedido e, em decorrência do recebimento de um cupom de desconto recebido, acaba sofisticando seu pedido e acrescentando outros elementos, como, por exemplo, um adicional no lanche, um refrigerante, um doce, entre outros. Segundo, há as compras que o usuário não possui a intenção do pedido naquele período, mas por conta do recebimento de um cupom de desconto, é estimulado a realizá-la. Neste tipo de compra, os usuários têm o costume de pedir pequenas refeições durante à tarde, como, por exemplo, açaí, doce, sorvete, churros e outros.

As práticas de consumo de delivery foram e estão sendo moldadas. É o que Cochoy e Mallard (2018)COCHOY, F.; MALLARD, A. Another consumer culture Theory. An ANT look at consumption, or how “Market-things” help “cultivate” consumers. In: O. KRAVETS, O.; P. MACLARAN, P.; S. MILES, S.; VENKATESH, A. (Eds.). The Sage handbook of consumer culture. London: Sage Publications, p. 384-403, 2018. questionaram sobre o propósito de marketing ao remeterem sobre como as práticas de consumo estão sendo formatadas(COCHOY; MALLARD, 2018COCHOY, F.; MALLARD, A. Another consumer culture Theory. An ANT look at consumption, or how “Market-things” help “cultivate” consumers. In: O. KRAVETS, O.; P. MACLARAN, P.; S. MILES, S.; VENKATESH, A. (Eds.). The Sage handbook of consumer culture. London: Sage Publications, p. 384-403, 2018.). Dentre as mudanças percebidas entre as práticas dos usuários, destacam-se: a redução da frequência nos estabelecimentos; as formas de pagamento dos pedidos; e a forma de comunicação entre os atores. Tais mudanças ocorreram a partir de um ator não humano, que cumpre o papel de principal mediador em uma rede. O aplicativo, no caso, reconfigurou práticas específicas (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.), relacionadas ao consumo de comida.

Portanto, observa-se as práticas de consumo por dois ângulos: i) como desdobramentos das complexas interações entre os atores que operam na rede de delivery de comida - práticas de consumo transformadas; e ii) como influenciadoras de reformatações entre os atores que operam na rede de delivery de comida - práticas de consumo transformadoras. Todos os eventos que ocorrem em uma rede são derivativos de interações entre atores, incluindo aqueles não humanos. Por isso, a importância de analisar uma rede com visão ampla para as interações entre indivíduos e objetos (LATOUR, 2001LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Florianópolis: Edusc, 2001.; BRAGA; SUAREZ, 2018BRAGA, C.; SUAREZ, M. Teoria Ator-Rede: novas perspectivas e contribuições para os estudos de consumo. Cad. EBAPE.BR, v. 16, n. 2, p.218-231, 2018.).

5 PRÁTICAS DE MERCADO NA REDE DE DELIVERY DE COMIDA

Desde 2007, várias mudanças ocorreram no contexto do mercado e demais circunstâncias que tangem ao aplicativo. A própria fundadora deste último aponta que era um tipo de serviço que “estava bem à frente do nosso tempo”. Tal situação é vista dessa forma devido ao fato da ausência de instrumentos essenciais para a realização do trabalho no restaurante, como, por exemplo, computadores e acesso à internet, assim como aspectos que tangem às práticas do mercado e de consumo.

Inicialmente, os proprietários de restaurantes aderiam à plataforma online pela razão de que só pagariam algo ao Aiqfome se algum pedido fosse realizado por meio da plataforma. No entanto, foi necessário ensinar os donos dos estabelecimentos a utilizar esse canal de vendas de delivery.O fato de incentivar o uso do delivery online foi um importante impulsionador para o processo de construção do que hoje é o aplicativo de delivery. Isso vai ao encontro do que Callon, Méadel e Rabeharisoa (2002)CALLON, M.; MÉADEL, C.; RABEHARISOA, V. The economy of qualities. Economy and Society, v. 31, n. 2, p.194-217, 2002., explicam sobre as estruturas já existentes no mercado serem os limites, mas, também, serem fontes de novos esforços para a sua reformatação.

Já havia uma estrutura entre os estabelecimentos que forneciam refeições por meio de delivery. Essa estrutura desdobrava-se em diferentes práticas, como, por exemplo, o atendimento do telefone, a anotação manual do pedido e sua organização, o planejamento de rota e demais processos. No entanto, o mercado é capaz de absorver e reter novas práticas, devido à sua característica de plasticidade (NENONEN et al., 2014NENONEN, S. et al. (2014). A new perspective on market dynamics: Market plasticity and the stability-fluidity dialectics. Marketing Theory, v. 14, n. 3, p. 269-289, 2014.). Por isso, as características dos atores sofreram mudanças e o processo de oferta e demanda foi alterado.

Neste ínterim, lançando luz sobre o aplicativo, este contribuiu para moldar as diversas práticas em que está integrado, assim como foi, simultaneamente, moldado pelo contexto da rede. Ainda em um contexto incipiente da digitalização dos estabelecimentos, o uso do delivery online teve de ser ensinado. Para chegar ao que existe atualmente, o aplicativo sofreu constantes mudanças, as quais destacam-se: a sua versão desktop, o seu modelo de expansão para outras localidades além da cidade de origem, a sua primeira versão como aplicativo digital e, desde então, reformatações atreladas ao contexto digitalizado e às práticas de mercado e de consumo. Os principais eventos que ocorreram nos últimos anos com o Aiqfome foram:i)2007: Aiqfome na versão desktop e restaurantes com sinais precários da digitalização; ii) 2010: modelo de expansão com licenciados; iii) 2014: primeira versão do Aiqfome em aplicativo; iv) 2020: crescimento e expansão nacional do aplicativo; e v) 2021: Aiqfome reconhecido como a 3ª maior plataforma de delivery do Brasil e o 1º em cidades do interior.

O foco de atuação geográfica do Aiqfome é em cidades do interior, em municípios com até 150 mil habitantes. A expansão ocorre por meio da estratégia de trabalhar com o licenciado. Essa estratégia de trabalhar com um responsável em cada cidade emergiu da necessidade de investimentos. No caso, o Aiqfome não trabalhava com investimentos externos, por isso vender a licença foi o caminho encontrado para expandir com o dinheiro próprio, sem apoio de fundos de investimentos.

Tendo isso em vista, observa-se que o Aiqfome é desenvolvido a partir de um modelo de negócios voltado para as cidades pequenas. Enquanto os principais concorrentes, os quais serão descritos a seguir, focam em grandes centros urbanos, o Aiqfome trabalha com um olhar inverso, como que defendendo a necessidade de aplicativos digitais para cidades do interior do país. Essa estratégia pode ser entendida como um modelo de negócios construído com vista para um processo de segmentação demográfica.

De acordo com o que é exposto, observa-se que no processo de criação do aplicativo, as práticas de mercados foram antecedidas pela segmentação de mercado, considerando diferentes variáveis, como, por exemplo, características do público-alvo e número de usuários potenciais. Isso porque, foi ampliado para outros processos de criação de plataformas digitais, startups e de inteligência artificial. É comum modelos de negócios serem testados e impulsionados em grandes centros urbanos e metrópoles, deixando para momentos posteriores a expansão para cidades menores. Aqui, o Aiqfome cumpre um papel de inclusão de cidades que não são o foco de desenvolvimento de modelos de negócios.

O aplicativo atua na rede de delivery de comida influenciando todos os atores. Posto isso, ele cumpre o papel de mediar as relações que se desenvolvem na rede. Para alcançar o objetivo principal da rede - o delivery de comidas - pode-se dividir as relações em grupos, como, por exemplo, relações que ocorrem entre aplicativo-usuários, aplicativo-estabelecimentos e aplicativo-equipes internas. A partir dessa mediação, outra relação se desdobra, sendo estabelecimentos-entregadores. Nota-se, portanto, que o aplicativo está presente em todas as principais relações ou sendo o influenciador.

Com o aplicativo, o ator humano é suprimido da rede e entra o ator não humano. Em vista disso, mudanças foram provocadas nas práticas dos atores que operam na rede de delivery de comida. Dentre tais mudanças, destacam-se, principalmente: otimização da produção interna do estabelecimento, novas embalagens, adaptação da estrutura física do trabalho, novas ferramentas de trabalho e aumento do faturamento.

Também, destacam-se outras formas que os responsáveis pelos estabelecimentos estão buscando para ofertar seu cardápio e vender suas refeições. A principal, e que merece ser tratada aqui, é a abertura de canais de vendas próprios, incluindo um site do estabelecimento ou, ainda, um aplicativo. Essa alternativa de vendas foi pensada, em todos os casos mencionados pelos entrevistados, como uma forma de reduzir os custos das taxas pagas ao aplicativo. No entanto, se por um lado um canal de venda próprio do estabelecimento contribui com a redução de custos, por outro lado demanda maior trabalho por parte do estabelecimento, como, por exemplo, estratégias de divulgação e impulsionamento do seu próprio canal. É importante ressaltar que todos aqueles que planejam ter, ou já tem, seu próprio canal de vendas não trabalham ou não trabalharão de modo exclusivo por esses meios. Ou seja, ainda utilizam, ou utilizarão o aplicativo.

Por fim, considerando o atual contexto, desdobramentos decorrentes da pandemia global também provocaram mudanças atreladas ao delivery de comidas e que merecem destaque. O primeiro desdobramento é a possibilidade de novos negócios, uma vez que ofertar refeições para entrega foi a alternativa de renda para muitas pessoas. Isso provocou a expansão do delivery de comidas e, consequentemente, o aumento da demanda por serviços de entrega. Dessa forma, as alternativas de trabalho como entregador também cresceram de forma significativa; apesar de o crescimento de ofertas de estabelecimentos ter provocado o aumento da concorrência entre esses últimos. Em outras palavras, surgiram mais opções de cardápios entre diferentes estabelecimentos para os usuários.

6 DISCUSSÃO

A partir da compreensão sobre as práticas de consumo e de mercados, no que tange à rede de delivery de comidas, o argumento central do trabalho apresentado é que os aplicativos digitais de oferta e demanda de entrega de comida, por meio do seu uso, atuam como mediadores entre atores, provocando a reformatação de práticas de mercado e, simultaneamente, a instituição de novas práticas de consumo envolvendo toda a rede em que operam. A partir da análise dos atores e das práticas de consumo e de mercado que permeiam a rede de delivery de comidas, identificam-se pontos chaves, tais como: os fatores que impulsionaram a rede em questão; os aplicativos como amplificadores de mudanças na rede; práticas que foram suprimidas e outras que emergiram com a presença do aplicativo como ator da rede; e modelos de negócios que se desdobraram a partir das práticas dos atores.

Para tanto, observa-se que os aplicativos estão onipresentes na vida cotidiana do ser humano, devido à grande expansão dos dispositivos de comunicação eletrônica, como os telefones celulares, reprodutores de música e outros de acesso à internet. Com a multiplicação de tais aplicativos, a adesão aos serviços ofertados por meio deles também sofreu grande expansão (SHANKAR et al., 2010SHANKAR, V. et al. Mobile marketing in the retailing environment: Current insights and future research avenues. Journal of Interactive Marketing, v. 24, n. 2, p. 111-120, 2010.).

Uma mudança decorrente do processo de digitalização de práticas de consumo e de mercados é a maneira de solicitar uma alimentação/refeição. Deixando os cardápios de papéis e os telefones de lado, o uso dos aplicativos de serviços de entrega expande a cada ano. No Brasil, o número de pessoas que fizeram pedido de algum alimento por meio dos aplicativos cresceu de 26%, em 2016, para 58%, em 2019 (número apurado até o mês de março de 2019) (EMARKETER, 2019EMARKETER. Smartphone owners in Brazil who have ordered food via smartphone apps, 2019. Disponível em: <https://www.emarketer.com/chart/229160/smartphone-owners-brazil-who-have-ordered-food-via-smartphone-apps-march-2016-march-2019-of-respondents>. Acesso em: 17 set. 2019.
https://www.emarketer.com/chart/229160/s...
).

Ao observar a figura 1 identifica-se uma complexa rede de interações e entrelaçamentos, na qual a configuração de um ator influencia em outro, como em uma ação relacional, conforme Latour (2001LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Florianópolis: Edusc, 2001., 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.). Esta rede, objeto de análise nesta pesquisa, está representada com o objetivo de capturar os principais atores que constituem a rede de serviços de entrega alimentar. Convém explicar que as setas em linhas contínuas representam a interdependência direta entre os atores. Já as linhas pontilhadas representam relações indiretas que existem, mas praticamente de modo invisível, posto que o aplicativo é o principal mediador das relações entre os atores.

Figura 1
Rede de serviços de entrega de comidas

Ao observar uma determinada rede, partindo da concepção da TAR, é preciso lembrar que elas “não são redes em um sentido substantivo ou técnico de sistemas estáveis conectando entidades duradouras” (BAJDE, 2013BAJDE, D. Consumer culture theory (re)visits actor-network theory: flattening consumption studies. Marketing Theory, v. 13, n. 2, p.227-242, 2013., p. 228), mas são configurações associadas que auxiliam a rastrear e compreender uma ação (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.). Isso é o princípio da TAR, que tem como foco os resultados do envolvimento de uma rede de pessoas e coisas. Por isso, conforme ilustra Bajde (2013)BAJDE, D. Consumer culture theory (re)visits actor-network theory: flattening consumption studies. Marketing Theory, v. 13, n. 2, p.227-242, 2013., não há um consumidor fora das relações com outras pessoas, objetos e significados que constroem os sujeitos, objetos, dispositivos, espaços e tempos.

Utilizando a descrição de Hodder (2012)HODDER, I. Humans Depend on Things. In: Hodder, I. (Ed.). Entangled: an archaeology of the relationships between humans and things relationships between humans and things. London: Wiley-Blackwell, p. 15-39, 2012., assim como os humanos dependem das coisas para ampliar o que eles podem fazer, as coisas dependem dos humanos para mantê-las. Na mesma lógica, os humanos dependem de outros humanos no que tange à sua convivência social. E as coisas dependem de outras coisas, uma vez que reunidas desempenham um complexo trabalho, como, por exemplo, os carros e os computadores.

Em vista disso, as dinâmicas da digitalização das práticas de consumo e de mercados ajudam a explicar essas relações. A rede de serviços de entrega de comidas representada na figura 1 indica a incorporação de um novo ator, o aplicativo de entrega. Há um ator atuando como mediador das relações entre os demais atores. Esse ator é o aplicativo de serviços de entrega, um dispositivo, um ator não humano, que se faz presente na rede e dá forma às atividades cotidianas. Como mediador, este ator está visível na rede, transformando, traduzindo, distorcendo e modificando o significado ou elementos que veiculam (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.). A mediação como um processo evidencia as relações, tornando possível observar as transformações que ocorrem por meio das associações dos actantes (OLIVEIRA; VALADÃO, 2018OLIVEIRA, V. M. VALADÃO, J. A. D. Entre a simplificação e a complexidade, a heterogeneidade: Teoria Ator-Rede e uma nova epistemologia para os estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, v. 15, n. 4, p. 877-899, 2018.).

A digitalização do consumo e a emergência dos aplicativos digitais como dispositivos de mercado leva a mudanças na configuração de outros atores e, consequentemente, desencadeia outras mudanças mútuas que evoluem com o tempo. A principal implicação da compreensão da complexidade das redes está pautada nas associações entre os diferentes elementos, em linha com o que Latour (2012)LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012. e Callon (1986)CALLON, M. The sociology of an actor-network: the case of the electric vehicle. In: CALLON, M.; RIP, A.; LAW, J. (Eds.). Mapping the dynamics of science and technology: sociology of science in the real world Palgrave Macmillan, p. 19-34, 1986. apresentam como o princípio da simetria. Além das relações sociais, os atores humanos estão inseridos em um contexto com uma diversidade de atores não humanos, e a não consideração destes últimos resulta de análises limitadas (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: EDUFBA, 2012.). É o que acontece com o estudo de caso desenvolvido nesta pesquisa, em que foi considerado o coletivo como quadro de referência para a análise da rede de delivery de comidas. A complexidade e a heterogeneidade da rede só foram apreendidas por meio da análise dos principais atores presentes na rede, conforme posto por Callon (1986)CALLON, M. The sociology of an actor-network: the case of the electric vehicle. In: CALLON, M.; RIP, A.; LAW, J. (Eds.). Mapping the dynamics of science and technology: sociology of science in the real world Palgrave Macmillan, p. 19-34, 1986. no que tange ao princípio da livre associação.

Em vista disso, considerando que um ator desempenha uma ação e modifica determina circunstância, pode-se afirmar, também, que alguns fatores impulsionaram a rede investigada nesta pesquisa. Os impulsionadores emergiram a partir de uma conjuntura favorável, que aliam a ascensão dos celulares smartphones, os avanços tecnológicos em meios de comunicação digital e internet móvel e o aumento da demanda por serviços de delivery, como ocorreu a partir do que foi apresentado pelas necessidades de praticidade e de comodidade dos usuários. Todos esses impulsionadores decorreram de ações humanas e não humanas que interviram na construção do mercado.

Neste ponto, retoma-se o conceito de translação, posto que é possível tomar como subsídio para compreender os eventos e os actantes na rede em questão. Conforme Latour (1994)LATOUR, B. On technical mediation: philosophy, sociology, genealogy. Common Knowledge, v. 3, n. 2, p.29-64, 1994., esse processo de translação que possibilita a mediação é a ligação criada que não existia anteriormente, e então, modifica os dois elementos ou agentes que estão envolvidos na mesma relação. Os aplicativos, em seu papel como ator não humano na rede de delivery de comidas, amplificaram as mudanças na rede em que operam. Ao analisar como as mudanças evoluíram ao longo do tempo, pode-se retomar alguns anos atrás, quando os pedidos de serviços de entrega eram solicitados por meio do telefone. A forma de realizar o pedido com o mesmo objetivo - receber uma refeição em determinado local - foi moldado. Simultaneamente ao processo de evolução do aparelho celular, que passou para um smartphone, os aplicativos de entrega surgiram. Por meio da digitalização, o sistema de solicitação e entrega de pedidos foi moldado a partir do que já ocorria anteriormente. E isso tomou novas formas com a proliferação dos dispositivos móveis na vida cotidiana dos usuários.

De certa forma, cabe aqui recuperar a ideia de arranjos (ÇALIŞKAN; CALLON, 2010ÇALIŞKAN, K.; CALLON, M. Economization, part 2: A research programme for the study of markets. Economy and Society, v. 39, n. 1, p. 1-32, 2010.; CALLON, 2009CALLON, M. Elaborating the notion of performativity. Le Libellio d’AEGIS, Paris, v. 5, n. 1, p. 18-29, 2009.), uma vez que o dispositivo anteriormente utilizado não desapareceu, mas foi transformado em um novo tipo, com novos ajustes e configurações que provocaram a reorganização de associações na rede. Com a crescente tecnologia digital, os smartphones representam os transmissores de novas capacidades de comunicação, que foi estendida para os diferentes atores e a inclusão de diversos aplicativos. O uso cotidiano desses dispositivos digitais tem impacto direto na maneira como os atores se relacionam com os seus associados.

Com a digitalização do consumo ocorreram (estão ocorrendo) mudanças nos papéis e responsabilidades, assim como na capacidade de agência entre os atores (HAGBERG; SUNDSTROM;EGELS-ZANDÉN,2016HAGBERG, J.; SUNDSTROM, M.; EGELS-ZANDÉN, N. The digitalization of retailing: an exploratory framework. International Journal of Retail & Distribution Management, v. 44, n. 7, p. 694-712, 2016.). Os limites que impunham maior domínio para o lado dos fornecedores foram desfocados, reduzindo a assimetria de poderes em uma mesma rede. Dito de outro modo, a relação fornecedor-consumidor sofreu transformações. Isso porque a proliferação da tecnologia digital, internet e, consequentemente, dos dispositivos digitais está relacionada ao crescimento do poder do consumidor, reduzindo a assimetria existente (LABRECQUE et al., 2013LABRECQUE, L. I. et al. Consumer power: evolution in the digital age. Journal of Interactive Marketing, v. 27, n. 4, p.257-269, 2013.).

A partir das novas configurações, diferentes soluções de serviços de entrega emergiram envolvendo o consumidor, o fornecedor e o entregador.Além disso, ocorreu também a digitalização dos atores, posto que a natureza dos atores humanos foi potencialmente modificada e, no contexto dessa rede, deve ser pensada em conjunto com o ator não humano (HAGBERG; SUNDSTROM;EGELS-ZANDÉN, 2016HAGBERG, J.; SUNDSTROM, M.; EGELS-ZANDÉN, N. The digitalization of retailing: an exploratory framework. International Journal of Retail & Distribution Management, v. 44, n. 7, p. 694-712, 2016.).

A digitalização de práticas de consumo e de mercado possibilita novas formas de agência no que tange à rede de associações em questão. A capacidade de agência não é atribuída somente aos consumidores, entregadores, fornecedores e designers, mas envolve também o aplicativo de serviços de entrega, que age coletivamente com os atores humanos. Embora a agência desse aplicativo dependa de uma predefinição, a qual atua a partir de planejamento de programadores, designers e discriminação dos algoritmos; há o envolvimento e análise dos dados que moldam as informações que são/serão reproduzidas para os demais atores, seja para aqueles que realizarão seus pedidos, aqueles que farão as entregas e outros, que serão responsáveis pela produção do produto a ser entregue.

Portanto, com a digitalização das práticas de consumo e mercados, novas tecnologias emergem, novos mercados e outras mudanças ocorrem. Tudo isso instituído pelo aplicativo digital utilizado pelos atores que integram uma mesma rede. No que tange especificamente aos mercados, nota-se dois exemplos de modelos de negócios que se desdobraram a partir das práticas dos atores que operam na rede de delivery de comidas: modelo baseado em um processo de segmentação demográfica e modelo de gestão por meio de licenciados. Ambos os modelos provocam a formatação de mercados por meio das práticas de mercados. São práticas emergentes que engajaram os atores para a formatação desse mercado (ARAUJO;KJELLBERG; SPENCER, 2008ARAUJO, L.; KJELLBERG, H. SPENCER, R. Market practices and forms: introduction to the special issue. Marketing Theory, v. 8, n. 1, p. 5-14, 2008.).

O modelo de negócios a partir da segmentação demográfica, com foco em cidades do interior, remete à uma diferenciação de atuação do Aiqfome. Há uma definição e construção de espaço, direcionando os arranjos constituídos pelos atores da rede (ARAUJO, 2007ARAUJO, L. Markets, market-making and marketing. Marketing Theory, v. 7, n. 3, p. 211-226, 2007.; KJELLBERG; HELGESSON, 2006KJELLBERG, H.; HELGESSON, C. F. Multiple versions of markets: multiplicity and performativity in market practice. Industrial Marketing Management, v. 35, n. 7, p. 839-855, 2006.). É comum que os grandes centros urbanos sejam os escolhidos para campo de atuação de diferentes empresas, principalmente, aquelas relacionadas aplicativos e tecnologias. No entanto, observa-se que a rede de delivery de comida foi reorganizada de modo a trazer rentabilidade financeira em locais ainda não explorados. O modelo de negócios, a partir da gestão de licenciados, complementa o primeiro modelo apresentado. Além de ser uma forma de garantir a sustentabilidade financeira para a gestão do aplicativo, contribui para sua expansão territorial.

Ao tratar de cada ator, observa-se as diferenças de interesses ao operarem em rede. Para o aplicativo, o foco está no número de estabelecimentos cadastrados, opções de segmentos de estabelecimentos, volume de uso de cupom de desconto e outros. Para os restaurantes, o foco está no volume de pedidos e na gestão destes. Para o usuário, a sua finalidade na rede é garantir a praticidade e a comodidade. Já os entregadores, o seu foco está na entrega do pedido.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos de práticas, combinados com consumo e mercado podem contribuir para a compreensão de uma determinada rede, seus atores e suas práticas como um todo. Por meio do que foi apresentado a partir da realização desta pesquisa, notou-se a importância da articulação entre ambas as abordagens sobre práticas. Além disso, o arcabouço teórico da TAR possibilitou abranger os aplicativos digitais, os quais foram adotados, que são utilizados e estão integrados em diferentes práticas cotidianas.

Os resultados apresentados e analisados permitiram compreender como práticas de consumo e de mercados são instituídas e moldadas, a partir da mediação de aplicativos de serviços de entrega de comidas que operam em rede. Foram abordados os principais atores que operam na rede de delivery de comidas, com suas especificidades e características; e as práticas desses atores foram caracterizadas, para entender como eles operam na rede de serviços de entrega de comidas, a partir da reformatação de suas práticas como desdobramentos da mediação do aplicativo digital.

A interseção entre consumo e mercado, por meio de práticas, configura-se como contribuição teórica oriunda desta pesquisa. Destacou-se como práticas de consumo e de mercados estão profundamente entrelaçadas entre si, especialmente quando se trata sobre suas mediações por dispositivos digitais. Considerando o caráter dinâmico e transformativo da inserção do ator não humano em uma rede, são diferentes práticas que se desdobram e, ao focar em um ator específico e suas práticas ou ao tratar de abordagens de práticas por uma visão unilateral, a análise fica incompleta. Pensando nisso, ao abordar práticas nesta pesquisa, a visão exclusiva sob o consumidor foi descentralizada, ampliando a imagem da rede como um todo e abarcando, também, práticas de mercado no âmbito da digitalização.

No âmbito da teoria ator-rede, as contribuições estão pautadas em como a característica do ator não humano atua na reformatação de uma rede. Com características oriundas da digitalização, o aplicativo tornou-se central na rede ao cumprir seu papel de mediador entre as translações que ali ocorrem. O aplicativo atua a partir de informações dos atores e conhecimento programado, provocando reestruturação da rede. Neste ponto, observa-se que há um equilíbrio de simetria entre os atores, uma vez que mais informações estão disponíveis ao acesso dos atores e, consequentemente, mais conhecimento sobre os mesmos.

Em vista disso, esta pesquisa também provoca contribuições que versam sobre o processo de digitalização. Pode-se afirmar a digitalização como um processo que impulsiona a simetria entre os atores da rede. A partir da centralidade que o aplicativo digital ocupa na rede, as relações entre os atores foram formatadas e ficou explícito a simetria entre todos eles num contexto digitalizado. Anteriormente, numa rede linear havia uma assimetria, onde ascapacidades de agência do usuário e do fornecedor eram maiores. Numa rede com relações interdependentes, como a que foi investigada, ambos acabam tendo uma capacidade de agência menor quando comparado aos processos anteriores. O aplicativo digital, que agora atua de forma direta nas relações dos atores, possibilita o acesso a diferentes opções, até mais do que o usuário ou o fornecedor conhece ou imagina, a partir de suas configurações, que advêm da sua programação artificial, em decorrência da digitalização.

Em termos gerenciais, identificou-se como os aplicativos digitais podem ser rentáveis e lucrativos para cidades de pequeno porte e interioranas. O Aiqfome é todo desenvolvido com foco em modelos de negócios específicos para cidades pequenas. E para este fim, o conhecimento sobre os atores é imprescindível, como, por exemplo, seu perfil, estilo de vida, objetivos e modos de comunicação. Tal conhecimento resulta na forma de comunicação específica entre os atores, conduzida pelo próprio aplicativo e demais atores que o estruturam internamente. Por isso, as particularidades de um estilo próprio de comunicação advêm de estratégias que estão relacionadas ao objetivo final de lucratividade e rentabilidade.

Ademais, considerando o contexto de isolamento social em que a sociedade se encontrou, principalmente nos meses que decorreram no ano de 2020, o aplicativo de delivery foi de grande destaque para a sociedade. Os aplicativos foram a saída para muitas dificuldades. Por um lado, foi a alternativa adotada por usuários como forma de ter acesso a alimentos e outros recursos necessários para a sobrevivência. Por outro lado, impulsionou o processo de digitalização de estabelecimentos, o surgimento de novos estabelecimentos e alternativa de trabalho para entregadores.

Para pesquisa futuras, sugere-se a investigação da construção e programação da inteligência artificial do aplicativo com vistas estratégicas para a sua atuação no mercado. Também, pode-se analisar, de forma comparativa, as mudanças decorridas do processo de logística própria ofertada pelos aplicativos.

  • 4
    O número de usuários em redes sociais pode não representar um único indivíduo. Isso ocorre devido ao fato de algumas contas representarem empresas, animais, lugares e outros.
  • 5
    O restante do tráfego ocorre com a seguinte distribuição: 41,4% notebooks e computadores; 2,8% tablets; e 0,07% outros dispositivos.
  • 6
    O conceito de translação é compreendido como uma ação, por meio da qual um ator move outro em um caminho a partir de sua posição e objetivo original, levando-o a uma posição diferente ou para outros objetivos. Por isso, refere-se aos movimentos dos atores, que ocorrem na rede em relação às transformações nos arranjos de atores humanos e não humanos. Tais movimentos emergem dos interesses e das possibilidades dos atores, os quais alteram, restringem e negociam com o objetivo de conquistar algo.
  • 7
    Convém destacar que o conceito utilizado de arranjo parte de Callon (2009)CALLON, M. Elaborating the notion of performativity. Le Libellio d’AEGIS, Paris, v. 5, n. 1, p. 18-29, 2009. e Çalişkan e Callon (2010)ÇALIŞKAN, K.; CALLON, M. Economization, part 2: A research programme for the study of markets. Economy and Society, v. 39, n. 1, p. 1-32, 2010.. Os arranjos representam atos de elementos heterogêneos que se ajustam um ao outro em uma determinada rede, como operadores das translações.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2022
  • Aceito
    07 Mar 2023
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