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INTERAÇÕES E SUAS IMPLICAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DE SEGURANÇA1 1 Recebido em 4/1/2021, aceito em 29/9/2021. 2 2 As autoras agradecem o apoio recebido da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (TO 141/2019) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo 425016/2018-8.

INTERACTIONS AND THEIR IMPLICATIONS IN THE DEVELOPMENT OF PUBLIC POLICIES IN THE AREA OF SECURITY

INTERACCIONES Y SUS IMPLICACIONES EN EL DESARROLLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EN EL ÁREA DE SEGURIDAD

RESUMO

Um dos principais desafios da gestão de políticas públicas está em transformar intenções em ações. Trata-se de um sistema complexo caracterizado por agentes autônomos, multiplicidade de atores, interesses conflitantes, poder compartilhado, entre outros aspectos que geram uma lacuna entre formulação e implementação. Neste contexto, a dinamicidade das interações e a maneira com que elas são administradas têm implicações essenciais nos resultados. Este estudo explora conceitos de políticas públicas, interações e sistemas adaptativos complexos para analisar como as interações determinadas por sistemas justapostos e sistemas frouxamente articulados influenciaram o desenvolvimento de uma Política Pública de Segurança. Os dados foram coletados por meio de entrevistas, observação não participante e documentos, e foram analisados por meio de técnicas de análise de narrativa e análise documental. Resultados revelaram que, embora a formulação da política pública represente um sistema justaposto e a sua implementação, um sistema frouxamente articulado, a excessiva sistematização e dificuldades estruturais próprias da gestão pública limitam o alcance dos resultados. O alcance de resultados mais efetivos perpassa a formação de redes de interações que equilibrem padrões formais com a flexibilidade necessária para permitir contribuições advindas da capacidade de aprendizado dos implementadores.

Palavras-chave:
Política pública; Sistema complexo; Interações; Segurança pública

ABSTRACT

One of the main challenges of public policy management is to transform intentions into actions. It is a complex system characterized by autonomous agents, multiplicity of actors, conflicting interests, shared power, among other aspects that generate a gap between formulation and implementation. In this context, the dynamics of interactions and the way they are managed have essential implications for the results. This study explores concepts of public policy, interactions and complex adaptive systems to analyze how interactions determined by tightly and loosely coupled systems influenced the development of a public security policy. Data were collected through interviews, non-participant observation and documents, and were analyzed using narrative analysis techniques and document analysis. Results revealed that although the formulation of public policy represents a juxtaposed system and its implementation, a loosely coupled system, excessive systematization and structural difficulties inherent to public management limits its implementation. Achieving more effective results permeates the formation of interaction networks that balance formal standards with the necessary flexibility to allow contributions arising from informal interactions and, consequently, from the learning of the implementers.

Keywords:
Public policy; Complex system; Interactions; Public security

RESUMEN

Uno de los principales desafíos de la gestión de políticas públicas es transformar las intenciones en acciones. Es un sistema complejo caracterizado por agentes autónomos, multiplicidad de actores, intereses en conflicto, poder compartido, entre otros aspectos que generan una brecha entre formulación e implementación. En este contexto, la dinámica de las interacciones y la forma de gestionarlas tienen implicaciones esenciales en los resultados. Este estudio explora conceptos de políticas públicas, interacciones y sistemas adaptativos complejos para analizar cómo las interacciones determinadas por sistemas yuxtapuestos y sistemas libremente articulados influyeron en el desarrollo de una Política de Seguridad Pública. Los datos se reunieron mediante entrevistas, observación no participante y documentos, y se analizaron mediante técnicas de análisis narrativo y análisis documental. Los resultados revelaron que, aunque la formulación de la política pública representa un sistema yuxtapuesto y su implementación, un sistema libremente articulado, la excesiva sistematización y las dificultades estructurales inherentes a la gestión pública limitan el alcance de los resultados. El logro de resultados más efectivos permea la formación de redes de interacciones que equilibren las normas formales con la flexibilidad necesaria para permitir contribuciones derivadas de la capacidad de aprendizaje de los implementadores.

Palabras clave:
Política pública; Sistema complejo; Interacciones; Seguridad pública

INTRODUÇÃO

Políticas públicas apresentam especificidades que permitem caracterizá-las como sistemas complexos (ROOM, 2011ROOM, G. Complexity, institutions, and public policy: agile decision-making in a turbulent world. Cheltenham: Edward Elgar, 2011.; MUELLER, 2020MUELLER, B. Why public policies fail: policymaking under complexity. Economia, v. 21, n. 2, p. 311-323, 2020. DOI: https://doi.org/10.1016/j.econ.2019.11.002.
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) que têm origem nas Teorias da Complexidade (CILLIERS, 2002CILLIERS, P. Why we cannot know complex things completely. Emergence, v. 4, n. 1, p. 77-84, 2002. DOI: https://doi.org/10.1080/15213250.2002.9687736.
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). Com reflexo para o âmbito organizacional, as Teorias da Complexidade têm contribuído na explicação de algumas especificidades estruturais, comportamentais e organizacionais, ao considerá-lo como um “sistema”. São exemplos de elementos da complexidade a autonomia dos agentes, a não linearidade, a imprevisibilidade, as redes de feedback (interações) e a capacidade de aprendizado que conduz à auto-organização do sistema (MCDANIEL, 2007; PASCUCI; MEYER, 2013PASCUCI, L. M.; MEYER, V. Estratégia em contextos complexos e pluralísticos. Revista de Administração Contemporânea, v. 17, n. 5, p. 536-555, 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S1415-65552013000500003.
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).

Em especial, as políticas públicas, enquanto sistemas complexos, são caracterizadas pela presença de agentes autônomos, multiplicidade de atores, interesses conflitantes, poder compartilhado, entre outros aspectos que tornam sua gestão um desafio aos gestores públicos (MORGAN, 2002MORGAN, G. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 2002.; BOLMAN; DEAL, 2003BOLMAN, L. G.; DEAL, T. E. Reframing organizations: artistry, choice and leadership. São Francisco: Jossey-Bass, 2003.; EPPEL; RHODES, 2018EPPEL, E. A.; RHODES, M. L. Complexity theory and public management: a ‘becoming’ field. Public Management Review, v. 20, n. 7, p. 949-959, 2018. DOI: https://doi.org/10.1080/14719037.2017.1364414.
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). A implementação de políticas públicas, planos, programas e projetos de governo representa um esforço adicional pelo fato de sua execução depender, sobremaneira, de interações entre gestores e agentes envolvidos na materialização de ações estratégicas (HEIDEMANN, 2009HEIDEMANN, F. G. Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento. In: HEIDEMANN, F. G.; SALM, J. F. (Orgs.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: UNB, 2009. p. 1-17.).

Este estudo analisa como as interações determinadas por sistemas justapostos e sistemas frouxamente articulados influenciaram o desenvolvimento de uma Política Pública de Segurança. Um dos motivos que justificam as dificuldades da implementação pode estar relacionado ao modelo de gestão adotado na elaboração de políticas governamentais. Enquanto a elaboração das políticas é desenvolvida por um grupo de atores - policymakers5 5 Policymakers, também conhecidos como formuladores de políticas, são os agentes governamentais responsáveis por controlar o processo de formulação de políticas, as quais buscam responder e/ou solucionar questões sociais (CAIRNEY; KWIATKOWSKI, 2017; CAIRNEY et al., 2016). (CAIRNEY; KWIATKOWSKI, 2017CAIRNEY, P.; KWIATKOWSKI, R. How to communicate effectively with policymakers: combine insights from psychology and policy studies. Palgrave Communications, v. 3, n. 37, p. 1-8, 2017. DOI: https://doi.org/10.1057/s41599-017-0046-8.
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; CAIRNEY et al., 2016) - a sua implementação depende do apoio de grupos alheios à elaboração, os quais também são conhecidos como street-level bureaucrats6 6 O termo street-level bureaucrats ou burocratas de nível de rua, difundido inicialmente por Lipshy em 1980, refere-se ao grupo de agentes estatais que, no exercício de suas atividades laborais, lidam diretamente com os usuários dos serviços públicos (BONELLI et al., 2019). Fazem parte deste conjunto de burocratas, policiais, professores, assistentes sociais, enfermeiros e outros (LIPSKY, 2019). (LIPSKY, 2019LIPSKY, M. Burocracia de nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Tradução de Arthur Eduardo Moura da Cunha. Brasília: Enap, 2019.; BONELLI et al., 2019BONELLI, F.; FERNANDES, A. S. A.; COÊLHO, D. B.; PALMEIRA, J. S. A atuação dos burocratas de nível de rua na implementação de políticas públicas no Brasil: uma proposta de análise expandida. Cadernos EBAPE.BR, v. 17, n. spe, p. 800-816, 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1679-395177561.
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). Estes últimos, em geral, passam a fazer parte do processo posteriormente, quando da execução de projetos e ações, formal ou informalmente.

O desenvolvimento de uma política pública, portanto, evidencia características tanto de sistemas frouxamente acoplados (loosely coupled systems) como, também, de sistemas fortemente acoplados (tightly coupled systems), como definidos por Orton e Weick (1990ORTON, J. D.; WEICK, K. E. Loosely coupled systems: a reconceptualization. Academy of Management Review, v. 15, n. 2, p. 203-223, 1990. DOI: https://doi.org/10.2307/258154.
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). Sob esta perspectiva, a fase de elaboração da política pública contempla características racionais, próprias de um sistema justaposto, enquanto que a sua implementação acontece num contexto de interesses múltiplos e poder compartilhado - sistema frouxamente articulado - onde a capacidade dos agentes de se adaptar, interagir e aprender torna-se essenciais para o alcance dos resultados.

Interações ou rede de interações ganham ênfase neste estudo. É por meio de interações que os agentes se articulam a fim de promover mudanças necessárias à coevolução do sistema. Trata-se de um Sistema Adaptativo Complexo (SAC) que, segundo Stacey (1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.; 2011), possui dois principais tipos de rede de interações: a Rede Legítima (legitimate network) e a Rede Ilegítima ou Sombra (shadow network). Enquanto a primeira se baseia em relações formais e hierárquicas, a Rede Sombra destaca os relacionamentos espontâneos e informais, de natureza social e política, estabelecidos entre agentes à sombra da Rede Legítima.

Neste estudo, políticas públicas, interações e SAC representam conceitos-chave. Isto ocorre em razão da importância de identificar mecanismos que permitam minimizar a lacuna própria de políticas públicas de sair do plano da intenção - em razão de suas especificidades de sistemas justapostos - e atingir o plano da ação - onde o sistema apresenta características frouxamente articuladas - de maneira efetiva.

Neste estudo, o termo “desenvolvimento” contempla formulação e implementação da política pública. Esta pesquisa tem como foco empírico uma política estadual de segurança pública implementada no estado do Espírito Santo e, mais especificamente, um projeto prioritário denominado Compatibilização de Área de Policiamento, o qual teve como objetivo integrar as atividades de policiais militares e policiais civis, responsabilizando-os de maneira solidária pelos resultados alcançados em territórios compartilhados.

Este estudo apresenta contribuições teóricas e práticas ao estado da arte sobre o assunto. Teoricamente, ao explorar políticas públicas sob as lentes da complexidade esta pesquisa avança ao destacar as implicações das interações, especialmente, as informais, na efetividade dos resultados (MUELLER, 2020MUELLER, B. Why public policies fail: policymaking under complexity. Economia, v. 21, n. 2, p. 311-323, 2020. DOI: https://doi.org/10.1016/j.econ.2019.11.002.
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; EPPEL; RHODES, 2018EPPEL, E. A.; RHODES, M. L. Complexity theory and public management: a ‘becoming’ field. Public Management Review, v. 20, n. 7, p. 949-959, 2018. DOI: https://doi.org/10.1080/14719037.2017.1364414.
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; ROOM, 2011ROOM, G. Complexity, institutions, and public policy: agile decision-making in a turbulent world. Cheltenham: Edward Elgar, 2011.). Igualmente, o campo empírico estudado - segurança pública - tem se apresentado como uma área governamental sensível, crítica e carente de estudos que permitam melhor compreender suas características e implicações, tanto no Brasil como no exterior. Em termos práticos, os resultados deste estudo são contributivos para gestores públicos ao apresentar experiências relativas às etapas de formulação e implementação da política pública, as quais podem ser fonte de aprimoramento de práticas adotadas.

Além desta introdução, a estrutura deste artigo apresenta o referencial teórico, seguido das escolhas metodológicas e da apresentação e análise dos resultados. Por fim, são apresentadas as conclusões e sugestões para futuros estudos.

1 FORMULAÇÃO VERSUS IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Em termos práticos, política pode ser definida como “uma ação, prática, diretriz, fundada em lei e empreendida como função do Estado por um governo, para resolver questões gerais específicas da sociedade” (HEIDEMANN, 2009HEIDEMANN, F. G. Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento. In: HEIDEMANN, F. G.; SALM, J. F. (Orgs.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: UNB, 2009. p. 1-17., p. 28). Política pública, por sua vez, diz respeito a um conjunto de atividades políticas (TEIXEIRA; ORNELAS, 2018TEIXEIRA, M. G. C.; ORNELAS, A. L. Formulação de política pública de saúde: análise do projeto Teias à luz do modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon. Revista Eletrônica de Administração, v. 24, n. 1, p. 179-207, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1413-2311.201.66388.
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), ou seja, “colocar o governo em ação e, quando, necessário propor mudanças no rumo ou curso dessas ações” (SOUZA, 2006SOUZA, C. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, v. 16, p. 20-45, 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S1517-45222006000200003.
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, p. 26).

Política pública tem amplitude maior do que as políticas de governo (HEIDEMANN, 2009HEIDEMANN, F. G. Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento. In: HEIDEMANN, F. G.; SALM, J. F. (Orgs.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: UNB, 2009. p. 1-17.), podendo envolver outros atores não governamentais. Para este autor, política pública se refere a “decisões formuladas e implementadas pelos governos em conjunto com as demais forças vivas da sociedade” (HEIDEMANN, 2009, p. 28), seja de alcance geral ou setorial. Trata-se de um conjunto de intenções e ações, onde cada intenção governamental deve ser materializada para que a política pública seja efetiva. Um dos principais desafios, entretanto, está na diferença entre “o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz” (SOUZA, 2006SOUZA, C. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, v. 16, p. 20-45, 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S1517-45222006000200003.
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, p. 36).

Uma das razões apontadas por Oliveira (2006OLIVEIRA, J. A. P. Desafios do planejamento em políticas públicas: diferentes visões e práticas. Revista de Administração Pública, v. 40, n. 2, p. 273-288, 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S0034-76122006000200006.
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) para o insucesso de políticas públicas está na dicotomia entre os processos de elaboração e implementação. Para este autor planejar não é uma atividade trivial, pois exige um suposto controle da complexidade intrínseca à implementação. Ocorre que a elaboração de políticas públicas é, muitas vezes, realizada por um grupo de agentes interligados de forma consensual, enquanto que a implementação é desenvolvida por outros agentes semiautônomos, alheios ao processo de elaboração. Há, ainda, dificuldades próprias da gestão pública, tais como, escassez de recursos financeiros, restrição de capacidade técnica, cultura organizacional e dificuldades de gestão e articulação entre as organizações estatais, por exemplo (OLIVEIRA, 2006OLIVEIRA, J. A. P. Desafios do planejamento em políticas públicas: diferentes visões e práticas. Revista de Administração Pública, v. 40, n. 2, p. 273-288, 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S0034-76122006000200006.
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). Também a resistência às mudanças (MARCH, 1981MARCH, J. G.; SIMON, H. Limites cognitivos da racionalidade. In: MARCH, J. G.; SIMON, H. (Eds.). Teoria das organizações. Rio de Janeiro: FGV, 1981. p. 192-238.) e a descontinuidade administrativa (FARAH, 1997) a cada novo mandato político (CAMPOS; LADEIRA; RODRIGUES, 2017CAMPOS, D. H. C.; LADEIRA, L. C.; RODRIGUES, R. V. A. (Des)Continuidade administrativa e democracia: transição governamental em um contexto democrático. Cadernos da Escola do Legislativo, v. 19, n. 31, 2017. Disponível em: <https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/26131>. Acesso em: 01 dez. 2020.
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) são aspectos que comprometem a implementação de políticas públicas.

Importante destacar, ainda, que organizações contemplam atividades, propósitos e significados, logo os comportamentos dos agentes estão conectados às intenções e, consequentemente, às decisões. O processo decisório, por sua vez, é influenciado por características cognitivas individuais (MARCH, 1994), além de sua reconhecida limitação da racionalidade (SIMON, 1979SIMON, H. A tomada de decisões nas organizações administrativas. In: ________. (Org.). Comportamento administrativo. Rio de Janeiro: FGV, 1979. p. 1-19.) para fazerem escolhas ótimas. Há, portanto, muitas lacunas entre a formulação e a implementação de políticas públicas, as quais podem ser atribuídas a características inerentes à complexidade deste contexto (ROOM, 2011ROOM, G. Complexity, institutions, and public policy: agile decision-making in a turbulent world. Cheltenham: Edward Elgar, 2011.). A natureza complexa e imprevisível da organização pública também põe óbice ao controle deliberado das ações.

Outro aspecto presente na implementação de políticas públicas é que esta última é parte de um processo de influência, viciado pelo uso de poder, política e interesses (MINTZBERG, 1985MINTZBERG, H. The organization as political arena. Journal of Management Studies, v. 22, n. 2, p. 133-154, 1985. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1467-6486.1985.tb00069.x.
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; MORGAN, 2002MORGAN, G. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 2002.). Salienta-se, contudo, o fato de que na Administração Pública o ambiente organizacional politizado é observável em todos os ramos da atividade. A esse respeito, Bolman e Deal (2003BOLMAN, L. G.; DEAL, T. E. Reframing organizations: artistry, choice and leadership. São Francisco: Jossey-Bass, 2003., p. 190, tradução nossa) afirmam que “se as pressões políticas sobre os objetivos são visíveis no setor privado, são flagrantes na arena pública”. Portanto, interações formais e, principalmente, informais, ganham ênfase quando se trata de transformação de intenções em ações.

2 POLÍTICAS PÚBLICAS, COMPLEXIDADE E INTERAÇÕES

Em meados de 1956 o paradigma da Complexidade ganhou destaque por meio de pesquisas nas áreas de Biologia, Cibernética e Física (SERVA, 1992SERVA, M. O paradigma da complexidade e a análise organizacional. Revista de Administração de Empresas, v. 32, n. 2, p. 26-35, 1992. DOI: https://doi.org/10.1590/S0034-75901992000200004.
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). Morin (2003MORIN, E. Ciência com consciência. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003.) acrescenta também a relevância da teoria dos sistemas na construção do conhecimento multidimensional e destaca a noção do sujeito e sua auto-organização reflexiva em resposta às demandas do contexto que o cerca. Ao buscar compreender a relação entre as partes que compõe um sistema, sem desvincular umas das outras, as teorias da complexidade permitem uma análise que une e, não mais, isola ou separa as áreas da ciência.

Nas Ciências Sociais Aplicadas, em especial, os conceitos das teorias da complexidade têm sido contributivos ao estudo de organizações complexas e contextos pluralísticos (PASCUCI; MEYER, 2013PASCUCI, L. M.; MEYER, V. Estratégia em contextos complexos e pluralísticos. Revista de Administração Contemporânea, v. 17, n. 5, p. 536-555, 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S1415-65552013000500003.
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; FURTADO; SAKOWSKI; TÓVOLLI, 2015FURTADO, B. A.; SAKOWSKI, P. A. M.; TÓVOLLI, M. H. (ed.) Modelagem de sistemas complexos para políticas públicas. Brasília: IPEA, 2015.; SCAGLIONE; MEYER; MAMEDIO, 2019) e de políticas públicas (KLIJN, 2008KLIJN, E. H. Complexity Theory and Public Administration: what’s new; key concepts in complexity theory compared to their counterparts in public administration. Public Management Review, v. 10, p. 299-317, 2008. DOI: https://doi.org/10.1080/14719030802002675.
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; MORÇÖL, 2012MORÇÖL, G. A complexity theory for public policy. London: Routledge, 2012.; ÖZER; SEKER, 2013ÖZER, B.; SEKER, G. Complexity theory and public policy: a new way to put new public management and governance in perspective. The Journal of Faculty of Economics and Administrative Sciences, v. 18, n. 1, p. 89-102, 2013. Disponível em: <https://pdfs.semanticscholar.org/0f86/7db6c827df8f668c33adf8a47da51ce2e209.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2020.
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; EPPEL; RHODES, 2018EPPEL, E. A.; RHODES, M. L. Complexity theory and public management: a ‘becoming’ field. Public Management Review, v. 20, n. 7, p. 949-959, 2018. DOI: https://doi.org/10.1080/14719037.2017.1364414.
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; ALMEIDA; GOMES, 2019ALMEIDA, L. A.; GOMES, R. C. Perspectivas teóricas para a análise de políticas públicas: como lidam com a complexidade? Administração Pública e Gestão Social, v. 11, n. 1, p. 16-27, 2019. DOI: https://doi.org/10.21118/apgs.v11i1.1557.
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). A característica sistêmica da política pública impede que ela seja adequadamente compreendida por meio de uma análise reducionista. Tal impossibilidade remete ao princípio hologramático de sistemas complexos, segundo o qual o todo representa mais do que a soma de suas partes (MORIN, 2003MORIN, E. Ciência com consciência. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003.). Özer e Seker (2013ÖZER, B.; SEKER, G. Complexity theory and public policy: a new way to put new public management and governance in perspective. The Journal of Faculty of Economics and Administrative Sciences, v. 18, n. 1, p. 89-102, 2013. Disponível em: <https://pdfs.semanticscholar.org/0f86/7db6c827df8f668c33adf8a47da51ce2e209.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2020.
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) destacam a similaridade de características de SAC com políticas públicas, tais como, pluralidade de atores e interesses, poder compartilhado, não linearidade entre intenções e ações, incerteza, interações dinâmicas, capacidade de aprendizado e auto-organização que levam e coevolução do sistema, entre outras.

O estudo das interações no desenvolvimento de políticas públicas começou a ganhar destaque no final dos anos de 1980 (RAAB; KENIS, 2007RAAB, J.; KENIS, P. Policy formulation: design and tools. In: FISCHER, F.; MILLER, G. J.; SIDNEY, M. S. (Eds.). Handbook of Public Policy Analysis: theory, politics and methods. London: CRC Press, 2007. p. 187-200.) a partir de pesquisas voltadas a descrição qualitativa e quantitativa das estruturas formais e informais das políticas, motivadas pela análise de redes (RAAB; KENIS, 2007). Segundo Morçöl e Wachhaus (2009MORÇÖL, G.; WACHHAUS, A. Network and complexity theories: a comparison and prospects for a synthesis. Administrative Theory & Praxis, v. 31, n. 1, p. 44-58, 2009. DOI: https://doi.org/10.2753/ATP1084-1806310103.
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) as ponderações das teorias da complexidade, somadas às teorias de rede, representam importante subsídio à análise teórica e metodológica da gestão pública, incluindo as políticas públicas.

Conceitos chave às teorias da complexidade - como é o caso das redes de interações, por exemplo - contribuem significativamente para melhor compreensão do funcionamento e dinamicidade do processo de implementação de políticas públicas. As interações promovidas pelos atores envolvidos na política pública são contundentes para o adequado desenvolvimento das ações. O arranjo de interações entre atores na esfera pública é denominado de rede política (policy network) (RAAB; KENIS, 2007RAAB, J.; KENIS, P. Policy formulation: design and tools. In: FISCHER, F.; MILLER, G. J.; SIDNEY, M. S. (Eds.). Handbook of Public Policy Analysis: theory, politics and methods. London: CRC Press, 2007. p. 187-200.; PÜLZL; TREIB, 2007PÜLZL, H.; TREIB, O. Implementing public policy. In: FISCHER, F.; MILLER, G. J.; SIDNEY, M. S. (Eds.). Handbook of Public Policy Analysis: theory, politics and methods. London: CRC Press, 2007. p. 89-108.). Particularmente, enquanto sistema complexo, a política pública abrange uma multiplicidade de agentes com interesses diversos (ÖZER; SEKER, 2013ÖZER, B.; SEKER, G. Complexity theory and public policy: a new way to put new public management and governance in perspective. The Journal of Faculty of Economics and Administrative Sciences, v. 18, n. 1, p. 89-102, 2013. Disponível em: <https://pdfs.semanticscholar.org/0f86/7db6c827df8f668c33adf8a47da51ce2e209.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2020.
https://pdfs.semanticscholar.org/0f86/7d...
).

O processo de formulação de políticas públicas representa uma fase eminentemente crítica do processo político (SIDNEY, 2007SIDNEY, M. S. Policy formulation: design and tools. In: FISCHER, F.; MILLER, G. J.; SIDNEY, M. S. (Eds.). Handbook of Public Policy Analysis: theory, politics and methods. London: CRC Press, 2007. p. 79-88.). Esta mesma autora utiliza de expressões como “função de bastidores” e “reino de especialistas” (SIDNEY, 2007, p. 79, tradução nossa) para qualificar este processo, por considerar que a formulação ocorre em arenas organizacionais em um determinado momento temporal onde predominam ideias dominantes dos atores.

Além do aspecto político, também as limitações da formulação de políticas públicas têm influência na implementação das ações. Para Pülzl e Treib (2007PÜLZL, H.; TREIB, O. Implementing public policy. In: FISCHER, F.; MILLER, G. J.; SIDNEY, M. S. (Eds.). Handbook of Public Policy Analysis: theory, politics and methods. London: CRC Press, 2007. p. 89-108.), um dos aspectos principais no processo de implementação é identificar as interações e os atores essenciais à execução das ações, pois, é exatamente por meio das relações estabelecidas entre eles que as metas governamentais se transformam em ações. Isso ocorre porque decisões políticas demandam negociações e são tomadas, muitas vezes, em arenas caracterizadas pela variedade de interesses (KLIJN, 2007KLIJN, E. H. Managing complexity: achieving the impossible? Critical Policy Analysis, v. 1, n. 3, p. 252-277, 2007. DOI: https://doi.org/10.1080/19460171.2007.9518522.
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). Portanto, a política pública pode ser percebida como uma rede política dinâmica, composta por atores semiautônomos interligados entre si, suas estratégias e ações. Os resultados gerados por tais redes, por sua vez, dependem das interações realizadas pelos seus membros. Ou seja, a execução de ações previstas na formulação de políticas está diretamente relacionada às interações promovidas por uma multiplicidade de atores com interesses, muitas vezes, divergentes potencializando a complexidade deste processo.

Todavia, as interações podem apresentar diferentes implicações, dependendo de como os processos são geridos. Este tema será explorado a seguir.

3 INTERAÇÕES E SUAS IMPLICAÇÕES NA GESTÃO

Organizações, especialmente aquelas caracterizadas como complexas, a exemplo de prisões, hospitais, igrejas, escolas, associações voluntárias, organizações militares e governamentais (ETZIONI, 1967ETZIONI, A. Organizações complexas: estudo das organizações em face dos problemas sociais. Tradução de João Antônio de C. Medeiros. São Paulo: Atlas, 1967.), são formadas por redes de loops de feedback (STACEY, 1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.). Tais redes são estabelecidas por meio da interação entre agentes segundo padrões que visam a sobrevivência e a emergência de uma coerência no sistema. Neste estudo, interações e rede de interações são adotadas como sinônimos e referem-se às relações estabelecidas pelos indivíduos no contexto social e/ou organizacional, nos termos de Marin e Wellman (2011MARIN, A.; WELLMAN, B. Social network analysis: an introduction. In: SCOTT, J.; CARRINGTON, P. J. (Eds.). Handbook of Social Network Analysis. London: Sage Publications, 2011. p. 11-25.).

Interação, na ótica de SAC, consiste em agentes que se relacionam entre si (STACEY; GRIFFIN; SHAW, 2000STACEY; R. D.; GRIFFIN, D.; SHAW, P. Complexity and management: fad or radical challenge to systems thinking? New York: Routledge, 2000.) e condicionam a sobrevivência, a realimentação e a evolução do sistema em que atuam. Stacey (1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.) destaca dois tipos de rede de interações: i) a rede legítima e ii) a rede ilegítima ou sombra.

Rede legítima diz respeito àquela estabelecida pelos membros da organização ou por meio de princípios, cultura e ideologias aceitas e institucionalizadas. Tais relações são materializadas pela autoridade e pela hierarquia e possuem características determinísticas, previsíveis e lineares. O caráter linear das relações ocorre em razão de três aspectos (STACEY, 1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.): i) só uma resposta é permitida para determinado estímulo, ii) os outputs são proporcionais aos inputs, e iii) o sistema consiste na soma das suas partes. A caracterização destes aspectos expressa o comportamento dos agentes que operam sob regras consensuais e relações de dependência.

A rede ilegítima ou sombra, por sua vez, refere-se a rede estabelecida de maneira informal e espontaneamente por parte dos agentes organizacionais. As interações têm origem em vínculos sociais e políticos, onde estão estruturadas regras e culturas próprias da rede. Em sua maioria, os agentes de redes ilegítimas apresentam objetivos distintos e não oficiais. Logo i) há muitas respostas possíveis às demandas exigidas pelo sistema, ii) os outputs não são proporcionais aos inputs, e iii) o sistema não consiste na soma de suas partes (STACEY, 1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.).

SAC são representados por interações dinâmicas, seja entre agentes, entre grupos e entre agentes, grupos e sistemas, por meio do que é denominado como redes de feedback (STACEY, 1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.). As interações realizadas entre os agentes que compõem o sistema são fundamentais para o processo de aprendizado destes e, consequentemente, para o aprimoramento das interações e ações delas decorrentes. Como destacaram March e Simon (1981MARCH, J. G.; SIMON, H. Limites cognitivos da racionalidade. In: MARCH, J. G.; SIMON, H. (Eds.). Teoria das organizações. Rio de Janeiro: FGV, 1981. p. 192-238., p. 211-212) a ação dos agentes “é orientada para os objetivos e adaptável às circunstâncias”, então, se a adaptabilidade for a curto prazo, a ação não passará de “solução de problemas”, mas, se for a longo prazo corresponderá a “aprendizado”. O aprendizado permite aos agentes o conhecimento do ambiente e, somado às interações, subsidia a manutenção e coevolução do sistema.

As interações e suas especificidades têm implicações significativas na gestão e nos resultados da rede ou, segundo o propósito deste estudo, na implementação de ações estratégicas visando a efetividade de políticas públicas. Os tipos e as características das interações desenvolvidas pelos agentes em determinado sistema podem caracterizá-lo como sendo justaposto (ou fortemente acoplado) ou frouxamente acoplado (MURO; MEYER, 2011MURO, P.; MEYER JR, V. Organizações complexas e confiabilidade organizacional: reflexões sobre as HRO - High Reliability Organizations. Revista de Negócios, v. 16, n. 2, p. 86-100, 2011. DOI: 10.7867/1980-4431.2011v16n2p86-98.). Estas duas categorizações devem-se a Weick (1976WEICK, K. E. Educational organizations as loosely coupled systems. Administrative Science Quarterly, v. 21, n. 1, p. 1-19, 1976. DOI: https://doi.org/10.2307/2391875.
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; 1982) e Orton e Weick (1990ORTON, J. D.; WEICK, K. E. Loosely coupled systems: a reconceptualization. Academy of Management Review, v. 15, n. 2, p. 203-223, 1990. DOI: https://doi.org/10.2307/258154.
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) que cunharam os conceitos de sistemas fortemente articulados (tightly coupled systems) e sistemas frouxamente articulados (loosely coupled systems).

Sistemas justapostos possuem agentes interligados de maneira consistente, determinada e dependentes entre si. O grau de dependência é tão forte entre os agentes que eles se comportam de forma indistinta diante das respostas exigidas pelo ambiente (WEICK, 1976WEICK, K. E. Educational organizations as loosely coupled systems. Administrative Science Quarterly, v. 21, n. 1, p. 1-19, 1976. DOI: https://doi.org/10.2307/2391875.
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; ORTON; WEICK, 1990ORTON, J. D.; WEICK, K. E. Loosely coupled systems: a reconceptualization. Academy of Management Review, v. 15, n. 2, p. 203-223, 1990. DOI: https://doi.org/10.2307/258154.
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). Ou seja, o sistema é caracterizado pelo cumprimento de regras formais, as quais assumem uma lógica racional e linear. Em termos organizacionais, Weick (1982WEICK, K. E. Management of organizational change among loosely coupled elements. In: GOODMAN, P. S. (Ed.). Change in organizations: new perspectives on theory, research and practice. San Francisco: Jossey-Bass, 1982. p. 375-408.) afirma que as articulações justapostas são observadas quando há: i) regras sobre as quais existe consenso, ii) intenso monitoramento, e iii) redes de feedback entre os elementos com finalidade de qualificar o cumprimento dos objetivos do sistema. Portanto, o êxito das ações organizacionais é diretamente proporcional às interações entre os elementos, em virtude das regras formais e da dependência entre eles.

Sistemas frouxamente articulados, por sua vez, são aqueles onde os agentes se afetam mutuamente de forma ocasional, indireta e eventualmente (ORTON; WEICK, 1990ORTON, J. D.; WEICK, K. E. Loosely coupled systems: a reconceptualization. Academy of Management Review, v. 15, n. 2, p. 203-223, 1990. DOI: https://doi.org/10.2307/258154.
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). As relações frouxas podem ocorrer entre indivíduos, unidades, organizações, níveis hierárquicos e atividades (ORTON; WEICK, 1990). Em sistemas frouxamente articulados prevalecem características (WEICK, 1982) tais como: autonomia dos agentes, respostas distintas para um mesmo evento, regras mínimas, integração de práticas e capacidade de improvisação dos agentes. A respeito do comportamento dos agentes, Weick (1982WEICK, K. E. Management of organizational change among loosely coupled elements. In: GOODMAN, P. S. (Ed.). Change in organizations: new perspectives on theory, research and practice. San Francisco: Jossey-Bass, 1982. p. 375-408.) destacou que as articulações tendem a ser frouxas devido a divergência de interesses e falta de consenso entre indivíduos, grupos e subgrupos pertencentes a um determinado contexto organizacional.

Características de sistemas frouxamente articulados são muito presentes na gestão pública. É comum a descentralização da autoridade, sobreposição de funções, conflitos de interesses, interações informais e outros aspectos que contribuem para a frouxidão das articulações (DEE, 2006DEE, J. Institutional autonomy and state-level accountability: loosely coupled governance and the public good. In: TIERNEY, W. G. (Ed.). Governance and the public good. New York: State University of New York Press, 2006. p. 133-155.) e, ainda, para que este contexto seja reconhecido como essencialmente político (MORGAN, 2002MORGAN, G. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 2002.; BOLMAN; DEAL, 2003BOLMAN, L. G.; DEAL, T. E. Reframing organizations: artistry, choice and leadership. São Francisco: Jossey-Bass, 2003.). Por razões como as apresentadas, as relações informais ganham um papel relevante no alcance de resultados individuais ou institucionais (CONDE; FARIAS FILHO, 2016CONDE, R. N. C.; FARIAS, M. C. Relações informais influenciadas pela estrutura formal: uma análise de redes sociais de gestores. Revista de Ciências da Administração, v. 18, n. 46, p. 68-80, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8077.2016v18n46p68.
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).

Assim sendo, é sintomático que as reflexões acerca das teorias da complexidade proporcionem importantes subsídios para melhor compreensão do viés político-organizacional inerente ao desenvolvimento de políticas públicas (BANKES, 2011).

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa se caracteriza por sua natureza qualitativa (DENZIN; LINCOLN, 2018DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. The Sage Handbook of Qualitative Research. London: Sage Publications, 2018.). Quanto aos fins, é classificada como descritiva e exploratória e, quanto aos meios, trata-se de um estudo de caso (GERRING, 2019GERRING, J. Pesquisa de estudo de caso: princípios e práticas. Tradução de Caesar Souza. Petrópolis: Editora Vozes, 2019.). O nível de análise foi o organizacional e a unidade de análise, as interações nos processos de formulação, reformulação e implementação de um projeto que compôs a política pública de segurança do estado do Espírito Santo (ESPÍRITO SANTO, 2011; ESPÍRITO SANTO, 2012; CASAGRANDE, 2015CASAGRANDE, R. (Coord.). Estado Presente em Defesa da Vida: um novo modelo para a segurança pública. Brasília: Fundação João Mangabeira, 2015. Disponível em: <http://fjmangabeira.org.br/wp-content/uploads/2016/06/estado-presente-em-defesa-da-vida-1.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2020.
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). Trata-se do projeto denominado “Compatibilização de Área de Policiamento”, considerado prioritário no Plano Estratégico do Governo do Estado do Espírito Santo 2011-2014 (ESPÍRITO SANTO, 2011), razão pela qual foi selecionado para investigação aprofundada. O projeto teve como objetivo promover a integração de atividades especificas de policiais militares e policiais civis, responsabilizando-os de maneira solidária pelos resultados alcançados em um mesmo território compartilhado.

Os principais atores da rede investigada foram a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo (SESP) e duas de suas unidades vinculadas - Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) e Polícia Civil do Espírito Santo (PCES). O estudo contemplou o período entre 2007 e 2014, para considerar todo o desenvolvimento do projeto. Dentre os municípios do estado onde o projeto foi implementado, selecionou-se para esta pesquisa o município Vila Velha (localizado na Região Metropolitana da Grande Vitória), por critério de conveniência.

Em que pese a ascensão de estudos tratando sobre violência e criminalidade na literatura, o desenvolvimento de pesquisas cientificas sobre políticas públicas de segurança focadas em estratégias de policiamento pode ser considerado um desafio (COSTA; LIMA, 2017COSTA, A. T. M.; LIMA, R. S. Estatísticas oficiais, violência e crime no Brasil. BIB, n. 84, p. 81-106, 2017. DOI: https://doi.org/10.17666/bib8403/2018.
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). Tal desafio diz respeito a particularidades e sensibilidade próprias do campo da segurança pública no Brasil (MINAYO; SOUZA; CONSTANTINO, 2008MINAYO, M. C. S.; SOUZA, E. R.; CONSTANTINO, P. (Coord.). Missão prevenir e proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policiais militares do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008.) que requerem, em muitos casos, esforços de convencimento e acessibilidade, a fim de viabilizar pesquisas científicas (DENARI, 2016DENARI, G. B. “O Batom na caveira”: um estudo sobre as mulheres na Polícia Militar do Estado de São Paulo. 2016. 118 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016.; SERRANO, 2019SERRANO, E. V. O trabalho dos policiais militares do Espírito Santo sob o ponto de vista da atividade: análises ergológicas. 2019. 171 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Institucional) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2019.; ALCADIPANI; CEPELLOS, 2017ALCADIPANI, R.; CEPELLOS, V. M. Pesquisas Sensíveis em Administração e Organizações: Práticas e Desafios. Administração: Ensino e Pesquisa, v. 18, n. 2, p. 417-437, 2017. DOI: https://doi.org/10.13058/raep.2017.v18n2.680.
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). Tais limitações foram supridas, neste estudo, pelo fato de uma das pesquisadoras ter acesso privilegiado ao campo, desempenhando, à época, funções profissionais em órgãos estaduais responsáveis pela segurança pública.

Os dados foram coletados em 2015, quando foi concluída a implementação do projeto foco de estudo. Ainda que a política pública tenha sido implementada há alguns anos, trata-se de uma iniciativa que ganhou o reconhecimento nacional como um caso de sucesso na área de segurança pública por ter conseguido reduzir, significativamente, o índice de homicídios dolosos no estado (CERQUEIRA et al., 2020CERQUEIRA, D. R. C.; SILVA NETO, D. R.; COELHO, D. S. C.; LINS, G. O. A. Uma avaliação de impacto de política de segurança pública: o Programa Estado Presente do Espírito Santo. Brasília: IPEA, 2020. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35347>. Acesso em: 01 dez. 2020.
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).

Os dados foram coletados por meio de três principais fontes: entrevistas, observação não participante e documentos. Foram realizadas entrevistas em profundidade (COOPER; SCHINDLER, 2016COOPER, D. R.; SCHINDLER, P. S. Métodos de pesquisa em Administração. Porto Alegre: AMGH, 2016.) com 16 pessoas que participaram do desenvolvimento do projeto visando identificar características da formulação, reformulação e implementação do projeto, assim como das interações e suas implicações, quando justapostas ou frouxamente articuladas.

Os entrevistados foram selecionados por meio de amostragem do tipo bola de neve (COOPER; SCHINDLER, 2016COOPER, D. R.; SCHINDLER, P. S. Métodos de pesquisa em Administração. Porto Alegre: AMGH, 2016.). Inicialmente, foram entrevistados cinco membros da Comissão de Elaboração do Projeto foco de investigação, os quais foram selecionados utilizando-se o critério de acessibilidade. Na sequência foram entrevistadas outras três pessoas, indicadas pelos primeiros, em razão de seu importante papel nos processos de formulação e reformulação do projeto. Os oito entrevistados restantes foram identificados como pessoas chave na implementação do projeto. O rol de entrevistados contemplou membros da alta administração da SESP, policiais militares e policiais civis (de diferentes níveis de atuação), gestor municipal de segurança pública, promotor de Justiça e liderança comunitária. As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos atores e foram transcritas visando assegurar a sua fidedignidade para análise. Para garantir o anonimato dos entrevistados cada um deles recebeu o código “E” seguido de um numeral (de E1 a E16).

A observação não participante ocorreu por meio da participação de uma das pesquisadoras em uma rede de interações composta por policiais civis e militares no aplicativo WhatsApp. O ingresso da pesquisadora no grupo do WhatsApp se deu a partir de convite espontâneo de um dos administradores do grupo durante a realização de uma entrevista. Como resultado, observou-se as interações realizadas pelos policiais - estritamente em razão do estudo. As anotações provenientes das observações foram registradas em um diário de campo. As transcrições das entrevistas e observações registradas somaram 155 páginas. Também vislumbrando o anonimato dos participantes, preservou-se o título do grupo, a identificação dos números de telefones e as informações sigilosas.

Também foram utilizados dados secundários tais como Decretos Estaduais, Manual de Gestão de Indicadores de Segurança Pública e Atas de Reuniões Integradas de Segurança Pública. Em ato contínuo à coleta procedeu-se a análise dos dados. Os dados das entrevistas e da observação não participante foram analisados por meio da técnica de Análise de Narrativas (BRAUN; CLARKE; GRAY, 2017BRAUN, V.; CLARKE, V.; GRAY, D. Coleta de dados qualitativos: um guia prático para técnicas textuais, midiáticas e virtuais. Tradução de Daniela Barbosa Henriques. Petrópolis: Vozes, 2017.). Aos documentos coletados foi aplicada a técnica de análise documental. As diferentes técnicas adotadas permitiram a triangulação de dados.

5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

O projeto “Compatibilização de Área de Policiamento”, constante no rol dos projetos prioritários da política estadual de segurança pública do Espírito Santo do período compreendido entre 2011 e 2014, tinha como principal objetivo promover a integração entre as Polícias Civil e Militar a partir da designação de procedimentos e metas de responsabilidades comuns (ESPÍRITO SANTO, 2010, 2011, 2012). A materialização deste objetivo demandava uma série de rotinas de trabalho integradas pelos policiais como o planejamento operacional conjunto, o compartilhamento de informações, o monitoramento e a avaliação de indicadores criminais, entre outras atividades. À SESP, enquanto órgão estadual responsável pela coordenação das ações de segurança, coube a condução do projeto visando o alcance dos resultados. O projeto estudado previa, então, a integração de algumas atividades de trabalho das Polícias, respeitadas as suas especificidades7 7 As Polícias estaduais possuem atribuições distintas, definidas na Constituição brasileira. Enquanto a Polícia Militar, como força auxiliar e reserva do Exército, tem como função o policiamento ostensivo; a Polícia Civil, também chamada de polícia judiciária, tem como função a apuração de infrações penais, exceto as militares (BRASIL, 1988). .

As três etapas do Projeto Compatibilização de Área de Policiamento podem ser assim distribuídas: i) Processo de Formulação ou Elaboração (2007-2010), ii) Processo de Reformulação (2011) e iii) Processo de Implementação (2011-2014).

Na etapa de Formulação a SESP instaurou uma Comissão formada por atores de distintos órgãos estaduais, incluindo PMES e PCES (ESPÍRITO SANTO, 2010). O grupo de trabalho era responsável por examinar experiências semelhantes de outros estados (Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo) e debater o modelo de gestão a ser implementado no Espírito Santo. Como produto do trabalho da Comissão foi elaborado o Decreto Estadual nº 2579-R, de 2010, que estabeleceu as diretrizes do projeto. Todavia, apesar dos esforços empreendidos o projeto não foi implementado como previsto.

Em 2011 o projeto foi reformulado. Naquele ano teve início uma nova gestão governamental que, de pronto, reconheceu que os indicadores de criminalidade do estado indicavam níveis inadequados à qualidade de vida da população (ESPÍRITO SANTO, 2011). A partir dos desafios identificados para a segurança pública concebeu-se uma política estadual de segurança pública cuja finalidade principal era priorizar iniciativas voltadas ao enfrentamento da violência letal (ESPÍRITO SANTO, 2012; CASAGRANDE, 2015CASAGRANDE, R. (Coord.). Estado Presente em Defesa da Vida: um novo modelo para a segurança pública. Brasília: Fundação João Mangabeira, 2015. Disponível em: <http://fjmangabeira.org.br/wp-content/uploads/2016/06/estado-presente-em-defesa-da-vida-1.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2020.
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; CERQUEIRA et al., 2020CERQUEIRA, D. R. C.; SILVA NETO, D. R.; COELHO, D. S. C.; LINS, G. O. A. Uma avaliação de impacto de política de segurança pública: o Programa Estado Presente do Espírito Santo. Brasília: IPEA, 2020. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35347>. Acesso em: 01 dez. 2020.
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). Para cada desafio elencado atribuiu-se estratégias, projetos e ações. Um dos projetos prioritários da política foi, então, a “Compatibilização de Área de Policiamento” (ESPÍRITO SANTO, 2011).

A Reformulação do projeto foi desenvolvida pela Secretaria de Estado Extraordinária de Ações Estratégicas (SEAE). Diferentemente da Elaboração, onde a Comissão era composta por policymakers de distintas instituições, nesta etapa, todos os participantes eram membros da SEAE que se encarregou da elaboração do Manual de Gestão de Indicadores de Segurança Pública. Este Manual reuniu instrumentos de articulação entre as Polícias em nível territorial e descreveu rotinas a serem adotadas voltadas à implementação do projeto (ESPÍRITO SANTO, 2011).

A Implementação, por sua vez, envolveu uma multiplicidade de atores da SESP, PMES, PCES, de diferentes níveis hierárquicos (estratégico, tático e operacional) incluindo os responsáveis pela execução das ações (street-level bureaucrats). Também participaram desta etapa membros de órgãos estaduais e municipais e a sociedade. O projeto foi concluído com êxito no ano de 2014.

5.1 DESENVOLVIMENTO DO PROJETO: FORMULAÇÃO, REFORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO

O processo de formulação do projeto foi caracterizado, predominantemente, por coesão, engajamento e compromisso dos atores. O objetivo era estruturar um modelo de gestão para a segurança pública estadual baseado na compatibilização de áreas de policiamento entre as Polícias Militar e Civil.

As interações entre os atores ocorriam em reuniões periódicas organizadas pela SESP. Nesta etapa, foi perceptível o compromisso dos representantes das Polícias em integrarem suas atividades. A predominância da coesão entre os policymakers e as fortes interações entre os atores da Comissão tinham como origem a própria formação do grupo. A SESP foi responsável pela seleção dos membros, muitos em razão dos cargos estratégicos que exerciam e outros pela afinidade que possuíam com a ideia de integração das forças policiais e, também, destas com a comunidade.

O trabalho desenvolvido pela Comissão - que formava uma rede legítima, nos termos de Stacey (1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.) - deu origem ao Decreto Estadual nº 2579-R, que normatizou o projeto. Entre vários dos dispositivos, o Decreto elencava uma série de parâmetros que os policiais civis e militares (street-level bureaucrats) deveriam cumprir - ou seja, regras formais, nos termos de Weick (1982WEICK, K. E. Management of organizational change among loosely coupled elements. In: GOODMAN, P. S. (Ed.). Change in organizations: new perspectives on theory, research and practice. San Francisco: Jossey-Bass, 1982. p. 375-408.) - cujo objetivo era a responsabilidade compartilhada dos territórios por meio da integração das atividades das Polícias.

Além das regras consensuais existentes entre os membros da Comissão observou-se, nesta etapa, a avaliação constante das rotinas de trabalho dos policiais, cujo objetivo era monitorar a integração entre os policiais. No caso das regiões contempladas no projeto-piloto, as quais receberam as primeiras ações do projeto, o monitoramento das rotinas era justificado como meio de acompanhamento da execução para, se necessário, promover correções.

Da mesma maneira que na formulação, a etapa de reformulação do projeto foi caracterizada por regras consensuais, dependência entre atores envolvidos e intenso monitoramento. Verificou-se o alinhamento das interações entre policymakers, resultando na elaboração do Manual de Gestão de Indicadores. O manual definia as diretrizes em que se daria a integração das atividades entre as Polícias e foi conduzido pela equipe da SEAE - órgão estadual responsável à época pela elaboração e avaliação da política pública estadual de segurança. O documento foi disseminado entre as organizações policiais para que as diretrizes passassem a ser adotadas pelos street-level bureaucrats.

O Manual de Gestão de Indicadores também teve um papel fundamental no controle das ações, pois, também contemplava modelos tanto de Plano de Ação Integrados para as Polícias, como de Relatórios para apresentação de resultados nas reuniões de monitoramento e avaliação de indicadores de segurança pública. Percebe-se, pois, que o nível de cobrança por resultados e o cumprimento de metas de redução de índices de homicídios dolosos (que deveriam ser apresentados nos relatórios) diferenciou a etapa de reformulação do projeto, quando comparada à formulação.

Outra característica identificada nos processos de formulação e reformulação é a capacidade dos participantes validarem o cumprimento dos objetivos do projeto por meio da constante troca de informações que auxiliaram suas ações - é o que Weick (1982WEICK, K. E. Management of organizational change among loosely coupled elements. In: GOODMAN, P. S. (Ed.). Change in organizations: new perspectives on theory, research and practice. San Francisco: Jossey-Bass, 1982. p. 375-408.) e Stacey (1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.) denominam de redes de feedback. Na primeira etapa, o grupo de trabalho contemplava uma rede de atores que se comunicavam efetivamente, todavia, direcionada ao alto comando (Comandantes de Companhia da PMES e Delegados da PCES) das regiões-piloto. Ressalta-se que os policiais também focavam a interlocução e o estreitamento das relações com as comunidades. O relato de entrevista de um policial militar, apresentado a seguir, destaca a importância do feedback entre os membros do grupo.

[...] E aí tivemos, inclusive, reuniões com todo o grupo, comunidade, Delegacia de São Torquato, Companhia de Santa Rita. Policiais militares e policiais civis se reuniam lá na região de Santo Antônio para discutirem e, até mesmo, compartilharem percepções. Nós estávamos trabalhando juntos. São projetos-piloto, se der certo a gente vai expandir. A gente estava fazendo intercâmbio e isso era muito positivo para as experiências (E1, grifo nosso).

Na etapa de Reformulação foi previsto que o feedback entre os policiais civis e militares se daria formalmente por meio das reuniões de monitoramento e avaliação de indicadores de segurança pública. O Manual orientador instruía que uma série de reuniões deveria acontecer nos diversos níveis de atuação. As reuniões deveriam ter como foco a identificação e a análise dos problemas identificados nos territórios, a elaboração de planos de ação (compostos por estratégias para redução de homicídios), o monitoramento das metas e a definição de ações corretivas para a redução dos índices de homicídios (ESPÍRITO SANTO, 2011).

Pode-se afirmar que as características até aqui explicitadas, relativas aos processos de formulação e reformulação do projeto, guardam similitude com sistemas justapostos, nos termos de Weick (1976WEICK, K. E. Educational organizations as loosely coupled systems. Administrative Science Quarterly, v. 21, n. 1, p. 1-19, 1976. DOI: https://doi.org/10.2307/2391875.
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, 1982) e Orton e Weick (1990ORTON, J. D.; WEICK, K. E. Loosely coupled systems: a reconceptualization. Academy of Management Review, v. 15, n. 2, p. 203-223, 1990. DOI: https://doi.org/10.2307/258154.
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). As ações realizadas nestas etapas operaram sob a ótica do cumprimento de regras consensuais entre agentes dependentes entre si, presença de intenso monitoramento e redes de feedback objetivando controlar a execução do projeto. Tal contexto - representativo de um sistema justaposto - pautou-se na perspectiva da ordem, certeza, previsibilidade e linearidade, distanciando-se de características inerentes à gestão pública e ao campo da segurança pública, desconsiderando possíveis intempéries do contexto.

Verificou-se, também, a prevalência de regras consensuais por meio dos documentos (Decreto e Manual) que regulamentavam a atuação integrada das Polícias. Na etapa inicial, particularmente, a consensualidade emanou da própria formação estratégica da Comissão. De maneira similar, tanto na Formulação quanto na Reformulação do projeto o intenso monitoramento esteve presente seja por meio da coordenação direta das instituições responsáveis pela segurança pública, como na criação de rotinas de trabalho conjuntas para os policiais. Também as reuniões periódicas de monitoramento, realizadas para avaliar os índices de homicídios, evidenciam regras consensuais. As redes de feedback (Stacey, 1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.), por sua vez, estiveram presentes por meio dos laços estreitos evidenciados entre policiais civis e militares participantes dos projetos-piloto e destes com a comunidade local, no caso da etapa de formulação; e, ainda, por meio da previsão de compartilhamento de informações entre as Polícias nas reuniões de monitoramento de indicadores, no caso da etapa de reformulação.

Constatou-se que a forte articulação e dependência dos atores envolvidos - embora detentores de autonomia profissional -, influenciaram, sobremaneira, as interações e troca de informações entre os agentes, característica típica de sistemas justapostos. Em razão da forte articulação e das redes de interações formais (também denominadas de legítimas) promovidas pelos agentes, as informações produzidas durante as etapas iniciais eram compartilhadas o que, nas palavras de Stacey (1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.) realimentavam as demais ações a serem desenvolvidas. Portanto, a junção dos elementos: i) forte dependência dos atores, ii) coesão do grupo e iii) facilidade de comunicação, foram características catalizadoras das interações promovidas pelos policiais.

Entretanto, ainda que desafiadoras e relevantes, as ações apresentadas não foram suficientemente contundentes para a implementação do projeto. Uma das limitações à implementação do projeto tem relação com a cultura organizacional das Polícias estaduais, por tratar-se de instituições com estruturas de gestão diferentes e desarticuladas. A este respeito, o presidente da Comissão de elaboração destacou que o desafio resumia-se a “[...] fazer essas duas polícias se comunicarem” (E2).

As diferenças culturais das Polícias foram óbice, inclusive, para a sensibilização de atores institucionais durante o processo de formulação, já que alguns policiais sequer conversavam entre si. Apesar do ciclo da segurança pública no Brasil depender, sobremaneira, da integração dos trabalhos das Polícias estaduais, os contextos organizacionais equidistantes dificultam o compartilhamento de informações entre os atores e, consequentemente, o alcance de metas integradas (BEATO FILHO; RIBEIRO, 2016BEATO FILHO, C.; RIBEIRO, L. Discutindo a reforma das polícias no Brasil. Civitas, v. 16, n. 4, p. 174-204, 2016. DOI: https://doi.org/10.15448/1984-7289.2016.4.23255.
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). No caso das Polícias capixabas, o nível de distanciamento era tão expressivo que um policial civil expôs que as disparidades laborais se estendiam para os relacionamentos pessoais. Segundo ele, “havia, por exemplo, alguns policiais [militares] que foram criados na infância com alguns delegados [PCES] e eles não se falavam porque estavam em polícias diferentes (E8, grifo nosso). Isso converge com a manifestação de Cairney e Kwiatkowski (2017CAIRNEY, P.; KWIATKOWSKI, R. How to communicate effectively with policymakers: combine insights from psychology and policy studies. Palgrave Communications, v. 3, n. 37, p. 1-8, 2017. DOI: https://doi.org/10.1057/s41599-017-0046-8.
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), segundo os quais a comunicação ineficaz em organizações públicas é um limitador na implementação de políticas públicas.

Outra causa da dificuldade de interações, identificada entre as Polícias, diz respeito as suas estruturas de poder. Os aspectos políticos flagrantes na esfera pública (BOLMAN; DEAL, 2003BOLMAN, L. G.; DEAL, T. E. Reframing organizations: artistry, choice and leadership. São Francisco: Jossey-Bass, 2003.) decorrentes das estruturas de poder das duas polícias limitavam as interações e foram impasse à implementação do projeto. Verificou-se que vaidades e disputas entre policiais impediam, até mesmo, o compartilhamento de informações básicas de atividades policiais e estatísticas criminais, configurando uma colisão de interesses, nos termos de Morgan (2002MORGAN, G. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 2002.). O relato de um membro do projeto, apresentado a seguir, evidencia esta constatação.

[...] foi a coisa mais complicada fazer essas pessoas conversarem. [...] é uma estrutura de poder muito grande, tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil. E aí ah: “a culpa é sua”, “esse aqui é meu espaço”. Existia aí uma questão também de que as polícias não interagiam, então, cada uma fazia uma coisa. Assim, a Polícia Civil não sabia os números [estatísticas relacionadas a crimes, como homicídios, crimes contra o patrimônio etc.] da Polícia Militar e a Polícia Militar não sabia os números da Polícia Civil. Eles não se comunicavam (E2, grifos nossos).

As disparidades entre as Polícias eram notadas também por membros da sociedade, como manifestado por um líder comunitário, no relato apresentado a seguir.

[...] Isso é uma coisa meio séria né? Existe uma divergência muito grande entre Polícia Militar e Polícia Civil. Essa divergência existe, sempre existiu. Então, quando você tenta envolver as duas polícias num trabalho desse conjunto, é meio difícil [...]. Na 5ª Região eu mesmo, às vezes, convidava delegado para participar de reunião do Conselho de Segurança, mas a Polícia Civil não participa. A 4ª Companhia de Polícia [...] sempre participa. Para você ter uma ideia, uma época eu consegui levar o delegado nessa reunião [...], foi uma surpresa para todo mundo, pois, ninguém esperava (E7, grifos nossos).

Além da distinção de culturas internas, relações de poder e o forte aspecto político aliado a aparente estabilidade institucional das polícias, outro fator limitante à implementação do projeto foi a resistência às mudanças. Mudar, no caso analisado, significaria ultrapassar barreiras do isolamento institucional e estreitar laços com a outra Polícia. Logo, como resultado da racionalidade limitada dos policiais, nos termos de March e Simon (1981MARCH, J. G.; SIMON, H. Limites cognitivos da racionalidade. In: MARCH, J. G.; SIMON, H. (Eds.). Teoria das organizações. Rio de Janeiro: FGV, 1981. p. 192-238.), a resistência ao novo supostamente resultaria na continuidade de padrões e rotinas.

Verificou-se, ainda, que a descontinuidade administrativa gerou limitações significativas no desenvolvimento da política pública e, consequentemente, no projeto foco de investigação. O projeto elaborado nos anos de 2007-2010 não prosperou devido ao término do mandato político e início de um novo ciclo político de 2011-2014. A transição dos mandatos fez com que o grupo de trabalho concebido fosse desfeito e os projetos-piloto não progredissem. Também o Decreto publicado não surtiu efeitos práticos devido a constituição de novo governo. A descontinuidade administrativa provoca, sabidamente, interrupção de obras, serviços e políticas na administração pública, representando retrabalho e desperdício de recursos públicos (CAMPOS; LADEIRA; RODRIGUES, 2017CAMPOS, D. H. C.; LADEIRA, L. C.; RODRIGUES, R. V. A. (Des)Continuidade administrativa e democracia: transição governamental em um contexto democrático. Cadernos da Escola do Legislativo, v. 19, n. 31, 2017. Disponível em: <https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/26131>. Acesso em: 01 dez. 2020.
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). A esse respeito, uma policial militar destacou o fato de projetos decorrentes de políticas públicas serem “[...] projetos de governo, não de Estado. Quando o projeto é de governo ele dura quatro anos, tem início e fim. Quando é de Estado permanece, não é? Projetos de governo tem um tempo para acontecer” (E10, grifo nosso).

Pode-se mencionar dois fatores adicionais que influenciaram, negativamente, nesta fase: i) a escassez de recursos físicos, humanos e tecnológicos das instituições envolvidas e ii) a disfunção dos procedimentos burocráticos, característico de organizações públicas.

A implementação do projeto teve início a partir do segundo quadrimestre de 2011. Nesta etapa, o estreitamento dos laços entre as Polícias não ocorreu ipsis litteris ao Decreto elaborado pela Comissão governamental e Manual de Gestão de Indicadores, mas aconteceu progressivamente. As interações entre policiais civis e militares do nível estratégico e tático ocorriam mensalmente, em reuniões formais programadas para discussão de operações policiais conjuntas em áreas territoriais caracterizadas pela vulnerabilidade criminal e acompanhamento de metas de redução de índices de homicídios dolosos. Mensalmente, a SEAE coordenava a realização de duas reuniões vinculadas ao projeto: uma local (no território compartilhado pelas Polícias) e uma reunião geral com a participação de todos os responsáveis do estado. Tais iniciativas evidenciam interações representativas de redes legítimas (STACEY, 1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.) já que as relações respeitavam diretrizes de hierarquia e de autoridade das organizações policiais.

No nível operacional, ou seja, entre os street-level bureaucrats, a integração das práticas das polícias, também enfrentou limitações. A autonomia dos agentes, própria de sistemas complexos, foi um dos fatores identificados influenciadores neste processo. Em razão das distintas competências constitucionais de cada Polícia, policiais militares e civis possuem, na maioria das vezes, interpretações diferentes (ORTON; WEICK, 1990ORTON, J. D.; WEICK, K. E. Loosely coupled systems: a reconceptualization. Academy of Management Review, v. 15, n. 2, p. 203-223, 1990. DOI: https://doi.org/10.2307/258154.
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) para determinadas situações cotidianas. Tais diferenças resultam, muitas vezes, em respostas distintas para eventos e situações, em que decisões e/ou encaminhamentos são compartilhados. As manifestações de um policial militar, apresentadas a seguir, evidenciam o desencontro das interpretações entre policiais militares e civis em ocorrências relacionadas ao tráfico ilícito de drogas e porte ilegal de arma de fogo.

[...] há uma falta de diálogo, de entrosamento entre aquilo que eu escrevo: “Isso aqui é tráfico de drogas” e o delegado interpreta que é para o uso. Hoje em dia é difícil você saber o que é tráfico, o que é usuário. O próprio traficante que está na ponta desenvolveu a técnica de andar com pouca droga, para parecer usuário e continuar vendendo. Mas daí, o policial registra na ocorrência que ele estava lá. Aí o delegado pergunta: “Mas, essa droga estava com ele?”; “Não, estava no muro, ao lado dele”; “Então não estava com ele”. Aí o policial fala: “Eu vi ele traficando”, mas, o delegado diz que aquele caso não foi flagrante, que o indivíduo é apenas um usuário e manda o indivíduo para casa (E6, grifo nosso).

[...] exemplo de uma ocorrência de porte ilegal de arma que participamos. Uma guarnição prendeu um camarada que estava com algumas munições de 9 milímetros dentro do carro. Pela Lei de Armas, estar portando a arma ou a munição é o mesmo crime. O delegado, na época, liberou o camarada. Isso para a guarnição foi horrível, porque já estávamos atrás daquele indivíduo há muito tempo, só que nunca conseguimos pegar ele armado. Então isso gera um desgaste. Nós falamos [ao delegado]: “O senhor vai deixar liberar?”. É o entendimento do delegado. Então, saber separar isso aí é complicado. Isso acontece todo dia (E6, grifos nossos).

O posicionamento adotado por cada policial diante do fato em questão é orientado por conhecimento técnico (MINTZBERG, 1985MINTZBERG, H. The organization as political arena. Journal of Management Studies, v. 22, n. 2, p. 133-154, 1985. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1467-6486.1985.tb00069.x.
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) e construção de sentido - interpretação - individual (PASCUCI; MEYER, 2013PASCUCI, L. M.; MEYER, V. Estratégia em contextos complexos e pluralísticos. Revista de Administração Contemporânea, v. 17, n. 5, p. 536-555, 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S1415-65552013000500003.
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). Esta característica destaca a influência da autonomia profissional nas decisões e ações adotadas por cada policial (militar e civil) as quais, ao permitirem interpretações distintas para um mesmo evento, exaltam características típicas de sistemas frouxamente articulados (WEICK, 1982WEICK, K. E. Management of organizational change among loosely coupled elements. In: GOODMAN, P. S. (Ed.). Change in organizations: new perspectives on theory, research and practice. San Francisco: Jossey-Bass, 1982. p. 375-408.).

Verificou-se que o compartilhamento de poder e as resistências identificadas entre as duas Polícias, no nível de atuação operacional, dificultavam o compartilhamento de informações. No caso de homicídios dolosos cada Polícia registrava, produzia e analisava, especificamente, os dados que lhes interessavam. Esse comportamento era conhecido como “ilhas de excelência” (E16), em referência aos setores de produção de informação em cada Polícia e às relações de poder e jogos de influência nelas existentes (BOLMAN; DEAL, 2003BOLMAN, L. G.; DEAL, T. E. Reframing organizations: artistry, choice and leadership. São Francisco: Jossey-Bass, 2003.; MINTZBERG, 1985MINTZBERG, H. The organization as political arena. Journal of Management Studies, v. 22, n. 2, p. 133-154, 1985. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1467-6486.1985.tb00069.x.
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). Tal aspecto representou um dos desafios do processo de implementação do projeto, já que a integração das Polícias dependia da efetiva troca de informações entre eles.

Notadamente, a integração de algumas práticas potencializou a comunicação e o compartilhamento de informações entre policiais civis e militares. Um exemplo de mecanismo exitoso de integração entre as Polícias resultou de uma iniciativa espontânea dos próprios policiais: a formação de grupos de policiais por meio do aplicativo WhatsApp. Os grupos eram compostos por integrantes das duas Polícias e de diversos níveis de atuação (Delegados, investigadores e agentes da PCES, Comandantes de Batalhão e Companhias da PMES, além de militares nas funções tática e operacional). Assim como acontece em SAC (STACEY, 1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.), a rede informal criada pelos membros do sistema passou a reunir e integrar policiais civis e militares que, até então, não se comunicavam.

No relato apresentado a seguir, um policial civil e administrador de um dos grupos de policiais no WhatsApp, explicou sobre a rede informal constituída.

[...] A iniciativa foi nossa [policiais civis]. O [xx], quando nem capitão era, começou essa conversa entre nós, os Soldados da rua, os Cabos que trabalham na rua, os Sargentos etc. que trabalham na rua. A gente conversa, a gente conhece do dia a dia. Então, surgiu a necessidade, o contato, a conversa, a troca de informações. Aí, eu fiz o grupo. [...] quando o policial militar quer fazer parte do grupo, ele só entra através do Capitão [xx]. Não adianta ele me procurar, não adianta ele procurar o doutor [yy], não adianta nem o Comandante dele me ligar. Ele só entra se o capitão [xx] me ligar, porque aqui não existe política. Você pode ser amigo de Deus, aqui só entra se for por esse meio aí. Isso garante a confiabilidade; a pessoa só entra por confiabilidade e utilidade. O indivíduo trabalha lá no Quartel, gente boa, honestíssimo, mas, ele trabalha no setor administrativo. Não tem nada a ver. Não vai entrar (E12, grifos nossos).

Como se pode constatar a partir do relato do policial, os grupos do WhatsApp representaram redes informais - redes ilegítimas, nos termos de Stacey (1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.) - visto que foram estabelecidas de forma voluntária e ocasional entre os policiais, baseadas em regras e culturas próprias (não institucionais). O relato de um gestor de segurança pública também destaca a eficácia da iniciativa na troca de informações entre policiais civis e militares.

Os batalhões [Polícia Militar] da cidade tem comunicação diária; se o elemento foi preso, a informação é compartilhada imediatamente; se tem alguém sendo procurado essa informação é compartilhada imediatamente; a fotografia é repassada, a captura é feita de forma conjunta [policiais militares e civis]. Então, foi uma integração promovida pela tecnologia em questão, com indicador, mas também pelas tecnologias de comunicação (E15, grifos nossos).

Pode-se constatar que os grupos do WhatsApp facilitaram os trabalhos de ambas as Polícias, tornando célere e eficiente os resultados. Conforme observou um policial civil, “Isso facilitou o trabalho de investigação. O que deveria demorar, no mínimo, 30 dias foi feito em segundos” (E11). Outro policial civil ressalta as vantagens da integração com policiais militares por meio dos grupos do WhatsApp:

[...] Eu observo que antes quando a gente [policiais civis] não conseguia cumprir um mandado de prisão, deixávamos em aberto. Agora o que a gente faz? A gente pega a foto [indivíduo procurado] e manda no grupo. Escrevemos assim: “Olha, aqui está um mandado de prisão desse indivíduo aqui. Se o abordarem na rua, temos interesse”. Já aconteceu diversas vezes de policiais [militares] perguntarem: “Quem tem interesse nesse rapaz? Acabei de abordar ele”. E a gente [policiais civis] responde: “Está com mandado de prisão. Traz para cá [Delegacia]” (E12, grifo nosso).

O relato apresentado evidencia a característica própria de SAC, onde os agentes encontram mecanismos alternativos aos formais em prol do alcance de resultados mais efetivos. A autonomia dos agentes e a dinamicidade do contexto investigado - assim como em SAC - potencializam tal comportamento, sugerindo que iniciativas simples vindas dos street-level bureaucrats podem ser mais efetivas do que regras e controles excessivos.

Um exemplo da informalidade das novas interações e a consequente celeridade das ações pode ser visualizada no trecho de uma conversa entre policiais (Figura 1), via WhatsApp.

Figura 1
Interações no grupo de WhatsApp composto por policiais civis e militares

O diálogo apresentado por meio da Figura 1 ressalta quão contributivas passaram a ser as interações na atuação das polícias. Às 19h38 um policial civil envia uma mensagem no grupo do WhatsApp solicitando o apoio de policiais militares (“guerreiros da PMES”) para uma ocorrência policial no “bar [xx] em Vila Velha”, local onde indivíduos estariam portando armas de fogo e em vias de fato (“brigando”). Dois minutos depois um policial militar responde a mensagem informando que uma viatura policial já havia se deslocado para lá (“Foi agora”; “Passado na rede”). A interação apresentada na Figura 1 demonstra como a integração e solidariedade na consecução das atividades de trabalho, por parte das polícias, contribui para maior efetividade de suas funções, podendo evitar crimes de maior potencial ofensivo (lesão corporal grave, homicídio doloso e outros crimes), a partir da troca de informações.

Verificou-se que as interações via grupos do WhatsApp compartilhavam informações relacionadas a: i) prisões e abordagens de indivíduos suspeitos da prática de crimes, em especial homicídios, e apreensões de armas de fogo e entorpecentes; ii) fotografias de indivíduos suspeitos da prática de crimes, vítimas de homicídios e outros crimes; iii) operações policiais e ocorrências policiais, em especial homicídios e tráfico de drogas; e, iv) mandados de prisão e denúncias anônimas registradas.

As evidências identificadas somadas à observação não participante permitem supor que as interações de caráter informal foram fundamentais para a implementação das ações do projeto. A integração das Polícias via compartilhamento de responsabilidades aconteceu cotidianamente por meio das interações estabelecidas ocasionalmente entre policiais civis e militares. O relato de um gestor municipal de segurança pública, a seguir apresentado, ressalta como a integração entre os policiais foi percebida, inclusive, por atores externos à estrutura organizacional das Polícias.

[...] Caiu a barreira da competitividade. A união faz a força e assim há a possibilidade de ter resultados mais efetivos. Na realidade, hoje vemos uma polícia [Polícia Militar e Polícia Civil] muito mais integralizada uma com a outra, muito mais solidária uma com a outra. Eu vejo que hoje eles [policiais civis e militares] possuem uma visão, um entendimento, de que a missão deles é uma missão conjunta, apesar de seus papeis serem diversos; e lá na frente isso vai convergir (E6, grifo nosso).

As interações realizadas por meio dos grupos de WhatsApp (rede ilegítima) e por meio das reuniões de monitoramento (rede legítima) permitiram o feedback entre os policiais de maneira que, segundo a ótica de Stacey (1996STACEY, R. D. Complexity and creativity in organizations. São Francisco: Berrett- Koehler Publishers, 1996.), as informações produzidas fossem realimentadas e, assim, pudessem ser utilizadas para subsidiar outras decisões e ações. As redes de feedback estabelecidas por parte dos policiais tornaram-se, inclusive, fonte de aprendizado essencial à condução do projeto até 2014, final daquela gestão governamental.

Apresentadas as principais características das interações ao longo da implementação do projeto, é possível asseverar que esta etapa pode ser caracterizada como um sistema frouxamente articulado, consoante os estudos de Weick (1976WEICK, K. E. Educational organizations as loosely coupled systems. Administrative Science Quarterly, v. 21, n. 1, p. 1-19, 1976. DOI: https://doi.org/10.2307/2391875.
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, 1982) e Orton e Weick (1990ORTON, J. D.; WEICK, K. E. Loosely coupled systems: a reconceptualization. Academy of Management Review, v. 15, n. 2, p. 203-223, 1990. DOI: https://doi.org/10.2307/258154.
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). Nesta etapa, vislumbrou-se a presença - e influência - da autonomia dos agentes, de respostas distintas para um mesmo evento e, ainda, da integração de práticas. Neste sentido, as interações entre policiais civis e militares apresentaram características opostas à coesão e linearidade verificadas nas etapas de formulação e reformulação do projeto (sistema justaposto). Apesar dos esforços despendidos na sistematização dos processos é possível atribuir à frouxidão das interações - especialmente entre os implementadores das ações (policiais) - a concretização do objetivo do projeto de integrar as Polícias estaduais.

No Quadro 1 são apresentados, comparativamente, características e resultados do sistema investigado.

Quadro 1
Características de Sistemas Justaposto e Frouxamente Articulado Identificadas

As informações apresentadas evidenciam que todas as características de sistemas justapostos estiveram presentes durante as etapas de formulação e reformulação do projeto. Constata-se, também, que a etapa de implementação se caracterizou como um sistema frouxamente articulado. Ou seja, as estratégias para consecução das ações do projeto investigado dependeram, fundamentalmente, das interações realizadas pelos atores, com destaque, para aquelas de natureza informal e espontânea. Salienta-se, ainda, a existência de conflitos de interesses e relações de poder que potencializaram a complexidade inerente à implementação da política pública investigada.

6 CONCLUSÕES

Este estudo analisou como as interações determinadas por sistemas justapostos e sistemas frouxamente articulados influenciaram o desenvolvimento de uma Política Pública de Segurança estadual, tendo como foco a análise de um projeto prioritário.

Resultados permitiram constatar que a etapa de formulação da política pública ocorreu em um contexto, predominantemente, linear, harmônico e consensual, com atores e papeis claramente definidos e dependentes entre si (sistema justaposto). Por outro lado, a implementação da política aconteceu em ambiente caracterizado pela diversidade de atores e interesses, não linearidade e interações definidas, sobretudo, pela autonomia e informalidade (sistema frouxamente articulado).

Ao serem capitaneadas pela alta administração governamental, as etapas de formulação e reformulação do projeto assumiram interações formais e, essencialmente, sistematizadas, orientadas por regras consensuais e padrões lineares. Tais especificidades caracterizam estas etapas como representativas de um sistema justaposto. A busca por padronização das interações, somada à descontinuidade governamental, resistências culturais, conflitos de interesses e ambiguidades se apresentaram como grandes limitadores da implementação das ações do projeto. Por outro lado, as interações realmente efetivas foram aquelas promovidas, informal e voluntariamente, pelos agentes (street-level bureaucrats), a partir de seu comportamento autônomo.

Os achados revelaram que, em sistemas complexos como políticas públicas, a condução das interações tanto pode potencializar como limitar, significativamente, a materialização das ações. No caso investigado, uma das razões da lacuna entre formulação e implementação resultou da tentativa de padronizar e sistematizar interações entre agentes autônomos. Pode-se constatar, portanto, que o alcance de resultados mais efetivos tem relação direta com a construção de redes de interações que equilibrem padrões formais com a flexibilidade necessária para agregar contribuições da autonomia e capacidade de aprendizado dos implementadores (street-level bureaucrats).

Os resultados do estudo foram singulares. Fica evidente, a partir desse estudo, que as interações entre agentes possuem papel não trivial e posição central na política pública, podendo restringir ou potencializar seus resultados. Ademais, a convergência de interações formais e informais foram contundentes para reduzir a lacuna entre os processos de formulação (sistema justaposto) e implementação da política (sistema frouxamente articulado), fornecendo meios para superação de desafios inerentes ao sistema.

Os achados deste estudo contribuem para melhor compreensão das implicações das teorias da complexidade na gestão de sistemas pluralísticos, como é o caso de políticas públicas. Igualmente contribui para melhor compreensão das especificidades complexas de uma área que constitui uma das principais pautas dos países, a segurança pública. Em termos práticos, estima-se que os resultados deste estudo estimulem gestores públicos e estudiosos a refletirem sobre mecanismos que minimizem a lacuna existente entre os processos de formulação e implementação de políticas públicas e a necessidade de melhor compreender as implicações da complexidade organizacional intrínseca às relações entre agentes, na esfera pública. Igualmente, é importante que na etapa de formulação de políticas sejam considerados elementos, tais como, a diversidade de agentes na execução das ações (e, possivelmente, de organizações distintas), os aspectos políticos do contexto, os conflitos de interesses, a não linearidade de respostas e, principalmente, a interações informais. As contribuições do estudo soam como recomendações visando contribuir para a redução do hiato existente entre “intenção” e “ação” no desenvolvimento de políticas públicas.

Recomenda-se para estudos futuros a extensão da pesquisa a outros períodos da gestão governamental capixaba considerando possível continuidade do projeto analisado, buscando analisar a sustentabilidade das interações. Sugere-se, ainda, estudos comparativos considerando resultados alcançados por organizações policiais de diferentes estados, explorando disparidades culturais existentes no país. Em se tratando de gestão pública, estudos abordando a influência das interações na implementação de políticas em áreas como educação, saúde, assistência social, entre outras, também seriam contributivas.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Recebido em 4/1/2021, aceito em 29/9/2021.
  • 2
    As autoras agradecem o apoio recebido da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (TO 141/2019) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo 425016/2018-8.
  • 5
    Policymakers, também conhecidos como formuladores de políticas, são os agentes governamentais responsáveis por controlar o processo de formulação de políticas, as quais buscam responder e/ou solucionar questões sociais (CAIRNEY; KWIATKOWSKI, 2017CAIRNEY, P.; KWIATKOWSKI, R. How to communicate effectively with policymakers: combine insights from psychology and policy studies. Palgrave Communications, v. 3, n. 37, p. 1-8, 2017. DOI: https://doi.org/10.1057/s41599-017-0046-8.
    https://doi.org/10.1057/s41599-017-0046-...
    ; CAIRNEY et al., 2016).
  • 6
    O termo street-level bureaucrats ou burocratas de nível de rua, difundido inicialmente por Lipshy em 1980, refere-se ao grupo de agentes estatais que, no exercício de suas atividades laborais, lidam diretamente com os usuários dos serviços públicos (BONELLI et al., 2019BONELLI, F.; FERNANDES, A. S. A.; COÊLHO, D. B.; PALMEIRA, J. S. A atuação dos burocratas de nível de rua na implementação de políticas públicas no Brasil: uma proposta de análise expandida. Cadernos EBAPE.BR, v. 17, n. spe, p. 800-816, 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1679-395177561.
    http://dx.doi.org/10.1590/1679-395177561...
    ). Fazem parte deste conjunto de burocratas, policiais, professores, assistentes sociais, enfermeiros e outros (LIPSKY, 2019LIPSKY, M. Burocracia de nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Tradução de Arthur Eduardo Moura da Cunha. Brasília: Enap, 2019.).
  • 7
    As Polícias estaduais possuem atribuições distintas, definidas na Constituição brasileira. Enquanto a Polícia Militar, como força auxiliar e reserva do Exército, tem como função o policiamento ostensivo; a Polícia Civil, também chamada de polícia judiciária, tem como função a apuração de infrações penais, exceto as militares (BRASIL, 1988).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2021
  • Aceito
    29 Set 2021
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