Suicídio em idosos: abordagem dos determinantes sociais da saúde no modelo de Dahlgren e Whitehead

RESUMO

Objetivo:

Identificar na literatura os determinantes sociais da saúde associados ao suicídio em idosos, segundo modelo proposto por Dahlgren e Whitehead.

Método:

Revisão integrativa de artigos indexados nas bases BDENF, CINAHL, LILACS e MEDLINE, com descritores principais: aged, suicide, social determinants of health, risk factors. Foram incluídos estudos primários, que abordaram determinantes sociais da saúde e suicídio em idosos.

Resultados:

Dos 19 artigos analisados, emergiram três categorias: determinantes sociais da saúde proximais (sexo masculino, transtornos mentais, doenças físicas, raça branca, faixa etária de 70 a 74 anos); intermediários (abuso de substâncias, uso de álcool ou de medicamentos psicotrópicos, estado civil, problemas conjugais, sociais e familiares, violência, tentativa de suicídio anterior, histórico de admissão em serviço psiquiátrico); distais (escolaridade, questões econômicas, saneamento, eventos estressantes).

Conclusão:

Determinantes proximais exercem mais efeitos sobre o suicídio. Determinantes intermediários são compostos principalmente por fatores modificáveis. Determinantes distais apresentaram menores associações.

Descritores:
Suicídio; Idoso; Determinantes Sociais da Saúde; Fatores de Risco; Saúde Mental

ABSTRACT

Objective:

Identify in literature the social determinants of health related to suicide in the elderly, according to the model proposed by Dahlgren and Whitehead.

Method:

Integrative review of articles indexed in the databases BDENF, CINAHL, LILACS, and MEDLINE, with the following main descriptors: aged, suicide, social determinants of health, and risk factors. Primary studies were included which addressed social determinants of health and suicide in the elderly.

Results:

From the 19 articles analyzed, three categories emerged: proximal social determinants of health (male gender, mental disorders, physical illnesses, white race, 70-74 years old); intermediate social determinants of health (substance abuse, use of alcohol or psychotropic drugs, marital status, marital, social, and family problems, violence, previous suicide attempt, history of admission to psychiatric service); and distal social determinants of health (schooling, economic issues, sanitation, stressful events).

Conclusion:

Proximal determinants have more effects on suicide. Intermediate determinants are composed mainly of changeable factors. Distal determinants showed lesser associations.

Descriptors:
Suicide; Elderly; Social Determinants of Health; Risk Factors; Mental Health

RESUMEN

Objetivo:

Identificar en la literatura los determinantes sociales de la salud relacionados al suicidio de ancianos, según modelo de Dahlgren y Whitehead.

Método:

Revisión integrativa de artículos indexados en las bases BDENF, CINAHL, LILACS y MEDLINE, con descriptores principales: aged, suicide, social determinants of health, risk factors. Incluyeron estudios primarios, que abordaron determinantes sociales de la salud y suicidio de ancianos.

Resultados:

Los 19 artículos analizados, emergieron tres categorías: determinantes sociales de la salud proximales (sexo masculino, trastornos mentales, enfermedades físicas, raza blanca, franja etaria de 70 a 74 años); intermediarios (abuso de sustancias, uso de alcohol o de medicamentos psicotrópicos, estado civil, problemas conyugales, sociales y familiares, violencia, tentativa de suicidio anterior, histórico de admisión en servicio psiquiátrico); distales (escolaridad, cuestiones económicas, saneamiento, eventos estresantes).

Conclusión:

Los determinantes proximales ejercen más efectos sobre el suicidio, los intermediarios son compuestos principalmente por factores cambiables y los distales presentaron menores relaciones.

Descriptores:
Suicidio; Anciano; Determinantes Sociales de la Salud; Factores de Riesgo; Salud Mental

INTRODUÇÃO

Envelhecer significa perpassar por uma etapa do desenvolvimento humano que compreende a interação de aspectos biológicos, psicológicos e sociais, peculiares à vida do idoso. A perda da autonomia, surgimento de patologias e restrições físicas geram sensação de insatisfação e inutilidade, ocasionando desconforto psicológico que implica a redução da qualidade de vida. Essas mudanças no curso do envelhecimento são fatores de risco para ocorrência de suicídio⁽¹⁾.

Este se trata de um fenômeno complexo, pertinente a múltiplas variáveis, que acarreta a morte intencionalmente autoprovocada⁽²⁾. Estima-se que 800 mil pessoas cometem suicídio por ano, e a idade é um aspecto relevante para sua ocorrência. Têm sido observadas taxas de mortalidade mais elevadas entre indivíduos com idade maior ou igual a 70 anos em comparação aos mais jovens⁽³⁾.

Não existe motivação singular para a ocorrência desse ato, mas a interação de aspectos variados. Diferentemente do que ocorre em outras faixas etárias, no idoso se observa que o comportamento suicida possui manifestações difíceis de constatar, métodos mais letais e o suicídio passivo, como a recusa da alimentação⁽⁴⁾.

Esse cenário aponta a necessidade de compreender os determinantes para a ocorrência do suicídio em idosos, os quais se relacionam com uma ampla rede de fatores sociais e culturais dos indivíduos e suas famílias^(1,5).

Os determinantes sociais da saúde (DSS) são as circunstâncias em que os indivíduos nascem, desenvolvem-se, vivem, laboram e envelhecem. São delineados pelo arranjo social, econômico, cultural, psicológico e comportamental, que têm influência sobre a ocorrência de distúrbios na saúde e condições de risco na população. Esse conjunto de elementos deve ser organizado e explorado, a fim de determinar as singularidades dos sujeitos e particularidades do fenômeno^(4,6).

Identificar os DSSs que se relacionam com o ato suicida em idosos tem implicação no contexto singular de cada indivíduo com base em sua visibilidade, especialmente por parte dos profissionais de saúde. Com esse entendimento, os determinantes poderão ser rastreados e monitorados no âmbito da assistência. Para o panorama social, entender os DSSs imbricados em cada fenômeno e por faixa etária pode diminuir a disparidade entre os grupos e fortalecer, sobremaneira, a equidade em saúde.

OBJETIVO

Identificar na literatura os DSSs associados ao suicídio em idosos, segundo o modelo proposto por Dahlgren e Whitehead.

MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. Sua construção foi composta pelas etapas propostas por Ganong⁽⁷⁾: formulação do problema e elaboração da pergunta norteadora; seleção dos artigos; categorização dos estudos; análise dos dados obtidos; discussão e interpretação dos resultados; exposição da revisão integrativa e síntese do conhecimento.

Inicialmente, verificaram-se os conhecimentos disponíveis sobre a relação entre os determinantes sociais da saúde e a ocorrência de suicídio em idosos. Nesse sentido, elaborou-se uma questão de pesquisa conforme a estratégia PICo, em que o “P” corresponde aos Participantes, “I” ao fenômeno de Interesse e “Co” ao Contexto do estudo⁽⁸⁾. Obteve-se a seguinte indagação: Quais são os determinantes sociais da saúde associados à ocorrência de suicídio na população idosa?

Em seguida, foram selecionados os descritores controlados (DC) e não controlados (DNC), por meio de consulta aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), Medical Subject Headings (MeSH) e List of Headings do CINAHL Information Systems, que estão apresentados no Quadro 1.

Quadro 1
Estratificação da pergunta de pesquisa seguindo a estratégia PICo, Teresina, Piauí, Brasil, 2019

Descrição	Componentes	Tipo	Descritores
Participantes (P)	Idosos	DeCS	Idoso
		MeSH	Aged
		Títulos CINAHL	Aged
Fenômeno de interesse (I)	Determinantes sociais da saúde	DeCS	Suicídio
		MeSH	Suicide
		Títulos CINAHL	Suicide
Contexto do estudo (Co)	Suicídio	DeCS	Determinantes sociais da saúde Fatores de risco Fatores socioeconômicos Características culturais Grupos populacionais
		MeSH	Social determinants of health Risk factors Socioeconomic factors Cultural characteristics Population group
		Títulos CINAHL	Social determinants of health Risk factors Socioeconomic factors Population characteristics

As bases selecionadas para busca foram: Banco de Dados em Enfermagem (BDENF), Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), via PubMed. A busca ocorreu entre os meses de junho e agosto de 2019, por duas pesquisadoras, simultaneamente, nas bases de dados supracitadas, acessadas por meio do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em área com Internet Protocol (IP) reconhecido.

Os critérios de inclusão foram: artigos (estudos primários) que abordassem os determinantes sociais da saúde e a ocorrência de suicídio na população idosa. Foram excluídos estudos que abordavam a ideação e/ou tentativa de suicídio ou que não respondiam ao questionamento da pesquisa. Ressalta-se que não foi realizado recorte temporal ou de idioma para seleção das publicações, a fim de se alcançar uma abordagem abrangente.

A seleção dos trabalhos se iniciou pela leitura dos títulos e resumos, com base nos critérios de inclusão. Posteriormente, realizou-se análise integral dos artigos selecionados e, para extração dos dados de interesse, foi utilizado formulário validado, com os seguintes itens: definição dos sujeitos, metodologia, tamanho da amostra, mensuração de variáveis, método de análise e conceitos embasadores empregados. Classificou-se o nível de evidência conforme estabelecido pelo Centro Colaborador do Instituto Joanna Briggs (JBI)⁽⁹⁾.

Os estudos foram agrupados de acordo com a semelhança entre seus objetivos, resultados e conclusão; e organizados em categorias temáticas que seguiram o modelo proposto por Dahlgren e Whitehead⁽¹⁰⁾. O modelo contextualiza que os DSSs estão alocados em diferentes camadas, desde uma mais próxima, inclusa nos determinantes individuais, até uma mais distante, na qual se encontram os macrodeterminantes⁽⁶⁾.

Dessa forma, as categorias teóricas elencadas foram: Determinantes proximais, aqueles relacionados ao indivíduo (idade, sexo, condições hereditárias e étnico/raciais); Determinantes intermediários, que são alusivos ao estilo de vida, meios sociais e comunitários; e Determinantes distais, que abordam condições de vida, trabalho e condições socioeconômicas, culturais e ambientais de maneira geral⁽¹⁰⁾.

RESULTADOS

Após leitura de títulos e resumos, foram obtidos 87 artigos para leitura integral. Destes, 21 foram considerados potencialmente elegíveis. Após análise, 19 artigos foram incluídos na amostra final desta revisão integrativa (Figura 1), que seguiu as recomendações Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).

Figura 1
Fluxograma de seleção dos estudos, Teresina, Piauí, Brasil, 2019

O Quadro 2 apresenta a caracterização dos 19 artigos utilizados nesta revisão. Com relação aos locais de estudo, a maioria foi realizada nos Estados Unidos (EUA). Os anos de publicação variaram entre 1994 e 2019. Quanto ao delineamento, a maioria foi transversal (12 estudos), com nível de evidência III 3. Os DSSs encontrados em cada estudo estão distribuídos no quadro a seguir:

Quadro 2
Caracterização dos estudos selecionados segundo autores, país, ano de publicação, delineamento do estudo, número de participantes, objetivos, determinantes sociais da saúde e nível de evidência, Teresina, Piauí, Brasil, 2019

Autores	País / Ano de publicação	Delineamento do estudo / Número de participantes	Objetivos	Determinantes sociais da saúde (DSS)	NE
Cavalcante FG, Minayo MCS(11)	Brasil / 2012	Estudo descritivo com abordagem qualitativa N = 51	Realizar no mínimo 50 autópsias psicossociais com familiares de idosos que haviam falecido por suicídio em dez municípios das cinco regiões brasileiras com elevadas taxas desses eventos.	DSS proximais: Sexo masculino, doenças físicas e transtornos mentais   DSS intermediários: Estado civil, problemas sociais, tentativa de suicídio anterior   DSS distais: Escolaridade, questões econômicas	III 3
Minayo MCS, Cavalcante FG(12)	Brasil / 2013	Estudo descritivo com abordagem qualitativa N = 11	Compreender empiricamente os casos e as múltiplas razões de 11 mulheres que faleceram por suicídio e os fragmentos de histórias pessoais que as levaram à morte autoinfligida, narradas por seus familiares.	DSS proximal: Doenças físicas   DSS intermediários: Violência e problemas familiares	III 3
Zurbarán GTG, Rojo IG, Acosta VAJ, Jáuriga BL(13)	Cuba / 2001	Estudo descritivo retrospectivo N = 40	Observar variáveis epidemiológicas e socioculturais em casos suicidas, bem como comportamento suicida na terceira idade e métodos de suicídio encontrados em portadores de transtorno depressivo e doença crônica incapacitante.	DSS proximais: Sexo masculino, transtorno mental   DSS intermediários: Estado Civil   DSS distais: Questões econômicas	IV
Shah A(14)	Inglaterra / 2012	Estudo transversal, correlacional N = 305	Examinar a relação entre as taxas de suicídio de idosos e medidas indiretas de adversidade no início da vida.	DSS distais: Saneamento	III 3
Seyfried LS, Kales HC, Ignacio RV, Conwell Y, Valenstein M(15)	Estados Unidos / 2011	Estudo de coorte, retrospectivo N = 294.952	Examinar potenciais preditores de suicídio em idosos, pacientes veteranos, diagnosticados com demência.	DSS proximais: Raça branca e transtornos mentais   DSS intermediários: Abuso de substâncias e uso de medicamentos psicotrópicos	III 2
Torresani S, Toffol E, Scocco P, Fanolla A(16)	Itália / 2014	Estudo transversal e retrospectivo N = 525	Descrever as características de uma amostra de idosos vítimas do suicídio no sul do Tirol (região autônoma no norte da Itália) e investigar se as características e fatores de risco de suicídio de idosos diferem de acordo com diferentes configurações de vida no momento da morte.	DSS proximais: Sexo masculino e transtornos mentais   DSS intermediários: Estado civil   DSS distais:Escolaridade Questões econômicas Evento de vida estressante (hospitalização)	III 3
Wanta BT, Schlotthauer AE, Guse CE, Hargarten SW(17)	Estados Unidos / 2009	Estudo transversal N = 534	Caracterizar fatores de risco para suicídio em idosos de Wisconsin.	DSS proximais: Sexo masculino e doença mental   DSS intermediários: Estado civil e consumo de álcool   DSS distais: Escolaridade	III 3
Grabbe L, Demi A, Camann MA, Potter L(18)	Estados Unidos / 1997	Estudo transversal e retrospectivo N = 9.181	Identificar variáveis ​​de saúde relacionadas ao suicídio em pessoas com 65 anos ou mais e comparar suicídio com outras causas de morte e variáveis de saúde, variáveis ​​sociodemográficas, atividades da vida diária e o uso de serviços da saúde durante o último ano de vida.	DSS proximais: Sexo masculino, raça branca e transtornos mentais   DSS intermediários: Consumo de álcool (três ou mais doses por dia), tentativa de suicídio anterior   DSS distais: Questões econômicas	III 3
Almeida OP, McCaul K, Hankey GJ, Yeap BB, Golledge J, Flicker L(19)	Austrália / 2016	Estudo de coorte N = 38.170	Investigar a prevalência e incidência da tentativa de suicídio e suicídio em idosos australianos e esclarecer como a carga de morbidade contribuiu para o comportamento suicida.	DSS proximais: Transtornos mentais e doenças físicas.	III 2
Altınöz AE, Yenilmez C, Öner SK, Yıldız P(20)	Turquia / 2019	Estudo transversal, retrospectivo N = 3.450	Comparar as causas e métodos dos suicídios entre idosos com 65 a 69 anos, 70 a 74 anos e ≥ 75 anos anos, por taxas completas de suicídio bruto e sexo entre 2002 e 2013.	DSS proximais: Sexo masculino, faixa etária de 70 a 74 anos   DSS intermediários: Problemas conjugais   DSS distais: Questões econômicas	III 3
Cheung G, Merry S, Sundram F(21)	Nova Zelândia / 2018	Estudo transversal e retrospectivo N = 225	Relatar as características dos idosos que morreram por suicídio e investigar se essas características diferem em três faixas etárias: 65-74 anos, 75-84 anos e 85 ou mais anos.	DSS intermediário: Estado civil, sem histórico de admissão em serviço psiquiátrico	III 2
Cheung G, Douwes G, Sundram F(22)	Nova Zelândia / 2017	Estudo transversal e retrospectivo N= 214	Comparar as características sociodemográficas e clínicas de idosos com e sem câncer terminal que morreram por suicídio e analisar os motivos de suicídio daqueles com câncer terminal para determinar se representam suicídio racional.	DSS proximais: Sexo masculino e transtorno mental   DSS intermediários: Tentativa de suicídio anterior	III 2
Ho RCM, Ho ECL, Tai BC, Ng WY, Chia BH(23)	Cingapura / 2014	Estudo transversal N = 409	Identificar fatores clínicos preditores do suicídio em idosos, especialmente aqueles sem história de comportamento suicida.	DSS proximais: Transtorno mental   DSS intermediários: Problemas sociais, consumo de álcool, uso de medicamentos psicotrópicos	III 2
Carney SS, Rich CL, Burke PA, Fowler RC(24)	Estados Unidos / 1994	Estudo transversal N = 204	Verificar se fatores clínicos selecionados que caracterizam os suicídios após 60 anos se diferenciam dos fatores em suicidas mais jovens e determinar características do suicídio masculino e feminino em idosos.	DSS intermediários: Estado civil e tentativa de suicídio anterior   DSS distais: Questões econômicas	III 3
Préville M, Hébert R, Boyer R, Bravo G, Seguin M(25)	Canadá / 2005	Estudo transversal N = 95	Avaliar o risco de suicídio associado à doença física comparado com idosos que morreram de causas naturais.	DSS proximal: Transtornos mentais	III 3
Zhou L, Wang G, Jia C, Ma Z(26)	China / 2018	Estudo de caso-controle N = 242	Examinar a relação das características demográficas, incluindo abandono, transtorno mental, sintomas depressivos, eventos de vida estressantes, apoio social e suicídio.	DSS proximais: Transtornos mentais   DSS intermediários: Problemas conjugais, consumo de álcool e problemas sociais   DSS distais:Eventos de vida estressantes (desemprego, hospitalização e luto)	III 2
Koo YW, Kõlves K, Leo DD(27)	Austrália / 2017	Estudo transversal N = 978	Analisar as diferenças dos suicídios em idosos (65 anos ou mais) em comparação com adultos de meia-idade (35-64 anos) em Queensland, Austrália, durante os anos de 2000 a 2012.	DSS proximal: Doença física   DSS distal: Evento de vida estressante (luto)
Sun WJ, Xu L, Chan WM, Lam TH, Schooling CM(28)	China / 2012	Estudo de coorte N = 55.946	Examinar associações entre sintomas depressivos e suicídio e fatores modificáveis como sexo, idade e estado de saúde em idosos chineses	DSS proximais: Transtornos mentais	III 2
Voshaar RCO, Kapur N, Bickley H, Williams A, Purandare N(29)	Inglaterra e País de Gales / 2011	Estudo transversal e retrospectivo N = 839	Comparar características comportamentais, clínicas e de cuidado de idosos com depressão precoce ou tardia no momento do suicídio.	DSS proximais: Sexo masculino e transtornos mentais   DSS intermediários: Estado civil, consumo de álcool e uso de medicamentos psicotrópicos	III 3

DISCUSSÃO

I - Determinantes sociais da saúde proximais

Conforme o modelo de Dahlgren e Whitehead⁽¹⁰⁾, o indivíduo encontra-se no centro, juntamente com algumas características, como idade, sexo e fatores genéticos, que exercem influência sobre sua saúde⁽³⁰⁾. Dos 19 artigos analisados por este estudo, 17 trazem relação entre DSSs proximais e suicídio em idosos. Os fatores elencados foram: sexo masculino^{(11,13,16-18,20,22,29)}, presença de transtornos mentais^{(11,13,15-19,22-23,25-26,28-29)}, doenças físicas^{(11-12,19,27)}, raça branca^(15,18) e faixa etária de 70 a 74 anos⁽²⁰⁾.

Na perspectiva de gênero, alguns estudos que abordaram o suicídio pela população idosa demonstraram sua associação com o sexo masculino^{(11,13,16-19,22,29)}. A literatura aponta que, apesar de as mulheres apresentarem maiores taxas de tentativas de suicídio, os homens concretizamno, sendo os responsáveis pelo maior número de suicídios. Atribui-se a isso, principalmente, os métodos utilizados, que possuem grau de letalidade mais elevado⁽³¹⁾. Entretanto, outras justificativas para esse achado problematizam o modelo de masculinidade socialmente superior como fator de vulnerabilidade para o suicídio de homens idosos, principalmente pela dificuldade de exercer o desempenho dos papéis culturais impostos⁽³²⁾.

Na terceira idade, o homem tende a valorizar o estoicismo, o controle das emoções, o machismo e a competitividade. O papel de chefe e provedor da família, antes pertencente ao idoso, passa a ser exercido por outrem, levando-o a se sentir inútil, incapaz e impotente. O afastamento do trabalho por causa da aposentadoria, o adoecimento crônico, problemas financeiros, de relacionamento e alterações no desempenho sexual também são aspectos potenciais para o comportamento suicida em idosos⁽³²⁾.

Outro fator levantado por meio da análise dos artigos foi a presença de transtorno mental^{(11,13,15-19,22-23,25-26,28-29)}. O transtorno mais citado foi a depressão, os demais apontados foram transtorno bipolar, de ansiedade e de ajustamento. A presença de distúrbio psicológico é evidenciada como importante aspecto vulnerabilizador para o suicídio⁽³³⁾. Pressupõe-se que 90% das pessoas que cometem suicídio possuem algum transtorno dessa dimensão⁽³⁴⁾. Entretanto, a depressão ocupa posição de destaque, sendo considerada o transtorno mais comum em indivíduos que morrem por suicídio⁽³⁵⁾.

Ressalta-se que os idosos são mais resistentes para mostrar sintomas depressivos ou ideação suicida. Desse modo, poucos recebem diagnóstico, e parcela ainda menor tem acesso ao tratamento⁽³⁶⁾. É nessa fase da vida que a depressão possui pior prognóstico e maior incidência de suicídios⁽³⁷⁾.

Além da depressão, outros transtornos são referidos pela literatura como fatores de risco para a morte autoprovocada. Estudo realizado com 410 pacientes de um Centro de Atenção Psicossocial em Minas Gerais observou associação estatisticamente significante entre comportamento suicida e comorbidade psiquiátrica (transtornos psicóticos ou delirantes e episódio maníaco ou transtorno afetivo bipolar) entre as mulheres. Os homens, por sua vez, apresentaram relação significante entre depressão e comorbidade psiquiátrica (depressão, esquizofrenia ou transtornos devido ao uso de drogas ilícitas) e suicídio⁽³⁴⁾.

Revisão integrativa com recorte temporal de 2002 a 2017, que avaliou ideação e tentativa de suicídio em idosos internados em instituições de longa permanência, também menciona os problemas psiquiátricos como importante fator de risco para a população idosa de modo geral, destacando a depressão, abuso de substâncias ilícitas, transtornos de personalidade, distúrbio comportamental, história pregressa de tentativas de suicídio, comportamentos indiretos autodestrutivos, comportamentos prejudiciais diretos, comprometimento cognitivo e diagnóstico psiquiátrico anterior⁽³⁸⁾.

Outro fator de risco para violência autoprovocada observado entre os estudos foi a presença de doença física^{(11-12,19,27)}. Estudo internacional aponta que o número de doenças aumenta o risco cumulativo de suicídio. Idosos possuem seis vezes mais chance de adquirir alguma doença física, quando comparados aos jovens, e estão mais vulneráveis a comorbidades múltiplas, uso de diversos medicamentos e declínio funcional, aspectos que os tornam ainda mais propensos ao risco de suicídio⁽³⁹⁾.

No panorama sociocultural, o valor do indivíduo corresponde à sua produtividade. A diminuição da capacidade funcional do idoso pode fazer com que seja visto como inútil em algumas situações e despertar sentimento de tristeza e angústia. Além disso, os idosos tendem a se autojulgar como um estorvo, situação que pode se agravar com a perda da autonomia e dependência de cuidados básicos⁽⁴⁰⁾.

No que se refere à raça, a branca foi citada como fator de risco para o suicídio em idosos^(15,18). Estudos epidemiológicos que abordam esta temática corroboram o achado e demonstram que há maior ocorrência de suicídio em pessoas brancas do que não brancas⁽⁴¹⁾. Pesquisa realizada em âmbito nacional verificou que, dos 164 casos de tentativa de suicídio englobados, 46,3% eram pertencentes à raça branca⁽⁴²⁾.

A faixa etária de 70 a 74 anos também foi apontada como mais propensa ao ato suicida⁽²⁰⁾. Em estudo realizado no estado do Piauí sobre óbitos por suicídio em idosos, a faixa etária mais prevalente estava entre 60 a 70 anos (54% da amostra), seguida de 71 a 80 anos (34,5% da amostra). Dados estatísticos revelam, ainda, que há uma tendência de crescimento da taxa de suicídio na população com idade entre 70 e 80 anos⁽¹⁾.

A análise dos DSSs proximais encontrados por esta revisão reforça a necessidade de dar atenção às características individuais de cada idoso, especialmente pelos cuidados estabelecidos no território, uma vez que esses fatores são intrínsecos ao sujeito. A Atenção Primária à Saúde, nesse contexto, pode constar como dispositivo diferencial, que facilmente observa tais aspectos e projeta assistência integral, que contemple, além da observação desses DSSs, intervenções diante de comportamentos de risco.

II - Determinantes sociais da saúde intermediários

Na segunda categoria, que aborda a camada intermediária dos DSSs, 14 artigos fizeram referência aos seguintes fatores: abuso de substâncias, consumo de álcool, uso de medicamentos psicotrópicos, estado civil, problemas conjugais, problemas sociais e familiares, violência, tentativa de suicídio anterior e histórico de admissão em serviço psiquiátrico.

O consumo de álcool apresenta-se como um problema de saúde pública entre os idosos e foi um dos principais fatores de risco apontado pelos estudos^{(15,17-18,23,26,29)}. Somado ao abuso de substâncias⁽¹⁵⁾, essa prática exerce uma irrefutável influência na morbimortalidade desse grupo de indivíduos. Esses hábitos nocivos à saúde são intensificados pela vulnerabilidade de idosos em face das alterações advindas do envelhecimento, perda de amigos e familiares, solidão, isolamento social e dificuldades financeiras⁽⁴³⁾.

Além disso, essa prática tornou-se cotidiana e um hábito adotado entre homens durante toda a trajetória da vida. Esse comportamento gera angústia e culpa após o consumo, além de exacerbar efeitos depressivos e aumentar a impulsividade, potencializando a probabilidade de ocorrência de suicídio. O consumo de álcool e outras substâncias pode ser um aspecto decisivo na constituição da experiência suicida, mas não deve ser investigado isoladamente, e sim como um fator social evidente no discernimento do suicídio^(26,44).

Nos levantamentos de caso realizados^(15,23,29), foram detectadas associações significantes entre o uso de medicamentos psicotrópicos e o suicídio em idosos. Esse fato é atribuído em razão da presença frequente de comorbidades psiquiátricas nessa população, que é um importante fator de risco, além da utilização dos psicofármacos para alívio de disfunções somáticas⁽¹⁵⁾.

Também, estudos apontam a associação entre o estado civil e a ocorrência do suicídio, predominando indivíduos casados^{(11,16,21,24,29)}. Esse fenômeno pode ser explicado pelo fato de que frequentemente os relacionamentos de casais idosos são conservados por anos, instituídos na juventude e mantidos por todas as transições da vida, até à velhice⁽⁴⁵⁾. No entanto, relacionamentos duradouros podem remeter a problemas conjugais, considerados um importante determinante para o suicídio em idosos^(20,26). Essas questões matrimoniais envolvem problemas com a sexualidade, perda do controle sobre a relação e sentimento de falha no exercício do papel masculino segundo a cultura patriarcal, o que predispõe ao desfecho suicida⁽⁴⁶⁾.

Outra condição relacionada ao suicídio em idosos foram os problemas sociais^(11,23,26) e familiares⁽¹²⁾, os quais refletem o empobrecimento das relações primárias da dinâmica rotineira, tornando a esfera de convivência intolerável. Além disso, a desconexão social gera repercussões potencialmente negativas sobre sua saúde mental, e por sentirem-se sem amparo emocional e sem suporte, o idoso se liberta do elo com a vida e tenciona antecipar o fim⁽⁴⁷⁾. Vale ressaltar que esses conflitos familiares e sociais predispõem à violência, outro determinante elencado associado ao suicídio, a qual, sem mediação, interfere nas relações pessoais, nutre traumas e suscita ideias suicidas⁽¹²⁾.

Há uma estreita relação entre a ideação, tentativa e o suicídio consumado nessa população. Entre os idosos, aproximadamente duas a quatro tentativas são executadas antes do suicídio propriamente dito⁽⁴⁸⁾. Dessa forma, a presença de ideação ou de tentativas intensifica o risco de mortes autoinfligidas, fato confirmado por alguns autores^{(11,18,22,24)} e que deve ser abordado com maior profundidade, por estar relacionado diretamente com o suicídio consumado e por ser um alerta para a possível prática posterior.

Ainda com relação aos DSSs intermediários, outro fator associado ao suicídio em idosos foi a ausência de admissões anteriores em serviços psiquiátricos⁽²¹⁾, o que expõe a negligência da família ou do idoso quanto ao tratamento dos transtornos mentais, os quais também são fatores que impulsionam o suicídio, além da dificuldade de comparecer aos serviços. Os estabelecimentos devem buscar estratégias que aproximem os idosos aos programas voltados para o atendimento específico desse público, a fim de sanar as dificuldades e promover a prevenção desse problema de saúde pública⁽¹¹⁾.

De posse das informações sobre DSSs intermediários que têm impacto sobre a morte autoprovocada em idosos, nota-se a importância do redirecionamento de políticas que favoreçam boas condições de desenvolvimento aos indivíduos, com enfoque nas condições de saúde, hábitos de vida, laços sociais e redes de apoio. Para além da assistência à saúde, deve ser dispensada atenção psicossocial na construção de bases comunitárias, que interagem em todo o processo de desenvolvimento do ser e exercem influência sobre o bem-estar da população idosa.

III - Determinantes sociais da saúde distais

Na terceira categoria, dez estudos fizeram menção aos DSSs distais, como escolaridade^(11,16), questões econômicas^{(11,13,16,18,20,24)}, saneamento⁽¹⁴⁾ e eventos de vida estressantes^(16,26-27).

Fatores como desigualdade social, baixa renda e insucesso financeiro e escolaridade influenciam a ocorrência do suicídio. Uma provável explicação é que as condições sociais e econômicas impulsionam diferentes modelos materiais de vida, com variados graus de exposições a fatores de risco ambientais e de acesso a recursos. Isso causa modificações em aspectos comportamentais e psicossociais, como percepção de violência, sentimentos de privação e estresse. Dessa forma, fatores econômicos e a baixa escolaridade influenciam a saúde do indivíduo, inclusive a saúde mental⁽⁴⁾.

A menção desses aspectos remete ao déficit no apoio social, que consiste na omissão dos governos em minimizar eventos estressantes relacionados ao meio social. Esse estressores são, geralmente, saneamento básico, características habitacionais e oportunidades de emprego⁽⁴⁹⁾.

Outro estressor é o processo de luto, encontrado na análise bibliográfica como fator de risco para o suicídio em idoso^(12,27); esse sentimento de perda é traumático e pode nunca passar totalmente. Em alguns casos, pode evoluir negativamente, ocasionar problemas físicos e psicológicos, que perpassam pelo abuso de substâncias e transtornos psiquiátricos, até o desfecho suicida⁽⁵⁰⁾.

Os macrodeterminantes econômicos, sociais e culturais identificados denotam o contexto que inclui mecanismos de estratificação, definindo a hierarquia socioeconômica individual e fragilizando o acesso aos recursos. Dessa forma, os indivíduos em desvantagem social estão submetidos a riscos distintos. Por meio de políticas intersetoriais integradas, medidas que contemplem as necessidades essenciais e de direito da população nas diversas conjunturas de ação do Estado contribuirão para o envelhecimento saudável.

Limitações do estudo

Ressalta-se como limitação do estudo a não inclusão de outras bases de dados, pois outros artigos que não estivessem indexados nas bases de escolha não puderam ser selecionados para constituir a amostra.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Aprofundar e reconhecer os DSSs relacionados ao suicídio em idosos é fundamental tanto para a adesão de medidas preventivas, essencialmente de fatores modificáveis, quanto para a definição de políticas de saúde que prestem cuidados resolutivos, com a valorização do idoso na perspectiva da integralidade. Enfatiza-se a relevância de se investir na redução dos riscos, considerando a rede de fatores sociais e culturais em que os indivíduos estão inseridos.

CONCLUSÃO

Observou-se que os determinantes proximais exercem mais efeitos sobre a prática do suicídio, principalmente os transtornos mentais, com destaque para a depressão. Além disso, problemas físicos também foram elencados como fatores predisponentes à ocorrência do suicídio. Quanto aos determinantes intermediários, são compostos sobretudo por fatores modificáveis, passíveis de intervenções para sua minimização, como o uso de álcool, abuso de substâncias, problemas familiares, conjugais e sociais. Já os determinantes distais apresentaram menores associações, e não foi presumível o reconhecimento dos mecanismos de ação desses DSSs para o suicídio em idosos.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Nov 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  02 Jun 2020
• Aceito
  13 Ago 2020