Acessibilidade / Reportar erro

Tentativas de suicídio por adolescentes atendidos em um departamento de urgência e emergência: estudo transversal

RESUMO

Objetivos:

identificar e caracterizar os atendimentos aos adolescentes admitidos em um departamento de urgência e emergência por tentativa de suicídio.

Métodos:

estudo observacional, transversal, descritivo, com abordagem retrospectiva, realizado com prontuários de adolescentes de 10 a 19 anos, admitidos por tentativa de suicídio entre janeiro de 2015 e julho de 2020 em um departamento de urgência e emergência. Os dados foram submetidos à análise descritiva e inferencial.

Resultados:

foram identificados 88 atendimentos, principalmente ao sexo feminino, expostos a múltiplos fatores de risco. A intoxicação exógena foi o principal meio utilizado, ocorrida no domicílio e em dias úteis. Houve repercussões sistêmicas, com necessidade de múltiplas intervenções e hospitalizações. Apenas 26% dos atendimentos foram notificados.

Conclusões:

os adolescentes atendidos por tentativa de suicídio estavam expostos a múltiplos fatores de risco, com a intoxicação como o principal meio utilizado. Preocupa a subnotificação dos casos e a lógica do cuidado clínico e medicalização.

Descritores:
Tentativa de Suicídio; Adolescência; Suicídio; Emergência; Enfermagem.

ABSTRACT

Objectives:

to identify and characterize the care provided to adolescents admitted to an emergency department due to a suicide attempt.

Methods:

an observational, cross-sectional, descriptive study with a retrospective approach, carried out with medical records of adolescents aged 10 to 19 admitted for suicide attempts, between January 2015 and July 2020, in an emergency department. Data were subjected to descriptive and inferential analysis.

Results:

eighty-eight service occurrences were identified, mainly to females, exposed to multiple risk factors. Exogenous intoxication was the main method used, occurring at home and on weekdays. There were systemic repercussions, requiring multiple interventions and hospitalizations. Only 26% of cases were notified.

Conclusions:

adolescents treated for suicide attempts were exposed to multiple risk factors, with intoxication as the main means used. There is concern about the underreporting of cases and the logic of clinical care and medicalization.

Descriptors:
Suicide, Attempted; Adolescent; Suicide; Emergencies; Nursing.

RESUMEN

Objetivos:

identificar y caracterizar la atención brindada a los adolescentes ingresados en un servicio de urgencias y emergencias por intento de suicidio.

Métodos:

estudio observacional, transversal, descriptivo, con enfoque retrospectivo, realizado con historias clínicas de adolescentes de 10 a 19 años, ingresados por intento de suicidio entre enero de 2015 y julio de 2020 en un servicio de urgencias y emergencias. Los datos fueron sometidos a análisis descriptivo e inferencial.

Resultados:

fueron identificadas 88 atenciones, principalmente del sexo femenino, expuestas a múltiples factores de riesgo. La intoxicación exógena fue el principal método utilizado, ocurriendo en el domicilio y entre semana. Hubo repercusiones sistémicas, requiriendo múltiples intervenciones y hospitalizaciones. Sólo el 26% de los casos fueron notificados.

Conclusiones:

los adolescentes asistidos por intento de suicidio estuvieron expuestos a múltiples factores de riesgo, siendo la intoxicación el principal medio utilizado. Preocupa el subregistro de casos y la lógica de atención clínica y medicalización

Descriptores:
Intento de Suicidio; Adolescente; Suicidio; Urgencias Médicas; Enfermería.

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2014, definiu o comportamento suicida como uma série de ações que incluem a ideação, o planejamento e a tentativa de suicídio, e o próprio suicídio. A ideação suicida ocorre quando há desejo de acabar com a própria vida, mas sem nenhuma ação resultante, e pode estar interligada com o planejamento futuro de uma ação. A tentativa de suicídio (TS), foco deste estudo, é definida como qualquer comportamento suicida não fatal, como intoxicações exógenas, automutilações, lesões autoinflingidas, que está ligada à intencionalidade de acabar com a vida, enquanto que o suicídio é o ato de se matar deliberadamente(11 World Health Organization (WHO). Preventing suicide: a global imperative [Internet]. Geneva. 2014 [cited 2022 Jul 02]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241564779
https://www.who.int/publications/i/item/...
).

Mundialmente, estima-se que 703.000 pessoas morrem por suicídio por ano, com média de 80 suicídios a cada 100.000 indivíduos. A OMS retrata que, em 2019, a cada 100 óbitos, aproximadamente 1,3% ocorreram por suicídio(22 World Health Organization (WHO). Suicide Worldwide in 2019: Global health estimates [Internet]. Geneva. 2021 [cited 2022 Sep 27]. Available from: https://www.who.int/publications-detail-redirect/9789240026643
https://www.who.int/publications-detail-...
). O Brasil está incluído entre os dez países que registram os maiores números absolutos de morte por suicídio(33 Beringuel BM, Costa HVV, Silva APS, Bonfim CV. Mortality by suicide in the state of Pernambuco, Brazil (1996-2015). Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20180270. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0270
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
). Após a implementação da notificação compulsória em 2010, até 2016, o Brasil notificou 176.266 lesões autoprovocadas, sendo 27,4% tentativas de suicídio(44 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 104, de 25 de janeiro de 2011[Internet]. 2011 [cited 2022 Feb 02]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
-55 Ministério da Saúde (BR). Agenda de Ações Estratégicas para a Vigilância e Prevenção do Suicídio e Promoção da Saúde no Brasil 2017 a 2020 [Internet]. 2017 [cited 2022 Feb 02]. Available from: https://www.neca.org.br/wp-content/uploads/cartilha_agenda-estrategica-publicada.pdf
https://www.neca.org.br/wp-content/uploa...
). Os dados são alarmantes na população de adolescentes, sendo o suicídio a quarta principal causa de óbitos em jovens entre 15 e 19 anos, de ambos os sexos(22 World Health Organization (WHO). Suicide Worldwide in 2019: Global health estimates [Internet]. Geneva. 2021 [cited 2022 Sep 27]. Available from: https://www.who.int/publications-detail-redirect/9789240026643
https://www.who.int/publications-detail-...
), concentrando-se em países de baixa e média renda, em uma proporção de 78% desse total, sobretudo nos países de maiores índices de desigualdade social(66 Asevedo E, Ziebold C, Diniz E, Gadelha A, Mari J. Ten-year evolution of suicide rates and economic indicators in large Brazilian Urban centers. Curr Opin Psychiatry. 2018;31(3):265-71. https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000000412
https://doi.org/10.1097/YCO.000000000000...
). Apesar da formulação de políticas públicas e reestruturação da rede de atenção em saúde mental, de 2006 a 2015, houve um aumento de 24% nos suicídios de adolescentes em seis grandes cidades brasileiras(77 Jaen-Varas D, Mari JJ, Asevedo E, Borschmann R, Diniz E, Ziebold C, et al. The association between adolescent suicide rates and socioeconomic indicators in Brazil: a 10-year retrospective ecological study. Braz J Psychiatry. 2019;41(5):389-95. https://doi.org/10.1590/1516-4446-2018-0223
https://doi.org/10.1590/1516-4446-2018-0...
).

Em relação à TS, em uma revisão sistemática da literatura com metanálise, observa-se que, de 686.672 adolescentes, 6% tentaram suicídio ao longo da vida(88 Lim KS, Wong CH, McIntyre RS, Wang J, Zhang Z, Tran BX, et al. Global Lifetime and 12-Month Prevalence of Suicidal Behavior, Deliberate Self-Harm and Non-Suicidal Self-Injury in Children and Adolescents between 1989 and 2018: a meta-analysis. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(22):4581. https://doi.org/10.3390/ijerph16224581
https://doi.org/10.3390/ijerph16224581...
). Dados internacionais demonstram que aproximadamente 12% dos adolescentes experimentam ideação suicida, 4% fazem um plano de suicídio e 4% tentam suicídio(99 O’Reilly LM, Pettersson E, Donahue K, Quinn PD, Klonsky ED, et al. Sexual orientation and adolescent suicide attempt and self-harm: a co-twin control study. J Child Psychol Psychiatry. 2021;62(7):834-41. https://doi.org/10.1111/jcpp.13325
https://doi.org/10.1111/jcpp.13325...
). Entretanto, os dados estatísticos podem estar subestimados e serem maiores, pela TS ser subnotificada(1010 Sousa KA, Ferreira MGS, Galvão EFC. Multidisciplinary health care in cases of childhood suicidal ideation: operational and organizational limits. Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20190459. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0459
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
).

A TS tende a aumentar na adolescência, etapa singular do desenvolvimento, devido à vivência de novas experiências, com as exigências sociais impostas e a construção de sua identidade pessoal. Nesse período, podem se consolidar comportamentos de risco, com maior exposição aos acidentes e à violência autoprovocada(1111 World Health Organization (WHO). Global Accelerated Action for the Health of Adolescents (AA-HA!): guidance to Support Country Implementation [Internet]. Geneva. 2017 [cited 2022 Feb 05]. Available from: https://www.who.int/publications-detail-redirect/9789241512343
https://www.who.int/publications-detail-...
). Em um estudo descritivo, qualitativo, brasileiro(1212 Simões EV, Oliveira AMN, Pinho LB, Lourenção LG, Oliveira SM, Farias FLR. Reasons assigned to suicide attempts: Adolescents perceptions. Rev Bras Enferm. 2022;75(3):e20210163. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0163
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0...
), realizado em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil, com 10 adolescentes com histórico de TS, observou-se que, entre os motivos desencadeadores, foram relatadas as mudanças de cidade e/ou escola; o medo e insegurança de fazer novas amizades; a perda de familiares próximos; as relações conflituosas e/ou vivência de violência física e/ou psicológica em meio social e/ou familiar; e as dificuldades na autoaceitação, fatores que foram acentuados no contexto da pandemia de COVID-19(1313 Farooq S, Tunmore J, Ali MW, Ayub M. Suicide, self-harm and suicidal ideation during COVID-19: a systematic review. Psychiatry Res. 2021;306:114228. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2021.114228
https://doi.org/10.1016/j.psychres.2021....
). Diante dos desafios, relataram que o suicídio era visto como a única solução para os problemas, com a finalização da dor e tristeza. Nesse percurso, o sofrimento não foi aliviado facilmente e houveram múltiplas TS.

A literatura internacional demonstra que, a cada 1.000 adolescentes, entre 15 e 19 anos, há em média 4 a 5 visitas ao pronto-socorro por ano devido à TS. Essa busca aumentou 92% nos últimos anos, sendo um dado alarmante que merece atenção(1414 Hill RM, Rufino K, Kurian S, Saxena J, Saxena K, Williams L. Suicide ideation and attempts in a pediatric emergency department before and during COVID-19. Pediatrics. 2021;147(3):e2020029280. https://doi.org/10.1542/peds.2020-029280
https://doi.org/10.1542/peds.2020-029280...
). Por mais que esse primeiro atendimento seja frequentemente realizado em contextos de urgência e emergência e possua enfoque clínico, a OMS recomenda que o acolhimento se inicie mesmo nesse contexto, pois considerar as necessidades de saúde mental pode permitir que o adolescente considere o serviço hospitalar como uma fonte de apoio, e não como um serviço fragmentado, com o olhar apenas ao físico(11 World Health Organization (WHO). Preventing suicide: a global imperative [Internet]. Geneva. 2014 [cited 2022 Jul 02]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241564779
https://www.who.int/publications/i/item/...
).

Inúmeras investigações vêm se dedicando ao estudo do comportamento suicida e seus determinantes, impactos, epidemiologia e variabilidade cultural, porém focados aos níveis primário e secundário de assistência à saúde no território(1010 Sousa KA, Ferreira MGS, Galvão EFC. Multidisciplinary health care in cases of childhood suicidal ideation: operational and organizational limits. Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20190459. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0459
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
,1212 Simões EV, Oliveira AMN, Pinho LB, Lourenção LG, Oliveira SM, Farias FLR. Reasons assigned to suicide attempts: Adolescents perceptions. Rev Bras Enferm. 2022;75(3):e20210163. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0163
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0...
,1515 Botega NJ. Suicidal Behavior: epidemiology. Psicol USP. 2014;25(3). https://doi.org/10.1590/0103-6564D20140004
https://doi.org/10.1590/0103-6564D201400...

16 Sisler SM, Schapiro NA, Nakaishi M, Steinbuchel P. Suicide assessment and treatment in pediatric primary care settings. J Child Adolesc Psychiatr Nurs. 2020;33(4):187-200. https://doi.org/10.1111/jcap.12282
https://doi.org/10.1111/jcap.12282...
-1717 Azizi H, Fakhari A, Farahbakhsh M, Esmaeili ED, Mirzapour M. Outcomes of community-based suicide prevention program in primary health care of Iran. Int J Ment Health Syst. 2021;15(1):67. https://doi.org/10.1186/s13033-021-00492-w
https://doi.org/10.1186/s13033-021-00492...
). Como o serviço hospitalar desempenha um papel crucial na identificação de indivíduos em risco e/ou oferecimento de assistência àqueles que vivenciam a TS(1818 Boudreaux ED, Camargo Jr CA, Arias SA, Sullivan AF, Allen MH, Goldstein AB, et al. Improving suicide risk screening and detection in the emergency department. Am J Prev Med. 2016;50(4):445-53. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2015.09.029
https://doi.org/10.1016/j.amepre.2015.09...
), os departamentos de emergência podem ser particularmente importantes para esses esforços.

Desse modo, conhecer o fenômeno de TS de adolescentes em um setor de urgência e emergência se torna necessário, pela possibilidade de guiar formulações de estratégias de atendimento holístico e de fomentar a construção de políticas de prevenção de suicídio, fenômeno emergente e relevante à área da saúde mental infantojuvenil. Assim, emergiu a seguinte inquietação: qual o perfil e como ocorre o atendimento aos adolescentes atendidos em um departamento de urgência e emergência por TS?

OBJETIVOS

Identificar e caracterizar os atendimentos aos adolescentes admitidos em um departamento de urgência e emergência por TS.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e da instituição coparticipante, nos anos de 2018 e 2019, respectivamente. Os dados foram coletados mediante aprovação do Termo de Compromisso. Foram respeitados os preceitos éticos da Resolução 466/12 e 510/16(1919 Conselho Nacional de Saúde (CNS). Resolução N° 510 de 07 de abril de 2016 [Internet]. 2016 [cited 2022 Jul 02]. Available from: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
) do Conselho Nacional de Saúde.

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal, descritivo, com abordagem retrospectiva. Para guiar a metodologia deste estudo, utilizou-se o STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology (STROBE) para estudos transversais(2020 Equator Network. STROBE Statement: checklist of items that should be included in reports of cross-sectional studies [Internet]. 2022 [cited 2022 Jan 01]. Available from: https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/strobe/
https://www.equator-network.org/reportin...
). O estudo foi realizado em um hospital público de nível secundário no município de São Paulo. Os dados retrospectivos foram coletados dos anos de 2015 a 2020, recorte temporal determinado a partir da disponibilidade dos documentos na instituição coparticipante, na qual prontuários prévios a 2015 se encontravam arquivados externamente, dependendo de uma logística distinta para acesso. Foram utilizados prontuários dos adolescentes atendidos nos setores de: Pronto-Socorro Infantil (PSI), que atende crianças a partir dos primeiros dias de vida a adolescentes de até 14 anos 11 meses e 29 dias, e Pronto-Socorro Adulto (PSA), com adolescentes entre 15 e 19 anos 11 meses e 29 dias e adultos.

População do estudo, critérios de inclusão e exclusão

A amostra foi composta de indivíduos na faixa etária de 10 a 19 anos, 11 meses e 29 dias, classificados como adolescentes pela OMS(11 World Health Organization (WHO). Preventing suicide: a global imperative [Internet]. Geneva. 2014 [cited 2022 Jul 02]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241564779
https://www.who.int/publications/i/item/...
). Utilizaram-se registros dos atendimentos entre janeiro de 2015 e julho de 2020, disponibilizados para a coleta pelo Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME) da instituição.

Inicialmente, foram estabelecidos como critérios de inclusão: adolescentes, cujo motivo de atendimento estivesse considerado, segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde 10ª Revisão (CID-10)(2121 Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde 10ª Revisão (CID 10). 1995.), como TS (X60 a X84), no período de janeiro de 2015 a julho de 2020. Porém, diante da escassez de registros codificados exclusivamente nessa categoria (apenas 28 atendimentos estavam cadastrados como TS, CID X60-84), optou-se pela ampliação das classificações que estivessem relacionadas ao meio utilizado para a TS, como as intoxicações exógenas e acidentes violentos com intenção indeterminada. Assim, adotou-se como novo critério de inclusão: CID X60 a X84 (violências autoprovocadas), T50.9 a T65.9 (intoxicações exógenas de intenção indeterminada) e Y09 a Y34 (acidentes com intenção indeterminada).

Vale ressaltar que, dentre a análise dos dados, para ser considerado TS, levou-se em conta a intencionalidade do adolescente em tirar sua própria vida. Para tal, a pesquisadora principal realizou uma leitura minuciosa dos documentos que compuseram o prontuário, em busca de algum registro do atendimento que mencionasse a intencionalidade e/ou TS. Por exemplo: um atendimento a um adolescente com intoxicação exógena, no qual, durante a anamnese, algum membro da equipe documentou que esse fez o uso com o intuito de acabar com a própria vida, considerando-se o atendimento como TS. Foram excluídos os prontuários que não fosse verificado a intenção de suicídio.

Protocolo do estudo

Para obtenção dos dados de atendimento, foi solicitada ao SAME a seleção de todos os prontuários cujo motivo de atendimento se enquadrasse nos critérios de inclusão. No período estabelecido, foram disponibilizados à pesquisadora 133 documentos, dentre esses: 1) ficha de pronto atendimento, para as pessoas que foram atendidas por até 24 horas; 2) envelopes de atendimento, para as que permaneciam por mais de 24 horas; e 3) prontuários, para os sujeitos que tiveram a internação hospitalar. Após a leitura minuciosa dos documentos, bem como a verificação da intencionalidade de suicídio, foram selecionados, para integrar a população do estudo, 88 prontuários, sendo 28 classificados como TS, e 60 registros de atendimentos categorizados pelos CIDs T50.9 a 65.9 e Y09 a Y34.

Para a coleta de dados, foi elaborado um instrumento pelos pesquisadores, contemplando dados referentes à admissão ao serviço de urgência e emergência; à caracterização do adolescente atendido, do contexto familiar e social, dos atendimentos prévios relacionados à TS, do atendimento profissional e da TS propriamente dita; e a notificação compulsória.

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram armazenados no software Microsoft Excel®, e encaminhados para análise estatística através do Microsoft® SPSS versão 22.0. Foram realizadas análises descritivas e inferenciais. As variáveis contínuas foram organizadas de forma descritiva, e as categóricas, por meio de frequência absoluta e relativa. As variáveis foram associadas por meio dos testes estatísticos Pearson’s chi-square, Fisher’s exact, Wilcoxon-Mann Whitney, Brunner-Munzel, Wilch’s ttest e Student’s test. Adotou-se o nível de significância estatística de 5% (p<0,05).

RESULTADOS

Foram incluídos 88 adolescentes com TS: 83% eram do sexo feminino; a média de idade foi de 16,4 anos (DP 2,29); 98,8% eram solteiros; 87,5% viviam com os pais; 79,5% eram estudantes; 40,9% tinham um problema de saúde mental prévio documentado em prontuário, prevalecendo a depressão (31,8%); e 29,5% faziam uso de medicamento diário (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização dos adolescentes participantes, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2021

Caracterização do atendimento

Assim, 31,8% dos adolescentes foram atendidos no PSI e 68,2% no PSA. Os atendimentos foram classificados da seguinte forma: 30,7% na CID X60-84 (lesão autoprovocada intencionalmente) e 69,3% na CID T50-65.9 (intoxicações exógenas). O maior número de atendimentos ocorreu em 2018 (26%), prevalecendo os dias úteis (86,0%), o horário matutino (43,2%) e o domicílio (83,0%).

Os adolescentes foram levados até o departamento de emergência, prevalentemente por seus familiares (64%), com quadro de sonolência (28%), náusea e vômitos (15,0) e confusão (12,0), com escala de Glasgow com escore em média de 14,25. Foram submetidos a procedimentos invasivos, como sondagem oro/nasogástrica (35,2%), lavagem gástrica e hidratação intravenosa (IV) (34,1%). 18,1% foram internados na instituição, principalmente na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) (11,3%), tanto pediátrica (6,8%) quanto adulto (4,5%). A Tabela 2 abaixo traz dados referentes ao atendimento inicial.

Tabela 2
Caracterização do atendimento à tentativa de suicídio no departamento de emergência pediátrica, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2021

Encontrou-se recorrência em 10 (6,9%) dos atendimentos, com quatro adolescentes que buscaram atendimento de forma repetida. O tempo médio (TM) decorrido entre a TS e a admissão no PSI e PSA foi de 6,11 horas (DP=11,15). Esses atendimentos tiveram 11,29 horas (DP=20,60) como TM de permanência no departamento de emergência. Para os adolescentes que foram admitidos no departamento e foram liberados de alta hospitalar, o TM de permanência foi de 13,07 horas (DP=10,58). Nos que foram transferidos para outro serviço, o TM foi de 14,92 horas (DP= 16,89). Nas 16 internações, a média de permanência foi de 142,19 horas de hospitalização. O TM de hospitalização em geral entre todos os atendimentos foi de 36,79 horas (DP=63,87). A notificação compulsória da TS foi preenchida apenas em 26,1% dos atendimentos, concentrando-se (78,3%) nos anos de 2019 e 2020.

Caracterização das tentativas de suicídio

O método mais frequentemente utilizado pelos adolescentes foi a intoxicação exógena, principalmente por medicamentos (84,1%). 7,9% dos adolescentes combinaram o uso de dois métodos para a TS, sendo: intoxicação medicamentosa e intoxicação por drogas ilícitas; intoxicação por veneno e intoxicação de drogas ilícitas; intoxicação de drogas ilícitas e álcool; intoxicação medicamentosa e precipitação; intoxicação alcoólica; e ferimento por arma branca. Vale ressaltar que aqui maconha, crack, cocaína, heroína, LSD e ecstasy foram considerados drogas ilícitas.

Dentre as intoxicações medicamentosas como método de TS, observou-se o uso dos seguintes grupos farmacológicos: antidepressivos (28,4%); analgésicos e antitérmicos (20,5%) benzodiazepínicos (19,3%); anti-inflamatórios não esteroidais (15,9%); hipotensor arterial sistêmico (12,5%); antiepiléticos (11,3%); antipsicóticos (10,2%); anti-histamínicos (6,8%); entre outros (22,7%). Foram identificadas 38 (43,2%) situações com mistura de dois (52,6%), três (29,0%) e quatro (18,4%) medicamentos. Quanto a quem pertenciam os medicamentos utilizados intencionalmente em excesso, os antidepressivos, em 16 (64%) registros, pertenciam ao próprio adolescente, assim como em oito (89%) relatos de ingestões de antipsicóticos e em sete (41,2%) de benzodiazepínicos. Já para medicamentos do tipo analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos, hipotensor arterial sistêmico e os outros diversos fármacos relatados, eram, em sua grande maioria, utilizados pelos familiares (p<0,001). No caso dos antidepressivos (p=0,001) e antipsicóticos (p=0,018), observa-se a correlação com o uso excessivo desses medicamentos pelos usuários que já os utilizavam previamente a TS. Vale ressaltar que, no caso de envenenamento, o uso do pesticida, conhecido popularmente como “chumbinho”, foi responsável por 100% dos casos, como relatado em oito atendimentos (9%).

Observou-se que as intoxicações medicamentosas são mais frequentes no sexo feminino (p<0,001), e as intoxicações alcoólicas, no masculino (p=0,03). Os ferimentos por arma branca foram realizados unicamente pelos adolescentes do sexo masculino (p=0,02), assim como a precipitação (p=0,02). A intoxicação por drogas foi mais prevalente nos adolescentes com maior idade, em média de 19,33 anos (DP=0,35) (p<0,001). A Tabela 3 abaixo traz dados referentes aos meios utilizados pelos adolescentes para a TS, associado à idade e sexo.

Tabela 3
Caracterização do meio utilizado para a tentativa de suicídio, associado às variáveis idade e sexo, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2021

Não foram encontradas descrições de fatores de risco em oito atendimentos (4%), seja atual ou passado. Já nos que continham descrição, observaram-se os fatores de risco principais, como problema de saúde mental (40,9%), tentativa prévia (39%), conflito familiar (39%) e automutilação (25%). Estar vivenciando ou ter vivenciado dois fatores de risco associados foram identificados em 32% dos atendimentos, três em 16% e quatro fatores em 11%.

Quanto aos fatores de risco em relação à idade, observou-se que os adolescentes com menor idade tiveram relação estaticamente significativa com os fatores de risco histórico de automutilação (p=0,02) bullying (p<0,01), abuso físico (p=0,02), conflitos familiares (p<0,001), vivência com pais separados (p<0,001), convivência com alguém próximo que tentou suicídio (p<0,001). O pertencimento ao grupo de LGBTQIA+ e o uso frequente de álcool estiveram associados aos adolescentes do sexo masculino (p<0,001). A Tabela 4 abaixo traz os fatores de risco encontrados nos adolescentes com a TS e suas associações com a idade e o sexo.

Tabela 4
Fatores de risco dos adolescentes com tentativa de suicídio e associação com as variáveis idade e sexo, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2022

O arrependimento pela TS foi registrado na documentação de 21,6% dos atendimentos. Verificaram-se registros de avaliação psiquiátrica e conduta de manutenção do tratamento prévio em 10,3%, e nos outros casos, 31,1% foram indicados para psicoterapia, 27,6% iniciaram o uso de medicamentos psiquiátricos, prescritos pela equipe médica do departamento, concomitante à psicoterapia, e internação psiquiátrica em um paciente. Ao restante, não foi documentado tratamento específico ao problema de saúde mental.

DISCUSSÃO

Neste estudo, observou-se o atendimento de 88 TS em adolescentes no período de cinco anos e seis meses, sendo que 40,9% apresentavam problemas de saúde mental prévio. Foram documentados inúmeros fatores de risco, associados principalmente a menor idade. A TS ocorreu frequentemente no domicílio, em dias úteis, pela manhã, com 64% sendo levados ao serviço por familiares. O atendimento resultou em 18,1% internações na instituição. O método mais utilizado foi a intoxicação exógena, principalmente por medicamentos de uso familiar ou uso prévio pelo adolescente, mais corriqueiro no sexo feminino, enquanto os métodos mais violentos foram utilizados por adolescentes do sexo masculino. A notificação compulsória de violência autoprovocada foi realizada em apenas 26,1% dos atendimentos.

A literatura internacional demonstra que a busca por atendimentos em serviços de urgência e emergência representa motivo de vergonha aos adolescentes e familiares(2222 Bahia CA, Avanci JQ, Pinto LW, Minayo MCS. Adolescent Intentional self-harm notifications and hospitalizations in Brazil, 2007-2016. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(2):e2019060. https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000200006
https://doi.org/10.5123/S1679-4974202000...
-2323 Silva Filho OC, Minayo MCS. Triple Taboo: considerations about suicide among children and adolescents. Cien Saude Colet. 2021;26(7):2693-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07302021
https://doi.org/10.1590/1413-81232021267...
). Quando ocorrem, em uma parcela mínima, são os que vivenciam repercussões sistêmicas, como neste estudo, com o quadro de sonolência, náuseas, vômitos, confusão e afins. Essa baixa busca pelo serviço é consequente do triplo tabu da TS, vivenciado pela população em geral: 1) Tabu da morte, com um afastamento intrínseco de discussões que se referem ao fenômeno e, quando estão perante a perdas, vivem um mascaramento do luto com dificuldade em expressar emoções; 2) Tabu do suicídio, fenômeno com extremo estigma social que desperta reações ambivalentes, como choque, tristeza e questionamentos perante ao ato e, ao mesmo tempo, culpa, julgamentos e raiva ao indivíduo; e 3) Tabu do suicídio infantojuvenil, onde se somam as reações emocionais ambivalentes à representação social da criança e adolescente, que representam socialmente a figura bondosa e angelical e, quando expostos ao fenômeno, ferem a expectativa do imaginário social(2323 Silva Filho OC, Minayo MCS. Triple Taboo: considerations about suicide among children and adolescents. Cien Saude Colet. 2021;26(7):2693-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07302021
https://doi.org/10.1590/1413-81232021267...
).

Os atendimentos de TS nos prontos-socorros são objetivos, com enfoque na manutenção da vida, com múltiplas intervenções, e na clínica, como listado neste estudo. Apesar de o adolescente permanecer por algumas horas no serviço, as demandas psíquicas, frequentemente, deixam de ser abordadas(1414 Hill RM, Rufino K, Kurian S, Saxena J, Saxena K, Williams L. Suicide ideation and attempts in a pediatric emergency department before and during COVID-19. Pediatrics. 2021;147(3):e2020029280. https://doi.org/10.1542/peds.2020-029280
https://doi.org/10.1542/peds.2020-029280...

15 Botega NJ. Suicidal Behavior: epidemiology. Psicol USP. 2014;25(3). https://doi.org/10.1590/0103-6564D20140004
https://doi.org/10.1590/0103-6564D201400...

16 Sisler SM, Schapiro NA, Nakaishi M, Steinbuchel P. Suicide assessment and treatment in pediatric primary care settings. J Child Adolesc Psychiatr Nurs. 2020;33(4):187-200. https://doi.org/10.1111/jcap.12282
https://doi.org/10.1111/jcap.12282...

17 Azizi H, Fakhari A, Farahbakhsh M, Esmaeili ED, Mirzapour M. Outcomes of community-based suicide prevention program in primary health care of Iran. Int J Ment Health Syst. 2021;15(1):67. https://doi.org/10.1186/s13033-021-00492-w
https://doi.org/10.1186/s13033-021-00492...
-1818 Boudreaux ED, Camargo Jr CA, Arias SA, Sullivan AF, Allen MH, Goldstein AB, et al. Improving suicide risk screening and detection in the emergency department. Am J Prev Med. 2016;50(4):445-53. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2015.09.029
https://doi.org/10.1016/j.amepre.2015.09...
), por exigir dedicação, escuta ativa e formação de vínculo, desafios ao profissional da emergência devido às interrupções e intercorrências inerentes à atividade. Para além disso, também exige formação, segurança na abordagem e estrutura do serviço, novas barreiras enfrentadas, principalmente pela fragmentação da atenção pela idade entre o departamento infantil e o adulto, consequente das políticas públicas de saúde mental(1010 Sousa KA, Ferreira MGS, Galvão EFC. Multidisciplinary health care in cases of childhood suicidal ideation: operational and organizational limits. Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20190459. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0459
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
).

No ano de 2017, a OMS reiterou que, mundialmente, há escassez de profissionais especialistas e/ou capacitados para a atuação na TS, além da falta de investimentos em saúde mental(2424 World Health Organization (WHO). Mental Health Gap Action Program (mhGAP). Geneva [Internet]. 2018 [cited 2022 Feb 08]. Available from: https://www.mhinnovation.net/
https://www.mhinnovation.net/...
), fato que permeia todos os níveis de assistência. Na instituição hospitalar, tanto sua arquitetura quanto o corpo profissional são constituídos e concebidos para a promoção da vida, e uma admissão de TS pode provocar inúmeras reações. Em uma investigação qualitativa, brasileira, realizada com profissionais de saúde, em dois departamentos de urgência, observa-se a descrição das “falsas tentativas de suicídio”, com caráter de intencionalidade duvidosa, realizada com objetivo de “chamar a atenção”(2525 Freitas APA, Borges LM. From reception to triage: care of suicide attempts in hospital emergencies. Estud Psicol. 2017;22(1):50-60. https://doi.org/10.22491/1678-4669.20170006
https://doi.org/10.22491/1678-4669.20170...
). Este estudo ilustra o triplo tabu(2323 Silva Filho OC, Minayo MCS. Triple Taboo: considerations about suicide among children and adolescents. Cien Saude Colet. 2021;26(7):2693-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07302021
https://doi.org/10.1590/1413-81232021267...
) que permeia os profissionais. Vale ressaltar que os adolescentes intrinsicamente se afastam do serviço de saúde, seja por fenômenos pessoais quanto pela baixa implementação das políticas públicas nessa faixa etária, e quando ocorre a TS, pela representação social profissional negativa, esse pode se sentir “um fardo”, por ter sua assistência hostilizada, se afastar cada vez mais da assistência(1010 Sousa KA, Ferreira MGS, Galvão EFC. Multidisciplinary health care in cases of childhood suicidal ideation: operational and organizational limits. Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20190459. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0459
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
,1212 Simões EV, Oliveira AMN, Pinho LB, Lourenção LG, Oliveira SM, Farias FLR. Reasons assigned to suicide attempts: Adolescents perceptions. Rev Bras Enferm. 2022;75(3):e20210163. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0163
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0...
), acumular o sofrimento psíquico e estar exposto a novas TS.

A atenção primária e secundária permite aos profissionais de saúde a atuação próxima e longitudinal, diferentemente da realidade do pronto atendimento. Porém, em um estudo qualitativo descritivo, realizado com as equipes multiprofissionais de um Centro de Atenção Psicossocial e uma Estratégia Saúde da Família, observa-se que os profissionais possuem conhecimentos quanto à TS, porém a maioria nunca prestou assistência a um adolescente exposto a tal, apesar de se esperar que esses serviços estejam familiarizados com a temática. Além disso, nos discursos, nota-se julgamento e tabu profissional(1010 Sousa KA, Ferreira MGS, Galvão EFC. Multidisciplinary health care in cases of childhood suicidal ideation: operational and organizational limits. Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20190459. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0459
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
).

Neste estudo, 86% das TS ocorreram em dias úteis, no período matutino (83%) e no domicílio (83%). Esse achado pode estar relacionado a menor possibilidade de supervisão dos adultos, provavelmente pelas atividades laborais, além de as atividades escolares ocorrerem nesses dias, expondo-os a situações que podem precipitar o sofrimento e impulso, como o bullying, associado neste estudo à automutilação (p=0,02). Nota-se que em 64% dos casos os adolescentes foram encontrados e encaminhados ao departamento de urgência e emergência por seus familiares, que também passam por impactos e devem ser acolhidos.

O comportamento impulsivo do adolescente pode despertar na família sentimento de impotência diante da perda do controle de suas ações, com vivência de um processo doloroso de culpa e raiva. São falas comuns: “Nunca imaginei que isso pudesse acontecer”, “Como eu não percebi que algo não estava bem?”(2626 Kreuz G, Antoniassi RPN. Support group for suicide survivors. Psicol Est. 2020;25. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.42427
https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i...
). Esse núcleo familiar deve ser abordado dentro de sua singularidade, com auxílio no recomeço com marcas afetivas de uma TS, carecendo de cuidados e estratégias de prevenção(2323 Silva Filho OC, Minayo MCS. Triple Taboo: considerations about suicide among children and adolescents. Cien Saude Colet. 2021;26(7):2693-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07302021
https://doi.org/10.1590/1413-81232021267...
).

Neste estudo, o método mais utilizado para TS foi a intoxicação exógena por medicamentos (84,1%). No caso de adolescentes, sobretudo os mais jovens, a noção de toxicidade, o envenenamento e os efeitos de superdosagem de alguns medicamentos podem ser inacessíveis, o que pode ser um fator protetivo ou perigoso, com possibilidade de cuidados intensivos. Além disso, a facilitação do acesso aos meios favorece a ocorrência da TS(2727 Prabhakar D, Peterson EL, Hu Y, Chawa S, Rossom RC, Lynch FL, et al. Serious suicide attempts and risk of suicide death. Crisis. 2021;42(5):343-50. https://doi.org/10.1027/0227-5910/a000729
https://doi.org/10.1027/0227-5910/a00072...
-2828 Ruch DA, Heck KM, Sheftall AH. Characteristics and Precipitating Circumstances of Suicide Among Children Aged 5 to 11 Years in the United States, 2013-2017. JAMA Netw Open. 2021;4(7):e2115683. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.15683
https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen....
), como visto nesta amostra, com o acesso aos medicamentos, utilizados por familiares (p<0,001), e venenos dentro do próprio domicilio. O uso excessivo de antidepressivos (p=0,001) e antipsicóticos (p=0,018) foi associado ao uso no tratamento ao problema de saúde mental prévio, tornando-se um meio para concretização do suicídio. Ademais, observamos que, apesar deste importante fator de risco e causa, 27,6% dos adolescentes iniciaram uso de psicofármacos após o atendimento na urgência e emergência, cenário que merece especial atenção quanto à prescrição orientada e acompanhada pelos profissionais de saúde, a fim de evitar recorrências.

Vale ressaltar que, em 27,6% dos atendimentos listados neste estudo, houve a introdução de medicamentos e 31,1% de psicoterapia. Esse dado reflete a lógica de cuidado que ainda permeia a saúde mental, com a medicalização da assistência de forma precoce, utilizando a medicação como forma de tratar aspectos emocionais sem refletir todo o contexto de sofrimento a qual o indivíduo está inserido. Além disso, a indicação da psicoterapia se torna um exemplo clássico do referenciamento do cuidado onde, frequentemente, os adolescentes devem buscar na sua rede de saúde locais que forneçam esse tipo de atendimento de forma autônoma, devido à dificuldade da tradução e acesso das políticas da rede de atenção em saúde mental.

Em uma revisão sistemática com metanálise, que objetivou avaliar a magnitude e identificar os fatores de risco e proteção específicos de gênero nas TS e óbito por suicídio em adolescentes e adultos jovens, observou-se que as mulheres apresentam maior risco de TS, e os homens, maior risco de óbito por suicídio. Esse achado está relacionado ao maior acesso dos homens a meios violentos, como armas de fogo, pesticidas e gases tóxicos(2929 Mendizabal AM, Castellví P, Parés-Badell. Gender differences in suicidal behavior in adolescents and young adults: systematic review and meta-analysis of longitudinal studies. Int J Public Health. 2019;64(2):265-83. https://doi.org/10.1007/s00038-018-1196-1
https://doi.org/10.1007/s00038-018-1196-...
). Esse aspecto corrobora com este estudo, no qual 83% dos adolescentes eram do sexo feminino, porém os ferimentos por arma branca foram meios utilizados unicamente pelos adolescentes do sexo masculino (p=0,02), assim como a precipitação (p=0,02). Alguns estudos(2727 Prabhakar D, Peterson EL, Hu Y, Chawa S, Rossom RC, Lynch FL, et al. Serious suicide attempts and risk of suicide death. Crisis. 2021;42(5):343-50. https://doi.org/10.1027/0227-5910/a000729
https://doi.org/10.1027/0227-5910/a00072...
-2828 Ruch DA, Heck KM, Sheftall AH. Characteristics and Precipitating Circumstances of Suicide Among Children Aged 5 to 11 Years in the United States, 2013-2017. JAMA Netw Open. 2021;4(7):e2115683. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.15683
https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen....
,3030 Kim SH, Kim HJ, Oh SH, Cha K. Analysis of attempted suicide episodes presenting to the emergency department: comparison of Young, middle aged and older people. Int J Ment Health Syst. 2020;14:46. https://doi.org/10.1186/s13033-020-00378-3
https://doi.org/10.1186/s13033-020-00378...
) associam essa diferença a maior exposição a fatores de risco por homens, como impulsividade, agressividade consigo e com seus familiares e uso de substâncias psicoativas.

No que concerne à TS, pode-se fazer uma associação a um bloco de construção, no qual, quando as estruturas não estão firmes, um novo peso pode levar ao desabamento. Nesse caso, as estruturas são os fatores de risco e de proteção, e, pela TS ser um fenômeno multideterminado, pode ocorrer a associação de mais de um fator de risco e/ou motivação pelos adolescentes. A TS prévia é o principal fator de risco para uma futura efetivação de um suicídio(2727 Prabhakar D, Peterson EL, Hu Y, Chawa S, Rossom RC, Lynch FL, et al. Serious suicide attempts and risk of suicide death. Crisis. 2021;42(5):343-50. https://doi.org/10.1027/0227-5910/a000729
https://doi.org/10.1027/0227-5910/a00072...
-2828 Ruch DA, Heck KM, Sheftall AH. Characteristics and Precipitating Circumstances of Suicide Among Children Aged 5 to 11 Years in the United States, 2013-2017. JAMA Netw Open. 2021;4(7):e2115683. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.15683
https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen....
). Neste estudo, observa-se a TS prévia em 15% dos atendimentos. Em um estudo de base populacional, longitudinal, realizado na Suécia, observa-se que, de 13.852 adolescentes, 276 relataram TS uma vez, 116, entre 2 e 3 vezes, 37, entre 4 e 9 vezes, 19, acima de 10 vezes e 22, mais vezes do que pode contar. A identificação como minoria sexual foi associada a dez vezes mais chance de TS na adolescência (p<0,05), principalmente pela experiência de estigma, ocultação de identidade e homofobia(99 O’Reilly LM, Pettersson E, Donahue K, Quinn PD, Klonsky ED, et al. Sexual orientation and adolescent suicide attempt and self-harm: a co-twin control study. J Child Psychol Psychiatry. 2021;62(7):834-41. https://doi.org/10.1111/jcpp.13325
https://doi.org/10.1111/jcpp.13325...
). Neste estudo, a homossexualidade esteve associada a maior risco de TS em adolescentes do sexo masculino (p<0,001).

Em uma coorte retrospectiva realizada no Canadá, entre 2014 e 2015, observa-se que indivíduos com problemas de saúde mental tiveram mais atendimentos no setor de emergência, entretanto o ambulatório, para aqueles que faziam acompanhamento, tornou-se um fator de proteção à TS(3131 Gentil L, Huynh C, Grenier G, Fleury MJ. Predictors of emergency department visits for suicidal ideation and suicide attempt. Psychiatry Res. 2020;285:112805. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112805
https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020....
). Em um sistema de saúde ideal, todos os adolescentes em risco ou com TS prévia seriam acompanhados nos serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial, porém, na prática clínica, observa-se que o sistema de referenciamento não atinge a longitudinalidade idealizada. Além disso, cabe refletir que fazer acompanhamento não é garantia de assistência qualificada e resolução de problemas.

Em março de 2020, a OMS decretou a pandemia de COVID-19 e, consequentemente, o número de atendimentos nos departamentos de urgência e emergência infantil foram reduzidos. Porém, quanto ao risco de suicídio em uma revisão sistemática com metanálise(1313 Farooq S, Tunmore J, Ali MW, Ayub M. Suicide, self-harm and suicidal ideation during COVID-19: a systematic review. Psychiatry Res. 2021;306:114228. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2021.114228
https://doi.org/10.1016/j.psychres.2021....
), que objetivou sistematizar as evidências sobre suicídio, automutilação e ideação suicida durante a pandemia de COVID-19, observou-se que tantos os efeitos diretos quanto indiretos da pandemia podem aumentar a taxa de TS, a qual a prevalência neste período foi de 11,5% na população geral. Esse aspecto corrobora com uma investigação transversal retrospectiva, realizada no Texas, em um serviço de pronto-socorro com adolescentes, no qual observa-se um aumento na TS, ao comparar o ano de 2020 a 2019 (p<0,05). As chances de ideação suicida foram maiores entre os meses de março (OD: 1,6) e julho de 2020 (OD: 1,4), comparado a 2019(1414 Hill RM, Rufino K, Kurian S, Saxena J, Saxena K, Williams L. Suicide ideation and attempts in a pediatric emergency department before and during COVID-19. Pediatrics. 2021;147(3):e2020029280. https://doi.org/10.1542/peds.2020-029280
https://doi.org/10.1542/peds.2020-029280...
).

Esse aumento pode estar associado à potencialização de fatores de risco, como isolamento, recessão econômica, estresse, falta de acesso a recursos educacionais e de saúde(1313 Farooq S, Tunmore J, Ali MW, Ayub M. Suicide, self-harm and suicidal ideation during COVID-19: a systematic review. Psychiatry Res. 2021;306:114228. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2021.114228
https://doi.org/10.1016/j.psychres.2021....
), e a maior exposição aos determinantes sociais expostos neste estudo, como abuso físico, psicológico e/ou sexual, conflitos e luto por entes queridos que podem ter vindo a falecer por COVID-19. Esse aspecto caminha com o fato de que houve uma maior restrição dos atendimentos nos serviços de urgência e emergência, principal porta de entrada aos indivíduos com TS, e nos serviços de nível secundário especialista em saúde mental, o que pode reduzir a busca por atendimento e acentuar o comportamento suicida.

Neste estudo, os dados não foram analisados por tendência, o que nos limita de confirmar se houve redução ou aumento da procura do serviço por TS durante a pandemia, outro aspecto é que os dados foram coletados apenas até julho de 2020 não sendo passíveis de comparação com os dados prévios, entretanto, observa-se sete atendimentos em sete meses, o que é um número considerável.

Estima-se que as TS superem o número de suicídio em pelo menos dez vezes, porém os dados ainda não são confiáveis(1515 Botega NJ. Suicidal Behavior: epidemiology. Psicol USP. 2014;25(3). https://doi.org/10.1590/0103-6564D20140004
https://doi.org/10.1590/0103-6564D201400...
), principalmente pela subnotificação, como visto neste estudo, o qual apenas 26,1% dos casos foram notificados, apesar da notificação ser compulsória desde 2010(88 Lim KS, Wong CH, McIntyre RS, Wang J, Zhang Z, Tran BX, et al. Global Lifetime and 12-Month Prevalence of Suicidal Behavior, Deliberate Self-Harm and Non-Suicidal Self-Injury in Children and Adolescents between 1989 and 2018: a meta-analysis. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(22):4581. https://doi.org/10.3390/ijerph16224581
https://doi.org/10.3390/ijerph16224581...
-99 O’Reilly LM, Pettersson E, Donahue K, Quinn PD, Klonsky ED, et al. Sexual orientation and adolescent suicide attempt and self-harm: a co-twin control study. J Child Psychol Psychiatry. 2021;62(7):834-41. https://doi.org/10.1111/jcpp.13325
https://doi.org/10.1111/jcpp.13325...
). Nos serviços hospitalares, como visto nesta amostra, há o uso de uma variedade de códigos e classificações relacionadas à TS, como intoxicações e acidentes, que não necessariamente ilustram a intencionalidade de suicídio em nenhuma etapa do atendimento, levando a consequências na estatística real desse evento nos serviços de saúde. Outro ponto que pode mascarar a TS e o suicídio são as notificações de acidentes, uma vez que no Brasil as taxas de mortalidade retratam a lesão que provocou a morte e não a intenção(1515 Botega NJ. Suicidal Behavior: epidemiology. Psicol USP. 2014;25(3). https://doi.org/10.1590/0103-6564D20140004
https://doi.org/10.1590/0103-6564D201400...
).

Com o objetivo de alterar esse contexto, a OMS divulgou, em 2021, o guia “Live-Life”, que traz possíveis estratégias para prevenção do suicídio, com enfoque em garantir: colaboração intersetorial; sensibilização da população; capacitação profissional; financiamento dos serviços que atuam com a prevenção; vigilância e monitorização dos indivíduos em risco; e avaliação, visando identificar indivíduos com comportamento suicida(3232 World Health Organization (WHO). Live Life: an implementation guide for suicide prevention in countries [Internet]. Geneva. 2021 [cited 2022 Sep 27]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240026629
https://www.who.int/publications/i/item/...
).

Como possibilidade de avaliação, em um ensaio clínico randomizado multicêntrico realizado em 8 serviços de emergência, nos Estados Unidos, que objetivou a implementação de escalas de avaliação de comportamento suicida e seguimento longitudinal telefônico, observou-se que, de 236.791 passagens no serviço, foram identificados 10.625 adolescentes com esse comportamento, e o dado aumentou significativamente ao longo da implementação desse estudo (p<0,001), principalmente com a triagem em todos os atendimentos (p<0,001), e houve aumento da documentação de 2,9% para 5,7%(1010 Sousa KA, Ferreira MGS, Galvão EFC. Multidisciplinary health care in cases of childhood suicidal ideation: operational and organizational limits. Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20190459. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0459
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
). No departamento de urgência e emergência deste estudo, não há essa triagem, porém esta investigação demonstra uma nova possibilidade de atuação.

Outro ponto é que diversos estudos apontam em suas conclusões(33 Beringuel BM, Costa HVV, Silva APS, Bonfim CV. Mortality by suicide in the state of Pernambuco, Brazil (1996-2015). Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20180270. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0270
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
,1010 Sousa KA, Ferreira MGS, Galvão EFC. Multidisciplinary health care in cases of childhood suicidal ideation: operational and organizational limits. Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20190459. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0459
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
) que há a necessidade de novas estratégias e políticas públicas para assistência ao comportamento suicida, porém a OMS inclui a redução da mortalidade por suicídio como meta global e como um indicador dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, bem como o Plano de Ação Integral de Saúde Mental até 2030, trazendo como estratégia o guia “Live-Life”(3232 World Health Organization (WHO). Live Life: an implementation guide for suicide prevention in countries [Internet]. Geneva. 2021 [cited 2022 Sep 27]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240026629
https://www.who.int/publications/i/item/...
). Além disso, no Brasil, já existem políticas desde 2006(33 Beringuel BM, Costa HVV, Silva APS, Bonfim CV. Mortality by suicide in the state of Pernambuco, Brazil (1996-2015). Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20180270. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0270
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
).

A problemática principal não é a formulação, mas sim a viabilidade e a possibilidade de implementação na prática clínica perante um contexto de ausência de investimento em recursos de saúde; retrocesso do cuidado em saúde mental; cuidado pautado em medicalização e referenciamento; profissionais de saúde que subvalorizam os aspectos emocionais, sociais e espirituais, e supervalorizam o cuidado clínico; e serviços de saúde despreparados para a assistência holística aos problemas de saúde mental.

Dessa forma, cabe refletir: como fazer para que a rede de serviços esteja organizada, interligada, comunicante e qualificada para a prestação de assistência à TS? Como tornar os serviços de saúde espaços acolhedores para os adolescentes com comportamento suicida? Como potencializar fatores de proteção em um meio de prevalência de desgastes? Neste contexto, para que o adolescente com comportamento suicida possa ser assistido com qualidade nos serviços de saúde, são necessárias mudanças pautadas na interligação, com comunicação satisfatória entre as redes que compõem as políticas de saúde mental, e um cuidado de fato interprofissional e intersetorial, proporcionando relações interpessoais satisfatórias e longitudinais que fogem da lógica do referenciamento, contrarreferenciamento e cuidado centralizado. Para tal, o enfermeiro atuante no serviço de urgência e emergência pode iniciar com o básico dessa linha de raciocínio: o acolhimento, desde que sincero, permite o início da reconexão do adolescente aos seus fatores de proteção(2222 Bahia CA, Avanci JQ, Pinto LW, Minayo MCS. Adolescent Intentional self-harm notifications and hospitalizations in Brazil, 2007-2016. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(2):e2019060. https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000200006
https://doi.org/10.5123/S1679-4974202000...
).

Limitações do estudo

Este estudo foi realizado apenas em uma instituição com delineamento retrospectivo, sendo limitado aos registros realizados pelos profissionais da saúde que provavelmente não refletem os atendimentos realizados em sua totalidade. Houve dificuldade na captação dos prontuários, devido à terceirização de sua conservação e localização; à subnotificação das TS, bem como à variedade de códigos utilizados para TS e suicídio; aos atendimentos realizados por equipes distintas, com pediatria no PSA e clínica médico-cirúrgica no PSA, que repercutiu no baixo detalhamento de fatores de risco identificados e qualidade de registros.

Contribuições para as áreas da enfermagem, saúde, ou políticas públicas

Este estudo demonstra a necessidade de que a prevenção, assistência, notificação e cuidado longitudinal com integração entre redes seja um tema prioritário nas agendas de saúde, educação e assistência social, com educação permanente e atuação interdisciplinar, de forma a ampliar as fronteiras da interpretação sobre o fenômeno, não só nos departamentos de emergência, não o circunscrevendo, mas no reconhecimento de suas plurais dimensões.

CONCLUSÕES

Neste estudo, observa-se que o departamento de urgência e emergência atua com casos de comportamento suicida, com adolescentes expostos a um contexto de múltiplos fatores de risco que culminam na TS, prevalecendo as intoxicações como possibilidade de alívio de sofrimento. Na assistência, há múltiplas repercussões, intervenções e hospitalizações com enfoque na clínica e na medicalização e, possivelmente, falha no acolhimento. Ao longo dos anos, observa-se uma média mantida no número de atendimento, porém sabe-se que o fenômeno é muito maior, mas ainda há subnotificações e classificações do atendimento sem explicitar a intencionalidade.

REFERENCES

  • 1
    World Health Organization (WHO). Preventing suicide: a global imperative [Internet]. Geneva. 2014 [cited 2022 Jul 02]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241564779
    » https://www.who.int/publications/i/item/9789241564779
  • 2
    World Health Organization (WHO). Suicide Worldwide in 2019: Global health estimates [Internet]. Geneva. 2021 [cited 2022 Sep 27]. Available from: https://www.who.int/publications-detail-redirect/9789240026643
    » https://www.who.int/publications-detail-redirect/9789240026643
  • 3
    Beringuel BM, Costa HVV, Silva APS, Bonfim CV. Mortality by suicide in the state of Pernambuco, Brazil (1996-2015). Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20180270. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0270
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0270
  • 4
    Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 104, de 25 de janeiro de 2011[Internet]. 2011 [cited 2022 Feb 02]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html
  • 5
    Ministério da Saúde (BR). Agenda de Ações Estratégicas para a Vigilância e Prevenção do Suicídio e Promoção da Saúde no Brasil 2017 a 2020 [Internet]. 2017 [cited 2022 Feb 02]. Available from: https://www.neca.org.br/wp-content/uploads/cartilha_agenda-estrategica-publicada.pdf
    » https://www.neca.org.br/wp-content/uploads/cartilha_agenda-estrategica-publicada.pdf
  • 6
    Asevedo E, Ziebold C, Diniz E, Gadelha A, Mari J. Ten-year evolution of suicide rates and economic indicators in large Brazilian Urban centers. Curr Opin Psychiatry. 2018;31(3):265-71. https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000000412
    » https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000000412
  • 7
    Jaen-Varas D, Mari JJ, Asevedo E, Borschmann R, Diniz E, Ziebold C, et al. The association between adolescent suicide rates and socioeconomic indicators in Brazil: a 10-year retrospective ecological study. Braz J Psychiatry. 2019;41(5):389-95. https://doi.org/10.1590/1516-4446-2018-0223
    » https://doi.org/10.1590/1516-4446-2018-0223
  • 8
    Lim KS, Wong CH, McIntyre RS, Wang J, Zhang Z, Tran BX, et al. Global Lifetime and 12-Month Prevalence of Suicidal Behavior, Deliberate Self-Harm and Non-Suicidal Self-Injury in Children and Adolescents between 1989 and 2018: a meta-analysis. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(22):4581. https://doi.org/10.3390/ijerph16224581
    » https://doi.org/10.3390/ijerph16224581
  • 9
    O’Reilly LM, Pettersson E, Donahue K, Quinn PD, Klonsky ED, et al. Sexual orientation and adolescent suicide attempt and self-harm: a co-twin control study. J Child Psychol Psychiatry. 2021;62(7):834-41. https://doi.org/10.1111/jcpp.13325
    » https://doi.org/10.1111/jcpp.13325
  • 10
    Sousa KA, Ferreira MGS, Galvão EFC. Multidisciplinary health care in cases of childhood suicidal ideation: operational and organizational limits. Rev Bras Enferm. 2020;73(1):e20190459. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0459
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0459
  • 11
    World Health Organization (WHO). Global Accelerated Action for the Health of Adolescents (AA-HA!): guidance to Support Country Implementation [Internet]. Geneva. 2017 [cited 2022 Feb 05]. Available from: https://www.who.int/publications-detail-redirect/9789241512343
    » https://www.who.int/publications-detail-redirect/9789241512343
  • 12
    Simões EV, Oliveira AMN, Pinho LB, Lourenção LG, Oliveira SM, Farias FLR. Reasons assigned to suicide attempts: Adolescents perceptions. Rev Bras Enferm. 2022;75(3):e20210163. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0163
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0163
  • 13
    Farooq S, Tunmore J, Ali MW, Ayub M. Suicide, self-harm and suicidal ideation during COVID-19: a systematic review. Psychiatry Res. 2021;306:114228. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2021.114228
    » https://doi.org/10.1016/j.psychres.2021.114228
  • 14
    Hill RM, Rufino K, Kurian S, Saxena J, Saxena K, Williams L. Suicide ideation and attempts in a pediatric emergency department before and during COVID-19. Pediatrics. 2021;147(3):e2020029280. https://doi.org/10.1542/peds.2020-029280
    » https://doi.org/10.1542/peds.2020-029280
  • 15
    Botega NJ. Suicidal Behavior: epidemiology. Psicol USP. 2014;25(3). https://doi.org/10.1590/0103-6564D20140004
    » https://doi.org/10.1590/0103-6564D20140004
  • 16
    Sisler SM, Schapiro NA, Nakaishi M, Steinbuchel P. Suicide assessment and treatment in pediatric primary care settings. J Child Adolesc Psychiatr Nurs. 2020;33(4):187-200. https://doi.org/10.1111/jcap.12282
    » https://doi.org/10.1111/jcap.12282
  • 17
    Azizi H, Fakhari A, Farahbakhsh M, Esmaeili ED, Mirzapour M. Outcomes of community-based suicide prevention program in primary health care of Iran. Int J Ment Health Syst. 2021;15(1):67. https://doi.org/10.1186/s13033-021-00492-w
    » https://doi.org/10.1186/s13033-021-00492-w
  • 18
    Boudreaux ED, Camargo Jr CA, Arias SA, Sullivan AF, Allen MH, Goldstein AB, et al. Improving suicide risk screening and detection in the emergency department. Am J Prev Med. 2016;50(4):445-53. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2015.09.029
    » https://doi.org/10.1016/j.amepre.2015.09.029
  • 19
    Conselho Nacional de Saúde (CNS). Resolução N° 510 de 07 de abril de 2016 [Internet]. 2016 [cited 2022 Jul 02]. Available from: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
    » http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
  • 20
    Equator Network. STROBE Statement: checklist of items that should be included in reports of cross-sectional studies [Internet]. 2022 [cited 2022 Jan 01]. Available from: https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/strobe/
    » https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/strobe/
  • 21
    Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde 10ª Revisão (CID 10). 1995.
  • 22
    Bahia CA, Avanci JQ, Pinto LW, Minayo MCS. Adolescent Intentional self-harm notifications and hospitalizations in Brazil, 2007-2016. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(2):e2019060. https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000200006
    » https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000200006
  • 23
    Silva Filho OC, Minayo MCS. Triple Taboo: considerations about suicide among children and adolescents. Cien Saude Colet. 2021;26(7):2693-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07302021
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07302021
  • 24
    World Health Organization (WHO). Mental Health Gap Action Program (mhGAP). Geneva [Internet]. 2018 [cited 2022 Feb 08]. Available from: https://www.mhinnovation.net/
    » https://www.mhinnovation.net/
  • 25
    Freitas APA, Borges LM. From reception to triage: care of suicide attempts in hospital emergencies. Estud Psicol. 2017;22(1):50-60. https://doi.org/10.22491/1678-4669.20170006
    » https://doi.org/10.22491/1678-4669.20170006
  • 26
    Kreuz G, Antoniassi RPN. Support group for suicide survivors. Psicol Est. 2020;25. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.42427
    » https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.42427
  • 27
    Prabhakar D, Peterson EL, Hu Y, Chawa S, Rossom RC, Lynch FL, et al. Serious suicide attempts and risk of suicide death. Crisis. 2021;42(5):343-50. https://doi.org/10.1027/0227-5910/a000729
    » https://doi.org/10.1027/0227-5910/a000729
  • 28
    Ruch DA, Heck KM, Sheftall AH. Characteristics and Precipitating Circumstances of Suicide Among Children Aged 5 to 11 Years in the United States, 2013-2017. JAMA Netw Open. 2021;4(7):e2115683. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.15683
    » https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.15683
  • 29
    Mendizabal AM, Castellví P, Parés-Badell. Gender differences in suicidal behavior in adolescents and young adults: systematic review and meta-analysis of longitudinal studies. Int J Public Health. 2019;64(2):265-83. https://doi.org/10.1007/s00038-018-1196-1
    » https://doi.org/10.1007/s00038-018-1196-1
  • 30
    Kim SH, Kim HJ, Oh SH, Cha K. Analysis of attempted suicide episodes presenting to the emergency department: comparison of Young, middle aged and older people. Int J Ment Health Syst. 2020;14:46. https://doi.org/10.1186/s13033-020-00378-3
    » https://doi.org/10.1186/s13033-020-00378-3
  • 31
    Gentil L, Huynh C, Grenier G, Fleury MJ. Predictors of emergency department visits for suicidal ideation and suicide attempt. Psychiatry Res. 2020;285:112805. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112805
    » https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.112805
  • 32
    World Health Organization (WHO). Live Life: an implementation guide for suicide prevention in countries [Internet]. Geneva. 2021 [cited 2022 Sep 27]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240026629
    » https://www.who.int/publications/i/item/9789240026629

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Jules Teixeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2022
  • Aceito
    18 Out 2022
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br