Qualidade de vida, sobrecarga, apoio emocional familiar: um modelo em idosos cuidadores

RESUMO

Objetivo:

Investigar relações entre qualidade de vida, sexo, idade, sobrecarga e natureza dos apoios emocionais disponíveis na família, em idosos cuidadores de parentes idosos.

Método:

Estudo transversal e correlacional com 148 cuidadores recrutados em serviços públicos e privados de saúde foram submetidos a medidas psicológicas de qualidade de vida, sobrecarga, intercâmbio de apoio emocional, sexo e idade. Os dados foram analisados através de qui-quadrado, exato de Fisher e path análises (p < 0.05).

Resultados:

77% mulheres, idade média 69,7 anos. Resultaram associações significativas entre intercâmbio de apoios e ônus pelo apoio oferecido, ser mulher e satisfação pelo apoio recebido, satisfação pelos apoios recebidos e sobrecarga, sobrecarga e qualidade de vida, e satisfação pelos apoios recebidos e senso de ônus pelo apoio oferecido.

Conclusão:

Satisfação com apoio emocional recebido modera a relação entre sexo e sobrecarga, e esta modera a relação entre satisfação com apoio emocional e qualidade de vida percebida.

Descritores:
Idoso; Relações Familiares; Cuidadores; Qualidade de Vida; Apoio Social

ABSTRACT

Objective:

To investigate associations between quality of life, sex, age, burden, and nature of emotional support available in the family in older adults who are caregivers of older relatives.

Method:

Cross-sectional and correlational study on 148 caregivers gathered in public and private healthcare services, who were subjected to psychological measures of quality of life, burden, exchange of emotional support, sex, and age. Data were analyzed using Chi-square, Fisher’s exact test and path analyses (p < 0.05).

Results:

A total of 77% women, average age of 69.7 years. There were significant associations between exchange of support and burden due to the provided assistance, being a woman and satisfaction with the received support, satisfaction with the received support and burden, burden and quality of life, and satisfaction with the received support and feeling of burden due to the provided support.

Conclusion:

Satisfaction with the received emotional support moderate the association between sex and burden, and such moderate the association between satisfaction with emotional support and perceived quality of life.

Descriptors:
Older Adults; Family Relationships; Caregivers; Quality of Life; Social Support

RESUMEN

Objetivo:

Investigar relación entre calidad de vida, sexo, edad, sobrecarga y tipos de apoyo emocional disponibles en la familia de ancianos cuidadores de parientes ancianos.

Método:

Estudio transversal y correlacional con 148 cuidadores reclutados en servicios públicos y privados de salud, fueron sometidos a medidas psicológicas de calidad de vida, sobrecarga, intercambio de apoyo emocional, sexo y edad. Los datos fueron analizados mediante test Chi-cuadrado, prueba exacta de Fisher y path análisis (p <0,05).

Resultados:

77% eran mujeres, con edad media de 69,7 años. Resultaron asociaciones significativas entre intercambio de apoyo y sentimiento de carga por el apoyo ofertado, ser mujer y satisfacción por el apoyo recibido, satisfacción por el apoyo recibido y sobrecarga, sobrecarga y calidad de vida, y satisfacción por el apoyo recibido con sentimiento de carga por el apoyo ofertado.

Conclusión:

Satisfacción con apoyo emocional recibido modera la relación entre sexo y sobrecarga, y esta modera la relación entre satisfacción con apoyo emocional y calidad de vida percibida.

Descriptores:
Anciano; Relaciones Familiares; Cuidadores; Calidad de Vida; Apoyo Social

INTRODUÇÃO

As relações sociais são baseadas em intercâmbios de apoios materiais, informativos, instrumentais e afetivos ^(1-2, estes entendidos como trocas de atenção, conforto emocional, companhia, consolo e confirmação pessoal, entre outros produtos que se objetivam em encontros, conversas, avaliações, acompanhamento, escuta e aconselhamento ⁽¹⁾. Os cuidados de longa duração de um familiar idoso doente e dependente seguem um modelo hierárquico propriamente assumido ou cedido, por outros familiares, a esposas ou filhas que podem ser igualmente idosas ⁽³⁾. Cuidadores idosos, além de estarem acometidos por seus próprios problemas de saúde, têm que lidar com as preocupações derivadas da responsabilidade do cuidado ⁽⁴⁾. O cuidado quando realizado por um parente tem potencial para alterar a dinâmica dos apoios na família ⁽⁵⁾.

A oferta de apoios é mais aceita pelos idosos, se a necessidade de apoio é determinada pela presença de um evento negativo. Estudos realizados com cuidadores gerais relatam que quando os intercâmbios de apoio emocional envolvem pessoas que têm lugar especial em sua história de vida, os idosos tendem a valorizar as trocas e a perceber o apoio recebido como suficiente ⁽⁶ e que a percepção de ônus associado à oferta de apoio por familiares tende a relacionar-se com estresse físico e psicológico nos cuidadores ⁽³⁾.

Famílias com presença de idosos física e cognitivamente dependentes tendem a apresentar mais dificuldades com relação à funcionalidade, geralmente expressa em níveis elevados de angústia, estresse ⁽⁷ e sobrecarga percebida para cuidadores em geral ⁽⁸⁾. A sobrecarga é um fenômeno multidimensional e construto complexo ⁽⁹⁾. Genericamente, pode-se falar em duas classes de sobrecarga: objetiva e subjetiva. A objetiva reflete as demandas físicas e instrumentais do receptor de cuidados. A subjetiva é produto da avaliação que o cuidador faz sobre a relação entre as demandas do cuidado e os recursos de que dispõe para dar conta delas ⁽¹⁰⁾.

Cuidadores com boa funcionalidade familiar apresentam menor sobrecarga e melhor qualidade de vida percebida ⁽¹¹⁾. Mulheres cuidadoras têm pior pontuação em qualidade de vida percebida do que homens cuidadores ^(12-13; os idosos cuidadores pontuam mais baixo do que os de meia-idade ⁽¹⁴⁾. Existem vários modelos teóricos correspondentes a diferentes formas de avaliar qualidade de vida, a maioria deles focalizando a saúde. A escala CASP-19 (controle, autonomia, autorrealização e prazer) é uma medida psicológica de qualidade de vida proposta e testada em estudos ingleses ⁽¹⁵⁾. Embora não tenha sido delineada especificamente para uso com cuidadores, seu conteúdo reflete elementos úteis ao ajustamento psicológico do cuidador em situações estressantes ^(16-17).

Isso posto, o presente estudo pretende verificar se o sexo e a idade dos cuidadores idosos se associam com intercâmbio de apoio emocional, com sobrecarga do cuidado e com qualidade de vida; e se trocar, dar ou receber apoio emocional se associa com percepção de sobrecarga do cuidado contribuindo em melhor qualidade de vida percebida.

OBJETIVO

Investigar relações entre qualidade de vida percebida e as variáveis sexo e idade, sobrecarga percebida em decorrência do prestar cuidados e natureza dos apoios emocionais disponíveis na família, em idosos cuidadores de parentes idosos doentes e dependentes, através da análise de um modelo teórico.

MÉTODO

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Medicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob o número de parecer 822.364 no dia 06/10/2014, segundo a resolução 466/12.

Desenho, local do estudo e período

Foi realizada uma pesquisa observacional e correlacional, com base nos dados do projeto “Bem-estar psicológico de idosos que cuidam de outros idosos no contexto da família”, realizado na FCM da UNICAMP no período de 2014 a 2015.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

Foi constituída amostra de conveniência com 148 cuidadores familiares de idosos doentes e dependentes que aceitaram participar do estudo. A amostra foi calculada no projeto de investigação principal através das correlações das medidas de qualidade de vida ^(15-16 e sobrecarga percebida ⁽¹⁸ (com correlações mínimas das medidas de 0,40, poder do teste de 90% e nível de significância de 1%). Foram recrutados através de unidades básicas da rede pública de saúde (48%), consultórios médicos privados (8,8%), médicos geriatras e outros médicos especialistas (39,9%), e profissionais do Programa Saúde da Família (3,4%), pertencente a quatro municípios do interior paulista (38,5% de Jundiaí, 29,1% de Indaiatuba, 18,2% de Campinas e 14,2% de Vinhedo). Os critérios de inclusão dos cuidadores foram ter 60 anos ou mais e estar cuidando de um familiar idoso doente e com algum grau de dependência física ou cognitiva há seis meses ou mais. O critério de exclusão foi a suspeita de diminuição cognitiva obtida através do alcance de pontuação inferior à nota de corte no Cognitive abilities screening instrument - Short form (CASI-S) ⁽¹⁹⁾.

Protocolo do estudo

Foram realizadas sessões únicas de entrevista com duração média de 56 minutos, desde outubro de 2014 a julho de 2015, nos serviços privados (25%), no ambulatório de geriatria (13,5%) onde os idosos e seus cuidadores eram atendidos, ou em seus domicílios (61, 5%), no caso de cuidadores idosos que eram impossibilitados de deixar uma pessoa suplente cuidando do familiar dependente. No início da sessão, os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram utilizadas as seguintes variáveis e instrumentos: a) Qualidade de vida: avaliada por meio da escala de base psicológica CASP-19 ⁽¹⁵⁾. O estudo psicométrico realizado sobre a versão brasileira dessa escala resultou em dois fatores, com α de 0,837 e 0,670 para fatores 1 e 2 respectivamente ⁽¹⁶⁾. O fator 1 reuniu os itens 3, 5, 7, e de 10 a 19 dos fatores originais autorrealização e prazer, já o fator 2 congregou os itens 1, 2, 4, 6, 8 e 9 de controle e autonomia. O instrumento solicita que os respondentes avaliem em qual extensão cada afirmação, pontuada de 0 a 3, descreve seus sentimentos a respeito da própria vida. A pontuação total pode variar de 0 a 57, sendo as mais altas indicadoras de melhor qualidade de vida. b) Sobrecarga do cuidado: avaliada pela escala de sobrecarga de Zarit ⁽¹⁸⁾. Foram utilizados os fatores resultantes de uma segunda validação de construto realizado no Brasil ⁽²⁰: (1) Tensões ligadas ao papel (2) Tensões intrapsíquicas (3) Competência e expectativas negativas do cuidado. A escala contém 22 itens e sua pontuação total pode variar de 0 a 88 pontos, sendo os mais altos indicadores de maior sobrecarga percebida. Possui bons índices de consistência interna para todos os fatores e o total, explicaram 44% da variabilidade (alfa de Cronbach de 0,857). c) Intercâmbio de apoio emocional: avaliado mediante questões formuladas pelos pesquisadores sobre oferecer ou receber ajuda emocional com base nas categorias: apoio recebido, intercâmbio de apoio e apoio ofertado ⁽¹, com as alternativas sim ou não. d) Avaliação do apoio emocional: feita por meio de questões formuladas pelos pesquisadores. Pergunta se o apoio é suficiente para atender às necessidades, e no caso das ajudas ofertadas pergunta se houve percepção de ônus pela oferta de apoio com base nas categorias suficiência do apoio emocional recebido e percepção de ônus no apoio emocional ofertado, com respostas positivas ou negativas ⁽¹⁾. e) Sexo: através de pergunta com alternativa de masculino ou feminino. f) Idade: informação obtida por questão sobre a data de nascimento dos cuidadores.

Análise dos resultados e estatística

Para comparar as variáveis utilizaram-se o teste qui-quadrado e o teste exato de Fisher. O nível de significância adotado para os testes foi de 95% (p < 0,05). Para analisar os resultados da escala de qualidade de vida (CASP-19), as pontuações da amostra foram divididas em tercis. O valor de cada item foi ponderado pela carga obtida por prévia análise fatorial confirmatória ⁽¹⁶⁾. O mesmo foi feito com relação à escala de sobrecarga ⁽¹⁸, cujas pontuações brutas foram ponderadas pelo valor das cargas fatoriais anteriormente obtidas ⁽²⁰⁾.

Para estudar a relação entre as variáveis foi estabelecido um modelo teórico (Figura 1), testado por meio de análise de caminhos (path analysis), com base em modelação de equações estruturais com parâmetros fixos (coeficientes de caminhos iguais a zero) e livres a serem estimados (coeficientes de caminhos diferentes de zero), por meio de estatísticas de adequação do ajuste (goodness of fit). As estatísticas utilizadas foram: teste qui-quadrado para bondade do ajuste com valor de aceitação > 0,05; razão de qui-quadrado, que indica bom ajuste quando < 2; GFI (Goodness of Fit Index) com valor de aceitação ≥ 0,85; AGFI (Goodness of Freedom Index Adjusted for Degrees of Freedom) com valor de aceitação ≥ 0,80; SRMR (Standardized Root Mean Square Residual) com valor de aceitação ≤ 0,10; RMSEA (Root Mean Square Error of Approximation) com valor de aceitação ≤ 0,08; CFI (Bentler’s Comparative Fit Index) com valor de aceitação ≥ 0,90 e NNFI (Bentler & Bonett’s Non-NormedFit Index) com valor de aceitação ≥ 0,90 ⁽²¹⁾.

Figura 1
Modelo teórico original testado em path analysis, Campinas, São Paulo, Brasil, 2015

Foram feitos testes de significância para os ajustes dos caminhos (path coefficients). Valores absolutos de t > 1,96 foram aceitos como significativos. Foi utilizado o teste de Wald, para verificar o quanto a retirada de um caminho influenciava o aumento das estatísticas qui-quadrado do modelo. Pelo teste de multiplicadores de Lagrange, foi definida a necessidade da criação de um caminho não considerado no modelo inicial para a melhoria da qualidade do ajuste do modelo.

RESULTADOS

A média de idade dos cuidadores foi 69,7 anos (dp. ± 7,1 anos) e a média do tempo do cuidado foi 4,5 anos (dp. ± 7,1 anos); 77% eram mulheres; 62,1% eram cônjuges e 27,7% eram filhas ou filhos dos receptores de cuidados. A pontuação média em qualidade de vida percebida foi 42,7 + 8,8 anos. A média da amostra na escala de sobrecarga percebida foi 26,1 ± 13,5, sendo que 45,9% pontuaram no nível moderado (de 16 a 22) e 39,9% no nível baixo (≤ 15). 70,5% relataram que recebiam apoio emocional e 83% que ofereciam este tipo de apoio. 8,8% relataram que só recebiam, 21,6% que só ofereciam, 60,8% que trocavam apoios emocionais com os membros da família e 8,8% que nem os recebiam e nem os ofereciam. 56% dos cuidadores declararam-se satisfeitos com o apoio emocional recebido, 13,1% declararam-se insatisfeitos e 29,9% declararam que não recebiam apoio emocional de membros da família. 79,1% disseram que não se sentiam onerados por oferecer apoio emocional.

Foi observada frequência maior de mulheres (62,7%) do que de homens (38,2%) que avaliaram o apoio emocional recebido como suficiente, e mais homens (47,1%) do que mulheres (24,5%) que declararam não receber apoio emocional (p = 0,027). Mais mulheres (31,3%) do que homens (15,6%) pontuaram baixo em controle/autonomia, no entanto mais homens (53,1%) do que mulheres (30,3%) pontuaram no nível intermediário dessa variável (p = 0,046). Mais idosos com 60 a 64 anos (80,9%) e com 65 a 74 anos (84,8%) do que com 75 anos e mais (66,7%) ofereciam apoio emocional sem senso de ônus (p = 0,030).

Mais cuidadores que disseram não se sentir onerados do que cuidadores que se sentiam onerados pela oferta de apoio emocional pontuaram nos níveis intermediário e alto de qualidade de vida. Houve mais cuidadores com alta sobrecarga que pontuaram para baixo nível de qualidade de vida e mais cuidadores com baixa sobrecarga que pontuaram alto em qualidade de vida do que o inverso. Mais cuidadores que trocavam apoios emocionais com os membros da família pontuaram nos níveis alto e intermediário de qualidade de vida. A maioria que declarou oferecer apoios emocionais sem se sentirem onerados, também pontuou mais alto na CASP total (Tabela 1).

Tabela 1
Cuidadores conforme a pontuação na escala de qualidade de vida, considerando as demais variáveis, Campinas, São Paulo, Brasil, 2014-2015

Variáveis		Qualidade de vida total			Valor de p
		≤ 40n (%)	41 - 47n (%)	≥ 48n (%)
Sexo	Masculino	8 (16)	11 (22)	15 (31,3)	0,196
	Feminino	42 (84)	39 (78)	33 (68,7)
Idade	60 - 64	14 (28)	12 (24)	17 (35,4)	0,110
	65 - 74	22 (44)	30 (60)	16 (33,3)
	≥ 75	14 (28)	8 (16)	15 (31,2)
Intercâmbio de apoio emocional	Só recebe	9 (18)	3 (6)	1 (2,1)	0,066
	Só fornece	12 (24)	11 (22)	9 (18,7)
	Intercâmbio	24 (48)	34 (68)	32 (66,7)
	Nem recebe/nem oferece	5 (10)	2 (4)	6 (12,5)
Suficiência apoio emocional recebido	Não recebe	16 (34)	13 (26)	14 (29,8)	0,103
	Suficiente	21 (44,7)	30 (60)	31 (65,9)
	Insuficiente	10 (21,3)	7 (14)	2 (4,3)
Ônus da oferta de apoio emocional	Não oferta	13 (26,5)	5 (10,2)	7 (15,2)	0,030
	Sem ônus	32 (65,3)	43 (87,8)	39 (84,8)
	Com ônus	4 (8,2)	1 (2)	0 (0)
Sobrecarga total	≤ 19	8 (16)	15 (30)	27 (56,2)	<0,001
	20 - 27	14 (28)	21 (42)	13 (27,1)
	≥ 28	28 (56)	14 (28)	8 (16,7)
Fator 1. Tensões doPapel	≤ 9	9 (18,4)	18 (39,2)	23 (51,1)	<0,001
	10 - 15	13 (26,5)	11 (23,9)	16 (35,6)
	≥ 16	27 (55,1)	17 (36,9)	6 (13,3)
Fator 2. Tensões intrapsíquicas	≤ 1	12 (24,5)	17 (34)	23 (48,9)	0,035
	2 - 3	11 (22,5)	17 (34)	11 (23,4)
	≥ 4	26 (53)	16 (32)	13 (27,7)
Fator 3. Competências e expectativas	≤ 3	16 (32)	18 (37,5)	22 (46,8)	0,259
	4 - 7	10 (20)	11 (22,9)	13 (27,7)
	≥ 8	24 (48)	19 (39,6)	12 (25,5)

• Fonte: Dados obtidos do projeto "Bem-estar psicológico de idosos que cuidam de outros idosos no contexto da família", 2014-2015.

Sexo foi correlacionado positivamente com controle/autonomia. Mais cuidadores que trocavam apoios emocionais com os membros da família pontuaram nos níveis alto e intermediário de autorrealização/prazer e de controle/autonomia do que os que não trocavam ou não recebiam apoios. A maioria que declarou oferecer apoios emocionais sem se sentirem onerados, também pontuou mais alto em autorrealização/prazer e controle/autonomia. Houve correlação negativa entre cuidadores que pontuaram alto em autorrealização/prazer e controle/autonomia e aqueles com pontuação baixa em sobrecarga total. Houve correlação positiva entre autorrealização/prazer e tensões referentes ao papel e correlação negativa entre controle/autonomia e tensões referentes ao papel. Baixas pontuações em controle/autonomia relacionaram-se negativamente com tensões intrapsíquicas (Tabela 2).

Tabela 2
Cuidadores conforme a pontuação em autorrealização/prazer e controle/autonomia, Campinas, São Paulo, Brasil, 2014-2015

Variáveis		Fator 1. Autorrealização e prazer				Fator 2. Controle e autonomia
		≤ 22n (%)	23 - 27n (%)	≥ 28n (%)	Valorde p	≤ 9n (%)	10 - 12n (%)	≥ 13n (%)	Valorde p
Sexo	Masculino	7 (15,6)	13 (24,5)	12 (26,7)	0,402	5 (12,5)	17 (33,3)	10 (18,9)	0,046
	Feminino	38 (84,4)	40 (75,5)	33 (73,3)		35 (87,5)	34 (66,7)	43 (81,1)
Idade	60 - 64	14 (31,1)	10 (18,9)	18 (40)	0,123	12 (30)	13 (25,5)	18 (33,9)	0,820
	65 -74	21 (46,7)	29 (54,7)	14 (31,1)		14 (40)	25 (49)	23 (43,4)
	≥ 75	10 (22,2)	14 (26,4)	13 (28,9)		12 (30)	13 (25,5)	12 (22,6)
Intercâmbio de apoio emocional	Só recebe	7 (15,6)	4 (7,6)	1 (2,3)	0,011	9 (22,5)	3 (5,9)	1 (1,9)	0,001
	Só fornece	14 (31,1)	5 (9,4)	12 (26,7)		13 (32,5)	11 (21,6)	7 (13,2)
	Intercâmbio	19 (42,2)	39 (73,6)	29 (64,4)		15 (37,5)	31 (60,8)	41 (77,4)
	Nem recebe/nem oferece	5 (11,1)	5 (9,4)	3 (6,6)		3 (7,5)	6 (11,8)	4 (7,5)
Suficiência apoio emocional recebido	Não recebe	18 (42,9)	10 (18,9)	14 (31,8)	0,001	15 (39,5)	16 (32,6)	11 (20,7)	0,069
	Suficiente	15 (35,7)	33 (62,4)	30 (68,2)		15 (39,5)	27 (55,1)	37 (69,8)
	Insuficiente	9 (21,4)	10 (18,9)	0 (0)		8 (21)	6 (12,3)	5 (9,5)
Ônus da oferta de apoio emocional	Não oferta	11 (25)	9 (17,3)	4 (9,3)	0,036	12 (30,8)	8 (16,7)	5 (9,4)	0,003
	Sem ônus	29 (65,9)	42 (80,8)	39 (90,7)		23 (58,9)	39 (81,2)	48 (90,6)
	Com ônus	4 (9,1)	1 (1,9)	0 (0)		4 (10,3)	1 (2,1)	0 (0)
Sobrecarga total	≤ 19	6 (13,3)	20 (37,7)	21 (46,7)	<0,001	5 (12,5)	16 (31,4)	28 (52,8)	<0,001
	20 - 27	12 (26,7)	21 (39,6)	13 (28,9)		14 (35)	14 (27,4)	18 (33,9)
	≥ 28	27 (60)	12 (22,6)	11 (24,4)		21 (52,5)	21 (41,2)	7 (13,3)
Fator 1. Tensões do papel	≤ 9	8 (17,8)	23 (47,9)	19 (43,2)	0,011	5 (12,8)	18 (37,5)	27 (54)	<0,001
	10 - 15	13 (28,9)	11 (22,9)	14 (31,9)		14 (35,9)	11 (22,9)	14 (28)
	≥ 16	24 (53,3)	14 (29,2)	11 (25)		20 (51,3)	19 (39,6)	9 (18)
Fator 2. Tensões intrapsíquicas	≤ 1	10 (22,2)	19 (36,5)	22 (48,9)	0,057	11 (27,5)	12 (23,5)	28 (53,9)	<0,001
	2 - 3	11 (24,4)	15 (28,8)	11 (24,4)		6 (15)	20 (39,2)	13 (25)
	≥ 4	24 (53,3)	18 (34,6)	12 (26,7)		23 (57,5)	19 (37,3)	11 (21,1)
Fator 3. Competências e expectativas	≤ 3	13 (28,9)	22 (43,1)	18 (40,9)	0,324	14 (35)	18 (37,5)	23 (43,4)	0,850
	4 - 7	9 (20)	12 (23,5)	12 (27,3)		10 (25)	10 (20,8)	13 (24,5)
	≥ 8	23 (51,1)	17 (33,3)	14 (31,8)		16 (40)	20 (41,7)	17 (32,1)

• Fonte: Dados obtidos do projeto "Bem-estar psicológico de idosos que cuidam de outros idosos no contexto da família", 2014-2015.

Coeficientes de adequação da path analysis foram obtidos depois de três testes do modelo inicial (Tabela 3). Valores de |t|>1,96 foram considerados significativos para p<0,05.

Tabela 3
Estimativa dos coeficientes da análise de caminhos, Campinas, São Paulo, Brasil, 2014-2015

Caminho de/para	Beta	valor - t
Sobrecarga Total /Qualidade de Vida Total	-0,430	-5,62
Gênero/Satisfação com os apoios	0,239	2,90
Satisfação com os apoios/Sobrecarga total	-0,174	-2,08
Satisfação com os apoios/Ônus oferta de apoios	0,231	4,64
Intercambio de apoio/Ônus oferta de apoios	0,772	15,51

• Fonte: Dados projeto Bem-estar psicológico de idosos que cuidam de outros idosos no contexto da família, 2014-2015.

Na Figura 2 é mostrado o modelo final. Os cuidadores com melhor qualidade de vida percebida são os que percebem menor sobrecarga e aqueles que percebem menor sobrecarga são os que avaliam como suficiente o apoio emocional recebido da família; os cuidadores que percebem como suficiente o apoio emocional recebido são, na sua maioria, de sexo feminino.

Figura 2
Modelo final resultante em “path analysis”, Campinas, São Paulo, Brasil, 2014-2015

No presente estudo o modelo final obtido por meio da path analysis amostra a influência do sexo do cuidador sobre a satisfação com o apoio emocional recebido, que modera a relação entre esta variável e a sobrecarga percebida. Esta, por sua vez, modera a relação entre a satisfação com os apoios e a qualidade de vida percebida pelos cuidadores. Esses dados correspondem à tendência predominante observada na literatura sobre o bem-estar de cuidadores familiares ^(1,5,22). O intercâmbio de apoios emocionais apareceu como influência direta, positiva e robusta sobre a percepção de ônus derivada da prestação de cuidados, assim como a satisfação com o apoio recebido revelou-se como influência significativa, porém pequena, sobre o senso de ônus. O intercâmbio de apoio implica dar e receber, e nenhuma dessas ações é sempre e necessariamente positiva ⁽²³⁾.

As transformações desde o modelo teórico inicial até o modelo final refletem as peculiaridades de um cuidador idoso. Tanto em cuidadores gerais como em cuidadores idosos a melhora da qualidade de vida ⁽¹⁴ é associada com menor sobrecarga ⁽⁸⁾. Até pode ser esperado que cuidadores com menor sobrecarga tenham sido aqueles com maior satisfação pelo apoio recebido ⁽⁶, assim como os mais satisfeitos sejam os de sexo feminino ⁽¹³⁾. Mas, as diferenças com dados encontrados sobre cuidadores gerais podem ser encontradas nos intercâmbios de apoio ^(3,6). No presente estudo, cuidadores idosos que apresentaram maior senso de ônus pelo apoio ofertado estavam mais satisfeitos com o apoio recebido, estes resultados diferem do encontrado em cuidadores gerais ⁽³ e idosos ⁽²⁴⁾.

O estudo também revelou que cuidadores idosos tenderam a oferecer apoio emocional sem senso de ônus, dado que contrasta e de certa maneira é contraintuitivo, uma vez que os idosos de idade muito avançada têm mais doenças do que os idosos mais jovens ⁽³, motivo pelo qual poderiam cansar-se mais ao prestar cuidados ⁽⁴⁾. Explicações podem ser encontradas em mecanismos de autorregulação emocional, que são mais frequentes entre os idosos mais velhos do que entre os mais jovens ^(11,22).

Um estudo realizado com dados do German Aging Survey mostra resultados conflitantes ⁽²⁵ sobre a preferência dos idosos por dar ou receber suporte emocional. Na amostra deste estudo, ocorreram mais oferta e intercâmbio de apoio emocional. Havia mais idosos que encontravam satisfação nessas operações de dar e receber do que idosos que se sentiam onerados por oferecê-las. Esses dados permitem concluir que o suporte emocional contribuía para o bem-estar da maioria ⁽²⁵⁾. Além dos efeitos amortecedores do estresse gerado pelo envelhecimento, pelo cuidado e por eventos adversos decorrentes de ambos os fenômenos, o dar e trocar apoios emocionais são melhores do que apenas recebê-los porque confirmam as expectativas de autonomia e controle dos idosos sobre o ambiente e sobre si mesmos ^(1,13). Tanto os que trocam como os que recebem têm no apoio emocional um amortecedor dos efeitos dos eventos estressores do cuidado, da velhice e da vida familiar sobre o bem-estar subjetivo ^(3-4). No entanto, as trocas de apoio emocional nem sempre são positivas e podem, em vez disso, afetar o bem estar dos idosos ⁽²³⁾.

A amostra foi majoritariamente constituída por mulheres, replicando dados encontrados em outros estudos com cuidadores, que por sua vez, refletem a influência do pertencimento ao sexo feminino sobre o envolvimento com o papel de cuidar ^(8,12,22,26). Mais mulheres do que homens avaliaram como suficiente o apoio emocional recebido, contrariando dados da literatura segundo os quais as mulheres relatam mais experiências negativas do que os homens ^(12-13). Não foram coletados dados que possam ajudar a entender esta ocorrência, mas se pode propor a hipótese que as mulheres são mais controladas pela desejabilidade social de serem vistas como integrantes de uma família amorosa e apoiadora.

Dados encontrados em cuidadores europeus revelaram que quando o apoio social vem dos familiares, a maioria dos cuidadores refere estar satisfeito com as relações sociais e com o apoio social recebido ⁽⁶⁾. O mesmo foi relatado por estudos realizados com idosos australianos ⁽¹, afro americanos e europeus americanos ⁽²⁵, eles também afirmam que quando os apoios vêm de pessoas com as quais têm problemas interpessoais, os idosos tendem a mostrar-se insatisfeitos com a recepção de apoio social ^(1,6,25).

O percentual de homens foi similar ao encontrado em outros estudos e se evidencia um aumento gradual ^(27-28). Além disso, o fato de terem sido observados mais homens do que mulheres entre os que disseram não receber apoio emocional pode estar relacionado à prática de origem cultural que consiste na tendência de os homens não se envolverem emocionalmente com as tarefas do cuidado ⁽¹³⁾. Os homens tenderiam a considerar o cuidado como um trabalho e problema a ser resolvido do que as mulheres, que, de forma mais ou menos benéfica à sua adaptação, tenderiam a focalizar mais os aspectos relacionais e os sentimentos envolvidos ^(12,29).

A observação de mais mulheres do que de homens cuidadores idosos com pontuação baixa em controle/autonomia fortalece os argumentos precedentes ⁽²⁹⁾. É visão corrente na cultura que precisar receber apoio emocional revela incapacidade ou ineficiência no manejo das várias situações envolvidas no cuidar. Isso é apontado como mais verdadeiro para os homens do que para as mulheres. Em contextos culturais mais individualistas do que coletivistas, vale para ambos os sexos ⁽²³⁾. Pontuações altas em sobrecarga do cuidado corresponderam a uma percepção mais negativa da qualidade de vida, assim como baixas pontuações em sobrecarga corresponderam a altas pontuações em qualidade de vida percebida. Ou seja, cuidar submete o cuidador a vários estressores ⁽²⁴, entre os quais a própria percepção negativa de qualidade de vida ^(3,30-31, que pode comprometer sua saúde física e psicológica ^(27,32).

Cuidadores que ofereciam apoio emocional sem ônus tiveram melhor pontuação em qualidade de vida total, em autorrealização/prazer e em controle/autonomia do que aqueles que não trocavam ou não recebiam apoio emocional, talvez uma indicação favorável à noção de que a entrega solidária e sem espera de retribuição pode beneficiar o bem-estar dos idosos ^(2,33). Só oferecer apoio é indicador de risco ao bem estar dos idosos, de modo especial quando são integrantes de famílias disfuncionais ou muito carentes de recursos, de tal forma que os idosos representam uma fonte financeira para elas ⁽²³⁾. Em situações de crise, esses idosos têm maior probabilidade de sofrer maus tratos e abandono do que os que vivem em famílias mais favorecidas em termos socioeconômicos e afetivos ⁽⁶⁾.

Limitações do estudo

Outros estudos podem explicar melhor as trajetórias de influência entre as variáveis investigadas, incorporando o detalhamento do apoio emocional, procurando-se saber quantos e quem são os parceiros sociais dos cuidadores dentro da família e se eles oferecem ou negam apoios emocionais. As maneiras como os apoios emocionais se entrelaçam com os instrumentais, informativos e materiais e o grau de desejabilidade do apoio emocional seriam outras variáveis que poderiam render boas explicações e que neste estudo não foram abordadas. Além de sexo e idade, interessaria estudar a influência do nível socioeconômico e a raça dos cuidadores. Amostras mais numerosas e probabilísticas contribuiriam para aumentar a generalidade dos dados, assim como acompanhar os cuidadores por períodos prolongados poderia ajudar a esclarecer relações dos fenômenos em apreço com a progressão da dependência dos receptores de cuidados e com a progressão do envelhecimento dos cuidadores.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Os dados obtidos com esta pesquisa contribuem para a compreensão do cuidado nos idosos e as relações do intercâmbio de ajuda no contexto da família. Abre espaço para consideração das obrigações do Estado com relação à proteção às famílias cuidadoras. À enfermagem, oferece oportunidade para reflexão sobre as melhores formas de organizar a oferta e a gestão de apoios ao cuidador familiar idoso, considerando novos mecanismos que promovam a qualidade de vida e provejam estratégias de atenção à saúde.

CONCLUSÃO

Os cuidadores idosos vivenciam uma realidade que os torna susceptíveis a perdas em qualidade de vida objetiva e subjetiva. Recursos pessoais e sociais evidenciados na relação entre qualidade de vida percebida e sexo, entre sobrecarga percebida em decorrência do prestar cuidados e natureza dos apoios emocionais disponíveis na família podem ajuda-los a lidar com as dificuldades do cuidado e melhorar sua própria qualidade de vida.

Mulheres idosas cuidadoras apresentam níveis mais altos de satisfação com os apoios familiares, percebem maior sobrecarga, pior qualidade de vida e menor senso de controle e autonomia. As famílias que apresentaram cuidadores idosos mais satisfeitos com o apoio emocional recebido têm intercâmbios de apoio emocional de melhor qualidade, o que enfraquece os sentimentos de ônus e fortalece a percepção de qualidade de vida dos cuidadores.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Dez 2019
• Data do Fascículo
  Nov 2019

Histórico

• Recebido
  07 Jun 2018
• Aceito
  09 Set 2018