Acessibilidade / Reportar erro

ORIENTAÇÃO DE ENFERMAGEM NA AUTO-APLICAÇÃO DE INSULINA

I - INTRODUÇÃO

O emprego da insulina está sujeito a acidentes podendo dar origem a complicações, e sabemos que com um ensinamento adequado ao paciente, poderemos evitar alguns tipos dessas complicações que achamos oportuno recordar, assim:

A formação de abcessos por injeções de insulina, cuja incidência é baixa. Poucos pacientes, com efeito, assinalam a ocorrência de um ou mais abcessos causados por injeção de insulina, apesar de dezenas de anos de uso do hormônio. É supreendente tal fato, tendo em conta que nem sempre são tomados os devidos cuidados de assepsia durante as injeções (ARDUÍNO, 1973ARDUÍNO, F. — Diabetes Mellitus e suas complicações, 2.ª edição. Editora Guanabara Koogan, 1973.).

A lipodistrofia insulínica, que, se forma na gordura subcutânea nos pontos onde o hormônio é repetidamente injetado. A lesão resultante recebeu o nome genérico de lipodistrofia insulínica comportando dois tipos: - redução ou desaparecimento local da gordura do tecido subcutâneo e - aumento da deposição de gordura nas áreas de injeção do hormônio, caracterizando a lipo-atrofia e lipo-hipertrofia.

A incidência da lipodistrofia registrada por diferentes autores é bastante variável, o que em grande parte, resulta da cuidadosa observação dos pacientes. Pode ocorrer com qualquer dos tipos de insulina empregada, diabéticos jovens são os mais propensos ao desenvolvimento de lesão, podendo entretanto, surgir em qualquer idade. Parece desempenhar papel de importância na instalação da lipodistrofia, pois no adulto, praticamente ela só incide no sexo feminino, ao passo que na puberdade, ambos os sexos podem ser igualmente afetados. Doses elevadas de insulina, não são pré-requisitos essenciais ao seu desenvolvimento. A lipodistrofia tanto pode aparecer algumas semanas após o início do uso da insulina, quanto apenas se manifestar muitos anos depois. Os pacientes geralmente só percebem a existência da lesão quando esta já alcançou certo vulto, chamando atenção a forma atrófica.

Na maioria dos casos, as lesões se localizam nas áreas onde a insulina é reiteradamente injetada (coxas, nádegas, braços, abdômen), às vezes se desenvolvem nas proximidades dessas áreas e mesmo à distância. Além disso, embora habitualmente as deformações sejam ou do tipo atrófico ou do tipo hipertrófico, podem as duas lesões coexistirem ou se alternarem no mesmo paciente.

A lipoatrofia tem início progressivo e se apresenta como depressões de extensão e profundidade variáveis, desde pequenas placas que podem passar despercebidas, até amplas e profundas escavações deformantes.

As lesões de lipohipertrofia insulínica se apresentam como elevações ou tumores arredondados, indolores, bem delimitados ou difusos, oferecendo a consistência de tecido adiposo. Por serem indolores esta forma é menos percebida pelos pacientes que a lipoatrofia. E sendo uma região cuja sensibilidade é menor, os pacientes procuram nela aplicar a injeção, agravando a lesão.

Várias sugestões foram oferecidas para explicar a ocorrência da lipodistrofia insulínica. Desde trauma mecânico repetido pela agulha, irritação pelo álcool usado na assepsia até a injeção de insulina gelada. A explicação mais aceita é a que foi demonstrada por RENOLD, 1950RENOLD, A. E.; MARBLE, A. e FAWCETT, D. W. — Action of insulin of glicogen and storage of fat in adipose tissue. Endocrinology, 46:55, 1950., em ratos, é a de que a lipodistrofia resulte da ação local, da própria insulina, uma vez que existe um aumento individual das células adiposas no local onde a insulina é injetada.

Em se aceitando uma ação direta local da insulina na gênese da lipodistrofia, não se tem explicação nos casos em que a lesão surge em áreas próximas ou afastadas do ponto de aplicação do hormônio. Outra dúvida também permanece que é a influência do sexo na incidência da lipodistrofia. Não se poderia aceitar que nos adultos, a incidência quase que na maioria total dos casos de lesão incida no sexo feminino devido a um maior desenvolvimento do tecido adiposo na mulher.

As deformações oriundas da lipoatrofia trazem às vezes sérios problema* psicológicos que podem interferir até no controle do diabete. Como essa complicação é de difícil solução o melhor seria que estivéssemos atentos para prevenir tais complicações evitando injetar a insulina num mesmo ponto, senão com intervalos de pelo menos um mês. Para isso, é mister fazer amplo mapeamento da superfície cutânea e seguir um roteiro na aplicação do hormônio, de sorte a nunca aplicar uma injeção à distância inferior a 2 cm. da picada anterior. (ARDUÍNO, 1973ARDUÍNO, F. — Diabetes Mellitus e suas complicações, 2.ª edição. Editora Guanabara Koogan, 1973.).

Deste modo, para a profilaxia dessa lesão, o conhecimento e observação desses aspectos pela enfermeira são importantes no cuidado do paciente. Sabemos que existem outros tipos de complicações como a hipoglicemia, a alergia e a resistência à insulina, porém estas não estão relacionadas com a técnica de aplicação.

BEASER, 1956BEAZER, S. B. — Teaching the diabetic patient diabetes, 5 (2) : 146-149, 1956.; KRYSAN, 1965KRYSAN, G. S. — How do we teach four million diabetics? — Amer. J. Nurs. 65 (11) : 105-107, 1956.; ARDUÍNO, 1962ARDUÍNO, F. e col. — Tratamento do Diabetes Mellitus — Atheneu, Rio de Janeiro, 1962.; enfatizam a necessidade de ser iniciada pela enfermeira tão logo seja possível a orientação dos pacientes diabéticos recém-admitidos.

ARDUÍNO, 1962ARDUÍNO, F. e col. — Tratamento do Diabetes Mellitus — Atheneu, Rio de Janeiro, 1962., refere que entre as causas do paciente diabético sofrer impacto emocional ao tomar conhecimento do diagnóstico da doença é o uso permanente da insulina.

MENDES, 1975MENDES, I. A. C. — Observação da Administração de Insulina em Pacientes Diabéticos no Domicílio. Dissertação de Mestrado, Escola de Enfermagem Ana Nery, UFRJ. 1975., refere que 90% dos pacientes do sexo masculino que auto-administravam insulina e 94% do sexo feminino cometeram erros de dosagem. A autora comenta: "sobre a necessidade de ser enfatizado o ensino aos pacientes no que diz respeito à auto-administração da insulina; devendo ser considerado que o paciente que se submete à administração deste medicamento por várias pessoas pode estar mais sujeito a erros do que quando ele próprio é o responsável por esse cuidado".

"Não é justo exigir a cooperação permanente e acertada do paciente se este não se encontrar esclarecido sobre os motivos das medidas que lhe são aconselhadas e se não estiver a par das conseqüências que diz respeito às prescrições do médico podem acarretar". ARDUÍNO, 1962ARDUÍNO, F. e col. — Tratamento do Diabetes Mellitus — Atheneu, Rio de Janeiro, 1962..

Segundo dados fornecidos pelo Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, em 1976, através do CPDH (Centro de Processamento de Dados Hospitalares), internaram-se com diagnóstico principal de "Diabete Mellitus", 68 pacientes e com diagnóstico secundário, 97 pacientes, com uma duração média de internação de 21,7 dias.

Em 1977, internaram-se 58 pacientes com diagnóstico secundário, 76 pacientes, com uma duração média de internação de 21,7 dias.

RAMOS, 1976RAMOS, S. M. — Necessidade de orientação à saúde do paciente diabético. Revista Brasileira de Enfermagem, D.F. 29 (4) : 38-41, 1976., recomenda que enfermeiros participem de cursos que preparem profissionais de equipe de saúde para o ensino aos pacientes, e, que as Escolas de Enfermagem propiciem às estudantes de enfermagem a oportunidade de planejar, desenvolver e avaliar a orientação a pacientes diabéticos. Essa recomendação aceita e divulgada no XXVIII Congresso Brasileiro de Enfermagem vem reforçar nossa responsabilidade em identificar as necessidades de enfermagem de maneira a assegurar uma assistência adequada aos pacientes.

Baseadas nessas recomendações, as autoras se propuseram a levar a efeito a orientação sistemática dos pacientes diabéticos quanto à aplicação de insulina, visando através deste relato, intensificar e aprimorar a atenção de enfermagem nesses aspectos.

II - MATERIAL E MÉTODO

Foram orientados pacientes diabéticos que se internaram na Clínica Médica do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Preliminarmente era examinado o prontuário do paciente a fim de ser verificada a prescrição de insulina e se o mesmo já tinha sido internado outras vezes para tartamento.

Seguiram-se quatro fases ou passos, a saber:

1.º PASSO:

Entrevista com o paciente, onde foi investigado o que o paciente sabia sobre seu diagnóstico e tratamento. Se percebido receptividade por parte do paciente, continuava-se indagando quanto ao tempo do uso da insulina - tipo da mesma - quem aplicava. A percepção visual e escolaridade, condição sócio-econômica também foram investigadas, assim como a observação da integridade física do paciente e suas condições emocionais. (ANEXO Anexo UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM GERAL E ESPEGIALIZADA ).

2.º PASSO:

Procedeu-se a realização de palestras com os pacientes sobre sinais e sintomas de diabete e importância de sua participação no tratamento da mesma.

3.º PASSO:

Quando se percebia estar o paciente apto, fazia-se o convite para o mesmo participar da orientação da auto-aplicação da insulina. Se aceito o convite passava-se para o 3.º passo de demonstração e ou explicação ao paciente quanto à desinfecção de seringa, observação de dosagem, preparo da medicação quanto ao local de aplicação.

Material usado para demonstração: seringa, agulhas, frascos de insulina, algodão, panela, garfo (para retirar o material esterilizado).

4.º PASSO:

Quando o paciente respondesse satisfatoriamente as questões, passava-se para o 4.º passo, que constou da auto-aplicação de insulina.

Esse procedimento do paciente até a sua alta, foi supervisionado todas as vezes em que havia prescrição de insulina. Todos os passos foram executados para o paciente tantas vezes quanto o necessário. Foram elaboradas questões com o objetivo de avaliar o aproveitamento das palestras e demonstrações.

O paciente era orientado para a alta, nos seguintes aspectos:

  • - Como proceder no domicílio;

  • - Importância do rodízio na auto-aplicação de insulina;

  • - O significado da dieta e exercício;

  • - Retorno ao ambulatório, entrevista com enfermeira responsável pela orientação em ambulatório (onde serão reforçadas as orientações);

  • - Trazer sempre consigo o cartão que o identifica como "diabético" e com a especificação do tipo de insulina que faz uso.

III - COMENTÁRIOS E RECOMENDAÇÕES

Até o presente momento, o número de pacientes submetidos a tal orientação foi de 20, considerando-se não ser um número que forneça elementos para uma avaliação.

Alguns pacientes rejeitaram a idéia da orientação alegando ter quem lhes fizesse a aplicação. Essa rejeição poderia ser ainda ditada por inúmeros motivos, tais como: falta de interesse, medo, ansiedade, etc. Outros não foram treinados por apresentarem alguma condição que o impedisse, tais como: percepção visual deficiente, não saberem ler, etc.

Recomendamos que para suprir essas faltas, sejam:

  1. encaminhados para o ambulatório de oftalmologia;

  2. familiares serem convidados para entrevista a fim de ser estudado quem poderia se encarregar de receber a orientação;

  3. averiguação de condições sócio-econômicas.

O relato dessa experiência e os dados acima reforçam a necessidade da orientação que continuará sendo feita através de um programa em cujo planejamento deverão participar outros elementos da equipe de saúde.

A orientação de enfermagem na auto-aplicação de insulina é viável e necessária.

No histórico de enfermagem a entrevista com o paciente diabético deveria ser dirigida com diálogo e observação que permitissem a elaboração de um plano de cuidados específicos. Então uma cuidadosa investigação quanto às necessidades sentidas pelo paciente deveria ser realizada, o que poderia ser levado a efeito através do processo de enfermagem.

  • MACHADO, M.H. - Orientação de enfermagem na auto-aplicação de insulina. Rev. Bras. Enf.; DF, 32: 167-171, 1979.

Anexo UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM GERAL E ESPEGIALIZADA

IV — BIBLIOGRAFIA

  • ARDUÍNO, F. e col. — Tratamento do Diabetes Mellitus — Atheneu, Rio de Janeiro, 1962.
  • ARDUÍNO, F. — Diabetes Mellitus e suas complicações, 2.ª edição. Editora Guanabara Koogan, 1973.
  • CPDH — Centro de Processamento de Dados Hospitalares, Departamento de Medicina Social — Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP (mimeografado), Publicação Trimestral — 1976 a 1977.
  • BEAZER, S. B. — Teaching the diabetic patient diabetes, 5 (2) : 146-149, 1956.
  • KRYSAN, G. S. — How do we teach four million diabetics? — Amer. J. Nurs. 65 (11) : 105-107, 1956.
  • MENDES, I. A. C. — Observação da Administração de Insulina em Pacientes Diabéticos no Domicílio. Dissertação de Mestrado, Escola de Enfermagem Ana Nery, UFRJ. 1975.
  • RAMOS, S. M. — Necessidade de orientação à saúde do paciente diabético. Revista Brasileira de Enfermagem, D.F. 29 (4) : 38-41, 1976.
  • RENOLD, A. E.; MARBLE, A. e FAWCETT, D. W. — Action of insulin of glicogen and storage of fat in adipose tissue. Endocrinology, 46:55, 1950.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 1979
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br