Participação do enfermeiro na execução de protocolo de pesquisa clínica de inovação tecnológica

Resumo

OBJETIVO

Relatar a experiência de inclusão do enfermeiro em estudo clínico interdisciplinar de inovação tecnológica, envolvendo pessoas com lesão medular.

MÉTODO

Relato de experiência descritivo. As bases empíricas foram anotações de orientações e prática de pesquisa clínica, com equipe multiprofissional da enfermagem, educação física, fisioterapia e engenharias.

RESULTADO

A capacitação incluiu a elaboração do documento para Comitê de Ética, familiarização com equipe e tema de estudo e imersão em língua inglesa. O conhecimento do enfermeiro ancorou a captação de participantes e adequação temporal da coleta de dados, preparação e acompanhamento dos participantes durante a intervenção e pós-coleta. As teorias e o processo de enfermagem contribuíram para evidenciar diagnósticos de risco e no planejamento de cuidados. Foi papel do enfermeiro a vigilância do risco de sobreposição do rigor metodológico ao caráter humano. As habilidades para a pesquisa clínica deverão ser objeto de aprendizagem incluindo estudantes em pesquisas multidisciplinares.

CONCLUSÃO

Para qualificar o enfermeiro para pesquisa clínica e potencializar sua essência de cuidador são necessárias mudanças nos sistemas de ensino, comportamento profissional, atitude e suporte educacional.

Descritores
Pesquisa em Enfermagem; Pesquisa Biomédica; Inovação; Tecnologia

Abstract

OBJECTIVE

To report the nurse's experience of inclusion in interdisciplinary clinical study about technological innovation, involving people with spinal cord injury.

METHOD

Descriptive experience report. The empirical support was based on notes about perspectives and practice of clinical research, with a multi-professional nursing, physical education, physiotherapy and engineering staff.

RESULT

The qualification includes the elaboration of the document for the Ethics Committee, familiarization among the members of staff and with the studied topic, and also an immersion into English. The nurse's knowledge gave support to the uptake of participants and time adequacy for data collection, preparation and assistance of the participants during the intervention and after collection. Nursing theories and processes have contributed to reveal risky diagnoses and the plan of care. It was the nurse's role to monitor the risk of overlapping methodological strictness to the human aspect. The skills for the clinical research must be the object of learning, including students in multidisciplinary researches.

CONCLUSION

To qualify the nurse for clinical research and to potentialize its caregiver essence, some changes are needed in the educational system, professional behavior, attitude and educational assistance.

Descriptors
Nursing Research; Biomedical Research; Innovation; Technology

Resumen

OBJETIVO

Relatar la experiencia de inclusión del enfermero en estudio clínico interdisciplinario de innovación tecnológica, involucrando a personas con lesión medular.

MÉTODO

Relato de experiencia descriptivo. Las bases empíricas fueron apuntes de orientaciones y práctica de investigación clínica, con equipo multiprofesional de enfermería, educación física, fisioterapia e ingenierías.

RESULTADO

La capacitación incluyó la elaboración del documento para el Comité de Ética, la familiarización con el equipo y el tema de estudio e inmersión en lengua inglesa. El conocimiento del enfermero ancló la captación de participantes y la adecuación temporal de la recolección de datos, preparación y seguimiento de los participantes durante la intervención y post recolección. Las teorías y el proceso de enfermería contribuyeron a evidenciar diagnósticos de riesgo y la planificación de cuidados.Fue papel del enfermero la vigilancia del riesgo de superposición del rigor metodológico al carácter humano. Las habilidades para la investigación clínica deberán ser objeto de aprendizaje incluyéndose a estudiantes en investigaciones multidisciplinarias.

CONCLUSIÓN

A fin de cualificar al enfermero para la investigación clínica y potenciar su esencia de cuidados son necesarios cambios en los sistemas de enseñanza, comportamiento profesional, actitud y soporte educativo.

Descriptores:
Investigación en Enfermería; Investigación Biomédica; Innovación; Tecnología

Introdução

A enfermagem brasileira tem se destacado em espaços políticos das organizações de apoio e fomento à pesquisa. Sua produção de conhecimento, por ser significativa e particular da realidade do Brasil, é considerada internacionalmente competitiva( ¹ ). No entanto, a pesquisa clínica tem sido adotada de forma incipiente pelos pesquisadores da enfermagem brasileira, existindo uma lacuna no desenvolvimento de ensaios clínicos para a prática do cuidado, de modo que a ciência da Enfermagem possa basear suas ações em evidências clínicas( ² ). A literatura afirma que o enfermeiro contribui em diferentes áreas de aplicação dos resultados da investigação clínica e pode assumir funções neste espaço, dentre elas, a de monitoria, colaboração, educação ou coordenação( ³ ).

Por rotina metodológica, a assistência aos participantes da pesquisa clínica, majoritariamente, é feita por apenas um prestador de cuidado. Entretanto os ensaios clínicos realizados por grupos de pesquisa exigem interação de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, com preparação técnica e científica relacionadas às suas especificidades de domínio. Soma-se a esta complexidade o fato de que determinados participantes, por sua condição de saúde e vulnerabilidade, necessitam de cuidados específicos nas diferentes etapas a que são submetidos( ⁴ ).

Por se tratar de uma condição devastadora geradora de grande impacto na vida de uma pessoa( ⁴ ), a lesão da medula espinal é objeto de pesquisas. Estudos clínicos são realizados para o processo de diagnóstico, tratamento, reabilitação e inserção social. No espaço da reabilitação, os estudos clínicos buscam desenvolver técnicas e instrumentos que possam favorecer o atendimento e a recuperação, envolvendo diferentes pesquisadores em todas as etapas, dentre eles, enfermeiros( ⁵ ).

A pesquisa que derivou o presente relato de experiência está inserida em um projeto universal interdisciplinar na área da Engenharia de Reabilitação, que tem como objetivo construir um equipamento resultante da combinação de estimulação elétrica funcional com uma órtese ativa, visando melhorar o desempenho de locomoção de pessoas com Lesão Medular (LM).

Para atingir esta meta, uma série de pesquisas vem sendo realizada de modo a sustentar tomadas de decisão na construção do equipamento. No processo de desenvolvimento do projeto, um aspecto muito importante é investigar a reação do músculo de uma pessoa com LM à estimulação elétrica. Estudos concluídos( ⁶ - ⁷ )pelo grupo apontaram os melhores parâmetros para a estimulação elétrica em relação à ocorrência de fadiga muscular; aos sistemas de medição do nível de fadiga muscular; e à aplicação de estimulação elétrica em malha fechada.

A participação do enfermeiro se limitou a um dos desdobramentos do projeto universal, que teve como objetivo medir o tempo entre o início de uma estimulação elétrica até a ocorrência da primeira fasciculação muscular e do início da resposta de força, denominada na literatura como atraso eletromecânico. Os resultados preliminares apontam diferença na velocidade de condução nervosa entre pessoas com lesão medular e hígidas, implicando estratégias do sistema de controle computacional da ativação e inibição das musculaturas envolvidas no processo de deambulação da pessoa com lesão medular.

Por se constituir de campo pouco explorado na Enfermagem, este artigo tem como objetivo relatar a experiência de inclusão do enfermeiro em estudo clínico interdisciplinar de inovação tecnológica, envolvendo pessoas com lesão medular.

A relevância deste relato está na contribuição para base de conhecimento que fundamenta a prática do enfermeiro, a fim de cooperar com a equipe multidisciplinar de modo científico, com seu domínio profissional relacionado às boas práticas clínicas.

Método

Estudo descritivo, tipo relato de experiência, que usou como base empírica anotações de orientações e prática de uma pesquisa clínica, desenvolvida no âmbito de um mestrado, no período entre 2012 e 2014. A enfermeira participou de parte do processo sistemático de desenvolvimento de uma pesquisa clínica, que envolveu uma equipe com profissionais das áreas da enfermagem, educação física, fisioterapia e engenharias. O local das intervenções foi uma instituição de reabilitação na cidade de Curitiba - Paraná. O projeto universal foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa - CEP, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, com parecer número 400.141, de 2013.

Os resultados e discussão foram organizados conforme as fases de participação do enfermeiro nas etapas da investigação: período de capacitação; elaboração do documento para o CEP; captação de participantes da pesquisa e aplicação do questionário para a coleta de dados iniciais (identificação e condições de saúde); preparação dos participantes para a coleta de dados; acompanhamento dos participantes durante a intervenção e pós-coleta; operacionalização do instrumental tecnológico; e análise dos resultados.

Resultados

Embora seja um processo contínuo, o foco da capacitação inicial teve a duração de 12 meses, com atividades que respeitavam uma ordem hierárquica de execução das etapas da pesquisa. Foram realizadas leituras para exploração do tema de investigação, de forma abrangente à específica, em livros, fóruns de especialistas e artigos produzidos pelo grupo de pesquisa ou não.

Concomitantemente ao processo de capacitação foi realizada a elaboração do projeto para aprovação ética e acompanhamento das atividades práticas de pesquisa realizadas pelo grupo. Nesta etapa, foram iniciadas pequenas participações nos procedimentos metodológicos dos ensaios clínicos, com a aprovação e supervisão do responsável pela pesquisa, o que contribuiu para a familiarização com a equipe de trabalho e procedimentos, bem como com a operacionalização do instrumental tecnológico.

A enfermeira participou do processo de captação dos 24 participantes da pesquisa clínica. A partir dos critérios de inclusão estabelecidos, os participantes foram recebidos pela enfermeira, que explicou a forma de participação na pesquisa; apresentou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; após o consentimento, aplicou o questionário de identificação e condições de saúde; e realizou os procedimentos de preparação para a coleta de dados, acompanhando a intervenção e pós-coleta. Este processo teve duração de dois meses.

Para a análise dos resultados pertinentes à etapa da pesquisa de sua responsabilidade, a enfermeira foi capacitada para uso do software MatLab , o qual ancorou o processo de análise matemática dos sinais biológicos coletados.

Discussão

Investigadores que se dedicam à pesquisa clínica afirmam que, embora exista uma falta de consenso sobre a definição e documentação do papel de enfermeiros em estudos clínicos seja como cientistas ou pesquisadores principais, esforços são realizados neste sentido. Acrescentam que os enfermeiros prestadores de cuidados ou coordenadores de estudo podem, por sua expertise , melhorar a eficiência da investigação, a segurança dos participantes e a qualidade dos dados( ⁸ , ⁹ ). Fatos vivenciados no decorrer da pesquisa objeto deste relato.

Para assegurar a participação ativa de qualquer membro de uma equipe de investigação que se dedica a estudos clínicos em todas as etapas do processo, é necessário um período de capacitação, seja para familiarização com as ferramentas de trabalho ou com os protocolos de condução da investigação. Este processo inicial é importante para oferecer confiabilidade aos resultados, evitando, ao máximo, erros oriundos do uso dos equipamentos e ou procedimentos da pesquisa. A capacitação foi marcada por dúvidas decorrentes das leituras, ressaltando a importância das reuniões com o orientador e com o grupo de pesquisa para discussão e esclarecimentos.

Esta vivência possibilitou a interlocução com diferentes pesquisadores da área, o que reflete na capacidade de julgamento nos processos de pesquisa, no auxílio à formação como pesquisador, e no amadurecimento para liderança de grupos de pesquisa clínica. Aspectos esses citados como relevantes para inserção de profissionais da enfermagem em atividades institucionais relacionadas à pós-graduação( ¹).

Os conteúdos básicos das áreas tecnológicas (engenharia), não disponibilizados na grade curricular da formação da profissão, foram contemplados em disciplinas ofertadas no Stricto Sensu , porém a inclusão do enfermeiro em uma investigação tecnológica específica exige um aperfeiçoamento para aquisição de novos saberes.

Um aspecto importante é a premência da leitura de textos em língua inglesa. Estudo realizado em universidades espanholas aponta a necessidade da inclusão de conteúdos da língua inglesa nas estruturas curriculares da graduação de modo a adequar o perfil de competências profissionais aos sistemas globalizados e consolidar uma sociedade de conhecimentos sem a barreira do idioma( ¹⁰). Este fato está distante da realidade brasileira, mas deve ser pensado com maior atenção para que enfermeiros possam se dedicar a pesquisas de maior impacto.

Uma etapa importante na formação do investigador clínico é a elaboração do documento para submissão ao CEP, pois este tipo de pesquisa trabalha, inevitavelmente, com intervenções irreversíveis e, no caso relatado, com população vulnerável. O enfermeiro demonstra seu conhecimento no sentido de antecipar situações de risco e incluir no projeto, detalhadamente, os cuidados necessários para assegurar ao participante a assistência em todas as fases da pesquisa em que ele esteja associado( ⁸ ). Em sua formação acadêmica, o conteúdo oferecido ao enfermeiro sobre teorias de enfermagem que sustentam o cuidado voltado às necessidades humanas, como a de Horta, e a aplicação do Processo de enfermagem podem contribuir para evidenciar diagnósticos de risco e planejar cuidados específicos.

A elaboração do documento para o CEP requer que o investigador aprimore habilidades desenvolvidas durante sua formação básica e acrescente outras oriundas de conhecimentos interdisciplinares, como aspectos relacionados à descrição de métodos para inovação tecnológica. Um exemplo da contribuição do conhecimento específico da enfermagem foi verificado na elaboração do cronograma de coleta de dados. Para um pesquisador não habituado às questões relacionadas ao cuidado humano, um tempo de 30 minutos, por participante, seria adequado para aplicação do ensaio clínico e obtenção dos dados necessários.

Por outro lado, o enfermeiro verificou que seria necessária previsão de tempo para assegurar as condições clínicas (sinais vitais pré e pós-coleta) e cuidados básicos relacionados às necessidades de mobilidade física (transporte), de conforto (troca de roupa), eliminação (troca de cateter urinário e estimulação intestinal), educação para saúde (anamnese e explicação dos procedimentos), integridade cutânea mucosa (preparo da pele para colocação de eletrodos), gregária (participação da família), segurança emocional (ansiedade frente à coleta) e vínculo (acolhimento).

Por se tratar de um grupo vulnerável cuja exposição pode acontecer desde sua seleção até a pós-coleta de dados, atenção deve ser oferecida ao ambiente em que será realizada a pesquisa, garantindo privacidade e conforto. O enfermeiro possui formação para analisar o espaço e, caso necessário, providenciar adequações.

Devido à rigorosidade metodológica relacionada aos procedimentos, durante o processo de acompanhamento dos voluntários há um risco eminente de que o caráter humano seja sobreposto por tal rigorosidade, cabendo ao enfermeiro o papel de vigiar este cenário.

Nesta pesquisa, muito embora fosse garantida assistência médica aos possíveis danos causados pela intervenção, houve uma situação em que a vigilância do enfermeiro aconteceu e que foi objeto de atuação específica. Um dos voluntários, após a coleta, relatou edema na articulação do joelho. Antecedente a aplicação exclusiva do protocolo ético, houve uma visita domiciliária do enfermeiro e do responsável pela intervenção (fisioterapeuta) com objetivo de amparar a queixa, analisar a situação e apoiar a condução da assistência baseada na integralidade.

Uma pesquisa, que avaliou as atividades mais frequentes e importantes desenvolvidas por enfermeiros em um centro de pesquisa clínica, aponta a dimensão da prática clínica como a de maior frequência e importância. Dentre as atividades desta dimensão, a de maior importância foi a previsão de eventos adversos, seu monitoramento e planejamento de ações de cuidados diretos ao evento( ⁹ ), o que corrobora com as ações desenvolvidas no presente relato.

Os aspectos relacionados às habilidades necessárias para operacionalização do instrumental tecnológico e para a análise dos resultados da pesquisa clínica levam à discussão de que o conhecimento específico deste novo campo de saber deva ser objeto de aprendizagem durante a graduação ou especialização, propiciando a inclusão de estudantes em pesquisas multidisciplinares, seja por meio da elaboração de trabalho de conclusão de curso ou iniciação científica. Esta situação foi relatada também por estudo que descreveu a inserção, as dificuldades e estratégias adotadas por enfermeiros em pesquisa clínica( ³ ).

A vivência relatada trata-se de um universo diferente da prática assistencial exclusiva, sendo uma experiência de superação de limites pessoais e teóricos, o que remete à questão do despreparo na formação do enfermeiro para exercer atividades da pesquisa clínica.

Soma-se ao despreparo a característica do altruísmo relacionada à profissão da enfermagem, frequentemente associada à subvalorização do seu trabalho e habilidades. Entretanto, o altruísmo foi identificado como parte da identidade de coordenadores de pesquisa, sendo relevante para ensinar aos voluntários a importância da sua participação na pesquisa clínica; para minimizar conflitos entre a pesquisa e o cuidado; e para contestar a subvalorização do papel do coordenador( ¹¹ ).

As limitações do enfermeiro em pesquisas clínicas foram parcialmente superadas pela recomendação e pelo incentivo do orientador para que o aprendiz exercitasse o olhar diferenciado em relação aos demais membros da equipe, ou seja, o olhar do enfermeiro e como que ele poderia contribuir significativamente na pesquisa.

A limitação deste estudo está na linha tênue, presente em relatos de experiência, que se estabelece entre a descrição baseada no método e as questões emocionais decorrentes da superação de limites pessoais, o que exige um auto-olhar crítico sobre o manuscrito.

Conclusão

A divulgação da participação do enfermeiro na pesquisa clínica traz subsídios para compreensão do profissional nessa área e facilita a transferência de experiências e conhecimento.

São necessárias mudanças de comportamento profissional, atitude e suporte educacional e mudanças nos sistemas de ensino para qualificar o enfermeiro no campo da pesquisa clínica, potencializando seu domínio de conhecimento e sua essência de cuidador.

O saber crítico decorrente da participação em um processo completo de investigação clínica ancora o avanço da profissão e oferece contribuição científica articulada a diferentes campos de saberes.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Out 2015