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Vivenciando o processo de educação na reabilitação física* * Extraído da dissertação “Processo de reabilitação física e à educação em saúde: vivências dos usuários”, Faculdade de Medicina de Marília, Programa de Mestrado Acadêmico em “Saúde e envelhecimento”, 2021.

RESUMO

Objetivo:

Interpretar e construir um modelo teórico da vivência do usuário no processo de educação no cenário da reabilitação física.

Método:

Pesquisa qualitativa, pautada na Teoria Fundamentada nos Dados. O cenário foi um Centro de Reabilitação da Rede Lucy Montoro, localizado no interior do Estado de São Paulo. A coleta de dados ocorreu de janeiro a outubro de 2019, a partir de 28 entrevistas com três grupos amostrais. O processo de coleta e análise foi guiado por amostragem teórica.

Resultados:

Emergiram 122 códigos conceituais. Foi estabelecida como a categoria central “Vivenciando a educação na reabilitação”; como Condições, as categorias: contando com o apoio da equipe, e ponderando sobre a dinâmica de grupo; como Ações-Interações, a categoria: experienciando orientações; e como Consequências, as categorias: promovendo mudança de hábitos, e encontrando resistência no seguimento.

Conclusão:

A vivência no processo da educação na reabilitação indica tratar-se de uma ação que demanda comunicação adequada e acolhimento por parte da equipe. Nas atividades em grupo, embora existam trocas de experiências entre os integrantes, é necessário considerar a heterogeneidade das situações.

DESCRITORES
Reabilitação; Pessoas com deficiência; Educação em saúde

ABSTRACT

Objective:

To interpret and build a theoretical model of the user’s experience in the education process in physical rehabilitation settings.

Method:

Qualitative research, based on the Grounded Theory. The setting was a Rehabilitation Center of Rede Lucy Montoro, located in an inland city of the State of São Paulo. Data collection took place from January to October 2019, based on 28 interviews with three sample groups. The collection and analysis process was guided by theoretical sampling.

Results:

A total of 122 conceptual codes emerged. The main category established was “Experiencing education in rehabilitation”; as Conditions, the categories: relying on team support, and considering the group dynamics; as Actions-Interactions, the category: experiencing instructions; and as Consequences, the categories: promoting change of habits, and finding resistance in the follow-up.

Conclusion:

The experience in the education process in rehabilitation indicates that this is an action that requires adequate communication and acceptance by the team. In group activities, although there are experiences exchanges among the members, the heterogeneity of situations shall be considered.

DESCRIPTORS
Rehabilitation; Disabled Persons; Health Education

RESUMEN

Objetivo:

Interpretar y construir un modelo teórico de vivencia del usuario en el proceso de educación en el escenario de la rehabilitación física.

Método:

Investigación cualitativa, pautada en la Teoría Fundamentada en los Datos. El escenario fue un Centro de Rehabilitación de la Red Lucy Montoro, ubicado en el interior del Estado de São Paulo. La recolección de datos ocurrió de enero a octubre de 2019, a partir de 28 entrevistas con tres grupos de muestreo. El proceso de recolección y análisis fue guiado por muestreo teórico.

Resultados:

Se encontraron 122 códigos conceptuales. Fue establecida como la clase central “Vivenciando la educación en la rehabilitación”; como Condiciones, las clases: contando con el apoyo del equipo, y ponderando sobre la dinámica grupal; como Acciones-Interacciones, la clase: probando/viviendo orientaciones y; como Consecuencias, las clases: promoviendo cambio de hábitos, y encontrando resistencia en el seguimiento.

Conclusión:

La vivencia en el proceso de la educación en la rehabilitación indica tratarse de una acción que exige comunicación adecuada y acogida del equipo. En las actividades grupales, aunque existan cambios de experiencias entre los integrantes, es necesario considerar la heterogeneidad de las situaciones.

DESCRIPTORES
Rehabilitación; Personas con Discapacidad; Educación en Salud

INTRODUÇÃO

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que um bilhão de pessoas no mundo apresentam algum tipo de deficiência. No Brasil, o número de pessoas com deficiência, em 2010, era de aproximadamente 23,9% da população e, desses, 7% apresentavam deficiência física/motora que, de acordo com a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, diz respeito a pessoas com alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando comprometimento da função física(11. Missel A, Costa CC, Sanfelice GR. Humanization of health and social inclusion in caring for people with physical disabilities. Trabalho, educação e saúde. 2017;15(2):575-97. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00055
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).

No Brasil, as causas mais comuns de deficiência física estão relacionadas à amputação, com 13,9:100.000 habitantes/ano; traumatismo cranioencefálico (TCE), com meio milhão de pessoas, anualmente; trauma raquimedular, com seis a oito mil casos novos por ano; e doenças neurodegenerativas, incluindo a neuropatia periférica, 1:2500, e a esclerose lateral amiotrófica (periférica), de 1 a 2,5:100.000(22. Souto TS, Lopes RAF. Nutrition service in physical rehabilitation: epidemiological profile of patients in outpatient care. Acta fisiátrica. 2016;23(2):61-5. DOI: https://doi.org/10.5935/0104-7795.20160013
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).

Diante dessa realidade, a saúde da pessoa com deficiência tem alcançado maior visibilidade nos últimos anos, resultando em políticas que visam à construção de serviços em consonância com o princípio da integralidade do cuidado(33. Alves MA, Ribeiro FF, Sampaio RF. Potential changes in health practices: the perception of workers of a Rehabilitation Network in (trans)formation. Fisioterapia e pesquisa. 2016;23(2):185-92. DOI: https://doi.org/10.1590/1809-2950/14945923022016
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).

Como exemplo desse movimento, a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência estabelece responsabilidades institucionais para a oferta de condições para a reabilitação de pessoas com deficiência, e diretrizes para a assistência, proteção e garantia de saúde de forma integral.Nessa direção também foi proposta a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, instituída por meio da Portaria nº 793, de 24 de abril de 2012, com diretrizes que ampliam o acesso, a articulação e a criação de novos pontos de atenção à saúde, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional e interdisciplinar às pessoas com deficiência(44. Machado WCA, Pereira JS, Schoeller SD, Júlio LC, Martins MMFPS, Figueiredo NMA. Comprehensiveness in the care network regarding the care of the disabled person. Texto & contexto enfermagem. 2018;27(3):e4480016. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-07072018004480016
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).

Dentre as frentes de cuidado à pessoa com deficiência, a Rede de Reabilitação Lucy Montoro foi criada pelo decreto 52.973/2008 do Governo do Estado de São Paulo, com a finalidade de proporcionar tratamento avançado de reabilitação para pessoas com deficiências físicas incapacitantes, motoras e sensório-motoras, visando atingir o maior nível possível de independência física e funcional do indivíduo, bem como promover a interação de suporte junto aos familiares, com uma visão holística no cuidado. A Rede envolve assistência de carátermultiprofissional e interdisciplinar especializada na área da Medicina de Reabilitação, composta por enfermeiros, médicos fisiatras, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, educadores físicos e fonoaudiólogos, tendo a Educação em Saúde como estratégia de assistência(55. Instituto de Medicina Física e de Reabilitação, Rede de Reabilitação Lucy Montoro [Internet]. São Paulo: IMREA; c2015 [cited 2021 July 27]. Available from: www.redelucymontoro.org.br
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).

A Educação em Saúde, no último século, passou por profundas mudanças conceituais, como também as práticas dela decorrentes, deixando de ser vista como a transmissão de informação de caráter higienista-sanitário realizada em contextos formais e orientada para a prevenção ou para o tratamento de doença. Assim, a Educação em Saúde passa a ser entendida como a capacitação dos indivíduos para controlarem os seus próprios determinantes de saúde por meio do desenvolvimento de competências de ação(66. Conceição DS, Viana VSS, Batista AKR, Alcântara ASS, Eleres VM, Pinheiro WF, et al. Health Education as an Instrument for Social Change. Braz J Dev. 2020;6(8):59412-16. DOI: https://doi.org/10.34117/bjdv6n8-383
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). Busca-se, dessa forma, a autonomia das pessoas no modo de levar a vida.

Assim, a partir da compreensão da saúde como um processo permanente de mudanças, tem-se o entendimento de que a Educação no contexto da reabilitação envolve toda aprendizagem necessária para ajustar as atividades de vida à deficiência e à promoção de hábitos saudáveis face à situação vivenciada por meio de uma abordagem holística e dialógica(77. Feio A, Oliveira CC. Conceptual convergences and divergences in health education. Saúde e sociedade. 2015;24(2):703-15. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000200024
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).

Entretanto, embora a Política Nacional de Saúde tenha como eixo a promoção da saúde, que se fundamenta essencialmente na educação em saúde, observa-se uma escassez de estudos com abordagem sobre o tema no contexto da reabilitação. Sendo assim, o presente estudo parte do seguinte questionamento: qual a vivência dos usuários em relação à educação em serviços especializados em reabilitação?

Considerando a complexidade da prática de Educação em Saúde em suas diferentes formas de abordagem, desvelar a vivência de Educação no cenário da reabilitação sob a ótica dos envolvidos nesse processo pode ser uma oportunidade para reflexões sobre essa prática. O objetivo deste estudo é interpretar e construir um modelo teórico da vivência do usuário no processo de educação no cenário da reabilitação física.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que utilizou o método da Grounded Theory (GT) ou Teoria Fundamentada nos dados (TFD) na perspectiva construtivista do método(88. Charmaz KA. Construção da teoria fundamentada: guia prático para análise quantitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.).

Local

A pesquisa foi realizada em um Centro de Reabilitação da Rede Lucy Montoro localizado no interior do Estado de São Paulo.

Amostragem Teórica

O processo de coleta e análise foi guiado por amostragem teórica, conforme preconiza a TFD, dividida em três grupos amostrais. A obtenção da amostragem teórica iniciou-se com a coleta de dados do primeiro grupo amostral, constituído por aqueles que vivenciavam o fenômeno. Foi composto por dez deficientes físicos, tendo como critério de inclusão estarem inseridos em um programa de reabilitação da instituição e terem condições cognitivas para fornecer informações. Foram excluídos aqueles com menos de seis meses de tratamento no Centro Lucy Montoro.

Na construção do primeiro grupo amostral, com o uso do método comparativo constante, utilizando memorandos, levantou-se a hipótese de que os familiares e seus acompanhantes poderiam contribuir para a compreensão do fenômeno, pois observou-se o grande envolvimento e dependência dos familiares/cuidadores que os acompanham no processo de reabilitação, surgindo, assim, questionamentos sobre como essas pessoas observam as vivências da reabilitação do seu familiar, constituindo-se, então, o segundo grupo amostral, composto por oito familiares. Foram excluídos familiares/acompanhantes que não eram os acompanhantes principais, ou seja, que acompanhavam com uma frequência menor que uma vez na semana.

Os profissionais de saúde são atores importantes da vivência dos usuários, pois cabe a eles o desenvolvimento das atividades no processo de reabilitação. Assim, formulou-se a hipótese de que os profissionais de saúde poderiam contribuir com a visão da dinâmica do processo de reabilitação sobre o fenômeno.

Por fim, um terceiro grupo amostral se fez necessário, composto por dez profissionais da equipe multiprofissional (assistente social, psicóloga, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, enfermeira, nutricionista e educadora física) atuantes diretamente na prática assistencial em reabilitação há pelo menos um ano da data da coleta, excluindo-se profissionais em afastamento por qualquer motivo no período da coleta de dados da pesquisa.

Coleta de Dados

A coleta de dados ocorreu de janeiro a outubro de 2019 por meio de entrevistas semiestruturadas, registradas por gravação digital de voz, previamente agendadas com os participantes de acordo com suas datas e horários mais convenientes.

A entrevista iniciou com uma ficha de dados sociodemográficos para todos os entrevistados e com questões específicas para cada grupo amostral. O questionário foi alterado para cada grupo participante de acordo com a TFD. Para os deficientes físicos, a entrevista contou com a seguinte questão norteadora: qual a sua vivência em relação à educação no centro de reabilitação? Para os familiares, foi realizada a seguinte pergunta: você percebe o andamento das atividades que são orientadas na reabilitação? E para os profissionais foi pedido: fale das práticas educativas que são realizadas neste Centro de Reabilitação. Conforme o conteúdo das respostas, outras questões foram levantadas. As entrevistas foram realizadas no momento da permanência dos participantes no centro de reabilitação.

Análise e Tratamento dos Dados

O tratamento do material das entrevistas, realizado manualmente, seguiu o processo de codificação conforme a vertente metodológica construtivista de Charmaz(88. Charmaz KA. Construção da teoria fundamentada: guia prático para análise quantitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.), que ocorre em três etapas: codificação inicial, codificação focalizada e codificação teórica. Na codificação inicial, os dados foram fragmentados e analisados com o objetivo de conceitualizar as ideias e/ou os significados expressos pelos participantes, transformando-os em códigos. Nessa etapa, 968 códigos emergiram.

A codificação focalizada, segunda etapa de codificação na perspectiva construtivista, permite separar, classificar e sintetizar grandes quantidades de dados. Nessa etapa, foram identificados 122 códigos, mais direcionados, seletivos e conceituais(88. Charmaz KA. Construção da teoria fundamentada: guia prático para análise quantitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.).

A codificação teórica é um nível sofisticado de codificação que segue os códigos selecionados durante a codificação focalizada. Os códigos teóricos especificam as relações possíveis entre as categorias desenvolvidas na codificação focalizada(88. Charmaz KA. Construção da teoria fundamentada: guia prático para análise quantitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.). Para auxiliar no estabelecimento de relações entre as categorias e na identificação do fenômeno da pesquisa, utilizou-se da ferramenta analítica paradigma da codificação ou modelo pragmático, os “3Cs”: condições, ações-interações e consequência(99. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017021803303
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). Nessa etapa emergiram cinco categorias e nove subcategorias.

Desde a primeira entrevista, os dados coletados foram transcritos, codificados e, ao serem analisados, conduziram à coleta seguinte e à análise comparativa de dados, sucessivamente, até a saturação dos dados, determinada quando se observou a repetição dos dados e a ausência de novas informações, além da consistência para responder ao objetivo do estudo(99. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017021803303
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). A validação do modelo teórico foi realizada por docentes com ampla experiência em pesquisa qualitativa, especialmente com a Grounded Theory, por meio da plataforma do google meet. Justifica-se essa forma de validação pelo momento pandêmico vivenciado no período de 2020 e 2021 causado pela COVID-19, que restringiu as opções de constituição de grupos com os participantes da pesquisa devido ao risco de exposição ao contágio.

Aspectos Éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da instituição proponente, sob parecer nº 3.077.526/2018. Para manter o anonimato das informações, os participantes foram identificados nas citações pelas letras P (Paciente), A (Acompanhante) e E (Equipe), seguidas de número ordinal correspondente às falas (P1, A1… E10). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), respeitando os preceitos da Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

A pesquisa incluiu 28 participantes, sendo 10 deficientes físicos, oito acompanhantes/familiares e 10 profissionais da equipe multiprofissional.

Na caracterização dos participantes, em relação aos deficientes físicos, foram cinco do sexo masculino e cinco do sexo feminino, com idade entre 24 e 68 anos, e com escolaridade entre ensino médio incompleto (30%) e completo (30%). Dos entrevistados, quanto ao tempo de deficiência, o número variou de oito meses a três anos, exceto por um caso de deficiência pós-parto.

Em relação aos familiares/acompanhantes, a idade variou de 32 a 71 anos, com predominância do sexo feminino (75%), com 62,5% vivenciando pela primeira vez a experiência de cuidador, e 87,5% possuindo vínculo consanguíneo com a pessoa com deficiência.

Os profissionais entrevistados foram na sua totalidade do sexo feminino, com idade entre 25 e 46 anos. O tempo de formação variou de quatro a 16 anos, e de atuação profissional de quatro a 15 anos. Quanto à categoria profissional, foram entrevistadas duas assistentes sociais, uma psicóloga, uma fisioterapeuta, duas terapeutas ocupacionais, uma fonoaudióloga, uma enfermeira, uma nutricionista e uma educadora física.

Foi estabelecida como a categoria central “Vivenciando o processo de educação na reabilitação”; como Condições, as categorias: contando com o apoio da equipe, e ponderando sobre a dinâmica de grupo; como Ações-Interações, a categoria: experienciando orientações e; como Consequências, as categorias: promovendo mudança de hábitos, e encontrando resistência no seguimento. A relação entre elas culminou na elaboração da Figura 1.

Figura 1.
Diagrama representativo do modelo teórico “Vivenciando o processo de educação na reabilitação” – Marília, SP, Brasil, 2021.

Experienciando Orientações

Experienciando orientações é a condição do fenômeno e expressa como as orientações são realizadas, o seu processo e os resultados que as pessoas com deficiência alcançam no serviço de reabilitação. Elas ocorrem por meio de diferentes estratégias de ensino e, por vezes, identifica-se a falta de preparo dos profissionais para as ações educativas. Além disso, elas são consideradas como essenciais, produtivas e esclarecedoras quando os participantes encontram sentido/significado.

Nessa perspectiva, encontra-se que as orientações realizadas pelos profissionais auxiliam na compreensão dos cuidados relacionados às condições que vivenciam no seu cotidiano e no reconhecimento da importância das atividades propostas no processo de reabilitação. Há indicativos de que é possível explicar as perdas decorrentes da deficiência, objetivando a compreensão do que está acontecendo, ampliando o envolvimento e a cooperação nas atividades desenvolvidas.

(…) Eu aprendi várias coisas que eu não sabia e eu consigo aprender com o que explicam (…) tudo que é trabalhado aqui está na vida da gente no cotidiano. (P4).

A gente explica todo o processo das perdas decorrentes da instalação da deficiência (…) ele passa a entender o que está acontecendo (…), eles constroem uma história na reabilitação muito mais consistente, muito mais consciente e muito mais participativa. (E5)

Na vivência dos entrevistados, observa-se a existência de formas distintas de realização das ações educativas no processo de reabilitação, quando, em algumas circunstâncias, os profissionais utilizam o momento da própria intervenção da atividade física, individualmente ou em dinâmica de grupo, de forma dialogada e exemplificada, e em outras circunstâncias utilizam dinâmicas como aula expositiva, uso de recursos audiovisuais e didáticos.

(…) mostra no computador tudo certinho os alimentos que fazem bem, os que tem mais colesterol, que nem a carne vermelha, essas coisas de gordura (P9).

A gente não usa recurso. A gente usa o atendimento mesmo e exemplifica com as atividades que eles fazem aqui (…). A gente faz junto com o paciente e explica (…) (E7).

Na vivência das ações educativas no processo de reabilitação, especialmente os profissionais sentem que necessitam de maior preparo para desenvolvê-las, uma vez que acreditam desconhecer possíveis estratégias que auxiliariam na melhora dessa prática.

(…) A gente não tem embasamento teórico nenhum para realizar as nossas aulas, porque realmente melhoraria muito a nossa prática. Porque a gente trabalha muito conteúdo que é uma coisa que a gente domina, mas a forma como a gente vai passar para o paciente eu nunca pensei nisso, de qual seria a melhor forma de ensinar mesmo (E2).

Ponderando Sobre a Dinâmica de Grupo

Ponderando sobre a dinâmica de grupo é a ação/interação do fenômeno e refere-se à vivência diante do desafio da heterogeneidade dos participantes e do aprendizado com as experiências do outro, conforme se descreve a seguir.

Os participantes da pesquisa indicam que, no trabalho em grupo, é preciso considerar a heterogeneidade dos participantes uma vez que cada integrante apresenta especificidades em relação ao diagnóstico e ao prognóstico, o que representa um grande desafio, pois pode gerar angústia e frustração nos envolvidos na atividade. Além disso, para os deficientes físicos, determinadas atividades em grupo podem caracterizar-se como constrangedoras, uma vez que tratam da intimidade de cada pessoa.

(…) às vezes é um grupo tão heterogêneo que pode gerar mais angústia e mais frustrações nos pacientes. (…) é muito complicado, pensando na questão emocional mesmo. (E4)

(…) igual ela falava “-E sobre urina? (…) Se você me perguntar aqui sozinho, nós dois, eu vou conversar, mas com quatro, cinco pessoas que eu não conheço (…) ah, eu não gostava, não. (P3)

Diante dessa realidade, nota-se que os profissionais buscam alternativas para manter a modalidade do atendimento em grupo e, ao mesmo tempo, contemplar as demandas individuais. No contexto analisado, verifica-se que os profissionais também optam por não realizar atividades com os grupos, dada a complexidade e individualidade das condições que eles apresentam.

(…) eu tenho que respeitar a individualidade de cada um. (…), a gente consegue discutir aquele tema, dentro daquele grupo, mas de diferentes maneiras, onde todos participam e todos entendem a necessidade de cada um de maneira diferente. (E6)

Então, na Fono a gente não faz grupo, nós atendemos individual. Porque seria muito difícil. Como os pacientes chegam de jeitos muito diferentes. (E10)

Mesmo com tais dificuldades nas vivências da abordagem em grupo, os participantes reforçam que há troca de experiências e formação de vínculo entre os envolvidos, destacando a atividade em grupo como estratégia valiosa para o desenvolvimento das ações educativas em saúde e o crescimento mútuo dos envolvidos.

Você acaba vendo a experiência do outro. Tem muita coisa que você se espelha no outro, então, acaba te fortalecendo. (P6)

Tem dado retorno positivo, eles se reconhecem ali no outro (…) eles criam vínculo. A gente percebe, então, que um também vai estimulando o outro a buscar (…). (E4)

Contando com Apoio da Equipe

Contando com apoio da equipeé a ação/interação do fenômeno e refere-se à valorização da comunicação e ao sentimento de acolhimento por parte da equipe de reabilitação.

A partir dos relatos, nota-se, nas vivências dos entrevistados, uma valorização na forma como a comunicação é efetivada, uma vez que existe diálogo e respeito pela autonomia da pessoa com deficiência na tomada de decisão frente à reabilitação. Assim, a pessoa com deficiência sente-se parte integrante do processo.

Elas sempre conversavam comigo, me deixavam à vontade sobre a terapia. (…) Todas elas sempre trabalharam essa parte assim de deixar essa possibilidade de fazer alguma mudança em alguma parte que não estava bom para mim. (P3)

Quando eu tenho dúvida, eu gosto de perguntar (…) eu chego e falo: eu não estou conseguindo (…) e então a gente trabalha (…). (P9)

O sentimento de afeto vivenciado pelas pessoas com deficiência e pelos seus familiares/acompanhantes foi citado como diferencial da equipe de reabilitação, em uma perspectiva de acolhimento e comprometimento, refletindo em incentivo à aprendizagem.

O amor eu acho que ajuda muito o paciente (…) você sabe que às vezes a gente até se emociona (…) aqui é todo mundo que precisa, são todos deficientes, a gente vê que vocês têm o carisma, a paciência. (A1)

(…) aqui estou aprendendo com quem sabe (…) só tenho a agradecer de ter a oportunidade de estar aqui, de aprender, de poder aprender e passar para ela e ver o carinho que todo mundo tem com a gente, com ela (…). (A8)

Encontrando Resistência no Seguimento

Encontrando resistência no seguimento é a consequência do fenômeno e refere-se às dificuldades encontradas pelos participantes em seguir as orientações desenvolvidas nas ações educativas do processo de reabilitação. Ocorre quando os participantes não aderem às orientações por não considerarem que se adequam à realidade em que vivem, além de não encontrarem apoio dos familiares no domicílio.

Eu gosto de comida forte (…) elas falam que não é para comer. Ela me dá até um cardápio, (…) tomar suco, comer umas bolachas (…) e eu não tenho nada disso. É bom, só que a orientação que ela diz para mim, eu não faço correta. (P5)

Tenho um pouco de dificuldades de fazer em casa as coisas que eles me pedem aqui. Porque eu moro com meus avós e não conto com o auxílio deles e nenhum apoio (…). (P2)

Nas vivências das pessoas com deficiência física, há o reconhecimento de que a adesão aos conteúdos desenvolvidos no processo de educação é de grande relevância na continuidade do tratamento; entretanto, eles nem sempre são seguidos pelas pessoas com deficiência, o que resulta em sentimento de frustração entre os profissionais, especialmente quando percebem que houve uma complicação.

Nossa! A gente tem tanta expectativa, mas às vezes elas são muito frustradas. Você vê um paciente que saiu com AVC e volta amputado (…) é muito triste. Porque você sabe que ele simplesmente não seguiu nada do que você falou (…) (E2)

Promovendo Mudança de Hábitos

Promovendo mudança de hábitos é a consequência do fenômeno e refere-se à mudança de hábitos vivenciada pelos participantes com a compreensão das orientações, resultando em controle clínico, qualidade de vida e prevenção de agravos.

Eu vejo que passam conhecimentos, que dão informações para a pessoa ter uma mudança de um hábito (…) se gera mudança é porque a educação está sendo eficiente. (E8)

O líquido, principalmente água, ele tinha muita dificuldade em tomar água e agora já está bem melhor. Com o aprendizado a gente vai evoluindo cada vez mais. (A1)

O Fenômeno: Vivenciando o Processo de Educação na Reabilitação

Vivenciando o processo de educação na reabilitação física é a categoria central. Tem como condição o fato de que no processo são utilizadas diferentes estratégias de ensino e aprendizagem, para que os deficientes encontrem sentido nas ações educativas; porém, por vezes, o que se constata é a falta de preparo dos profissionais.

Em um movimento de ação/interação, encontra-se que as ações educativas no processo de reabilitação demandam apoio da equipe de saúde, que ocorre por meio da comunicação adequada e do acolhimento; e, ao ponderar sobre a dinâmica de grupo, os participantes do estudo identificam que nele vivencia-se a heterogeneidade de situações. Mesmo assim, no espaço grupal existe troca de experiências.

Como consequência, elencam que, por um lado, as ações educativas promovem mudança de comportamento, mas, por outro, muitas vezes falta adequação à realidade e, assim, reconhecem a dificuldade em implementar as ações.

DISCUSSÃO

A vivência do processo de educação na reabilitação trata de um fenômeno complexo, que envolve uma multiplicidade de fatores. Ao interpretá-lo sob a perspectiva dos diferentes grupos amostrais (pessoa com deficiência, familiares e profissionais), foi possível evidenciar que a intervenção é imprescindível, visto que a finalidade da reabilitação é trazer aplicações ao cotidiano da pessoa com deficiência.

Na educação para a saúde, há um novo enfoque nas práticas educativas, de modo a fortalecer a capacidade de escolha das pessoas, permitindo que elas participem ativamente do processo de tomada de decisão e de implementação de estratégias para a melhoria das suas condições de saúde(1010. Sousa LMM, Martins MM, Novo A. Rehabilitation nursing in person’s empowerment and training in health-disease transition processes. Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação. 2020;3(1):64-9. DOI: https://doi.org/10.33194/rper.2020.v3.n1.8.5763
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,1111. Costa DW, Parreira BDM, Borges FA, Tavares DMS, Chaves LDP, Goulart BF. Health education and user´s empowerment of the family health strategy. Revista de enfermagem UFPE on line. 2016;10(1):96-102.). Como se observa nas falas dos participantes, embora o processo seja revestido de desafios e dificuldades, eles encontram sentido nas ações educativas e conseguem, em alguma medida, mudanças nos hábitos de vida em prol da melhoria das condições de saúde.

Compreende-se que, no processo de educação, especialmente quando se trata do processo de reabilitação, inicialmente, a pessoa conscientiza-se das mudanças físicas, emocionais, sociais ou ambientais para, na sequência, ter condições de envolvimento efetivo. Na reabilitação, é preciso entender os processos de transição (saúde-doença-deficiência) e desenvolver terapêuticas que ajudem as pessoas a recuperar a estabilidade e o bem-estar, visando à capacitação e ao empoderamento para fazer face à continuidade da sua vida(1010. Sousa LMM, Martins MM, Novo A. Rehabilitation nursing in person’s empowerment and training in health-disease transition processes. Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação. 2020;3(1):64-9. DOI: https://doi.org/10.33194/rper.2020.v3.n1.8.5763
https://doi.org/10.33194/rper.2020.v3.n1...
). Nessa perspectiva, mesmo que as atividades em grupo ofertadas na reabilitação tenham como limite a heterogeneidade das situações, a convivência com o outro e a troca de experiências contribuem para o enfrentamento dessa difícil tarefa.

Mesmo frente aos desafios, a dinâmica de grupo é concebidacomo um instrumento a serviço da autonomia, do autocuidado dos indivíduos e do desenvolvimento contínuo do nível de saúde e das condições de vida. O grupo promove o contato entre diferentes sujeitos e possibilita novos movimentos e experiências a partir do encontro com o outro, configurando, desse modo, tanto um espaço de conjunção de singularidades – instância que remete à diversidade de sujeitos – quanto do compartilhado, da ligação da pluralidade(1212. Recco RAC, Lopes SMB. On physical therapy and its therapeutic resources: the group as an additional strategy for rehabilitation. Trabalho, educação e saúde. 2016;14(2):593-610. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sip00115
http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sip0...
).

Tem-se considerado que a convivência com um grupo que congrega pessoas com problemas semelhantes ajuda os participantes, no sentido de conseguirem quebrar barreiras e de receberem feedback e sugestões construtivas para o seu cuidado. Sendo assim, o grupo pode ser uma valiosa alternativa para auxiliar no enfrentamento de condições geradoras de sofrimento(1212. Recco RAC, Lopes SMB. On physical therapy and its therapeutic resources: the group as an additional strategy for rehabilitation. Trabalho, educação e saúde. 2016;14(2):593-610. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sip00115
http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sip0...
).

Em vistadisso, a modalidade de atendimento em grupos tem ganhado espaço nos serviços de saúde, uma vez que possibilita a otimização do trabalho com a diminuição das consultas individuais, minimizando a lacuna da carência assistencial existente na saúde pública brasileira(1313. Nascimento HS, Ribeiro NMS. Effect of group care in the quality of life and functional capacity of patients after stroke. Braz J Phys Ther. 2018;8(2):183-90. DOI: http://dx.doi.org/10.17267/2238-2704rpf.v8i2.1878
http://dx.doi.org/10.17267/2238-2704rpf....
).Entretanto, atenta-se para o fato de muitas vezes o grupo acontecer apenas como uma prática de cumprimento de etapas previstas e requeridas por gestores, poisexiste ainda um despreparo dos profissionais sobre como realizar um grupo educativo e sobre todo o processo de dinâmica de grupos pela falta de referências teóricas e metodológicas(1414. Carvalho VCS, Siqueira Junior AC, Siqueira FPC. Group Work: Perception of the Professional Health System User. Investigación en enfermería: imagen y desarrollo. 2019;21(1). DOI: https://www.doi.org/10.11144/Javeriana.ie21-1.tgpp
https://www.doi.org/10.11144/Javeriana.i...
), como foi constatado no presente estudo.

Nesse âmbito, ressalta-se a necessidade da flexibilidade do profissional em seu planejamento, tendo em vista a necessidade de sistematização de um plano de ação grupal, objetivando o acesso aos conteúdos individuais e relacionais. É preciso compreender que a inserção em um grupo pressupõe movimentos individuais e coletivos e, nesse sentido, o grupo necessita de momentos de introspecção e de extroversão, em direção a uma pertença grupal(1515. Vitali MM, Castro A. Group processes: a systematization of a script for intervention in groups. Revista Psicologia & Saberes. 2020;9(17):217-27. DOI: https://doi.org/10.3333/rps.v9i17
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).

No entanto, revela-se, no presente estudo, que nem sempre os profissionais estão devidamente preparados para a tarefa, sendo indicado como indispensável que aprendam sobre as práticas educativas problematizadoras, de forma a promover reflexões contextualizadas com a história de vida da pessoa, o que perpassa pelo seu processo de saúde-doença(1616. Menezes KKP, Avelino PR. Operative groups in Primary Health Care as a discussion and education practice: a review. Cad Saude Colet. 2016;24(1):124-30. DOI: https://doi.org/10.1590/1414-462X201600010162
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).

Na vivência dos participantes, há a compreensão de que eles contam com o apoio da equipe por meio do acolhimento e da comunicação. Para alcançar a integralidade e a humanização do cuidado, as práticas de saúde devem ser fundamentadas no acolhimento, no diálogo, no vínculo, na corresponsabilidade e na escuta ativa entre o profissional e o usuário do serviço de saúde. Entende-se que, por meio da compreensão e da boa comunicação, o usuário se tornará membro ativo da equipe de reabilitação(1212. Recco RAC, Lopes SMB. On physical therapy and its therapeutic resources: the group as an additional strategy for rehabilitation. Trabalho, educação e saúde. 2016;14(2):593-610. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sip00115
http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sip0...
1515. Vitali MM, Castro A. Group processes: a systematization of a script for intervention in groups. Revista Psicologia & Saberes. 2020;9(17):217-27. DOI: https://doi.org/10.3333/rps.v9i17
https://doi.org/10.3333/rps.v9i17...
,1717. Assenheimer A, Moura D, Brum ZP, Fontana RT, Guimaraes CA, Soares NV, et al. Communication between nurse and patient as a primordial fator for humanization of care. Revista Interdisciplinar em Ciências da Saúde e Biológicas. 2018;2(2):1-9. DOI: https://doi.org/10.31512/ricsb.v2i2.2743
https://doi.org/10.31512/ricsb.v2i2.2743...
).

Acrescenta-se que, noacolhimento, na escuta qualificada e na demonstração de respeito e de compreensão das demandas dos usuários, o profissional de saúde pode preencher grande parte das suas expectativas, construindo, assim, uma relação de vínculo, confiança e apoio entre eles. Além disso, o profissional pode ajudá-los a conceituar os seus problemas, enfrentá-los, visualizar suas participações na experiência e as suas alternativas de solução, além de auxiliá-los a encontrar novos padrões de comportamento(1717. Assenheimer A, Moura D, Brum ZP, Fontana RT, Guimaraes CA, Soares NV, et al. Communication between nurse and patient as a primordial fator for humanization of care. Revista Interdisciplinar em Ciências da Saúde e Biológicas. 2018;2(2):1-9. DOI: https://doi.org/10.31512/ricsb.v2i2.2743
https://doi.org/10.31512/ricsb.v2i2.2743...
,1818. Aniceto B, Bombarda TB. Humanized care and the practices of the occupational therapist in the hospital: an integrative literature review. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. 2020;28(2):640-60. DOI: https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR1867
https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR1...
).

Os participantes do estudo, ao vivenciar o processo de educação na reabilitação, conseguem encontrar sentido nas orientações realizadas e incorporam novas práticas ao seu cotidiano. Caminham, assim, na busca de utilizar o conhecimento e o empoderamento para a tomada de decisão e a maximização da sua autonomia e a independência naexecução das atividades básicas de vida diária, em uma transição consciente sobre o que são capazes e para assumir com sucesso suas novas identidades. A aquisição de conhecimentos e a aprendizagem de capacidades são consideradas aspectos importantes no processo de reabilitação(1010. Sousa LMM, Martins MM, Novo A. Rehabilitation nursing in person’s empowerment and training in health-disease transition processes. Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação. 2020;3(1):64-9. DOI: https://doi.org/10.33194/rper.2020.v3.n1.8.5763
https://doi.org/10.33194/rper.2020.v3.n1...
,1919. Hernández-Sarmiento JM, Jaramillo-Jaramillo LI, Villegas-Alzate JD, Álvarez-Hernández LF, Roldan-Tabares MD, Ruiz-Mejía C, et al. Health education as an important promotion and prevention strategy. Archivos de Medicina. 2020;20(2):490-504. DOI: https://doi.org/10.30554/archmed.20.2.3487.2020
https://doi.org/10.30554/archmed.20.2.34...
).

No desenvolvimento das ações educativas, recomenda-se fortemente a utilização da perspectiva pedagógica dialógica, pois o objetivo é promover um encontro de sujeitos que buscam refletir e transformar saberes existentes, tendo como ponto de partida as condições concretas das vidas das pessoas. Isso permite uma construção contínua e significativa do saber por meio do diálogo entre conhecimento popular e científico, visando ao desenvolvimento da autonomia e da responsabilidade dos indivíduos no cuidado com a saúde(2020. Almeida ER, Moutinho CB, Leite MTS. Family health nurses’ teaching practice in the health education development. Interface. 2016;20(57): 389-401. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0128
https://doi.org/10.1590/1807-57622015.01...
,2121. Seabra CAM, Xavier SPL, Sampaio YPCC, Oliveira MF, Quirino GS, Machado MFAS. Health education as a strategy for the promotion of the health of the elderly: an integrative review. Revista brasileira de geriatria e gerontologia. 2019;22(4):e190022. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-22562019022.190022
https://doi.org/10.1590/1981-22562019022...
). Destaca-se, ainda, a necessidade da abordagem de temas que façam sentido e a utilização de uma linguagem apropriada que permita desenvolver uma leitura crítica da realidade(2222. Paro CA, Ventura M, Silva NEK. Paulo Freire and untested feasibility: hope, utopia and transformation in health. Trabalho, educação e saúde. 2020;18(1):e0022757. DOI: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00227
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002...
).

Frente a isso, a constatação da dificuldade de adesão ao tratamento convoca os profissionais a refletir criticamente sobre a postura, o papel e a atuação da equipe multiprofissional no contexto da educação em saúde, que pode estar desvinculada da escuta reflexiva e das demandas culturais e psicossociais que se interpõem à práxis cotidiana. As dificuldades de adesão podem revelar os enfrentamentos necessários à pessoa com deficiência, em reconhecer que as mudanças são lentas, graduais e com possibilidades de avanços e retrocessos(2323. Tholl AD, Nitschke RG, Viegas SMF, Potrich T, Marques-Vieira C, Castro FFS. Strenghts and limits in the daily life of the adherence to rehabilitation of people with spinal cord injury and their families. Texto & Contexto Enfermagem. 2020;29:e20190003. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2019-0003
https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-20...
).

Aponta-se, como limitação do estudo, tratar-se de tema que envolve uma multiplicidade de significados e de ser explorado em apenas uma realidade. O presente estudo, no entanto, mostra sua relevância por despertar a atenção sobre as ações educativas no cenário da reabilitação, um assunto emergente e pertinente para a contemporaneidade, ainda pouco estudado pela literatura nacional e pela internacional, que requer contínuo aprofundamento e aperfeiçoamento, com vistas à sua compreensão e adequada implementação.

CONCLUSÃO

Analisando a vivência dos participantes do estudoreferente à educação no cenário da reabilitação física, constata-se que aspectos como humanização do atendimento, escuta qualificada, promoção da participação ativa do usuário, boa comunicação e acolhimento foram experienciados, promovendo o sentimento de apoio e favorecendo o engajamento no processo de reabilitação.

O modelo elaborado representa um avanço relativo à temática reabilitação por exemplificar que o processo em educação promove mudanças de comportamento.

O cenário da reabilitação mostrou-se um espaço rico em experiências de aprendizagem, considerando as diferentes possibilidades de encontro entre pessoas com deficiência, familiares e profissionais de diferentes especialidades, o que envolve uma multiplicidade de saberes e a possibilidade de trocas. Para as ações educativas, foram utilizadas diferentes estratégias de ensino-aprendizagem que demostraram efetividade, mas sugerem a necessidade de melhor preparo, evidenciado pelo relato de resistência no seguimento, justificada por falta de adequação à realidade e falta de adesão.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2021
  • Aceito
    25 Out 2021
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