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Determinantes Sociais de uma comunidade quilombola e a interface com a Promoção da Saúde

RESUMO

Objetivo:

Compreender a relação dos determinantes sociais na Promoção da Saúde de mulheres quilombolas.

Método:

Pesquisa participativa, desenvolvida por meio do Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire, que compreende três etapas: investigação temática, codificação e descodificação e desvelamento crítico. Essas etapas foram desenvolvidas nos Círculos de Cultura, de abril a junho de 2016. Foram investigados 20 temas geradores, codificados e descodificados em oito, desvelando a temática mulher e a relação com os Determinantes Sociais.

Resultados:

Participaram 10 mulheres de uma comunidade quilombola catarinense. Compreenderam-se a Promoção da Saúde desta população e sua interface com os Determinantes Sociais. A saúde, religiosidade, questões raciais, redes sociais e comunitárias emergiram como potencializadoras do empoderamento e fortalecimento comunitário.

Conclusão:

Percebe-se a acentuada correlação das questões raciais e a fragilidade junto à assistência, à educação e à informação em saúde e, principalmente, o distanciamento de comunidades vulneráveis de uma saúde íntegra e equânime, destacando-se a necessidade eminente de fortalecer estratégias de Promoção da Saúde.

DESCRITORES:
Determinantes Sociais da Saúde; Promoção da Saúde; Mulheres; Grupo com Ancestrais do Continente Africano; Autonomia Pessoal; Enfermagem em Saúde Pública

ABSTRACT

Objective:

Understanding the relationship of social determinants in the Health Promotion of quilombola women.

Method:

This was a participatory study developed through the Research Itinerary of Paulo Freire, which comprises three stages: thematic investigation, codification and decoding, and critical unveiling. These stages were developed in Culture Circles from April to June 2016. Twenty themes were investigated, coded and decoded into eight themes, revealing the theme of women and their relationship with the Social Determinants.

Results:

Ten women from a quilombola community in Santa Catarina participated. The Health Promotion of this population and its interface with Social Determinants were understood. Health, religiosity, racial issues, social and community networks emerged as potentializing community empowerment and solidification.

Conclusion:

An accentuated correlation of racial issues and fragility combined with health care, education and information, and above all the distancing of vulnerable communities from comprehensive and equitable health was observed, highlighting the imminent need to strengthen Health Promotion strategies.

DESCRIPTORS:
Social Determinants of Health; Health Promotion; Women; African Continental Ancestry Group; Personal Autonomy; Public Health Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Comprender la relación de los determinantes sociales en la Promoción de la Salud de mujeres quilombolas.

Método:

Investigación participativa, desarrollada por medio del Itinerario de Investigación de Paulo Freire, que comprende tres etapas: investigación temática, codificación y desvelamiento crítico. Dichas etapas fueron desarrolladas en los Círculos de Cultura, de abril a junio de 2016. Fueron investigados 20 temas generadores, codificados y descodificados en ocho, develando la temática mujer y la relación con los Determinantes Sociales.

Resultados:

Participaron 10 mujeres de un comunidad quilombola del Estado de Santa Catarina. Se comprendieron la Promoción de la Salud de esa población y su interfaz con los Determinantes Sociales. La salud, religiosidad, temas raciales, redes sociales y comunitarias surgieron como potencializadores del empoderamiento y fortalecimeinto comunitario.

Conclusión:

Se nota la acentuada correlación de los temas raciales con la fragilidad en la asistencia, la educación y la información y, especialmente, el alejamiento de comunidades vulnerables de una salud íntegra y ecuánime, destacándose la necesidad eminente de fortalecer estrategas de Promoción de la Salud.

DESCRIPTORES:
Determinantes Sociales de la Salud; Promoción de la Salud; Mujeres: Grupo de Acendencia Continental Africana; Autonomía Personal; Enfermería en Salud Pública

INTRODUÇÃO

A Promoção da Saúde tem como escopo reconhecer as inspirações e necessidades dos indivíduos para que assim seja possível modificar o meio em que transitam e consequentemente atingir um estado pleno de bem-estar físico, mental e social, individual e coletivo, indo além de um estilo de vida saudável, por abranger um bem-estar global11. Malta DC, Moraes Neto OL, Silva MMA, Rocha D, Castro AM, Reis AAC, et al. National Health Promotion Policy (PNPS): chapters of a journey still under construction. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [cited 2018 May 31];21(6):1683-94. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n6/en_1413-8123-csc-21-06-1683.pdf
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)-(22. Teixeira MB, Casanova A, Oliveira CCM, Ensgtrom EM, Bodstein RCA. Avaliação das práticas de promoção da saúde: um olhar das equipes participantes do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Saúde Debate [Internet]. 2014 [citado 2017 nov. 28];38(n.esp.):52-68. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v38nspe/0103-1104-sdeb-38-spe-0052.pdf
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.

A concepção de Promoção da Saúde, apesar de contemporânea, prevalece ainda um termo com ambiguidades e contradições. Essa dicotomia está atrelada à presença de dois discursos diversos: um com ênfase na modificação dos comportamentos individuais, e outro que busca avançar para uma perspectiva libertadora por meio do fortalecimento da participação da população no enfretamento dos determinantes sociais33. Heidemann ITSB, Cypriano CC, Gastaldo D, Jackson S, Rocha CG, Fagundes E. Estudo comparativo de práticas de promoção da saúde na atenção primária em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil e Toronto, Ontário, Canadá. Cad Saúde Pública [Internet]. 2018 [citado 2018 maio 30];34(4):e00214516. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v34n4/1678-4464-csp-34-04-e00214516.pdf
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No Brasil, a Política de Promoção da Saúde teve um processo longo e conflituoso até sua promulgação em 2006 e redefinição em 2014: reforçou os valores fundamentais de solidariedade, felicidade, ética, respeito às diversidades, humanização, responsabilidade, justiça e inclusão social e adotou os princípios da equidade, participação social, autonomia, empoderamento, intersetorialidade, intrassetorialidade, sustentabilidade, integralidade e territorialidade. Tal Política destaca os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) como uma possibilidade para diminuir as iniquidades e promover a equidade em saúde44. Albuquerque TIP, Sá RMPF, Araújo Junior JLAC. Perspectivas e desafios da "nova" Política Nacional de Promoção da Saúde: para qual arena política aponta a gestão? Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [citado 2018 maio 30];21(6):1695-706. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n6/1413-8123-csc-21-06-1695.pdf
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Integrar as duas abordagens, a Promoção da Saúde e os Determinantes Sociais da Saúde, pode contribuir para a compreensão e o enfrentamento das disparidades em saúde, com vistas ao bem-estar social, pois essa integração se centra no papel da política de redução da desigualdade e se distancia do discurso tradicional da saúde pautado no indivíduo55. Jackson SF, Birn AE, Fawcett SB, Poland B, Schultz JA. Synergy for health equity: integrating health promotion and social determinants of health approaches in and beyond the Americas. Rev Panam Salud Pública [Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 05];34(6):473-80. Available from: https://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1020-49892013001200015&lng=en&nrm=iso&tlng=en
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Reconhece-se que os fatores de risco66. Gaspar T, Balancho L. Fatores pessoais e sociais que influenciam o bem-estar subjetivo: diferenças ligadas estatuto socioeconômico. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2017 [citado 2018 maio 29];22(4):1373-80. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n4/1413-8123-csc-22-04-1373.pdf
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não estão distribuídos igualmente entre as populações. Certos subgrupos, em particular aqueles de baixo status socioeconômico, foram encontrados com maiores proporções de fatores de risco e, consequentemente, sofrem de saúde precária.

Neste contexto, inserem-se as comunidades em situação de vulnerabilidade social, conceito este que se refere à capacidade de luta e de recuperação dos indivíduos e dos grupos sociais para o enfrentamento da questão da saúde77. Prestes CRS, Paiva VSF. Psychosocial approach and health of black women: vulnerabilities, rights and resilience. Saude Soc [Internet]. 2016 [cited 2018 May 29];25(3):673-88. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/en_1984-0470-sausoc-25-03-00673.pdf
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. A vulnerabilidade social implica características, recursos e habilidades inerentes aos sujeitos ou grupos, que podem ser escassos ou inadequados para o aproveitamento das oportunidades disponíveis na sociedade. Com isso, essa relação irá determinar o grau de desgaste da qualidade de vida dos indivíduos88. Paula CEA, Silva AP, Bittar Cléria ML. Legislative vulnerability of minority groups. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2017 [cited 2018 May 31];22(12):3841-8. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232017021203841&script=sci_arttext&tlng=en
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. Desta forma, destaca-se a população “remanescente de quilombo” como um grupo étnico vulnerável, especialmente a feminina, que enfrenta um ambiente de discrimição, preconceito e desrespeito, reinvindicando constantemente seus direitos e cidadania.

No intuito de conceituar o tema em questão, destaca-se a palavra “quilombo”, por ter maior reconhecimento e notoriedade, já que o termo assenta-se na etimologia Bantu, que significa “acampamento guerreiro na floresta”. Popularizado no Brasil por apoiar as organizações de suporte instituídas pelos insurgentes contra o regime de escravidão e suas resistências, reinvidicações e combates frente à escravidão, essa expressão trouxe ainda uma interpretação relevante para os libertados, em sua caminhada, luta e independência, conquistando outros contextos e perspectivas99. Leite IB. The Brazilian quilombo: 'race', community and land in space and time. J Peasant Studies. 2015;42(6):1225-40..

As comunidades quilombolas são marcadas por processos históricos de discriminação e exclusão e vivenciam uma realidade socioeconômica marginalizada em relação à população brasileira em geral1010. Cardoso CS, Melo LO, Freitas DA. Condições de saúde nas Comunidades Quilombolas. Rev Enferm UFPE on line [Internet]. 2018 [citado 2018 mar. 05];12(4):1037-45. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/110258/28665
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. Assim, é fundamental aproximar aos estudos dos Determinantes Sociais a Promoção da Saúde, especialmente de populações em vulnerabilidade social.

Nesse sentido, buscamos realizar um trabalho com grupo de mulheres quilombolas, em virtude de sua organização e liderança em um cenário de lutas pela superação das iniquidades sociais, com o objetivo de compreender a relação dos Determinantes Sociais na Promoção da Saúde dessas mulheres.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Estudo de abordagem qualitativa, do tipo pesquisa ação-participante. Como referencial metodológico, utilizou-se do Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire, que consiste em três momentos dialéticos e entrelaçados: investigação temática, codificação e decodificação, desvelamento crítico1111. Heidemann ITSB, Dalmolin IS, Rumor PCF, Cypriano CC, Costa MFBNA, Durand MK. Reflections on Paulo Freire's research itinerary: contributions to health. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 May 30];26(4):e0680017. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v26n4/en_0104-0707-tce-26-04-e0680017.pdf
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)-(1313. Heidemann ITSB, Wosny AM, Boehs AE. Promoção da Saúde na Atenção Básica: estudo baseado no método de Paulo Freire. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2014 [citado 2018 maio 31];2014;19(8):3553-9. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n8/1413-8123-csc-19-08-03553.pdf
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, desenvolvidos em Círculos de Cultura.

O Círculo de Cultura foi denominado por Freire e representa um momento dinâmico de diálogo e conhecimento, é um espaço aberto que possibilita diferentes trocas, respeito mútuo e construção de distintos saberes. Mediante o processo de ação-reflexão-ação, todos avançam e se “despedem” diferentes de como ingressam, pois se revelam as situações-limite da realidade, com reflexão desta, para, na sequência, descodificá-la e visualizá-la1313. Heidemann ITSB, Wosny AM, Boehs AE. Promoção da Saúde na Atenção Básica: estudo baseado no método de Paulo Freire. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2014 [citado 2018 maio 31];2014;19(8):3553-9. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v19n8/1413-8123-csc-19-08-03553.pdf
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),(1414. Durand MK, Heidemann ITSB. The promotion of women's autonomy during family health nursing consultations. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2013 [cited 2018 Mar 05];47(2):288-95. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0080-62342013000200003&script=sci_arttext&tlng=en
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.

Além disso, o esquema do Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire demonstra por meio de cores a roda em movimento, conforme a Figura 1, a seguir. A simbologia do rosa, representada na Investigação Temática refere-se à ingenuidade no transcorrer do levantamento dos temas geradores. O lilás da codificação, ainda em um momento de magia, passando ao cinza, o exercício da descodificação, onde se deflagra o exercício de um olhar crítico e reflexivo. O verde no Desvelamento Crítico simboliza a liberdade de pensamento proporcionada pelos encontros dialógicos culminando na tomada de consciência, representada pelo amarelo ao remeter à luz e ao conhecimento. Percebe-se ainda que no interior do círculo transita o vermelho como símbolo de energia, paixão e provocação, representando as constantes problematizações dialógicas proporcionadas pelos encontros e concatenadas com o processo contínuo de ação-reflexão-ação.

Figura 1
Esquema do Itinerário de Pesquisa representado em Cores.

Os Círculos de Cultura aconteceram na Comunidade Quilombola denominada Morro do Fortunato, município de Garopaba, estado de Santa Catarina. A Comunidade localiza-se em perímetro rural, com difícil acesso tanto aos serviços de saúde quanto às necessidades humanas básicas. Essa Comunidade foi eleita mediante aproximação com as comunidades quilombolas do Estado e diálogo com suas lideranças, as quais a indicaram como uma positiva e representativa população, com forte receptividade e acolhida a estudos e pesquisa étnicas e raciais.

Os Círculos de Cultura tiveram a participação de 10 mulheres quilombolas com idade entre 24 e 54 anos, moradoras da Comunidade Quilombola Morro do Fortunato. Não foram incluídas nesta pesquisa mulheres que residissem em outras comunidades quilombolas adjacentes.

A investigação dos temas ocorreu no desenrolar de seis encontros dos Círculos de Cultura, no período de abril a junho de 2016. No transcorrer desses 3 meses foram realizadas as etapas do Itinerário de Pesquisa. Os encontros aconteceram junto ao “grupo de mulheres”, realizados semanalmente na Sede da Associação e no qual as mulheres da Comunidade se reúnem há 8 anos. Pactuamos na roda que os encontros relacionados à pesquisa seriam nos dias do grupo de mulheres.

No primeiro encontro, as participantes foram apresentadas, assim como a proposta e os objetivos do estudo, com a explanação da metodologia de trabalho que seria desenvolvida nos Círculos de Cultura.

No segundo encontro precisamos repactuar e planejar as datas e os horários da reunião, ocasião em que acordamos 2 horas antes dos trabalhos manuais das participantes. Observou-se já neste dia a acolhida do grupo e o interesse no estudo. Nesta fase inicial, realizamos ainda o preenchimento do questionário socioeconômico individual com o objetivo de conhecê-las e compreender sua forma de pensar a saúde e o viver quilombola.

O terceiro encontro foi o momento em que iniciamos o levantamento dos temas geradores. Foi proposta uma atividade de recorte e colagem de revistas, baseada nos Determinantes Sociais da Saúde e relacionada ao viver quilombola.

No quarto encontro vivenciamos a segunda fase do Círculo de Cultura (codificação e descodificação). Neste, foram selecionados os 20 temas geradores levantados pelas mulheres na Investigação Temática, os quais foram inseridos em tarjetas e discutidos com o grupo, solicitando que cada uma elegesse um de seu maior interesse.

Posteriormente à seleção das tarjetas de interesse das mulheres, os temas geradores foram reduzidos a oito, os quais foram trabalhados em dois grupos diferentes. A proposta foi que cada grupo de participantes mediados pela pesquisadora e/ou a auxiliar de pesquisa discutisse os temas selecionados para que depois, em um grande grupo, esses fossem descodificados.

Destaca-se que na fase de descodificação fez-se necessário um maior aprofundamento de dois temas geradores, os quais foram descodificados como transversais aos demais: os temas saúde e mulheres quilombolas. No quinto encontro foram descodificados ainda temas que careciam de uma maior reflexão e discussão, para que ocorresse o desvelamento.

No sexto encontro aconteceu o Desvelamento Crítico, no qual se desvelou duas temáticas significativas relacionadas aos Determinantes Sociais das mulheres quilombolas e o acesso à saúde.

Esta pesquisa foi conduzida de forma linear e participativa, portanto, foi possível explorar as diferentes participações de cada membro e valorizar a riqueza in loco, o cuidado mútuo e as diversas formas de aprender e apreender. Ratifica-se a importância do estar aberto ao novo e às diversas formas de pensar e construir saúde.

Os temas foram registrados em caderno de campo, onde foram inseridas as observações e informações apreendidas no transcorrer da vivência junto às participantes. Gravadores de áudio também foram utilizados após o consentimento das participantes, e as temáticas gravadas foram reproduzidas pela pesquisadora por meio de uma transcrição direcionada.

ASPECTOS ÉTICOS

Este estudo foi apreciado e aprovado pela comunidade quilombola e pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal Santa Catarina sob o Parecer n.º 1.466.641 em 2016, em conformidade com a Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, respeitando os princípios éticos da autonomia, da beneficência, não maleficência e justiça. Respeitou-se o anonimato das participantes - denominadas por codinomes escolhidos por elas próprias - e a participação na pesquisa foi autorizada mediante a assinatura do Termo de Concentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 10 mulheres com idade entre 24 e 54 anos, pertencentes à comunidade Morro do Fortunato. Em relação à escolaridade, apenas uma não estudou, cinco concluíram o ensino fundamental e quatro o ensino médio (uma está finalizando este ano). Oito delas têm filhos: duas um filho, duas dois filhos, três três filhos e uma quatro filhos. Quanto à profissão, uma é balconista, três são doceiras, uma é auxiliar de serviços gerais, uma artesã e quatro são do lar. No tocante ao tempo de moradia no Morro, cinco sempre moraram no local. O menor tempo de moradia foram seis meses, e o maior tempo, 26 anos.

No transcorrer dos Círculos de Cultura foram levantados 20 temas geradores, codificados e descodificados em oito de interesse do grupo, reduzidos em quatro que serão discutidos a seguir.

DETERMINANTES SOCIAIS E A SAÚDE DAS MULHERES QUILOMBOLAS

O conceito de Promoção da Saúde atrelado aos Determinantes Sociais nos permite um olhar ampliado ao viver bem, o que nos remete à extensão do que se pensa e se propõe em saúde.

Dessa forma, no transcorrer dos encontros de Círculos de Cultura, foram propostas novas reflexões em relação ao conceito de saúde conectado apenas à ausência de doença e/ou aos sistemas de saúde, como na fala de Morgana, que se refere ao cuidado centrado apenas na figura do profissional:

A Agente Comunitária de Saúde veio aqui uma única vez em toda minha gestação. Era uma gravidez de risco. Perdi meu neném, e a Agente só veio aqui uma vez, fez uma fichinha. Aqui é uma coisa que eu não vejo (Morgana).

Ou ainda, quando, ao visualizarem uma foto de um homem de avental branco, rapidamente relatam:

Mais uma foto de saúde aqui... um médico... (Querida).

A saúde centrada na figura do profissional de saúde remete a um olhar ainda ingênuo, biomédico e reduzido do seu conceito ampliado. Algumas provocações foram produzidas, gerando reflexões e questionamentos sobre a saúde e os fatores que a promovem.

Na descodificação desse tema, indagou-se ao grupo o conceito de saúde, e as reflexões começaram a se tornar frutíferas:

Saúde para mim é viver bem. Saúde é tudo! É uma alimentação saudável. É viver em paz, com muito amor ao próximo. Aqui nesta figura sorrindo! Isso é felicidade e que eu considero saúde. É família. Mãe, pai (...) (Cheirosa).

Esse foi um ponto crucial revelado nas falas e desvelado no grupo, representando uma forma ampliada de pensar e conceituar saúde - relacionando-a aos Determinantes Sociais. Percebe-se a relação que as participantes fazem com estilos de vida saudáveis, felicidade e bem-estar, tendo como alicerce a família em harmonia.

DETERMINANTES SOCIAIS E A RELIGIOSIDADE DAS MULHERES QUILOMBOLAS

Dentre os determinantes que fortemente se destacaram nos encontros, foi a religiosidade. No questionário sociodemográfico, 70% das participantes têm a religião católica como opção religiosa, uma (10%) é evangélica, uma (10%) wilka e celta e uma refere frequentar todas as religiões. Embora no decorrer das discussões não tenha se revelado a opção pelo espiritismo, no diálogo dos Círculos emergiram aproximações com esta corrente religiosa.

Observou-se o estreitamento entre a fé e o estar saudável, descrevendo o pensamento como fortaleza para a cura:

Eu fiquei também um dia com pressão alta, mas pensei: ‘eu não aceito isso’(...). Fui cuidando do sal e da comida e coloquei na cabeça que não iria tomar remédio de jeito nenhum até que fiquei bem. Fiquei a semana toda com pouco sal na comida, muita salada, folha verde e fiquei boa... Cuidam da alimentação pra ver se vocês vão precisar tomar remédio... E outra coisa, tem que acreditar que vai ficar bem. Afinal, vocês tem fé ou não tem? (Cheirosa).

A relação da espiritualidade como estratégia para a cura torna-se ainda mais evidente nos relatos referentes a benzeduras e outras crenças religiosas. Dialogou-se nos Círculos de Cultura acerca de alternativas de tratamentos complementares, os quais têm como alicerce a fé e a crença como tratamento e cura:

Aqui tem gente ainda que acredita e tem que respeitar. Antigamente tinha quem participava de consultas com a benzedeira. Como não tinha médico sempre a consulta era com ela. Não sei se ainda tem, mas antigamente era mais. Levava uma roupa, ela benzia, dava chá e muita gente se curava (Batalhadora).

Ao pensar em religião, percebe-se uma forte relação com práticas de cuidado e formas de pensar saúde, alcança-se uma instigante contemplação frente à realidade das participantes, ou seja, um entendimento do ser negra e o quanto as diferenças religiosas influenciam as suas questões de saúde, de luta e organização, questões morais/pré-conceitos, seu viver em comunidade e o fortalecimento das comunidades quilombolas, ou seja, experimentam a valorização de questões culturais e costumes como saúde e cura.

DETERMINANTES SOCIAIS E AS QUESTÕES RACIAIS DAS MULHERES QUILOMBOLAS

Embora muitas vezes mascarado no convívio do cotidiano, o discurso racista e segmentário ainda é presente nas falas das mulheres quando estas contam determinadas experiências. Muitas vezes camuflado e talvez vinculado a práticas culturais, o preconceito é percebido por eufemismos sutis, mas recorrentes:

Vem dos antepassados (...). Agora não somos mais tão recriminadas. Mas tem lugares que a gente vai e nos olham meio estranho. Emprego até está bom (Amorosa).

As participantes relatam a oportunidade de emprego como “bom”, mas no transcorrer dos diálogos verbalizam, embora de forma ainda ingênua e despercebida, que a cor e a raça muitas vezes estão vinculadas a subempregos, os quais, em sua maioria, não exigem qualificação profissional e/ou recursos financeiros para se colocar no mercado de trabalho. Isso é relatado na fala a seguir:

Para nós isso vai para dentro da universidade. Até porque não entendo muito por que minha profissão é ser faxineira e não saio disso, mas como vai para dentro da universidade, para nós é um orgulho, é gratificante (Flor).

O diálogo nos Círculos de Cultura possibilitou refletir sobre a temática do racismo. Esse tema passa a ser desvelado e percebido diante das barreiras que encontram em suas rotinas, possibilitando assim uma nova forma de se aperceberem e, com isso, se fortalecerem:

O racismo gera também uma dificuldade de acesso... Até para conseguir um trabalho melhor, que saia da informalidade. Daí acabam tendo que ficar com empregos de faxineira, pedreiro. Os maridos sem carteira assinada. A filha dela, por exemplo, começou a fazer faculdade, mas era em Tubarão e era muito dificultoso, então desistiu. Então tudo isso é dificuldade de acesso... Até para ter um futuro melhor (Flor).

As participantes passam a se perceberem como mulheres fortalecidas perante as adversidades que a questão da raça as fazem vivenciar. As discussões na roda culminam com o desvelamento de uma questão muito presente nas populações vulneráveis, o preconceito:

A dificuldade de acesso e o racismo mostram o quanto nós somos guerreiras. Vamos driblando as dificuldades e com bom humor tocando a vida (Flor).

O diálogo nos Círculos estimulou a reflexão e articulação dos DSS com as questões raciais. O racismo aparece para além da discriminação, mas tem como desdobramento a questão das oportunidades de trabalho, assim como o acesso aos serviços de saúde. Esta temática passa a ser vislumbrada como forma de fortalecimento embasado na resistência e luta social da história da constituição da comunidade quilombola do Morro do Fortunato.

DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS REDES SOCIAIS E COMUNITÁRIAS

Uma potencialidade desvelada no transcorrer deste estudo se refere à estruturação das redes sociais desenvolvida pelo grupo. Embora ainda não reconhecida como uma importante característica atrelada ao viver em comunidade, inicialmente as participantes demonstram não se considerarem unidas e manifestam este adjetivo como algo inerente ao passado, o que é debatido nos encontros de Círculo de Cultura:

Mais antigamente. Acho que os mais antigos sim eram de verdade unidos (Batalhadora). Hoje já não é tanto (Apaixonada). E Violeta complementa: É cada um por si (Violeta).

As partícipes destacaram a dificuldade em se comunicarem e queixam-se que, por estarem próximas geograficamente e serem todas familiares, poderiam se sentir mais presentes e se apoiarem mais. Mencionaram que as atividades diárias são cada vez mais individuais e passam a ser um motivo de afastamento entre elas:

Antigamente tudo era feito em conjunto, desde lavar a roupa na fonte, faziam juntas e se comunicavam (Apaixonada).

No decorrer do debate, uma nova reflexão toma sentido, e com isso elas percebem um diferente modo de se caracterizarem. Passam a compreender que as relações acompanham as mudanças temporais e, com isso, sofrem alterações que podem ser re-vistas de um novo olhar:

A mulher hoje está sobrecarregada. Antigamente ela não tinha muito o que fazer. Hoje ela trabalha em casa e trabalha fora. Naquele tempo ela lavava roupa de dia na fonte e hoje, passa o dia trabalhando. Como vai lavar roupa na fonte de noite? (Apaixonada).

Apesar de perceberem o crescente papel da mulher nos espaços cotidianos, há ainda uma relação de desigualdade de gênero na comunidade. O transitar de um empoderamento para uma sobrecarga do papel feminino é identificado por essas mulheres como uma conquista ainda ambígua, o que se revela nas falas a seguir:

A gente respeita os homens (Cheirosa). E Violeta complementa: Mas quem batalha mais, na luta aqui (...) é a mulher (Violeta).

A mulher tem que correr atrás, suando (...). Tem coisa que eu faço aqui é por homem e por mulher. Não tem que esperar pelos homens (Apaixonada).

As reflexões trabalhadas nos encontros incitam provocações diante da reciprocidade do grupo e do carinho mútuo entre elas. Uma nova percepção então emerge, permitindo a superação da alienação vinculada ao comparativo frente às vivências passadas e possibilitando a análise da realidade atual e a astúcia diante da dinamicidade da vida e suas reais fortalezas, conforme expresso na fala:

Realmente, meninas. Temos nossos defeitos, mas também temos muitas qualidades. Acho até que temos mais qualidade do que defeitos. E somos unidas (...) (Batalhadora).

A posição das mulheres levantadas na investigação sobre as Redes Sociais e Comunitárias são direcionadas ao passado como dificuldade de comunicação na atualidade, uma vez que constatam nos Círculos de Cultura as mudanças temporais e sua influência na forma de comunicação, percebendo a união, o respeito às diferenças e a inclusão que transita no grupo.

DISCUSSÃO

Compreende-se que, à medida que o processo dialógico avança, novas inquietações e concepções emergem, e assim as questões são refletidas e ampliadas pelas participantes. Por isso, os temas saúde, religiosidade, relações raciais e comunitárias discutidos neste estudo precisam ser debatidos e definidos na perspectiva de serem utilizados com mais coerência e entendimento, contribuindo para a melhoria da qualidade da vida das mulheres da Comunidade estudada.

O conceito de saúde transcendente à ausência de doença apresenta um olhar ampliado e ligado a hábitos saudáveis, ao lazer e viver em harmonia, à religiosidade, à felicidade e à família, percebe o indivíduo na sua singularidade e no contexto real em que vive. Tal conceito vincula-se à promoção da saúde1515. Janini JP, Bessler D, Vargas AB. Educação em saúde e promoção da saúde: impacto na qualidade de vida do idoso. Saúde Debate [Internet]. 2015 [citado 2018 maio 29];39(105):480-90. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v39n105/0103-1104-sdeb-39-105-00480.pdf
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e quando influenciado pelos movimentos de luta pela redução das desigualdades sociais e iniquidades avança, contemplando em seu conceito pré-requisitos para realmente alcançá-la.

O viver com ou sem saúde não se limita a uma evidência orgânica, natural e objetiva, nem a um estado de equilíbrio, mas está fortemente atrelado às características socioculturais e aos significados que cada sujeito atribui ao seu processo de viver1515. Janini JP, Bessler D, Vargas AB. Educação em saúde e promoção da saúde: impacto na qualidade de vida do idoso. Saúde Debate [Internet]. 2015 [citado 2018 maio 29];39(105):480-90. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v39n105/0103-1104-sdeb-39-105-00480.pdf
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A saúde vista não apenas como ausência de doença, afasta-se do conceito reducionista e centrado na figura do profissional, permite discussões voltadas à concepção de saúde-doença ampliada e suas articulações com o processo de viver11. Malta DC, Moraes Neto OL, Silva MMA, Rocha D, Castro AM, Reis AAC, et al. National Health Promotion Policy (PNPS): chapters of a journey still under construction. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [cited 2018 May 31];21(6):1683-94. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n6/en_1413-8123-csc-21-06-1683.pdf
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Relata-se a dificuldade de os profissionais de saúde1616. Tavares F. Rediscutindo conceitos na antropologia da saúde: notas sobre os agenciamentos terapêuticos. Mana [Internet]. 2017 [citado 2018 maio 30];23(1):201-28. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/mana/v23n1/1678-4944-mana-23-01-00201.pdf
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, inclusive os enfermeiros, abordarem todas as problemáticas relacionadas ao processo saúde/doença, sendo necessário o seu interesse em incluir outras influências sociais, culturais e espirituais nas práticas de cuidado.

A investigação do cuidado direciona o indivíduo ou a família para buscar diversas possibilidades relacionadas às suas crenças e/ou espiritualidade em uma real sinergia religiosa. Muitas vezes essa espiritualidade é encontrada junto a um curandeiro, benzedeira e outras terapias populares, o oposto do que se encontra no sistema tradicional de saúde: uma pessoa com uma vivência similar, que aborda as necessidades do paciente com empatia, entendendo-o1717. Araújo JA. Racismo, Violência e Direitos Humanos: pontos para o debate. Rev Interdiscip Direitos Humanos [Internet]. 2014 [citado 26 out. 2016];2(2):75-96. Disponível em: http://www2.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/177/93
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. A saúde, portanto, deve ser vista além da perspectiva biológica, englobando também a concepção dos DSS como alicerce do bem viver.

Reforça-se, assim, que a religiosidade e a crença em terapias alternativas possuem uma perspectiva relevante no cuidado em saúde. Por meio de saberes populares, o sistema tradicional de saúde deixa de ser visto como uma prática segmentada de cuidado, evoluindo para uma compreensão ampliada do processo saúde e doença e adquirindo um significado importante dentro do processo saúde-doença por poder proporcionar respostas àquilo que é inexplicável dentro do modelo biomédico de assistência à saúde1818. Santos RC, Silva MS. Condições de vida e itinerários terapêuticos de quilombolas de Goiás. Saúde Soc [Internet]. 2014 [citado 2019 jan. 11];23(3):1049-63. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902014000301049&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
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As participantes destacaram a relação do racismo/preconceito de cor e raça com subempregos e dificuldades de inserção social na sociedade. Ratifica-se a clareza junto às pesquisas de desigualdades sociais e étnico-raciais que permeiam a sociedade brasileira, pois geralmente existe um grande abismo que separa os grupos abastados dos grupos subalternizados, em especial os grupos historicamente estigmatizados, oprimidos e marginalizados, como negros, índios, entre outros1919. Montoro T, Ferreira C. Mulheres negras, religiosidades e protagonismos no cinema brasileiro. Galáxia (São Paulo) [Internet]. 2014 [citado 02 fev. 2017];27(1):145-59. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-25532014000100012
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Os negros brasileiros internalizam desde cedo o pertencimento a uma minoria social. Essa classificação se exalta, ao passo que as oportunidades se inserem como condição mínima de sobrevivência vinculada aos baixos níveis de escolaridade, como fator de exclusão social e política, sendo ainda preponderante para a conservação do status quo da sociedade brasileira, apontada por profundas desigualdades2020. Portella DDA, Araújo EM, Rocha WJSAF, Chaves JM, Oliveira DD. Homicídios dolosos, tráfico de drogas e indicadores sociais em Salvador, Bahia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2017 [citado 2018 maio 30]. Disponível em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/homicidios-dolosos-trafico-de-drogas-e-indicadores-sociais-em-salvador-bahia-brasil/16153
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A história oficial omite o protagonismo e a insubmissão das mulheres negras que, frente à subordinação, segregação e vulnerabilidade, mantêm movimentos de resiliência para a manutenção e fortalecimento de sua cultura2121. Roso A, Romanini M. Empoderamento individual, empoderamento comunitário e conscientização: um ensaio teórico. Psicol Saber Soc. 2014;3(1):83-95..

A pessoa ou grupo empoderado é aquele que realiza, por si mesmo, as mudanças e ações que o levam a evoluir e se fortalecer2222. Saldanha MPA, Gonçalves HS. Práticas de empoderamento feminino na América Latina. Rev Estud Soc [Internet]. 2016 [citado 2018 mar. 05];56(1):80-90. Disponível em: http://www.scielo.org.co/pdf/res/n56/n56a07.pdf
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. Os movimentos emancipatórios estão articulados à noção de autoestima dos grupos sociais, referindo-se principalmente à sua dimensão individual e psicológica2323. Pinheiro DGM, Scabar TG, Maeda ST, Fracolli LA, Pelicioni MCF, Chiesa AM. Health promotion competencies: challenges of formation. Saúde Soc [Internet]. 2015 [cited 2018 May 29];24(1):180-8. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-12902015000100180&script=sci_arttext&tlng=en
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. Reforça-se, assim, a necessidade eminente de trocas dialógicas e a expansão da Promoção da Saúde como uma estratégia de empoderamento comunitário.

As práticas de empoderamento feminino estudadas em uma revisão bibliográfica ponderaram os contextos em que as mulheres vivem e refletiram sobre o papel reprodutivo e doméstico que elas ocupam, destacando-se o viver em comunidade como uma estratégia de propulsão e visibilidade ao papel feminino2222. Saldanha MPA, Gonçalves HS. Práticas de empoderamento feminino na América Latina. Rev Estud Soc [Internet]. 2016 [citado 2018 mar. 05];56(1):80-90. Disponível em: http://www.scielo.org.co/pdf/res/n56/n56a07.pdf
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. O empoderamento emerge como uma potente concepção e avaliação de práticas promotoras da autonomia feminina para superar a desigualdade de poder em que as mulheres, em especial as negras, se encontram.

Assim, salienta-se a necessidade de fomentar o fortalecimento de capacidades individuais e coletivas por meio dos múltiplos Determinantes Sociais, os quais condicionam e promovem saúde e bem-estar2323. Pinheiro DGM, Scabar TG, Maeda ST, Fracolli LA, Pelicioni MCF, Chiesa AM. Health promotion competencies: challenges of formation. Saúde Soc [Internet]. 2015 [cited 2018 May 29];24(1):180-8. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-12902015000100180&script=sci_arttext&tlng=en
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CONCLUSÃO

O desenvolvimento deste estudo procurou compreender a relação dos Determinantes Sociais e a Promoção da Saúde desta comunidade em vulnerabilidade social, tendo como eixo condutor a vivência nos encontros junto ao grupo de mulheres quilombolas.

Destacamos os Determinantes Sociais da Saúde relacionados ao emprego, condições de vida e trabalho, religiosidade, família, redes sociais, costumes, empoderamento feminino, racismo e acesso aos serviços de saúde. Debateu-se o conceito de saúde de forma integral e holística, possibilitando articulá-la com as questões sociais, psicológicas, políticas, raciais, culturais e históricas, reforçando seu conceito ampliado, e não meramente a ausência de doenças.

Percebe-se a acentuada correlação entre as relações raciais e a fragilidade junto à assistência, à educação, à informação em saúde e, principalmente, o distanciamento de comunidades vulneráveis ao alcance da integralidade e equidade, destacando-se a necessidade eminente de promover estratégias práticas de Promoção da Saúde vinculadas a essas populações.

O Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire permite o desencadeamento de temáticas de interesse das participantes, as quais foram desveladas concomitantemente ao processo dialógico. A metodologia enseja, à medida que avança, abarcar os pré-conceitos estabelecidos pelo grupo e, com isso, potencializar novas e frutíferas reflexões. Esse processo, caracterizado no âmbito das pesquisas participativas, além de oportunizar trocas de conhecimento, permite aos participantes tornarem-se atores de suas realidades e acessarem novas oportunidades de ação.

As contribuições deste estudo se direcionam aos profissionais da saúde, em especial à enfermagem, que tem uma forte comunicação com populações vulneráveis, estendendo-se às demais áreas e políticas públicas para o alcance conjunto de estratégias de ação. No tocante à relevância da proposta metodológica de Paulo Freire, entende-se que foi inteiramente pertinente e oportuna, pois trouxe contribuições ainda empíricas no decorrer da trajetória dos encontros, mas que certamente se concretizaram como resultado desta proposta dialógica e participativa.

Recomenda-se que outras comunidades em situação de vulnerabilidade social possam ser acompanhadas e “ouvidas”, e que novas pesquisas de natureza participativa sejam desenvolvidas no intuito de aproximar e promover resultados concomitantes aos grupos estudados, possibilitando uma maior aproximação da academia com as realidades em destaque.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2018
  • Aceito
    23 Ago 2018
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