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Enfrentamento da incerteza na doença pelo cuidador informal de crianças com paralisia cerebral* * Extraído de tese “Enfrentamento da incerteza na doença no universo da criança com paralisia cerebral: uma pesquisa ação”, Universidade de Pernambuco, 2022.

RESUMO

Objetivo:

Desvelar o processo de construção coletiva de intervenções para o enfrentamento pelo cuidador informal de crianças com paralisia cerebral, à luz da Teoria da Incerteza na Doença.

Método:

Pesquisa-ação, de abordagem qualitativa, no formato híbrido, com os cuidadores informais de crianças com paralisia cerebral cadastrados no grupo Raros em Petrolina, Pernambuco. A pesquisa seguiu o ciclo de intervenção planejada, percorrendo quatro fases. A análise contou com o auxílio do software IRAMUTEQ e da análise de conteúdo.

Resultados:

Coletivamente foram concebidas intervenções, na modalidade virtual e presencial, que resultaram para os cuidadores informais em melhorias do enfrentamento às condições associadas à deficiência, promoção do autocuidado, empoderamento e construção de significado de pertença ao grupo. Houve 12 participantes, sendo todas elas mães.

Conclusão:

Houve uma facilitação do processo de enfrentamento de incerteza na doença por parte do cuidador informal de crianças com paralisia cerebral e evidenciou-se que para isso é necessária uma ótica prismática, que compreenda que as incertezas não são relacionadas apenas às condições associadas à paralisia cerebral, mas envolvem aspectos subjetivos dos cuidadores.

DESCRITORES
Cuidadores; Paralisia Cerebral; Teoria de Enfermagem; Promoção da Saúde

ABSTRACT

Objective:

To unveil the process of collective construction of interventions for coping by informal caregivers of children with cerebral palsy using the Theory of Uncertainty in Illness.

Method:

Qualitative action-research in a hybrid format with informal caregivers of children with cerebral palsy registered with the Raros group in Petrolina, Pernambuco. The research followed the planned intervention cycle, going through four phases. The analysis was carried out using the IRAMUTEQ software and content analysis.

Results:

Interventions were designed collectively, both virtually and in person, which resulted in improvements for informal caregivers in coping with the conditions associated with the disability, promotion of self-care, empowerment and the construction of a sense of belonging to the group. There were 12 participants, all of whom were mothers.

Conclusion:

There was a facilitation of the process of coping with uncertainty in the disease on the part of the informal caregiver of children with cerebral palsy and it was evidenced that for this a prismatic perspective is necessary, which understands that the uncertainties are not only related to the conditions associated with cerebral palsy, but involve subjective aspects of the caregivers.

DESCRIPTORS
Caregivers; Cerebral Palsy; Nursing Theory; Health Promotion

RESUMEN

Objetivo:

Desvelar el proceso de construcción colectiva de intervenciones de afrontamiento por cuidadores informales de niños con parálisis cerebral a la luz de la Teoría de la Incertidumbre en la Enfermedad.

Método:

Investigación-acción cualitativa en formato híbrido con cuidadores informales de niños con parálisis cerebral inscritos en el grupo Raros, en Petrolina, Pernambuco. La investigación siguió el ciclo de intervención previsto, pasando por cuatro fases. El análisis se realizó mediante el software IRAMUTEQ y análisis de contenido.

Resultados:

Se diseñaron intervenciones colectivas, virtuales y presenciales, que resultaron en mejoras para los cuidadores informales en el afrontamiento de las condiciones asociadas a la discapacidad, la promoción del autocuidado, el empoderamiento y la construcción de un sentido de pertenencia al grupo. Participaron 12 personas, todas ellas madres.

Conclusión:

Hubo una facilitación del proceso de afrontamiento de la incertidumbre en la enfermedad por parte de los cuidadores informales de niños con parálisis cerebral y se evidenció que esto requiere una perspectiva prismática, que entienda que las incertidumbres no se relacionan solamente con las condiciones asociadas a la parálisis cerebral, sino que involucran aspectos subjetivos de los cuidadores.

DESCRIPTORES
Cuidadores; Parálisis Cerebral; Teoría de Enfermería; Promoción de la Salud

INTRODUÇÃO

A Paralisia Cerebral (PC) acomete 1 em 500 recém-nascidos, com prevalência de 17 milhões de pessoas em todo o mundo. É definida como uma doença multifatorial, não progressiva, que possui suas repercussões atreladas ao acometimento do Sistema Nervoso Central. Está associada a fatores pré-natais, perinatais e pós-natais, como prematuridade, baixo peso ao nascer e asfixia neonatal. Possui comorbidades associadas como deficiência visual, auditiva, intelectual, distúrbios comportamentais e, a mais comum, epilepsia(11. Petersen R, Procter C, Donald KA. Assessment and Management of the Child with Cerebral Palsy. In: Salih MAM, editor. Clinical child neurology. 1st ed. Suíça: Springer International Publishing; 2020, p. 175–203. http://dx.doi.org/10.1007/978-3-319-43153-6_6.
https://doi.org/10.1007/978-3-319-43153-...
33. Peixoto MVS, Duque AM, Carvalho S, Gonçalves TP, Novais APS, Nunes MAP. Epidemiological characteristics of cerebral palsy in children and adolescents in a Brazilian northeast capital. Fisioter Pesqui. 2020;27(4):405–12. http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/20012527042020.
https://doi.org/10.1590/1809-2950/200125...
).

Nesse sentido, os cuidados à criança com PC desvelam uma rotina repleta de desafios, como a mudança na dinâmica familiar, com possíveis desgastes nas relações parentais; sentimentos flagelantes como o estrese, angústia, que afetam diretamente o bem-estar familiar; restrição da vida social; e a vulnerabilidade econômica(33. Peixoto MVS, Duque AM, Carvalho S, Gonçalves TP, Novais APS, Nunes MAP. Epidemiological characteristics of cerebral palsy in children and adolescents in a Brazilian northeast capital. Fisioter Pesqui. 2020;27(4):405–12. http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/20012527042020.
https://doi.org/10.1590/1809-2950/200125...
,44. Dantas KO, Neves RF, Ribeiro KSQS, Brito GEG, Batista MC. Repercussions on the family from the birth and care of children with multiple disabilities: a qualitative meta-synthesis. Cad Saude Publica. 2019;35(6):e00157918. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00157918. PubMed PMid: 31291429.
https://doi.org/10.1590/0102-311x0015791...
).

Assim, quem assume o protagonismo do exercício do cuidado comumente é a mãe, sendo assim classificada como cuidadora informal, pois desempenha um cuidado não profissional, sem receber qualquer remuneração por isso(55. Santos RA, Silva VR, Santos JP, Siqueira AN. Perfil epidemiológico e assistência à saúde de crianças e adolescentes com paralisia cerebral em um municipio do ES. Resid Pediatr. 2019;9(3):252–60. http://dx.doi.org/10.25060/residpediatr-2019.v9n3-10.
https://doi.org/10.25060/residpediatr-20...
,66. Vieira CPB, Fialho AVM, Freitas CHA, Jorge MSB. Práticas do cuidador informal do idoso no domicílio. Rev Bras Enferm. 2011;64(3):570–9. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011000300023.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201100...
).

Desta forma, as cuidadoras informais, juntamente com a família, são postas em uma situação delicada, que vai desde a desconstrução do filho “perfeito”, à dificuldade de compreensão sobre o diagnóstico, à comunicação ineficaz com os profissionais de saúde, ao sentimento de negação da realidade e, por fim, ao processo de adaptação frente às necessidades especiais da criança(77. Santos BA, Milbrath VM, Freitag VL, Nunes NJS, Gabatz RIB, Silva MS. The impact of cerebral palsy diagnosis from the perspective of the family. REME Rev Min Enferm. 2019;23:e1187. http://dx.doi.org/10.5935/1415-2762.20190035.
https://doi.org/10.5935/1415-2762.201900...
).

No que tange ao processo de adaptação, ele é norteado por meio do enfrentamento. Por sua vez, o enfrentamento torna-se positivo ao passo que há uma menor incerteza. Nessa perspectiva, Merle Mishel, autora da Teoria da Incerteza na Doença, propôs três pontos principais que viabilizam reconhecer a gênese da incerteza e seus respectivos modos de enfrentamento, sendo eles: os antecedentes da incerteza; a avaliação da incerteza; e as estratégias de enfrentamento. Logo, isso é possível por meio da implementação de intervenções educativas em saúde dialógicas, humanizadas, horizontalizadas, amparadas na aprendizagem significativa, que é aquela que considera os conhecimentos prévios e visão de mundo do aprendiz(88. Flórez Torres IE, Montalvo Prieto A, Romero Massa E. Incertidumbre en cuidadores familiares de pacientes hospitalizados en unidades de cuidado intensivo. Investig Enferm. Imagen Desarr. 2018;20(1):1–12. http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.ie20-1.icfp.
https://doi.org/10.11144/Javeriana.ie20-...

9. Mishel MH. Uncertainty in illness. Image J Nurs Sch. 1988;20(4):225–32. http://dx.doi.org/10.1111/j.1547-5069.1988.tb00082.x. PubMed PMid: 3203947.
https://doi.org/10.1111/j.1547-5069.1988...
-1010. Freire P. Conscientização. 1ª ed. São Paulo: Cortez; 2018).

Corroborando com este conceito, uma pesquisa identificou que é necessário o desenvolvimento de intervenções que fomentem espaços de acolhimento e partilha, com o objetivo de promover saúde e fortalecer as estratégias de enfrentamento do cuidador(1111. Bulhões CSG, Silva JB, Moraes MN, Reichert APS, Dias MD, Almeida AM. Psychic repercussions in mothers of children with congenital Zika virus syndrome. Esc Anna Nery. 2020;24(2):e20190230. http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0230.
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
).

Diante do exposto, infere-se que o cuidador informal é imerso em um universo desconhecido e repleto de desafios no contexto da paralisia cerebral (doença). Logo, faz-se mister reconhecer essa realidade para intervir, fomentando assim uma adaptação adequada do cuidador informal. Por isso, o estudo objetiva desvelar o processo de construção coletiva de intervenções para o enfrentamento da incerteza na doença pelo cuidador informal de crianças com PC.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Trata-se de um estudo do tipo Pesquisa-Ação, de abordagem qualitativa(1212. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18ª ed. São Paulo: Cortez; 2011.).

Cenário do Estudo

O estudo ocorreu de maneira híbrida, permeando entre o ambiente virtual, por meio das ferramentas da empresa Google®, e na sede da Sociedade Integrada de Pessoas Com Síndromes e Doenças Raras, Famílias e Amigos do Vale do São Francisco, também conhecida como Grupo Raros, em Petrolina, Pernambuco (PE), Brasil, por ocasião da pandemia da COVID-19.

Participantes

Foram incluídos na pesquisa todos os 36 cuidadores informais de crianças com PC cadastrados no Grupo Raros. Contudo, o quantitativo final de participantes foi 12, pois três (03) possuíam formação técnica na área da saúde (critério de exclusão), 10 cuidadores não participaram de todas as etapas da pesquisa (critério de perda) e os demais (11 cuidadores) optaram por não participar da pesquisa.

Protocolo do Estudo

Para execução da pesquisa, houve a criação do projeto de extensão intitulado “Cuidar de quem cuida”, através do edital de fluxo contínuo da Pró-reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da Universidade de Pernambuco (UPE). Todas as intervenções contaram com as participantes e a equipe de pesquisa, composta pela pesquisadora responsável e a equipe do projeto de extensão.

A pesquisa-ação foi estruturada pelo momento “Entrada no Campo” onde a pesquisadora iniciou a interação prévia por meio de ligação telefônica e participação no grupo whatsApp do Raros e, na sequência, a pesquisa norteou-se por meio do ciclo de intervenção planejada(1313. Dionne H. A pesquisa-ação para o desenvolvimento local. Brasília: Liber Livro; 2007.), à luz da teoria da incerteza na doença, de Merle Mishel, conforme detalhado no Quadro 1.

Quadro 1
Síntese das fases do Ciclo de Intervenção Planejada. Autoria própria – Petrolina, PE, Brasil, 2022.

Análise do Estudo

Para análise dos grupos focais da 1ª fase do estudo, foi utilizado o software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ), versão 0.7 alpha 2, com classificação simples sobre segmento de texto, por meio da Classificação Hierárquica Descendente(1414. Camargo BV, Justo AM. Tutorial para uso do software de análise textual IRAMUTEQ [Internet]. IRAMUTEQ; 2013 [cited 2023 Nov 10]. Available from: http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais
http://www.iramuteq.org/documentation/fi...
), que categoriza as palavras mais significativas em classes, que são definidas pela aplicação de testes qui-quadrado. Já a análise da 4ª fase ocorreu por meio da Análise de Conteúdo Temática(1515. Bardin L. Análise de conteúdo. 1ª ed. São Paulo: Edições 70; 2016.), perfazendo as etapas de pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. As classes emergidas em ambas análises foram nomeadas à luz da Teoria da Incerteza na Doença e literatura científica pertinente(77. Santos BA, Milbrath VM, Freitag VL, Nunes NJS, Gabatz RIB, Silva MS. The impact of cerebral palsy diagnosis from the perspective of the family. REME Rev Min Enferm. 2019;23:e1187. http://dx.doi.org/10.5935/1415-2762.20190035.
https://doi.org/10.5935/1415-2762.201900...
).

Aspectos Éticos

A pesquisa está em consonância com a Resolução 466/12, utilizou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e possui aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Complexo Hospitalar Hospital Universitário Osvaldo Cruz e Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco, parecer 5.782.963, aprovado no ano de 2021. Para preservação das identidades das participantes, as mesmas foram identificadas por codinomes de flores.

RESULTADOS

O estudo incluiu 12 participantes onde, todas possuíam o vínculo materno com a criança, nove cuidadoras (09) recebiam auxílio financeiro pela previdência social; oito (08) afirmaram que a criança frequenta a escola; cinco (05) relataram que a criança tem crise convulsiva rotineiramente; duas (02) partilharam que a criança tem episódios de engasgos; quatro (04) contaram que a criança sofre com episódios de quedas. Cada criança utiliza em média três (03) medicações diariamente e quatro (04) cuidadoras relataram sentir dificuldade na gestão medicamentosa do filho.

Para facilitação da compreensão dos resultados, os mesmos foram estruturados à luz do ciclo de intervenção planejada(1313. Dionne H. A pesquisa-ação para o desenvolvimento local. Brasília: Liber Livro; 2007.).

1ª Fase: Identificação das Situações Iniciais

Após a análise das falas, com nível de retenção de 83,16%, emergiram-se seis classes, como observa-se no Quadro 2.

Quadro 2
Dendrograma de análise da 1ª fase. Autoria própria – Petrolina, PE, Brasil, 2022.

Nesta fase se pôde identificar quais são os Esquemas Cognitivos das participantes que geram os “Antecedentes da incerteza” e assim realizar a “Avaliação da incerteza” segundo o imaginário trazido pelas falas das participantes. Onde é trazido que os episódios de emergência inquietam bastante; que os sentimentos relacionados à rotina do cuidar também participam da construção desse imaginário; que quando pensam no contexto do cuidar, sempre associam o sentimento de pertença em relação ao “grupo Raros” e o “Grupo Cuidar de quem Cuida”; e por fim associam a insatisfação que possuem em relação ao acesso aos direitos.

Conforme preconizado pelo dendrograma para análise e discussão das classes, houve o acompanhamento das partições da esquerda para a direita. Informa-se que houve necessidade de agrupamento das classes 4, 5 e 3 pela aproximação dos núcleos de ideias.

No tocante à classe 1, nomeada “Episódios de Emergência”, as falas trouxeram memórias de situações emergenciais vivenciadas. Muitas delas estão relacionadas às condições associadas à deficiência, sendo elas principalmente episódios de sufocamento e crises convulsivas. As palavras mais significativas dessa classe foram “engasgo” e “crise convulsiva”.

No ano de 2017, teve um episódio de engasgo, acho que por um refluxo, onde ela perdeu a consciência e eu não conseguia ver ela respirar, ela não reagia, então foi um engasgo muito grande (...)foi um dos piores dias da minha vida (Rosa).

Ele teve crise convulsiva de meia em meia hora, aquilo dá uma angústia porque eu fico pensando será que ele está sentindo alguma dor? (Cacto).

No que se refere às Classes 4, 5 e 3, nomeadas “Sentimentos em relação ao universo do cuidar”, as falas remontam o que os cuidadores sentem dentro da rotina de cuidados. São identificadas principalmente angústia, ansiedade e medo em relação às situações associadas à deficiência, em relação ao futuro, relacionada à opinião alheia e sobrecarga de atividades. As palavras mais significativas dessa classe foram “angústia” e “ansiedade”.

Uma mãe de uma criança com deficiência tem que ter um emocional forte, porque é luta (Violeta).

Me deixa muito preocupada é de como será quando eu morrer, isso me gera ansiedade e angústia (Girassol).

A gente vive para nossos filhos, tudo pra eles têm que tá perfeitinho, tem que tá bem alimentados, em ordem, já a gente não, sai toda assanhada, sai descalças, sai com fome (Lírio).

Acerca da Classe 2, nomeada “Sentimentos em relação à participação de grupos”, as falas desvelam o quanto essa participação permite que as cuidadoras reconheçam universos semelhantes ao seu, onde dessa forma uma potente rede de apoio pode ser tecida. As palavras mais significativas dessa classe foram “acolhida”, “grupo” e “conversar”.

Depois que eu conheci o grupo raros que eu entrei me mudou, eu vejo que eu não tô sozinha que tem mães que também tem problemas e que até mais do que os meus, e aí a gente vai se sentindo mais acolhida (Papoula).

Vocês criaram esse espaço pra que a gente pudesse falar, conversar, trocar experiência, porque de certa forma as histórias das mães nos motivam (Lisianto).

Sobre a Classe 6, nomeada “Direitos e lutas sociais”, as falas mostram que são submetidas a julgamentos sociais que imputam estigmas flagelantes, além de se sentirem não contempladas pelas conjunturas legais impostas pelo poder público. As palavras mais significativas dessa classe foram “benefício” e “sociedade”

A gente acaba que se acostuma a ser chamada de ‘mãezinha’, quando a gente se dá conta, já não sabe nem quem é (Lisianto).

Eu vejo muito isso, que a sociedade ainda vê a gente como mãe de família (Rosa).

Algo que sempre me incomodou, desde o início do grupo, essa questão de que para nossos filhos ter direito de receber um benefício, nós precisamos abrir mão dos nossos benefícios, dos nossos direitos (Violeta).

2ª Fase: Projetação das Ações

Depois do reconhecimento dos “Antecedentes da incerteza” e a “Avaliação da incerteza”, o constructo “Estratégias de enfrentamento” pôde ser trabalhado nesta fase.

A partir da exibição da análise das falas geradas na 1ª fase, o grupo compôs coletivamente intervenções ancorada nos constructos “Fornecedores de estrutura”, “Capacidade cognitiva” e “inferência” da teoria da Incerteza na Doença. Assim, foi construído o “Plano de intervenções” conforme detalhado a seguir:

1º Quais os objetivos da ação? Criar um espaço favorável de promoção da saúde biopsicossocial às cuidadoras de pessoas com deficiência com o intuito de auxiliar no enfrentamento das incertezas. 2º Quem irá executar o plano? Projeto de extensão Cuidar de quem Cuida em parceria com o grupo Raros.

3º Como faremos para executar os objetivos? Por meio das intervenções programadas na 2ª fase e implementadas na 3ª fase. 4º Como dar continuidade com o plano, após o término dessa pesquisa? Por meio da continuação da parceria do Grupo Raros e projeto de extensão “Cuidar de quem Cuida”.

No tocante ao “I Ciclo de Debates - Cuidar de quem Cuida” e “Ciclo de Debates – Aceitação”, os mesmos foram concebidos com a finalidade de auxiliar responder às demandas identificadas na Classe 6 do dendrograma, “Direitos e lutas sociais”. Acerca da Campanha do Dia das Crianças/Festa do Dia das Crianças, foi pensada com o propósito de reativar as ações do Grupo Raros, que por conta do contexto pandêmico, teve suas ações paradas, legitimando as concepções identificadas na Classe 2 “Sentimentos em relação à participação de grupos”.

No que se refere à “I Oficina – Lidando com condições associadas à deficiência”, a mesma foi idealizada com a intenção de contemplar as proposições vislumbradas na classe 1, “Episódios de Urgência”. Por fim, o “Chá do bem-estar” objetivava favorecer o início da tessitura de espaços que compõem a trama que envolve a promoção da saúde biopsicossocial, em resposta ao que foi identificado nas classes 4, 5 e 3, “Sentimentos em relação ao universo do cuidar”.

3° Fase: Realização das Ações Previstas

O grupo do WhatsApp foi a primeira ação implementada, com a finalidade de fortalecer e facilitar a comunicação da equipe de pesquisa com os participantes. No que concerne aos eventos, o “I ciclo de debates - Cuidar de quem Cuida”, ocorreu nos dias 22 e 23 de outubro de 2021, na modalidade online, onde foram trabalhados os aspectos dos direitos e deveres da pessoa com deficiência; reflexões sobre o que é ser um cuidador informal de uma pessoa com deficiência e suas repercussões sociais e emocionais. O evento foi transmitido pelo Youtube, com o auxílio da versão gratuita da plataforma Streamyard.

Na sequência das ações programadas, deu-se a “Campanha do Dia das Crianças/Festa do Dia das Crianças”. Tal evento marcou as atividades presenciais do Grupo Raros e objetivou arrecadar fundos para compra e reforma de cadeiras de rodas, as quais seriam entregues na festa do Dia das Crianças, que ocorreu dia 30 de outubro com transmissão pelo Youtube e Instagram do grupo Raros.

Sobre o “Ciclo de Debates – Aceitação”, este foi um evento online onde se discutiu acerca de estratégias de superação e partilha de situações que visavam fortalecer os expectadores. Essa ação foi transmitida pelo Youtube, por meio da ferramenta Streamyard, no dia 05 de novembro de 2021, com participação efetiva dos cuidadores que interagiam com os facilitadores por meio do chat.

No que se refere a “I Oficina – Lidando com condições associadas à deficiência”, a mesma deu-se de maneira presencial, na sede do Grupo Raros, no dia 28 de novembro de 2021. Tal ação marcou o início da parceria do projeto de extensão “Cuidar de quem Cuida” com o “Centro de Informações sobre Medicamentos” (CIM) da UNIVASF.

A oficina contou com abordagens teórica e prática sobre demandas associadas à deficiência, sendo elas: episódios de sufocamento, crises convulsivas e gestão medicamentosa. A metodologia utilizada seguiu os postulados da aprendizagem significativa.

Ao passo que houve uma breve exposição dialogada sobre os aspectos teóricos das condições associadas, foi possível ancorar esse diálogo nas experiências prévias compartilhadas. Em seguida, houve uma simulação das manobras mediante casos de sufocamento e crise convulsiva, onde as cuidadoras participaram das atividades de simulação do cuidado. Ademais, houve uma dinâmica “verdade ou mentira”, relacionada às temáticas abordadas e, por fim, a equipe do CIM/UNIVASF iniciou uma roda de conversa sobre a gestão medicamentosa.

Sobre o “Chá do bem-estar”, ocorreu presencialmente, no dia 09 de janeiro de 2022, na sede do grupo Raros em Petrolina-PE. A ação objetivou fomentar um espaço de promoção da saúde biopsicossocial voltado ao cuidador.

A intervenção iniciou com um coffee break, seguido de uma roda de conversa que teve como tema “Apesar de... É preciso saber bem viver”. O ambiente foi cuidadosamente preparado para acolher as participantes, e ação se iniciou com a música “um dia após o outro” do cantor Tiago Iorc. Passo seguinte, lançou-se uma provocação versando sobre como reconhecer saídas de escapes em sua rotina de cuidados que promovam saúde e bem-estar da cuidadora.

Após esse momento, as participantes receberam folhas e escreveram “promessas” de autocuidado que iriam fazer a si mesmas. Na sequência, direcionaram-se a estandes que ofereciam atendimentos, como auriculopuntura, avaliação antropométrica e aferição da pressão arterial.

4° Fase: Avaliação dos Resultados Obtidos

Essa fase foi analisada segundo a análise de conteúdo temática, à luz do constructo “Adaptação” da teoria da incerteza na doença, onde emergiram-se as categorias: 1) Melhoria no enfrentamento das condições associadas à deficiência; 2) O autocuidado e o empoderamento; e 3) Significados na pertença ao grupo, que serão desveladas a seguir.

Acerca da categoria “Melhoria no enfrentamento das condições associadas à deficiência”, as falas desvelam que as cuidadoras se sentem mais seguras mediante a determinadas situações relacionadas ao cuidado com sua criança, sobretudo em relação aos episódios de engasgos, gestão medicamentosa e crises convulsivas. As palavras mais significativas dessa classe foram “preparada” e “noção”.

Sobre crises convulsivas e questão de medicações, para mim foi muito importante porque eu tinha várias dúvidas e eu pude tirar... (Tulipa).

... Eu me sinto preparada nesse momento para resolver a situação, pra buscar a solução, sem estresse, sem eu ficar nervosa (Girassol).

No que se refere à categoria 2 “O autocuidado e o empoderamento”, as falas remontam um reconhecimento onde elas constataram que para cuidar bem do seu filho é eminente a necessidade de cuidar bem de si mesma, tecendo assim falas que denotam atitudes de autocuidado e empoderamento. As palavras mais significativas dessa classe foram “cuidar” e “importância”.

Com essa última reunião que a gente teve presencial, que a gente teve que escrever lá no papel o que a gente gostaria de fazer…eu vou tentar desenvolver considerando que eu não posso sair de casa, eu desenvolvi em casa mesmo, estou fazendo exercício físico, alongamentos, que eu não tinha o hábito de fazer (Lisianto).

... Existem pessoas que nos fazem lembrar da nossa importância, fazem lembrar que nós podemos, que nós precisamos e quem nós somos (...) Eu tenho que cuidar de mim para cuidar de alguém, porque se não vai ficar complicado lá na frente (Girassol).

... Hoje eu já procuro voltar um pouco pra mim. Eu procuro me cuidar, porque eu também vou tá cuidando dele (...) (Cacto).

Na terceira categoria “Significados na pertença ao grupo”, as falas trazem a ótica das cuidadoras mediante as ações do grupo “cuidar de quem cuida”, trazendo uma celebração por se ter ações voltadas ao cuidador que, corriqueiramente, é esquecido pela sociedade. As palavras mais significativas dessa classe foram “grata” e “feliz”.

A gente fica feliz com esse cuidado de pessoas que não têm crianças atípicas estarem preocupadas conosco, porque é raro isso (Lisianto).

... Sou muito grata por fazer parte dessa equipe (...) é muito importante pra nossa evolução tanto como mãe, como pessoa, porque a gente aprende tanto na troca de experiências, como nesses encontros... (Tulipa).

DISCUSSÃO

A tessitura do presente estudo à luz de uma teoria de médio alcance de enfermagem, legitima a profissão também enquanto ciência. Pois é o cuidado de enfermagem, quer seja na assistência, pesquisa, docência e/ou gestão, alicerçado em um arcabouço teórico sólido, que permite que a prática do enfermeiro seja instrumentalizada, sistematizada, crítica, reflexiva, ética e holística(1616. Brandão MAG, Barros ALBL, Caniçali C, Bispo GS, Lopes ROP. Nursing theories in the conceptual expansion of good practices in nursing. Rev Bras Enferm. 2019;72(2):577–81. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0395. PubMed PMid: 31017224.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
).

Nesse sentido, outra pesquisa desenvolvida por enfermeiros, atrela a referida teoria da incerteza na doença com outros objetos de estudos, como o estudo desenvolvido em Lisboa, que se debruçou a compreender como a incerteza na doença pode mediar o processo de comunicação entre o enfermeiro e a família(1717. Mendes AP. Uncertainty in critical illness and the unexpected: important mediators in the process of nurse-family communication. Esc Anna Nery. 2020;24(1):e20190056. http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0056.
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
).

Sendo assim, a discussão foi estruturada à luz da teoria da incerteza na doença, por meio dos constructos “esquema cognitivo”; “fornecedores de estrutura”; e “adaptação” e a literatura pertinente à temática. A saber, o constructo “esquema cognitivo” é definido como a organização mental relativa a todo o contexto relacionado à doença, considerando os aspectos subjetivos do indivíduo(99. Mishel MH. Uncertainty in illness. Image J Nurs Sch. 1988;20(4):225–32. http://dx.doi.org/10.1111/j.1547-5069.1988.tb00082.x. PubMed PMid: 3203947.
https://doi.org/10.1111/j.1547-5069.1988...
). Assim, o esquema cognitivo pôde ser vislumbrado na implementação da primeira fase desta pesquisa.

No que se refere ao delineamento socioeconômico das participantes, todas são do sexo feminino. Essa realidade dialoga com um estudo desenvolvido no Pará, onde há a predominância do sexo feminino no exercício no papel de cuidadora de crianças com PC(1818. Cunha KC, Oliveira AKB, Pontes FAR, Ramos EMLS, Souza PBM, Silva SSC. Estresse e autoeficácia em pais de crianças com paralisia cerebral até 12 anos de idade. Rev Bras Educ Espec. 2023;29:e0116. http://dx.doi.org/10.1590/1980-54702023v29e0116.
https://doi.org/10.1590/1980-54702023v29...
).

Já a “Classe 1: Episódios de Emergência”, traz situações que imergem o cuidador em um universo repleto de incertezas. Além disso, é sabido que o nível de conhecimento sobre a doença interage como preditor mediante a sobrecarga do cuidador, influenciando diretamente sua qualidade de vida(88. Flórez Torres IE, Montalvo Prieto A, Romero Massa E. Incertidumbre en cuidadores familiares de pacientes hospitalizados en unidades de cuidado intensivo. Investig Enferm. Imagen Desarr. 2018;20(1):1–12. http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.ie20-1.icfp.
https://doi.org/10.11144/Javeriana.ie20-...
,1919. Rochmawati E, Prawitasari Y. Perceived caregiving preparedness and quality of life among Indonesian family caregivers of patients with life-limiting illness. Int J Palliat Nurs. 2021;27(6):293–301. http://dx.doi.org/10.12968/ijpn.2021.27.6.293. PubMed PMid: 34459242.
https://doi.org/10.12968/ijpn.2021.27.6....
). À luz da teoria da Incerteza na Doença, isso ocorre pela incapacidade de identificar o padrão de sintomas e a familiaridade com o evento(99. Mishel MH. Uncertainty in illness. Image J Nurs Sch. 1988;20(4):225–32. http://dx.doi.org/10.1111/j.1547-5069.1988.tb00082.x. PubMed PMid: 3203947.
https://doi.org/10.1111/j.1547-5069.1988...
).

No que se refere ao “Classes 4, 5 e 3: Sentimentos em relação ao universo do cuidar” as falas corroboram com outro estudo que sinaliza sentimentos como sobrecarga de atividades, pois dedicam-se integralmente ao cuidado, trazendo assim flagelos da ordem econômica, física e/ou emocional, que alteram diretamente sua qualidade de vida; dificuldades de acesso ao mercado de trabalho; e exaustão física e emocional(2020. Silva RS, Fedosse E. Perfil sociodemográfico e qualidade de vida de cuidadores de pessoas com deficiência intelectual. Cad Bras Ter Ocup. 2018;26(2):357–66. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1220.
https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1...
).

Acerca da “Classe 2: Sentimentos em relação à participação de grupos e associações”, as falas remontam a importância de redes de apoio consiste nas peculiares relações que se estabelecem, regadas de confiança, partilha e acolhimento. Essa realidade é relevante, especialmente quando se considera que há um maior estresse por parte do cuidador, ao passo que se percebe um baixo suporte social experimentado na trajetória do cuidado(2121. Lima MBS, Ramos EMLS, Pontes FAR, Silva SSC. Cerebral palsy: parental stress of caregivers. Psico-USF. 2021;26(2):357–68. http://dx.doi.org/10.1590/1413-82712021260213.
https://doi.org/10.1590/1413-82712021260...
).

Sobre a “Classe 6: Direitos e lutas sociais” as falas dialogam com estudos os quais identificam que as políticas públicas não conseguem contemplar as reais demandas desse universo do cuidar, sobretudo quando se debruça nos direitos que contemplam ao cuidador. Nesse sentido, os cuidadores precisam construir uma noção política crítica, pois amparados no modelo biomédico, associam o acesso aos direitos apenas ao acesso aos serviços de saúde, porque desconhecem seus amparos legais(2222. Nóbrega VMD, Souza MHDN, Santos MM, Silva MEA, Collet N. Governance and support from the secondary social network in health care for children and adolescents with chronic diseases. Cien Saude Colet. 2018;23(10):3257–65. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182310.13942018. PubMed PMid: 30365845.
https://doi.org/10.1590/1413-81232018231...
,2323. Almeida IJS, Rocha MA, Baptista RS, Sousa FS, Buarque BS, Coura JSA, et al. Interface entre políticas públicas de saúde e pessoas com deficiência à luz de teorias de enfermagem. In: Castro LHA, editor. Políticas e serviços de saúde 2. Ponta Grossa: Atena; 2021. p. 156–67. http://dx.doi.org/10.22533/at.ed.18221040115.
https://doi.org/10.22533/at.ed.182210401...
).

Acerca do constructo “fornecedores de estrutura”, contemplado por meio da implementação da 2ª e 3ª fases do estudo, o mesmo é designado como recursos que auxiliam o sujeito interpretar o quadro de estímulos (da doença), norteando sua apreciação e, consequentemente, interagindo diretamente na sua adaptação(99. Mishel MH. Uncertainty in illness. Image J Nurs Sch. 1988;20(4):225–32. http://dx.doi.org/10.1111/j.1547-5069.1988.tb00082.x. PubMed PMid: 3203947.
https://doi.org/10.1111/j.1547-5069.1988...
).

Sob esta ótica, destaca-se a pesquisa-ação, que concede uma interlocução entre o conhecimento popular e acadêmico, com o objetivo de solucionar problemas relacionados ao contexto prático, trazendo protagonismo e autonomia aos indivíduos que pertencem a esse cenário(1212. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18ª ed. São Paulo: Cortez; 2011.). Nessa perspectiva, Paulo Freire traz a necessidade da tomada de consciência para uma transformação social, que transgrida modelos de dominação e teça a autonomia, por meio de construções do conhecimento horizontalizadas, emancipadoras e dialógicas(1010. Freire P. Conscientização. 1ª ed. São Paulo: Cortez; 2018).

A respeito do terceiro constructo teórico, a “Adaptação”, o mesmo é definido como o resultado de um enfrentamento eficaz, onde o indivíduo, diante dos fatos inerentes à doença, remete um equilíbrio biopsicossocial(99. Mishel MH. Uncertainty in illness. Image J Nurs Sch. 1988;20(4):225–32. http://dx.doi.org/10.1111/j.1547-5069.1988.tb00082.x. PubMed PMid: 3203947.
https://doi.org/10.1111/j.1547-5069.1988...
). Tal constructo é contemplado por meio da vivência da 4ª fase desse estudo.

Estudos corroboram com os achados desta pesquisa, onde desvela-se que as intervenções educativas voltadas aos cuidadores pode empoderá-los frente a suas necessidades reprimidas de aprendizagem, melhorando suas habilidades para o cuidado, além de torná-los multiplicadores de conhecimentos com seus pares(2424. Moreira ACA, Silva MJ, Darder JJT, Coutinho JFV, Vasconcelos MIO, Marques MB. Effectiveness of an educational intervention on knowledge-attitude-practice of older adults’ caregivers. Rev Bras Enferm. 2018;71(3):1055–62. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0100. PubMed PMid: 29924180.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
,2525. Gallardo Solarte R, Ortiz Nievas V. Impacto de la intervención pedagógica en la competencia de cuidado. Rev Cienc Salud. 2021;19(2):1–15. http://dx.doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/revsalud/a.10282.
https://doi.org/10.12804/revistas.urosar...
).

No que se refere à categoria “O autocuidado e o empoderamento”, identifica-se o despertar de uma consciência ingênua para uma consciência crítica. Dialogando com as intervenções que ocorreram nesse estudo, uma pesquisa realizada na Turquia submeteu cuidadores de pessoas com câncer a um programa de empoderamento via celular, onde os cuidadores submetidos ao grupo intervenção possuíram um escore menor de angústia e maiores escores de qualidade de vida(2626. Uysal N, Bagçivan G, Ozkaraman A, Karaaslan Eser A, Çetin F, Çalıskan BB, et al. Empowering caregivers in the radiotherapy process: the results of a randomized controlled trial. Support Care Cancer. 2021;29(5):2395–404. http://dx.doi.org/10.1007/s00520-020-05743-z. PubMed PMid: 32918607.
https://doi.org/10.1007/s00520-020-05743...
).

Na sequência, emergiu-se a categoria “Significados na pertença ao grupo”. É sabido o sentimento de solidão que o cuidador carrega. Essa realidade foi piorada com a pandemia da COVID-19, pois um estudo desenvolvido no Canadá, revelou que houve um aumento de 85,9% na sensação de solidão e de 78,8% na ansiedade no público em questão(2727. Anderson S, Parmar J, Dobbs B, Tian PGJ. A tale of two solitudes: loneliness and anxiety of family caregivers caring in community homes and congregate care. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(19):10010. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph181910010. PubMed PMid: 34639311.
https://doi.org/10.3390/ijerph181910010...
,2828. Victor CR, Rippon I, Quinn C, Nelis SM, Martyr A, Hart N, et al. The prevalence and predictors of loneliness in caregivers of people with dementia: findings from the IDEAL programme. Aging Ment Health. 2021;25(7):1232–8. http://dx.doi.org/10.1080/13607863.2020.1753014. PubMed PMid: 32306759.
https://doi.org/10.1080/13607863.2020.17...
).

Sendo assim, a solidão afeta diretamente o bem-estar mental, emocional e físico dos cuidadores. Logo, o suporte social está atrelado à melhora da qualidade de vida, sobretudo a interação com os pares, pela possibilidade de partilhar situações e sentimentos semelhantes(2929. Zhang B, Conner KO, Meng H, Tu N, Liu D, Chen Y. Social support and quality of life among rural family caregivers of persons with severe mental illness in Sichuan Province, China: mediating roles of care burden and loneliness. Qual Life Res. 2021;30(7):1881–90. http://dx.doi.org/10.1007/s11136-021-02793-6. PubMed PMid: 33646478.
https://doi.org/10.1007/s11136-021-02793...
).

Por isso, esse estudo desvela o quanto é preciso uma abordagem humanizada, dialógica, horizontalizada e holística ao público em questão, pois é cuidando de quem cuida que se consegue conceber um enfrentamento eficaz mediante as incertezas no universo do cuidado à criança com PC.

Como limitação do presente estudo notamos a impossibilidade de implementar todas as fases da pesquisa de maneira presencial, por ocasião da pandemia da COVID-19. Ademais, o formato híbrido exigiu acesso a determinados bens de consumo como internet, smartphones ou notebooks, os quais nem todos os cuidadores possuíam.

CONCLUSÃO

Percorrendo a identificação dos esquemas cognitivos, para ofertar os fornecedores de estrutura, com objetivo de promover a adaptação do cuidador, por meio das etapas do presente estudo, desvelou-se que para um enfrentamento às incertezas na doença da criança com PC, é necessária uma ótica prismática, que compreenda que as incertezas não são relacionadas apenas às condições associadas à PC, mas envolvem aspectos subjetivos das cuidadoras.

Logo, por meio da construção do plano de intervenções, houve uma facilitação do processo de enfrentamento de incertezas do cuidador informal de crianças com PC, que promove saúde e bem-estar às cuidadoras, ao passo que fomenta ações de empoderamento e autocuidado, construção do conhecimento acerca das condições associadas à PC e participação em grupos e associações pelas mesmas, o que configura uma adaptação adequada, conforme preconizada pelo referencial teórico utilizado nessa pesquisa.

Sendo assim, esse estudo contribui para a construção de uma visão ampliada do que é incerteza na doença no universo da criança com PC, na perspectiva do cuidador informal, concedendo visibilidade a esse público e podendo auxiliar a subsidiar a construção de políticas públicas que incluam as demandas do cuidador.

Por fim, sugere-se o desenvolvimento de estudos com metodologia participativa em demais grupos ou associações que possuam a figura do cuidador informal, para que se conheçam diferentes realidades e assim intervir, objetivando a promoção da saúde dessas pessoas.

DISPONIBILIDADE DE DADOS

Material suplementar disponível pelo DOI e/ou URL: 10.17605/OSF.IO/Y5CNF - https://osf.io/y5cnf/.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Ivone Evangelista Cabral

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2023
  • Aceito
    10 Out 2023
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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