Acessibilidade / Reportar erro

Cuidar para descuidar, confrontar, arrepiar: negatividade como crítica do estereótipo da “cuidadora natural” na enfermagem

RESUMO

Discutir, a partir da filosofia de Adorno, a negatividade do cuidado no enfrentamento do discurso da “cuidadora natural” na profissão; exercitar a análise discursiva desse estereótipo a partir do triedro negativo do cuidar (descuidar, confrontar, arrepiar). Estudo teórico que articula a dialética negativa com a biopolítica do cuidar no corpo. A negatividade do cuidado, como crítica imanente que emerge da dialética entre ajuda e poder, visa ao arrepio diante do sofrimento do corpóreo, resíduo da natureza violentada por práticas discursivas culturais. Aplicamos o referencial metodológico do cuidar para descuidar, confrontar, arrepiar na análise do rótulo para aflorar a não identidade entre a realidade da enfermagem e a afirmação da cuidadora natural. Confrontamos as injustiças invisibilizadas no preconceito de que as mulheres seriam naturalmente predestinadas a prover o bem-estar dos outros. Refletimos sobre as contradições e os sofrimentos de mulheres, enfermeiras ou não, invisibilizados na alardeada amorosidade do cuidado. Propomos o arrepio como metáfora ao descuidado, uma negatividade crítica que se abre ao estranho coagido e mutilado no corpo humano.

DESCRITORES
Estereótipo de Gênero; Enfermagem; Cuidado de Enfermagem; Discurso; Feminismo

ABSTRACT

To discuss, based on Adorno’s philosophy, the negativity of care in confronting the “natural caregiver” discourse in the profession and exercise discursive analysis of this stereotype based on the negative trihedron of care (deny, confront, shiver). Theoretical study that articulates negative dialectic with the biopolitics of caring for the body. Negativity of care, as an immanent criticism that emerges from the dialectic between help and power, aims to shiver at bodily suffering, a residue of nature violated by cultural discursive practices. We applied the methodological framework of care to deny, confront, and shiver in label analysis to highlight non-identity between nursing reality and natural caregiver affirmation. We confronted the injustices made invisible in the prejudice that women are naturally predestined to provide for others’ well-being. We reflected on the contradictions and suffering of women, nurses or not, invisible in the vaunted loving care. We proposed shiver as a metaphor for deny, a critical negativity that opens to the strange coerced and mutilated in the human body.

DESCRIPTORS
Gender Stereotyping; Nursing; Nursing Care; Address; Feminism

RESUMEN

Discutir, a partir de la filosofía de Adorno, la negatividad del cuidado frente al discurso del “cuidador natural” en la profesión; Ejercer el análisis discursivo de este estereotipo a partir del triángulo negativo del cuidado (descuido, confrontación, escalofrío). Estudio teórico que articula la dialéctica negativa con la biopolítica del cuidado del cuerpo. La negatividad del cuidado, como crítica inmanente que emerge de la dialéctica entre ayuda y poder, pretende hacer que la gente se estremezca ante el sufrimiento de lo corpóreo, un residuo de la naturaleza violado por prácticas discursivas culturales. Aplicamos el marco metodológico del cuidado para descuidar, confrontar y estremecer en el análisis de la etiqueta para resaltar la no identidad entre la realidad de la enfermería y la afirmación del cuidador natural. Nos enfrentamos a las injusticias que se vuelven invisibles debido al prejuicio de que las mujeres están naturalmente predestinadas a velar por el bienestar de los demás. Reflexionamos sobre las contradicciones y el sufrimiento de las mujeres, enfermeras o no, invisibles en el cacareado cuidado amoroso. Proponemos el escalofrío como metáfora del descuido, una negatividad crítica que se abre a lo extraño coaccionado y mutilado en el cuerpo humano.

DESCRIPTORES
Estereotipo de Género; Enfermería; Atención de Enfermería; Discurso; Feminismo

INTRODUÇÃO

À primeira vista, parece contraditório refletir sobre o descuidado na enfermagem, uma profissão que valoriza o cuidado como centralidade do seu saber e do seu fazer. Talvez porque, em geral, associamos prontamente as atividades do cuidar (e, por extensão, quem as realiza) como essencialmente “boas”, independentemente das práticas discursivas e das tramas de ajuda-poder em que tais relações de cuidado se inserem. As práticas discursivas correspondem ao conjunto de enunciados produtores de sentido que regulam os corpos e as ações humanas, assim como são regulados por estes. Como veremos, a tensão ajuda-poder diz respeito à dimensão política do cuidado, presente nas relações sociais e nos processos vitais. Nessa seara, caberia questionar de que maneira a conexão imediata entre cuidado e bondade se incorporou tão firmemente nos dizeres da profissão, configurando as opressões de gênero(11. Pires MRGM, Fonseca RMGS, Padilla B. Politicy of care in the criticism towards gender stereotypes. Rev Bras Enferm. 2016;69(6):1223–30. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0441. PubMed PMID: 27925101.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
44. Guimarães NA, Vieira PPF. As “ajudas”: o cuidado que não diz seu nome. Estud Av. 2020;34(98):7–24. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.002
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020....
).

Ou, por outra, se o cuidado é sempre “bom”, restaria apenas consentirmos com os ditos morais, mesmo aqueles que nos violentam? Como chegamos à obediência de regras que nos confinam na obrigação de prover o bem-estar dos outros (sejam idosos, crianças, enfermos, afazeres domésticos ou o prazer do homem), baseados numa presumida determinação da “natureza” feminina? Parte dessas benevolências sobre o cuidado – presentes nos discursos que modulam práticas de enfermeiras e equipe – são normalizações morais sobre o cuidar, ditas como “inerentes” às mulheres, reverberando em violências simbólica, material e psicológica. Dentre os estereótipos indissociavelmente marcados por questões de gênero, classe, raça e geração na enfermagem, salientamos o da “cuidadora natural”, objeto de desobediência reflexiva neste estudo. Para isso, as aspas no termo mencionado consistem em uma estratégia linguística que intenciona destacar o caráter artificial, produzido, questionável e mutável do determinismo a ser combatido.

A ideia preconcebida da “cuidadora natural” prescreve injustamente um destino à mulher circunscrita às tarefas do cuidar, em vista de uma pretensa e imutável determinação biológica. Essa equívoca concepção binária de gênero, à revelia de serem construções sociais passíveis de crítica discursiva, condiciona nossos corpos a um trabalho do cuidado mal remunerado e precarizado, majoritariamente realizado por mulheres, enfermeiras ou não. Este tipo de trabalho, entendido como reprodutivo ou do cuidado pela epistemologia feminista, mantém as condições para a manutenção da vida humana, incluindo o suprimento das necessidades básicas e do espaço doméstico. A enfermagem, historicamente imbricada nas características deste trabalho que reproduz a força produtiva, igualmente se depara com perversas condições laborais. Perfilam a enfermagem no Brasil: o assalariamento nos empregos (55% no setor público e 70% no privado pagam menos que 2 salários mínimos); a precarização dos vínculos trabalhistas; os multiempregos; as dificuldades em conseguir colocação no mercado de trabalho (70%); a insegurança; as violências diversas(11. Pires MRGM, Fonseca RMGS, Padilla B. Politicy of care in the criticism towards gender stereotypes. Rev Bras Enferm. 2016;69(6):1223–30. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0441. PubMed PMID: 27925101.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
77. Machado MH, Koster I, Aguiar Fo W, Wermelinger MCMW, Freire NP, Pereira EJ. Labor market and regulatory processes – Nursing in Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(1):101–12. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.27552019. PubMed PMID: 31859859.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
).

Atualmente as mulheres representam cerca de 80% da força de trabalho na Enfermagem(77. Machado MH, Koster I, Aguiar Fo W, Wermelinger MCMW, Freire NP, Pereira EJ. Labor market and regulatory processes – Nursing in Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(1):101–12. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.27552019. PubMed PMID: 31859859.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
). Historicamente feminina, durante muito tempo a profissão restringiu a participação dos homens e difundiu julgamentos morais à presença das trabalhadoras do sexo, de mulheres negras ou com baixa escolaridade nas atividades assistenciais. Em consequência, além da manutenção dos baixos salários, a categoria fragilizou sua organização política sob uma pretensa superioridade moral das enfermeiras em relação às técnicas - sustentadas por um cientificismo positivista que embota o pensamento crítico. Noutras palavras, ao incorporarmos à divisão social e sexual da equipe de enfermagem os sexismos patriarcais do capitalismo, mutilamos a qualidade política e o poder de pressão por condições de trabalho da categoria, a despeito de sermos maioria quantitativa. Esse olhar sobre a inserção das mulheres no mercado de trabalho descortina a produção dos estereótipos que marcam a profissão, os quais oscilam entre a figura do anjo (sagrado) e da prostituta (profano), reforçando as muitas faces da “cuidadora natural” na enfermagem(11. Pires MRGM, Fonseca RMGS, Padilla B. Politicy of care in the criticism towards gender stereotypes. Rev Bras Enferm. 2016;69(6):1223–30. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0441. PubMed PMID: 27925101.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
66. Biroli F, Quintela DF. Sexual division of labor, separation and hierarchy: contributions to the analysis of the gender of democracies. Rev Pol & Trab [Internet]. 2021 [cited 2023 Mar 2];1(53):72–89. Available from: https://periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/view/51417
https://periodicos.ufpb.br/index.php/pol...
).

Revisões de literatura identificam as reverberações dos estereótipos de gênero nos julgamentos da sociedade sobre a profissão, dentre eles: para as enfermeiras, incompetência técnica, fraco nível acadêmico e profissional, incipiente autonomia e sexualização do corpo; para os enfermeiros, questionamento da masculinidade, saldos da mesma violência sobre o feminino(88. Teresa-Morales C, Rodríguez-Pérez M, Araujo-Hernández M, Feria-Ramírez C. Current stereotypes associated with nursing and nursing professionals: an integrative review. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(13):7640. doi: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph19137640. PubMed PMID: 35805296.
https://doi.org/10.3390/ijerph19137640...
). Perguntamos, porém, se esses estereótipos não são igualmente retroalimentados pelas impregnações da “cuidadora natural” nos discursos da profissão. A esse respeito, são emblemáticas as contradições nas vozes e nos gestos das mulheres enfermeiras. Os motivos da escolha profissional, por exemplo, para as mulheres continuam marcados por sexismos, rígidos valores morais e religiosos, como o altruísmo, incentivos familiares ou as ilusórias idealizações de “ser enfermeira”. Para os que se identificam como homens, a motivação para a profissão é marcada por valores como liderança e cientificismo, demarcando os machismos nos papéis de gênero(99. Prosen M. Nursing students’ perception of gender-defined roles in nursing: a qualitative descriptive study. BMC Nurs. 2022;21(1):104. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12912-022-00876-4. PubMed PMID: 35509039.
https://doi.org/10.1186/s12912-022-00876...
).

No ambiente acadêmico, uma curiosa análise sobre a “taxa de cuidado” paga por colegas enfermeiras nos locais de trabalho – a saber, um certo tributo emocional advindo da transposição moral das relações maternais e familiares às instituições universitárias, permeadas de semelhantes agressividades veladas – exemplificam quão pouco “bondosa” pode ser a incorporação da “cuidadora natural” entre nós(1010. Burton CW. Paying the caring tax: the detrimental influences of gender expectations on the development of nursing education and science. ANS Adv Nurs Sci. 2020;43(3):266–77. doi: http://dx.doi.org/10.1097/ANS.0000000000000319. PubMed PMID: 32732607.
https://doi.org/10.1097/ANS.000000000000...
). Além disso, frequentemente os discursos de pesquisadoras enfermeiras reeditam, sem qualquer crítica, ideologias sexistas que conceituam a enfermagem como “uma atividade humana vinculada à mulher”, em que um suposto “instinto maternal” proporcionaria uma “motivação e impulso necessário para cuidar”(1111. Pedrosa OR, Caïs J, Monforte-Royo C. Emergencia del modelo de enfermería transmitido en las universidades españolas: una aproximación analítica a través de la Teoría Fundamentada. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(1):41–50. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018231.21132017
https://doi.org/10.1590/1413-81232018231...
). Da mesma forma, verificamos a reedição da “cuidadora natural” na formação, mesmo em iniciativas que visam questionar os estereótipos. Um estudo em que a sexualização das enfermeiras, a liderança masculina, a fragilidade emocional e o cuidado como atributo feminino foram identificadas nas “visões da sociedade” por estudantes, as reflexões acerca da nossa contraparte na manutenção dessas estereótipos de gênero passaram ao largo das reflexões(1212. Andina-Díaz E, Ventura-Miranda MI, Quiroga-Sánchez E, Ortega-Galán ÁM, Fernández-Medina IM, Ruiz-Fernández MD. Nursing students’ perception about gender inequalities presented on social networks: a qualitative study. Int J Environ Res Public Health. 2023;20(3):1962. doi: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph20031962. PubMed PMID: 36767328.
https://doi.org/10.3390/ijerph20031962...
).

Em contraponto, há produções que criticam as mazelas discursivas da “cuidadora natural” na profissão, resistências epistêmicas que precisam ganhar visibilidade e força, num embate capaz de reverberar sobre as práticas. Com um sugestivo título de “anjos caídos e heróis esquecidos”, uma pesquisa investigou as idealizações heroicas nas percepções de profissionais de enfermagem durante a pandemia de covid-19, constatando por quão distantes essas imagens estão do cotidiano assistencial da profissão, na visão das entrevistadas; sobre o mesmo tema, resultados similares foram discursivamente analisados num estudo brasileiro(1313. Stokes-Parish J, Barrett D, Elliott R, Massey D, Rolls K, Credland N. Fallen angels and forgotten heroes: a descriptive qualitative study exploring the impact of the angel and hero narrative on critical care nurses. Aust Crit Care. 2023;36(1):3–9. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.aucc.2022.11.008. PubMed PMID: 36470775.
https://doi.org/10.1016/j.aucc.2022.11.0...
,1414. Mendes M, Bordignon JS, Menegat RP, Schneider DG, Vargas MAO, Santos EKA, et al. Neither angels nor heroes: nurse speeches during the COVID-19 pandemic from a Foucauldian perspective. Rev Bras Enferm. 2021;75(Suppl 1):e20201329. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1329. PubMed PMID: 34614072.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1...
). Na recente crise da saúde ocasionada pela pandemia, produções problematizam as homenagens sentimentais apelativas da mídia às(aos) enfermeiras(os) e equipe, as quais não repercutiram na conquista do piso salarial pela categoria – tampouco na redução das desigualdades sociais da profissão –, que segue imersa em pauperizações que inibem a ação coletiva(1515. Sousa Fo JD, Sousa KHJF, Silva ÍR, Zeitoune RCG. Covid-19 pandemic and Brazilian Nursing: unveiling meanings of work. Rev Esc Enferm USP. 2022;56(56):e20220156. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-220x-reeusp-2022-0156en. PubMed PMID: 36122363
https://doi.org/10.1590/1980-220x-reeusp...
1717. Souza HS, Mendes ÁN, Chaves AR. Nursing workers: achievement of formalization, hard work and collective action dilemas. Cien Saude Colet. 2020;25(1):113–22. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.29172019. PubMed PMID: 31859860.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
). A despeito das resistências, constatamos lacunas sobre a impregnação acrítica dos estereótipos de raça, classe, gênero e geração no discurso científico da enfermagem. Quer dizer, há um nítido descompasso entre o que a profissão afirma ser em relação ao seu cotidiano, fruto de idealizações autoilusórias pouco refletidas pelas produções da área(1010. Burton CW. Paying the caring tax: the detrimental influences of gender expectations on the development of nursing education and science. ANS Adv Nurs Sci. 2020;43(3):266–77. doi: http://dx.doi.org/10.1097/ANS.0000000000000319. PubMed PMID: 32732607.
https://doi.org/10.1097/ANS.000000000000...
,1515. Sousa Fo JD, Sousa KHJF, Silva ÍR, Zeitoune RCG. Covid-19 pandemic and Brazilian Nursing: unveiling meanings of work. Rev Esc Enferm USP. 2022;56(56):e20220156. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-220x-reeusp-2022-0156en. PubMed PMID: 36122363
https://doi.org/10.1590/1980-220x-reeusp...
,1616. Gandra EC, Silva KL, Passos HR, Schreck RSC. Brazilian nursing and the COVID-19 pandemic: inequalities in evidence. Esc Anna Nery. 2021;25(25(spe)):e20210058. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2021-0058.
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
).

Nesse contexto, urge descuidarmos da “cuidadora natural” na enfermagem, pois tais identificações totalitárias reiteram as fragilidades políticas, simbólicas e materiais da profissão. O descuidar proposto se inicia com a capacidade de dizer “não” a símbolos que restringem a condição feminina a uma generalização do como devemos ser, fazer ou nos comportar. Como exemplo do descuidado que precisamos expandir, citemos uma campanha promovida por entidades de classe em Alagoas durante a pandemia, cujo lema era “Nem anjos, nem heróis. Somos profissionais, somos ENFERMAGEM”(1414. Mendes M, Bordignon JS, Menegat RP, Schneider DG, Vargas MAO, Santos EKA, et al. Neither angels nor heroes: nurse speeches during the COVID-19 pandemic from a Foucauldian perspective. Rev Bras Enferm. 2021;75(Suppl 1):e20201329. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1329. PubMed PMID: 34614072.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1...
).

Em termos teóricos, a negatividade constitui o momento dialético que se contrapõe ao absolutismo positivo dos conceitos, quer dizer, ela nega que eles possam se encaixar nas coisas como engrenagens, cuja contradição mais crassa são os estereótipos; em síntese, busca a não identidade entre as palavras e as coisas, em vista da insuficiência da linguagem para dizer o que as coisas são nelas mesmas(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.). A dialética negativa luta contra a reificação (coisificação) da consciência, mantendo-se crítica e autocrítica de sínteses afirmativas que coíbem mudanças. A par dessa reflexão, a negação dos estereótipos de gênero na enfermagem consiste num descuidado de juízos que ditam comportamentos às mulheres como “naturais” – digo, sinônimos de fixos, imutáveis, incondicionados –, repercutindo em desigualdades interseccionais(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.,1919. Foucault M. História da sexualidade I – A vontade de saber. 7th ed. Rio de Janeiro: Grall; 1985.).

Concebemos o cuidado como correlações de forças integrativas e disruptivas de complexas relações sociais, cujas práticas se forjam e modulam discursos. Na politicidade do cuidado, ocorre o tensionamento dos vínculos entre ajuda e poder – este último visto como situação estratégica de forças e contraforças centrada na biopolítica de corpos. A concepção de ajuda aqui se ampara na trilogia da dádiva de Marcel Mauss, visto sob a ótica do poder, em que a obrigação moral de dar, receber e retribuir fortalece os processos de formação cultural de distintas etnias. Assim, todo gesto de cuidar ocorre em meio a tensas e assimétricas correlações de forças, posto que quem oferece auxílio, inclusive para ter condições de fazê-lo, ratifica uma posição hierárquica em relação a quem recebe ou precisa de ajuda. Visto como campo de forças, um poder é sustentado por contrapoderes que podem subverte-lo, a depender das politicidades em disputa. Em outras palavras, a resistência de um poder por outro poder, também chamada negatividade ou crítica, inicia a ruptura com uma situação assimétrica injusta, com a qual não se concorda, como a da “cuidadora natural”(11. Pires MRGM, Fonseca RMGS, Padilla B. Politicy of care in the criticism towards gender stereotypes. Rev Bras Enferm. 2016;69(6):1223–30. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0441. PubMed PMID: 27925101.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
,44. Guimarães NA, Vieira PPF. As “ajudas”: o cuidado que não diz seu nome. Estud Av. 2020;34(98):7–24. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.002
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020....
,1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.,1919. Foucault M. História da sexualidade I – A vontade de saber. 7th ed. Rio de Janeiro: Grall; 1985.).

O presente estudo é uma reflexão teórico-filosófica sobre a negatividade do cuidado – expressa no cuidar para descuidar, confrontar e arrepiar – frente às repercussões da “cuidadora natural” nos discursos da profissão. O triedro do cuidar se fundamenta no referencial metodológico da hermenêutica de profundidade à análise de ideologias, adaptadas às práticas discursivas do cuidado(11. Pires MRGM, Fonseca RMGS, Padilla B. Politicy of care in the criticism towards gender stereotypes. Rev Bras Enferm. 2016;69(6):1223–30. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0441. PubMed PMID: 27925101.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
,2020. Thompson JB. Ideologia e cultura moderna: Teoria Social crítica na era dos meios de comunicação de massa. São Paulo: Vozes; 1995.). Nessa versão negativa do triedro, incluímos o termo arrepiar na terceira face a partir do “estremecer” em Adorno, com base nas interpretações morais da dialética negativa. Entrementes, uma vez que o “estremecer” pode acontecer diante de objetos estéticos ou morais, não se trata de adotar a teoria estética de Adorno na politicidade do cuidado. Sem adentrarmos num debate que foge aos propósitos do texto, concebemos o termo tão somente para falar da sensação de semelhante arrepio corporal frente a percepções contraditórias do discurso, quando confrontadas as características das coisas nelas mesmas(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.

19. Foucault M. História da sexualidade I – A vontade de saber. 7th ed. Rio de Janeiro: Grall; 1985.

20. Thompson JB. Ideologia e cultura moderna: Teoria Social crítica na era dos meios de comunicação de massa. São Paulo: Vozes; 1995.

21. Fleck A. From the immanent criticism to critique of suffering: the normative justification of Adorno’s latework. Revista Ethic. 2016;15(1):65–84. doi: http://dx.doi.org/10.5007/1677-2954.2016v15n1p65
https://doi.org/10.5007/1677-2954.2016v1...
-2222. Alves Jr DG. Dialética da vertigem: Adorno e a Filosofia Moral. São Paulo: Escuta; Belo Horizonte: Fumec/FCH; 2005.). Dito de outro modo, defendemos a negatividade como crítica discursiva que nos faça arrepiar frente a reflexões acerca das opressões convencionadas da “cuidadora natural” em nós e nas outras – mantendo os desfechos abertos no polo negativo da dialética.

Do exposto, a questão norteadora do estudo é esta: na relação dialética entre ajuda e poder inerente à politicidade do cuidado, de que maneira a negatividade pode criticar o estereótipo da “cuidadora natural” nos discursos da enfermagem? Argumentamos que, no momento negativo do cuidado, a relação dialética entre ajuda e poder coincide com o arrepio diante do sofrimento do corpóreo, resíduo da natureza violentada por práticas discursivas, constituindo-se em crítica de afirmações identitárias entre a “cuidadora natural” e a enfermagem. Os objetivos são discutir, a partir da dialética de Adorno, a negatividade do cuidado no enfrentamento dos discursos da “cuidadora natural” na profissão; bem como exercitar a análise das práticas discursivas desse estereótipo a partir do referencial metodológico do triedro negativo do cuidar (descuidar, confrontar, arrepiar). No primeiro tópico, Cuidar para descuidar: negatividade como crítica discursiva, articulamos a biopolítica de Foucault com a dialética negativa em Adorno à concepção de politicidade do cuidado, no âmbito da crítica discursiva do sofrimento. No segundo, Triedro negativo do cuidar: descuidar, confrontar e arrepiar da “cuidadora natural” na enfermagem, aplicamos o referencial metodológico do triedro negativo do cuidar na crítica discursiva desse estereótipo na profissão.

Cuidar Para Descuidar: Negatividade Como Crítica Discursiva

Mas como se articulam a biopolítica do cuidado (administração dos corpos, gestão calculada da vida, poderes que organizam o corpo) e a negatividade como crítica discursiva do sofrimento? Por que a dialética negativa pode confrontar discursos que conformam práticas? De que crítica falamos? No que consiste o sofrimento como resíduo da natureza violentada por práticas discursivas, no âmbito da cultura? O momento negativo da dialética no cuidado pode resistir e combater violências discursivas, como as do estereótipo da cuidadora natural? Em resumo: onde a biopolítica e a dialética negativa da politicidade do cuidado se encontram? Resposta: No corpo; esse que é perecível, vulnerável, mutável, objeto e agente de cuidado. Um corpo conformado discursivamente, disciplinado e revirado – também revolto, produto e produtor de dispositivos de poder(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.,1919. Foucault M. História da sexualidade I – A vontade de saber. 7th ed. Rio de Janeiro: Grall; 1985.). Destrinchemos essas questões, não necessariamente nessa ordem.

No corpo operam as dinâmicas de ajuda e poder do cuidado, sustentadas por discursos científicos biomédicos e da enfermagem que o prescrevem. O cuidado como biopoder, confrontado por outros poderes, penetra e controla o uso dos prazeres no corpo. Esse cuidar exerce poder e sente prazer no revirar, no revelar, no desnudar, no manipular, no objetivar e no dizer a verdade sobre o corpo – que se rebela. O biopoder, mediado pelo cuidado, dispõe, controla e produz corpos disciplinados – sob difusos protestos somáticos indóceis; ele regula a sexualidade – sob as subversões de prazeres. O cuidado como biopoder dociliza o corpo; concebe-o como máquina; classifica-o entre normal ou patológico; produz discursos e interditos; tem vontade de saber – em meio a resistências de discursos e pulsões difusas. O biopoder é um dispositivo de poder instável, estratégico, múltiplo e disruptivo sobre a vida; ele igualmente intervém, controla, produz e cuida de populações, daí a implicação da enfermagem na produção de saberes sobre o cuidar do corpo(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.,1919. Foucault M. História da sexualidade I – A vontade de saber. 7th ed. Rio de Janeiro: Grall; 1985.,2323. Ortegosa Aggio J. Por uma sexualidade livre à luz de Foucault. Princípios. 2020;27(52):115–41. doi: http://dx.doi.org/10.21680/1983-2109.2020v27n52ID19233
https://doi.org/10.21680/1983-2109.2020v...
).

Ao conceber o cuidado como tensão dialética entre ajuda e poder, entendido como componente estrutural das relações humanas, abandonamos as rigidezes morais acerca do cuidado como sempre “bom”, altruísta, benevolente e adjetivações similares. Isso se justifica porque tanto o biopoder foucaultiano como a ajuda fundada na trilogia da dádiva (obrigação de dar, de receber, de retribuir) de Mauss perfazem indissociavelmente as relações sociais permeadas de ambivalências e relativizações(44. Guimarães NA, Vieira PPF. As “ajudas”: o cuidado que não diz seu nome. Estud Av. 2020;34(98):7–24. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.002
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020....
). Em consequência, o cuidar acompanha a flexibilidade dos vínculos humanos no seu caráter político, sob diversas faces. No âmbito das práticas discursivas, ora o cuidado se revela como trabalho e profissão, ora como obrigação moral, ora como ajuda caridosa sem fins de reciprocidade material – numa interdependência cíclica e complexa, permeada de efeitos do poder que o constitui. Dito de outro modo, seja como se manifeste mais visivelmente, o cuidado constitui as relações de poder estruturadas por discursos que o conformam, tanto quanto retroalimenta esses enunciados geradores de sentido(11. Pires MRGM, Fonseca RMGS, Padilla B. Politicy of care in the criticism towards gender stereotypes. Rev Bras Enferm. 2016;69(6):1223–30. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0441. PubMed PMID: 27925101.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
55. Fraser N, Sousa Fo JIR. Contradições entre capital e cuidado. Princípios [Internet]. 2020 [cited 2023 Mar 23];27(53):261–88. Available from: https://periodicos.ufrn.br/principios/article/view/16876
https://periodicos.ufrn.br/principios/ar...
,1919. Foucault M. História da sexualidade I – A vontade de saber. 7th ed. Rio de Janeiro: Grall; 1985.). Acontece que tais dispositivos deixam marcas indeléveis, ocultas, inconscientes e somatizadas no corpo, por vezes sob complexas síndromes de doenças e sofrimentos difusos. Da mesma forma, o corpo sofre os reveses da violência ocasionada pelas biopolíticas discursivas dos estereótipos de gênero, estes que queremos confrontar e arrepiar pela negatividade do cuidar. Para entendermos esse ponto, falemos minimamente sobre a estruturação da linguagem a partir do processo de dominação da natureza, tema central da Dialética do Esclarecimento(2424. Adorno T, Horkheimer M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1985.), em Adorno e Horkheimer.

Segundo os filósofos da Teoria Crítica, diante do medo primordial das forças míticas e ameaçadoras da natureza, o ser humano se empenha em domá-las para sobreviver, principalmente pelo uso da linguagem designativa das coisas. Quer dizer, por meio da linguagem ele produz enunciados declarativos para explicar as forças da natureza, no intuito de contê-las. Nisso, ele quer corresponder o dizer ao que é dito; o reportar objetivamente aos fenômenos com as afirmações sobre eles. Mas, de que maneira a designação dos objetos diminui o medo primordial? No processo de identificação das coisas que o amedrontam pela linguagem, o ser humano torna conhecido o que dantes desconhecia (ou pelo menos gera um sentido sobre elas), podendo agir sobre seu pavor mítico(2424. Adorno T, Horkheimer M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1985.).

Um detalhe importante é que na modernidade esse sujeito designativo é hegemonicamente homem, heterossexual, branco, eurocêntrico, em que a mulher aparece como o “outro” da razão positiva. Ou seja, aquilo que o homem sempre quis dominar, tomado pelo medo (os impulsos, a natureza, as emoções), historicamente delineia a representação sexista do corpo feminino, produzindo discursos opressivos, daí nossa implicação no descuidar das violências estruturais de gênero(2323. Ortegosa Aggio J. Por uma sexualidade livre à luz de Foucault. Princípios. 2020;27(52):115–41. doi: http://dx.doi.org/10.21680/1983-2109.2020v27n52ID19233
https://doi.org/10.21680/1983-2109.2020v...
2525. Rodrigues C. Being and becoming: Butler reads de Beauvoir. Cadernos Pagu. 2019;56:e195605. doi: http://dx.doi.org/10.1590/18094449201900560005
https://doi.org/10.1590/1809444920190056...
). Sob a pretensão da razão de constranger as forças naturais, contraditoriamente, na sanha de submetê-la, o ser humano caiu dominado por ela, externa e internamente, afundando-se numa espécie de “barbárie”. Nos termos da dialética do esclarecimento: ao invés de iluminar o mundo para vencer o obscurantismo pela emancipação da razão, o sujeito universal masculino caiu nas trevas que julga controlar, resultando no holocausto.

O episódio de Ulisses e as sereias, em Homero, foi utilizado como alegoria desse domínio da natureza mediado pela linguagem, em Adorno e Horkheimer. O trecho é bem conhecido: Ulisses, herói grego da Odisseia, na longa navegação de volta para casa, enfrenta perigos de toda sorte, driblando-os astutamente. Numa das aventuras, fora avisado por Circe, feiticeira, sobre o canto das sereias e de como sobreviver a ele, uma vez que os homens mergulham no mar e sucumbem, encantados pelo desejo. Cumprida a profecia, ao se deparar com os primeiros sopros melódicos, Ulisses ordena à tripulação que coloque cera nos ouvidos para que não os escutem e remem sem parar. Ele próprio se amarra ao mastro, mas deixa os ouvidos abertos para escutar o lindo canto. Todos escapam. Ao que parece, a empreitada se sai vitoriosa e garantidora da vida humana, uma vez que fora norteada por uma razão que não se distrai com artes, mitos, mulheres ou encantamentos.

Mas a que custo abdicamos da sensibilidade poética, dos desejos, dos sonhos e dos encantos estéticos – tão presentes na nossa natureza interna quanto na agressividade – para nos conservarmos, sob os auspícios da linguagem instrumental (pragmática, racional, objetiva) dos discursos científicos? Que sofrimentos carreamos arquetipicamente no corpo, resquício da violência desse processo civilizatório para docilizar o bicho humano? Não é objetivo aqui adentrar na complexidade e múltiplas interpretações do trecho, que incluem a formação do sujeito, a reificação da consciência, o desejo de autoconservação moderna e suas consequências, a extirpação da sensibilidade poética da linguagem, o aprisionamento da arte, a usurpação da capacidade reflexiva, dentre outras(2424. Adorno T, Horkheimer M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1985.,2626. Meneses AB. Sereias: sedução e saber. Rev Inst Estud Bras. 2020;(75):71–93. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v1i75p71-93
https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X....
). Destacaremos o processo de instrumentalização da linguagem e as violências corpóreas que nos interessam.

Numa das leituras, o fato de Ulisses ordenar a oclusão dos ouvidos da tripulação com cera – para que não escutem o canto das sereias – relaciona-se com a anestesia dos sentidos na linguagem, na busca pela objetividade do conhecimento científico e separação do sujeito (homem, nomeador das coisas) em relação ao objeto (natureza subjugada, nomeada). Coibida a sensibilidade, a ciência controla melhor os fenômenos repetíveis, sob a pretensa neutralidade. Com o desencantamento, a linguagem científica se torna asséptica, sem cheiro, nem voz, nem imagem, nem canto, muito menos magia; sua utilidade é calculável, comparável, padronizável – assim como a natureza e os seres que ela mensura. Destituída da afetação do sensível, a ciência empobrece o mito, tornando-o dogma manipulável. Explicamos: ela disseca a narrativa mítica, poética, imagética, alegórica e estética da linguagem – reduzindo-a a magia eliminável.

Vemos no trecho também o processo de dominação da natureza externa e interna do ser humano pela divisão social do trabalho, com reificação (automatização) da consciência e utilitarismo (remem como se não houvesse amanhã). A iniciativa de Ulisses de fruir o canto das Sereias sem se destruir – obtendo da natureza o que quer, embora tão mutilado quanto os outros – exemplifica uma suposta superioridade do pensar sobre o fazer, por exemplo. Contraditoriamente, na busca por vencer o medo dos impulsos sensuais (sereias com sua arte, musas; nós mulheres, abominadas como portadoras do desejo destrutivo sobre o homem), a razão instrumental sucumbe prisioneira da mesma violência que infringiu contra a natureza exterior; eis a dialética do esclarecimento. Melhor dizendo, se a intenção era vencer o mito, a própria ciência se torna um mito, só que dissecada e destituída de poesia(2424. Adorno T, Horkheimer M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1985.). Caberia perguntar o que as sereias prometem aos homens de tão irresistível, a ponto de eles sacrificarem a vida. Uma das interpretações aposta no saber, pois elas conhecem tudo que há no mundo(2626. Meneses AB. Sereias: sedução e saber. Rev Inst Estud Bras. 2020;(75):71–93. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v1i75p71-93
https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X....
). Sob o paradoxo da razão esclarecida, no pavor de se perder numa natureza que também lhe pertence, o ser humano produz ciências sobre uma natureza que ele julga dominar pela linguagem, parecendo mais amedrontado que dantes, quiçá mais adoentado.

Entendamos as repercussões da dominação da natureza no corpo. Desnecessário dizer o quanto o sofrimento como resíduo da interdição discursiva do que não controlamos (os impulsos, o desejo, a natureza, a inefável angústia) expressa-se no corpo sob complexas enfermidades. Tomemos como exemplo os cânceres, as síndromes do pânico e outras; os transtornos psíquicos e, por que não, as pandemias ocasionadas por vírus expulsos do seu habitat natural que adquirem a capacidade de infectar o ser humano. Prescindível observar que a racionalidade da ciência, da qual a enfermagem se nutre, dificilmente lida de outra forma com o sofrimento corpóreo, senão desta: classifica sintomas; reduz pessoas a patologias e compara-as; mensura, medicaliza, positiva e entorpece a dor – que retorna mais adoecida.

Não suportamos a dor, não a escutamos em nós ou no outro; muito menos arrepiamos frente a sua natureza violentada. Com isso, reduzimos o cuidado a procedimentos biomédicos, ao invés de experimentá-lo como cura. Cindimos o prazer e a dor sob fórmulas infalíveis das ciências positivas da razão instrumental (coaching, psicologia cognitiva, outros)(2727. Mattos JCO, Gasparino RC, Cardoso ML, Bernardes A, Cunha IC, Balsanelli AP. Nurses coaching leadership related to practice environment within primary health care. Texto Contexto Enferm. 2022;31:e20210332. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2021-0332en
https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-20...
). Sobrevivemos mutiladas(os) sob o discurso positivista que ratifica a histórica contradição entre cuidado e capitalismo, qual seja: para acumular, o capital depende do trabalho reprodutivo que desvaloriza e estigmatiza(55. Fraser N, Sousa Fo JIR. Contradições entre capital e cuidado. Princípios [Internet]. 2020 [cited 2023 Mar 23];27(53):261–88. Available from: https://periodicos.ufrn.br/principios/article/view/16876
https://periodicos.ufrn.br/principios/ar...
). Provoquemos: uma profissão que se vangloria do seu cuidar, como a enfermagem, não estaria no centro desse debate? E o que sabemos ou descuidamos sobre ele?

Recapitulemos. A noção de sofrimento no corpóreo consiste no resíduo da natureza violentada por práticas discursivas e biopolíticas encrustadas em nós, formatadas e conformadoras da civilização. Os traumas da negação da animalidade, dos desejos, da ludicidade corpórea pela cultura são inconscientes, singulares, sem linguagem. Quanto mais violentamente rejeitamos a agressividade (junto com a sensibilidade) – sob os equívocos ditos morais de benevolência, compaixão, abnegação, amor e perfectibilidade – mais ódio produzimos. O ressentimento, ou seja, tudo aquilo que não expiamos e sentimos de volta no corpo, sob manifestações psicossomáticas, resultou na exclusão do outro, da natureza, do não idêntico imponderável e inclassificável que nos assusta, tanto quanto nos pertence. Basta olharmos ao redor para percebermos que continuamos a lidar com as mazelas do ressentimento. Não precisamos de muito para constatar que a mulher como “o outro da razão”, também nominada como corpo, emoções, natureza e sexualidade que desviam o homem do seu reto caminho, segue como alvo de opressões baseadas nas condições de gênero, raça, classe e geração(2323. Ortegosa Aggio J. Por uma sexualidade livre à luz de Foucault. Princípios. 2020;27(52):115–41. doi: http://dx.doi.org/10.21680/1983-2109.2020v27n52ID19233
https://doi.org/10.21680/1983-2109.2020v...
,2525. Rodrigues C. Being and becoming: Butler reads de Beauvoir. Cadernos Pagu. 2019;56:e195605. doi: http://dx.doi.org/10.1590/18094449201900560005
https://doi.org/10.1590/1809444920190056...
). É contra o totalitarismo da razão e linguagem identificadora, positiva, masculina, unificadora do particular no universal sob discursos rotuladores que a negatividade se coloca. Passemos a ela.

A dialética negativa “tem por tarefa perseguir a inadequação entre o pensamento e a coisa; experimentá-la na coisa”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.), ela se dirige para o diverso, para o não idêntico aprisionado em conceitos e preconceitos. Procedimentalmente, ela pensa a contradição, coloca-se a favor e contra ela, volta-se ao que não pode ser nomeado a fim de colocar “o idêntico sob suspeita”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.). No movimento dialético, a negação se apresenta como questionamento da imediaticidade social, colocando-a sob a crítica a partir das características do próprio objeto.

Com a negação, as afirmações entram em contradição com aquilo que afirmam, pois “os objetos não se dissolvem em seus conceitos”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.). Sob a máxima hegeliana de que pensar é negar, Adorno propõe o impedimento do momento de síntese dialética, para que a diferença desestabilize a identidade, numa proposição negativa de mudança. No negativo do pensar, objetiva-se salvar o contradito, ainda que por conceitos. Quer dizer, contraditoriamente, ao negarmos as afirmações sobre algo ou alguma coisa, o que fora negado permanece contido na negação. Por exemplo, ao dizermos não ao estereótipo da cuidadora natural na profissão, afirmamos essa negação, então ela também se positiva. A diferença é que a dialética negativa tem ciência desse paradoxo e trabalha com ele, busca-o como forma de se aproximar do inaudito.

Portanto, a dialética negativa é a “consciência consequente da não-identidade”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.); ela busca a primazia do objeto (a natureza; o corpo; a mulher; os fenômenos; a diferença) onde sobeja o sujeito nomeador (homem, branco, heterossexual, eurocêntrico; o igual), sem dispensá-lo. Num retorno à materialidade, ao corpo, ao lançar-se às coisas, a dialética negativa assume por tarefa apresentar o que é “esse algo”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.) do mundo, forçando as antinomias conceituais. Na experiência de resistir ao que é imposto, a condição do pensar dialético perfaz uma necessidade dar vazão ao sofrimento – pois “verdadeiros são apenas os pensamentos que não compreendem a si mesmos”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.).

Chegamos, então, ao não idêntico da dialética negativa: a dor da natureza recalcada no processo civilizatório, desde sempre refratária ao discurso conceitual afirmativo da ciência. Essa dor se localiza num corpo de vidas precarizadas, organizadas por biopolíticas controladoras que, sendo poder, também são desorganizadas no e pelo corpo(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.,1919. Foucault M. História da sexualidade I – A vontade de saber. 7th ed. Rio de Janeiro: Grall; 1985.,2323. Ortegosa Aggio J. Por uma sexualidade livre à luz de Foucault. Princípios. 2020;27(52):115–41. doi: http://dx.doi.org/10.21680/1983-2109.2020v27n52ID19233
https://doi.org/10.21680/1983-2109.2020v...
). A negatividade é o pensamento que diz “não” ao que aparece imediatamente dado aos sentidos como imutável, determinado necessariamente de um modo, e não de outro. Trata-se do movimento privilegiado da crítica, sem a qual não se provoca mudanças.

Decerto, não se trata de qualquer crítica, ou de nenhuma que venha de fora (no caso: prescrever que as mulheres são cuidadoras naturais em vista da biologia por dogmas externos, desconsiderando as particularidades de cada uma de nós), mas da crítica imanente, isto é, aquela que é inerente ao objeto. Melhor dizendo, a crítica imanente rejeita qualquer critério externo ao que pretende descrever; ela busca os potenciais no próprio objeto, por meio deles realiza a autorreflexão, incita a diferença entre a coisa e o conceito. Ela explicita a distância entre o que uma coisa pode ser em relação ao que é dito sobre ela, ou o que ela pode ser. A negatividade da crítica imanente confronta os discursos sobre os fenômenos em relação às coisas nelas mesmas, busca as contradições do não idêntico definido como igual ou semelhante sem, contudo, buscar um novo idêntico – posto que ela evita a síntese conceitual, positivada, identificadora(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.,2121. Fleck A. From the immanent criticism to critique of suffering: the normative justification of Adorno’s latework. Revista Ethic. 2016;15(1):65–84. doi: http://dx.doi.org/10.5007/1677-2954.2016v15n1p65
https://doi.org/10.5007/1677-2954.2016v1...
,2222. Alves Jr DG. Dialética da vertigem: Adorno e a Filosofia Moral. São Paulo: Escuta; Belo Horizonte: Fumec/FCH; 2005.).

À guisa de síntese, dissemos que a biopolítica se entrecruza com a dialética negativa no corpo, como objeto e agente do cuidado, concebido na tensão subversiva entre ajuda e poder conformadoras de práticas discursivas. Sentimos no corpo as marcas indizíveis da nossa vulnerabilidade violentada e sofredora, advinda da dominação da natureza externa e interna no processo civilizatório, mediada pela estruturação da linguagem nas ações humanas. Na dialética do esclarecimento, percebemos que o ser humano incorporou o próprio pavor primordial que ele quis destruir externamente, produzindo mais violência e uma versão barbarizada de nós mesmos.

Com a instrumentalização da razão humana, expressa na linguagem científica atrelada ao capitalismo, o sofrimento corpóreo da natureza violentada em nós se manifesta sob complexas síndromes de adoecimento que desafiam os saberes biomédicos e da enfermagem. Dessa feita, em geral, nosso cuidar se reduz a procedimentos; nosso saber acumula evidências e esquiva contradições; nossa prática incorpora e reedita discursos que nos violentam, sob o epíteto da “cuidadora natural”. Vimos que a dialética negativa procura justo o que fora relegado no processo de positivação da linguagem declarativa – a saber, o não idêntico, a natureza violentada no corpóreo. O descuidado como negatividade crítica imanente de discursos, então, contrasta o conceito com a coisa, o objeto com o que se diz sobre ele, provocando rupturas e desagregações de um suposto todo imutável.

Vejamos, no próximo tópico, de que forma o triedro negativo do cuidar – expresso pelo cuidar para descuidar, confrontar e arrepiar – realiza a crítica discursiva de estereótipos de gênero na enfermagem, tomando por exemplo a “cuidadora natural”.

Triedro Negativo do Cuidar: Descuidar, Confrontar e Arrepiar da “Cuidadora Natural” na Enfermagem

A crítica imanente realiza a negação da ideologia, vista como uma “ilusão socialmente necessária”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.) ou como um discurso legitimador de poderes na sociedade. Em Adorno, o discurso ideológico diz respeito à indissociabilidade entre o particular (diferença) e o universal (igual), produto da razão esclarecida. Dito de outro modo, a ideologia toma singularidades humanas por generalidades socialmente mantenedoras de poderes hegemônicos, discriminando pessoas conforme discursos convenientemente produzidos e estabelecidos por relações de poderes. Nessa perspectiva, realizar a crítica dos estereótipos de gênero também significa criticar as ideologias sexistas, machistas e racistas que reproduzem as contradições entre capitalismo e cuidado, as quais desvalorizam o trabalho realizado por mulheres. Por conseguinte, o estereótipo da cuidadora natural na enfermagem retroalimenta outros rótulos discriminatórios em função de concepções binárias de gênero. Se bem repararmos, a historicidade da profissão se confunde com essa miscelânia de preconceitos que informam a categoria gênero – haja vista a divisão social e sexual do trabalho presentes na equipe, desigualmente marcadas por condições de raça, escolaridade, classe social e geração entre enfermeiras e técnicas(44. Guimarães NA, Vieira PPF. As “ajudas”: o cuidado que não diz seu nome. Estud Av. 2020;34(98):7–24. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.002
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020....
77. Machado MH, Koster I, Aguiar Fo W, Wermelinger MCMW, Freire NP, Pereira EJ. Labor market and regulatory processes – Nursing in Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(1):101–12. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.27552019. PubMed PMID: 31859859.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
,1313. Stokes-Parish J, Barrett D, Elliott R, Massey D, Rolls K, Credland N. Fallen angels and forgotten heroes: a descriptive qualitative study exploring the impact of the angel and hero narrative on critical care nurses. Aust Crit Care. 2023;36(1):3–9. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.aucc.2022.11.008. PubMed PMID: 36470775.
https://doi.org/10.1016/j.aucc.2022.11.0...
1717. Souza HS, Mendes ÁN, Chaves AR. Nursing workers: achievement of formalization, hard work and collective action dilemas. Cien Saude Colet. 2020;25(1):113–22. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.29172019. PubMed PMID: 31859860.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
).

Outro destaque sobre a crítica imanente diz respeito a sua inserção na filosofia moral em Adorno, especialmente quanto à negação do sofrimento do corpóreo. Ou seja, “o momento corporal anuncia ao conhecimento que o sofrimento não deve ser, que ele deve mudar. A dor diz: pereça”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.). Entendamos que essa negação do sofrimento (o não idêntico da natureza violentada no corpo) não significa sua anestesia, a exemplo do modelo biomédico dantes discutido. Nem poderia, uma vez que a dor como negatividade constitui “o motor do pensamento dialético”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.). Tampouco se refere a uma preocupação restrita à dor física, à revelia das psíquicas, morais e outras. Diferente disso, o que se propõe é a crítica de um sofrimento que é somático, material, mas também sem sentido, quer dizer, inumano.

A vibração corpórea da dor sem sentido se torna um critério moral relevante para identificar o mal a ser combatido. Para Adorno, uma vez que não podemos saber o que é o bem, sem que caiamos em discursos dogmáticos, o sofrimento informa pelo menos o que não queremos, aquilo que não pode ser concebido para a vida humana, o que nos conecta ao outro pelo sofrimento primevo, vivido singularmente(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.,2121. Fleck A. From the immanent criticism to critique of suffering: the normative justification of Adorno’s latework. Revista Ethic. 2016;15(1):65–84. doi: http://dx.doi.org/10.5007/1677-2954.2016v15n1p65
https://doi.org/10.5007/1677-2954.2016v1...
,2222. Alves Jr DG. Dialética da vertigem: Adorno e a Filosofia Moral. São Paulo: Escuta; Belo Horizonte: Fumec/FCH; 2005.). Assim, a sociedade “[…] teria o seu telos na negação do sofrimento físico ainda do último dos seus membros e nas formas de reflexão intrínsecas a esse sofrimento”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.).

Nesse contexto, no entrecruzamento da dialética negativa com a biopolítica do corpo, o descuidado inicia a negatividade do sofrimento do corpóreo, digo, viabiliza que as “formas de reflexão”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.) mobilizadas somaticamente pela dor ganhem magnitude no pensar dialético. O descuidar enquanto crítica discursiva imanente procura as contradições semânticas dos discursos por meio da negação de afirmações prefixadas, provocando a inadequação das características da coisa com o falso rótulo recebido. No âmbito das práticas da enfermagem, não precisamos de muito esforço para constatar que o cotidiano de enfermeiras e técnicas sofre os reverses opressivos da suposta benevolência do cuidar, haja vista as sobrecargas de trabalho, os baixos salários (sobretudo na assistência, onde o imaginário da “cuidadora natural” prevalece), a dificuldade de emprego ou discriminações interseccionais, dantes discutidas(77. Machado MH, Koster I, Aguiar Fo W, Wermelinger MCMW, Freire NP, Pereira EJ. Labor market and regulatory processes – Nursing in Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(1):101–12. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.27552019. PubMed PMID: 31859859.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
1717. Souza HS, Mendes ÁN, Chaves AR. Nursing workers: achievement of formalization, hard work and collective action dilemas. Cien Saude Colet. 2020;25(1):113–22. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.29172019. PubMed PMID: 31859860.
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
).

Da mesma forma, descuidemos do discurso da “natureza” presente no estereótipo da cuidadora natural. Pelo viés sexista que o sustenta, a mulher estaria destinada ao cuidado pela sua “natureza” biológica. Todavia, de que natureza se trata, quando se atribui essa pretensa imutabilidade? A natureza determinista, evolucionista, restrita a características anatomopatológicas, cindida entre o macho viril e a fêmea frágil, apenas acalenta os desejos machistas, tanto quanto os discursos mecanicistas e darwinistas, há muito refutados pela própria ciência. A natureza que desconhecemos, tanto quanto desejamos dominar pela linguagem, nega essa versão: ela é misteriosa, caótica e orgânica ao mesmo tempo; incerta, imprevisível, ambígua, bela e feroz – cuja exuberância de forças apavoram, seduzem e lembram nossa origem indefesa, frágil e impotente(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.2626. Meneses AB. Sereias: sedução e saber. Rev Inst Estud Bras. 2020;(75):71–93. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v1i75p71-93
https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X....
).

Mas se a própria ciência e as análises discursivas negam essa versão da natureza enrijecida e sexista, de onde viria, então, o discurso da mulher como um ser inferior ao homem, frágil, indefesa, emotiva, maternal e cuidadora na sua essência? Sobre isso, não custa lembrar a influência das teorias filosóficas e teológicas do direito natural, ou justanaturalistas, segundo as quais a natureza e as criaturas como criações divinas seguem uma lei maior que as ordena hierarquicamente, cabendo aos seres humanos obedecê-la, nunca modificá-la. Essa mesma visão justificou o sangrento processo de colonização brasileiro pelo homem branco europeu, assim como a escravidão de negros, a exploração sexual da mulher negra e a evangelização de indígenas, pois se duvidava que teriam almas(2828. Chaui M. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fund. Perseu Abramo; 2001.). O resíduo de toda natureza violentada por ideologias discursivas se incorpora em nós, sem linguagem, cuja memória foge ao consciente. Constatamos mais uma contradição inerente ao discurso da “cuidadora natural”, posto que a natureza nela mesma pode ser tudo, menos imutável, assim como qualquer “essência feminina” convenientemente discorrida para se apropriar de nossos corpos(22. Tronto JC. An Interview with Joan Tronto on Care Ethics and Nursing Ethics. In: Kohlen H, McCarthy J, editors. Nursing ethics: feminist perspectives. Switzerland: Springer; 2020. p. 93–6. doi: http://dx.doi.org/10.1007/978-3-030-49104-86
https://doi.org/10.1007/978-3-030-49104-...
66. Biroli F, Quintela DF. Sexual division of labor, separation and hierarchy: contributions to the analysis of the gender of democracies. Rev Pol & Trab [Internet]. 2021 [cited 2023 Mar 2];1(53):72–89. Available from: https://periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/view/51417
https://periodicos.ufpb.br/index.php/pol...
,2323. Ortegosa Aggio J. Por uma sexualidade livre à luz de Foucault. Princípios. 2020;27(52):115–41. doi: http://dx.doi.org/10.21680/1983-2109.2020v27n52ID19233
https://doi.org/10.21680/1983-2109.2020v...
2626. Meneses AB. Sereias: sedução e saber. Rev Inst Estud Bras. 2020;(75):71–93. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v1i75p71-93
https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X....
,2828. Chaui M. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fund. Perseu Abramo; 2001.).

Uma vez descuidadas semanticamente as “ilusões socialmente necessárias” à manutenção da cuidadora natural, confrontemos as características imanentes da natureza com o que é dito sobre ela. Mais ainda, contrastemos os sentidos perversos que esse estereótipo produz sobre os corpos e as vozes das mulheres no trabalho do cuidado, tão afeito ao saber e à prática da enfermagem. Analisemos igualmente as violências que a crença na “cuidadora natural” produz, ao ratificar o ideário machista da mulher dócil, obediente, carinhosa, abnegada, renunciada, recatada, maternal, devota e dedicada em suprir as necessidades do homem. Na enfermagem, essa visão da mulher recebe a alcunha de “anjos e heróis”, praticantes do “cuidado por amor”. Nesse fotolito, eis o negativo: se somos anjos, sequer temos corpo, nem necessidades, o que contradiz performaticamente o estereótipo sexista de que a mulher representa a volúpia dos desejos corporais. Então, nós, enfermeiras e técnicas, não precisamos de piso salarial, flores e sorrisos protocolares uma vez ao ano nos remuneram, assim como palminhas nas janelas. A ironia da frase é proporcional ao resquício do sofrimento causado pela obediência irrefletida de ideologias que nos desumanizam.

Após descuidarmos e confrontarmos o discurso da “cuidadora natural” com a realidade da profissão, chegamos à terceira, mais incerta, negativa e ambígua face do triedro, o arrepio. Arrepiar é uma sensação física imprevisível, súbita, incontrolável e inespecífica que provoca sentimentos concomitantes de prazer e desconforto no corpo. Ao propormos o arrepiar à análise das práticas discursivas pelo triedro do cuidar, intencionamos associar essa inusitada sensação física aos prenúncios do não idêntico somático, isto é, da natureza aprisionada que clama por manifestação indeterminada.

Assim como são diversos, individuais e não padronizáveis os motivos que provocam o arrepio no corpo, da mesma forma, na dialética negativa, o arrepiar não significa síntese ou emancipação do cuidado. Ao contrário, ele nega justamente esse acoplamento; antes disso, o arrepio remete ao “[…] temor físico nu e cru e o sentimento de solidariedade com os corpos torturáveis”(1515. Sousa Fo JD, Sousa KHJF, Silva ÍR, Zeitoune RCG. Covid-19 pandemic and Brazilian Nursing: unveiling meanings of work. Rev Esc Enferm USP. 2022;56(56):e20220156. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-220x-reeusp-2022-0156en. PubMed PMID: 36122363
https://doi.org/10.1590/1980-220x-reeusp...
). Dito de outro modo, à semelhança do estremecer, o arrepiar sinaliza fisicamente que o sofrimento alheio espelha nossa própria humanidade ferida, ainda que repentinamente. A solidariedade humana de se importar com o outro perfaz as características do comportamento moral que fora “negado por meio da aspiração à racionalização intransigente”(1818. Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.); leia-se: coibido pela razão instrumental afirmativa.

Detalhemos esse ponto, pois não se trata da clássica compaixão, aquela que alimenta discursos moralistas de bondade e de amorosidade que acobertam as injustiças do trabalho do cuidado realizado por mulheres(22. Tronto JC. An Interview with Joan Tronto on Care Ethics and Nursing Ethics. In: Kohlen H, McCarthy J, editors. Nursing ethics: feminist perspectives. Switzerland: Springer; 2020. p. 93–6. doi: http://dx.doi.org/10.1007/978-3-030-49104-86
https://doi.org/10.1007/978-3-030-49104-...

3. Oliveira Sargentini VM. Há em Foucault um gesto inaugural nos estudos do discurso? HTP. 2019;1(1):34–47. doi: http://dx.doi.org/10.14393/HTP-v1n1-2019-48526
https://doi.org/10.14393/HTP-v1n1-2019-4...

4. Guimarães NA, Vieira PPF. As “ajudas”: o cuidado que não diz seu nome. Estud Av. 2020;34(98):7–24. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.002
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020....

5. Fraser N, Sousa Fo JIR. Contradições entre capital e cuidado. Princípios [Internet]. 2020 [cited 2023 Mar 23];27(53):261–88. Available from: https://periodicos.ufrn.br/principios/article/view/16876
https://periodicos.ufrn.br/principios/ar...
-66. Biroli F, Quintela DF. Sexual division of labor, separation and hierarchy: contributions to the analysis of the gender of democracies. Rev Pol & Trab [Internet]. 2021 [cited 2023 Mar 2];1(53):72–89. Available from: https://periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/view/51417
https://periodicos.ufpb.br/index.php/pol...
). Nada mais distante da dialética negativa que universalizações de normas com propensão a dogmas, sejam elas quais forem, inclusive as incongruências irrefletidas da ciência positivista. Ao invés disso, o que moveria esse sentimento de inclusão do outro, do estranho mutilado e sem voz, seria um resquício comum do terror e do prazer humano diante das forças naturais, do não idêntico enclausurado nos corpos no processo de dominação da natureza. Noutras palavras, o tremor corporal nos relembra a semelhança e o desejo pela exuberante e temível natureza externa e interna violentada (relembremos as sereias do mito de Ulisses). Decerto, a impotência e o medo humano perante a magnitude de fenômenos que não controlamos, imiscuída ambiguamente em sentimentos de prazer e de dor, embora adormecida por medicamentos, seria menor que o pavor de perder definitivamente os tremores que nos vivificam, daí a aposta no arrepio.

O arrepiar é uma sensação única, mas essa capacidade é humanamente partilhada. Outrossim, o que nos torna moralmente humanas(os) – melhor dizendo, propensas(os) singularmente a cuidar do outro, ao desejo de acolher o estranho que nos habita – passa pela capacidade de nos arrepiarmos diante do sofrimento, da inumanidade, da precariedade da vida(2929. Bretas AC. Pode-se levar uma vida boa em uma vida ruim, por Judith Butler. Cad Ética Filos Polít. 2018;2(33):213–29. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1517-0128.v2i33p213-229
https://doi.org/10.11606/issn.1517-0128....
,3030. Alves Jr DG, Theodor W. Adorno and the material dialectic of morality. Veritas (Valpso). 2018;63(2):711–26. doi: http://dx.doi.org/10.15448/1984-6746.2018.2.30787
https://doi.org/10.15448/1984-6746.2018....
). No choque momentâneo do arrepio, a depender do arrebatamento provocado, a negatividade e a desobediência de normas indignas aumentam, ou não.

Obviamente, são imprevisíveis as motivações humanas que provocam mudanças impulsivas no agir moral, especialmente no que se refere às possibilidades biopolíticas de um cuidar que confronte os discursos ideológicos. Tampouco prescreveremos condutas morais a partir do arrepio, posto que cairíamos na positividade do pensamento reificado que contestamos. Bem sabemos que um arrepio pode ser agradável ou desconfortável, forte ou fraco, mais ou menos intenso – mas dificilmente esse incômodo físico passa despercebido. Da mesma forma, no triedro negativo do cuidar aqui proposto, o arrepio buscado é o que nos cause uma abertura ao estranho, de tal modo que dificilmente permanecemos indiferentes à sensação provocada. Se provocamos ou não arrepio ao confrontar o sofrimento causado em nós e noutras mulheres pelas falácias da cuidadora natural, trata-se de uma jogada de risco, negativa, sujeita a múltiplas interpretações.

Considerações Finais

No encontro da biopolítica com a dialética negativa do cuidado no corpo, argumentamos por um triedro negativo do cuidar à crítica discursiva do estereótipo da cuidadora natural na enfermagem e suas repercussões nas práticas acossadas por discursos preconceituosos, por vezes ratificados nas vozes da própria profissão. A partir do cuidar para descuidar, confrontar, arrepiar, procedemos a análise discursiva para aflorar a não identidade entre a concretude da prática da enfermagem e o que afirma o rótulo da “cuidadora natural”. No descuidado, realizamos a crítica imanente tanto da realidade da profissão quanto da noção de natureza alardeada no cuidado de mulheres. Nisso, atiçamos o desencontro entre o inóspito cotidiano de enfermeiras e equipe em relação à falácia do estereótipo. Ou seja, com o descuidado, refletimos sobre as contradições e os sofrimentos corpóreos de mulheres, enfermeiras ou não, invisibilizados na propalada amorosidade do cuidado. Expostas as incongruências que mais maltratam do que cuidam no estereótipo da cuidadora natural, contrastamos provocativamente essas versões, de modo a combater a hegemonia discursiva de que as mulheres estão predestinadas a prover o bem-estar dos outros. O arrepio aqui proposto, sentido fisicamente ou não, consiste numa metáfora associativa à negatividade discursiva – um descuidado crítico que busca, sem coagir, o sofrimento do corpóreo, resíduo da natureza violentada por práticas discursivas. Se tivermos despertado fisicamente qualquer sensação de desconforto – seja nas que duvidam ou discordam do presente texto – será a nossa vez de arrepiar.

REFERENCES

  • 1.
    Pires MRGM, Fonseca RMGS, Padilla B. Politicy of care in the criticism towards gender stereotypes. Rev Bras Enferm. 2016;69(6):1223–30. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0441. PubMed PMID: 27925101.
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0441
  • 2.
    Tronto JC. An Interview with Joan Tronto on Care Ethics and Nursing Ethics. In: Kohlen H, McCarthy J, editors. Nursing ethics: feminist perspectives. Switzerland: Springer; 2020. p. 93–6. doi: http://dx.doi.org/10.1007/978-3-030-49104-86
    » https://doi.org/10.1007/978-3-030-49104-86
  • 3.
    Oliveira Sargentini VM. Há em Foucault um gesto inaugural nos estudos do discurso? HTP. 2019;1(1):34–47. doi: http://dx.doi.org/10.14393/HTP-v1n1-2019-48526
    » https://doi.org/10.14393/HTP-v1n1-2019-48526
  • 4.
    Guimarães NA, Vieira PPF. As “ajudas”: o cuidado que não diz seu nome. Estud Av. 2020;34(98):7–24. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.002
    » https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.002
  • 5.
    Fraser N, Sousa Fo JIR. Contradições entre capital e cuidado. Princípios [Internet]. 2020 [cited 2023 Mar 23];27(53):261–88. Available from: https://periodicos.ufrn.br/principios/article/view/16876
    » https://periodicos.ufrn.br/principios/article/view/16876
  • 6.
    Biroli F, Quintela DF. Sexual division of labor, separation and hierarchy: contributions to the analysis of the gender of democracies. Rev Pol & Trab [Internet]. 2021 [cited 2023 Mar 2];1(53):72–89. Available from: https://periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/view/51417
    » https://periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/view/51417
  • 7.
    Machado MH, Koster I, Aguiar Fo W, Wermelinger MCMW, Freire NP, Pereira EJ. Labor market and regulatory processes – Nursing in Brazil. Cien Saude Colet. 2020;25(1):101–12. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.27552019. PubMed PMID: 31859859.
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27552019
  • 8.
    Teresa-Morales C, Rodríguez-Pérez M, Araujo-Hernández M, Feria-Ramírez C. Current stereotypes associated with nursing and nursing professionals: an integrative review. Int J Environ Res Public Health. 2022;19(13):7640. doi: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph19137640. PubMed PMID: 35805296.
    » https://doi.org/10.3390/ijerph19137640
  • 9.
    Prosen M. Nursing students’ perception of gender-defined roles in nursing: a qualitative descriptive study. BMC Nurs. 2022;21(1):104. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12912-022-00876-4. PubMed PMID: 35509039.
    » https://doi.org/10.1186/s12912-022-00876-4
  • 10.
    Burton CW. Paying the caring tax: the detrimental influences of gender expectations on the development of nursing education and science. ANS Adv Nurs Sci. 2020;43(3):266–77. doi: http://dx.doi.org/10.1097/ANS.0000000000000319. PubMed PMID: 32732607.
    » https://doi.org/10.1097/ANS.0000000000000319
  • 11.
    Pedrosa OR, Caïs J, Monforte-Royo C. Emergencia del modelo de enfermería transmitido en las universidades españolas: una aproximación analítica a través de la Teoría Fundamentada. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(1):41–50. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018231.21132017
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.21132017
  • 12.
    Andina-Díaz E, Ventura-Miranda MI, Quiroga-Sánchez E, Ortega-Galán ÁM, Fernández-Medina IM, Ruiz-Fernández MD. Nursing students’ perception about gender inequalities presented on social networks: a qualitative study. Int J Environ Res Public Health. 2023;20(3):1962. doi: http://dx.doi.org/10.3390/ijerph20031962. PubMed PMID: 36767328.
    » https://doi.org/10.3390/ijerph20031962
  • 13.
    Stokes-Parish J, Barrett D, Elliott R, Massey D, Rolls K, Credland N. Fallen angels and forgotten heroes: a descriptive qualitative study exploring the impact of the angel and hero narrative on critical care nurses. Aust Crit Care. 2023;36(1):3–9. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.aucc.2022.11.008. PubMed PMID: 36470775.
    » https://doi.org/10.1016/j.aucc.2022.11.008
  • 14.
    Mendes M, Bordignon JS, Menegat RP, Schneider DG, Vargas MAO, Santos EKA, et al. Neither angels nor heroes: nurse speeches during the COVID-19 pandemic from a Foucauldian perspective. Rev Bras Enferm. 2021;75(Suppl 1):e20201329. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1329. PubMed PMID: 34614072.
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1329
  • 15.
    Sousa Fo JD, Sousa KHJF, Silva ÍR, Zeitoune RCG. Covid-19 pandemic and Brazilian Nursing: unveiling meanings of work. Rev Esc Enferm USP. 2022;56(56):e20220156. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-220x-reeusp-2022-0156en. PubMed PMID: 36122363
    » https://doi.org/10.1590/1980-220x-reeusp-2022-0156en
  • 16.
    Gandra EC, Silva KL, Passos HR, Schreck RSC. Brazilian nursing and the COVID-19 pandemic: inequalities in evidence. Esc Anna Nery. 2021;25(25(spe)):e20210058. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2021-0058.
    » https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2021-0058
  • 17.
    Souza HS, Mendes ÁN, Chaves AR. Nursing workers: achievement of formalization, hard work and collective action dilemas. Cien Saude Colet. 2020;25(1):113–22. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.29172019. PubMed PMID: 31859860.
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.29172019
  • 18.
    Adorno TW. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.
  • 19.
    Foucault M. História da sexualidade I – A vontade de saber. 7th ed. Rio de Janeiro: Grall; 1985.
  • 20.
    Thompson JB. Ideologia e cultura moderna: Teoria Social crítica na era dos meios de comunicação de massa. São Paulo: Vozes; 1995.
  • 21.
    Fleck A. From the immanent criticism to critique of suffering: the normative justification of Adorno’s latework. Revista Ethic. 2016;15(1):65–84. doi: http://dx.doi.org/10.5007/1677-2954.2016v15n1p65
    » https://doi.org/10.5007/1677-2954.2016v15n1p65
  • 22.
    Alves Jr DG. Dialética da vertigem: Adorno e a Filosofia Moral. São Paulo: Escuta; Belo Horizonte: Fumec/FCH; 2005.
  • 23.
    Ortegosa Aggio J. Por uma sexualidade livre à luz de Foucault. Princípios. 2020;27(52):115–41. doi: http://dx.doi.org/10.21680/1983-2109.2020v27n52ID19233
    » https://doi.org/10.21680/1983-2109.2020v27n52ID19233
  • 24.
    Adorno T, Horkheimer M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1985.
  • 25.
    Rodrigues C. Being and becoming: Butler reads de Beauvoir. Cadernos Pagu. 2019;56:e195605. doi: http://dx.doi.org/10.1590/18094449201900560005
    » https://doi.org/10.1590/18094449201900560005
  • 26.
    Meneses AB. Sereias: sedução e saber. Rev Inst Estud Bras. 2020;(75):71–93. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v1i75p71-93
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v1i75p71-93
  • 27.
    Mattos JCO, Gasparino RC, Cardoso ML, Bernardes A, Cunha IC, Balsanelli AP. Nurses coaching leadership related to practice environment within primary health care. Texto Contexto Enferm. 2022;31:e20210332. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2021-0332en
    » https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2021-0332en
  • 28.
    Chaui M. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fund. Perseu Abramo; 2001.
  • 29.
    Bretas AC. Pode-se levar uma vida boa em uma vida ruim, por Judith Butler. Cad Ética Filos Polít. 2018;2(33):213–29. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1517-0128.v2i33p213-229
    » https://doi.org/10.11606/issn.1517-0128.v2i33p213-229
  • 30.
    Alves Jr DG, Theodor W. Adorno and the material dialectic of morality. Veritas (Valpso). 2018;63(2):711–26. doi: http://dx.doi.org/10.15448/1984-6746.2018.2.30787
    » https://doi.org/10.15448/1984-6746.2018.2.30787

Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Márcia Regina Martins Alvarenga

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2023
  • Aceito
    28 Jul 2023
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br