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Entre o obsceno e o científico: pornografia, sexologia e a materialidade do sexo

Between the Obscene and the Scientific: Pornography, Sexology and Sex Materiality

Resumo:

A partir de uma comparação entre os discursos da pornografia e da sexologia, este artigo explora questões sobre as variadas manifestações da sexualidade na cultura, a construção de roteiros eróticos e as operações através das quais o sexo é materializado através de instâncias de produção de verdade. Embora pareça inusitado, sugerimos que estes dois exemplos são saberes sexuais que compartilham referências e formas de atuação que nos fazem pensar a respeito da preeminência de certas normas de gênero e de interpretações contemporâneas acerca da produção da materialidade do sexo.

Palavras-chave:
Sexualidade; pornografia; sexologia; Antropologia do corpo

Abstract:

From a comparison between pornography and sexology discourses, this article explores issues about many sexuality manifestations on culture, the development of erotic scripts, and operations through which sex is materialized through regimes of truth production . . Although it may seem unusual, we suggest that both examples are forms of sexual knowledge that share references and means of action, inciting us to think about the distinction of some gender norms, and contemporary interpretations about the production of the materiality of sex.

Key words:
Sexuality; Pornography; Sexology; Anthropology of the Body

Introdução

A sexualidade aparece nas ciências sociais como uma instância na qual a articulação entre cultura e subjetividade emerge de maneira particularmente intrincada e de difícil apreensão - como um fenômeno que parece resistir a qualquer tipo de separação entre o social e o intrapsíquico, mesmo nas ocasiões em que estas esferas são tomadas como estritamente analíticas e reconhecidamente artificiais. Quando refletimos mais especificamente sobre o que Michel Foucault (2012) chama de uma pedagogia da sexualidade, ou sobre como certos "saberes" eróticos se apresentam, transitam, e são finalmente incorporados e performatizados pelo indivíduo através de processos sofisticados, evidencia-se a necessidade de olharmos mais demorada e cuidadosamente para as operações de apropriação dos variados tipos de conhecimento sobre o erotismo e o sexo.

Por meio de uma comparação entre os casos da pornografia e da sexologia - que constituem dois destes saberes ao qual Foucault (2012) se refere -, refletimos, ao longo do presente texto, sobre questões mais amplas, como as variadas manifestações da sexualidade na cultura, a construção de roteiros eróticos, as operações através das quais o sexo é materializado e trazido à existência por meio do que chamamos de "gênero". Partimos da ideia de que estes dois exemplos são saberes sexuais que compartilham referências e formas de atuação muito significativas que produzem corpos sexuados através da reiteração e recitação de certas normas de gênero. É importante dizer que não estamos discutindo aqui as imensas variações concretas tanto na pornografia quanto na sexologia contemporâneas, mas, trazendo à tona as linhas de intersecção que parecem caracterizar a trajetória inaugural destes dois saberes nos seus marcos mais fundamentais, e nos seus contextos de emergência, como mostraremos a seguir.

Para tal, precisamos recordar que a visão da sexualidade humana como quase indistinta da sexualidade animal - e, portanto, pertencente a um domínio pré-humano e não cultural, - só passou a ser problematizada pelas ciências sociais de maneira mais sistemática quando Marcel Mauss (2003MAUSS, Marcel (1934). Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.) e outros autores sugeriram que os humanos aprendem qualquer técnica corporal através de observação, mímica, instrução formal, informal e outros recursos sociais. Não demorou para que esta interpretação fosse extrapolada para o estudo da sexualidade. Ao propor a teoria dos "roteiros sexuais", na década de 1970, por exemplo, John H. Gagnon (2006GAGNON, John H. "Vários capítulos". In: ESCOFFIER, Jeffrey (Org.). Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.) e William Simon (apud Jeffrey ESCOFFIER, 2006ESCOFFIER, Jeffrey. "Introdução". In: ESCOFFIER, Jeffrey (Org.). Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.) tiveram um papel central no desenvolvimento de uma abordagem do sexo que não apenas refutava perspectivas biologizantes, mas que oferecia uma alternativa persuasiva fundamentalmente calcada em teorias sociais. Jeffrey Escoffier explica, na introdução da coletânea Uma interpretação do desejo:

[...] Gagnon e Simon introduziram uma concepção minuciosa do comportamento sexual como um processo aprendido, que é possibilitado não por impulsos instintivos ou exigências fisiológicas, mas por se inserir em roteiros sociais complexos, que são específicos de determinados contextos culturais e históricos. Sua abordagem frisou a importância da ação individual e dos símbolos culturais na condução das atividades sexuais. Gagnon e Simon redefiniram a sexualidade, passando-a do conjunto dos impulsos biológicos e da repressão social para um campo de iniciativa social criativa e de ação simbólica (2006, p. 18).

Segundo estes autores, desde o início do século XX propusemo-nos, enquanto cientistas sociais, a observar as tendências específicas da conduta social, bem como transformações diacrônicas no conteúdo das ideologias sexuais. Dois pontos, no entanto, precisam ser enfatizados no que diz respeito à teoria dos roteiros: 1) não é possível pensar nem a noção de técnicas corporais, e nem a de roteiros sexuais, como processos que não sejam profundamente internalizados e não deliberados; 2) estes scripts são expressivamente flexíveis, uma vez que variam de indivíduo para indivíduo e estão sempre sujeitos a um grande número de fatores socioculturais e subjetivos:

[S]eu pressuposto sociológico mais importante é a ênfase [...] na "assunção de papéis", que se refere à capacidade de os atores sociais preverem o comportamento situacionalmente específico de seus parceiros de ação. As expectativas do ator em relação ao comportamento do outro permitem que o ator lide com as interações de seu parceiro ou parceira, mas também contribuem, de modo fundamental, para a síntese que ele faz de seu próprio sentimento reflexivo do eu. Na teoria da roteirização, nem o sujeito humano nem a situação social constituem a realidade primária. Cada qual se constitui em e por meio de práticas simbólicas reiteradas. Além disso, todos estão inseridos em estruturas sociais e culturas populares. Os roteiros acionados pelos atores sociais são suas interpretações das normas sociais, dos mitos culturais e das formas de conhecimento carnal (ESCOFFIER, 2006ESCOFFIER, Jeffrey. "Introdução". In: ESCOFFIER, Jeffrey (Org.). Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2006., p. 22).

A pesquisa de Gagnon (2006GAGNON, John H. "Vários capítulos". In: ESCOFFIER, Jeffrey (Org.). Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.) e Simon (apud Jeffrey ESCOFFIER, 2006ESCOFFIER, Jeffrey. "Introdução". In: ESCOFFIER, Jeffrey (Org.). Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.) guarda aproximações evidentes com o que seria proposto por Michel Foucault (2012), especialmente no primeiro volume de História da Sexualidade. Mas, ainda que ambas sejam teorias da produção discursiva com ênfase na construção social da sexualidade, as duas tradições definitivamente enfatizaram questões distintas: Foucault e seus seguidores teriam se debruçado sobre as grandes narrativas históricas e os regimes de regulação sexual, enquanto Gagnon e Simon teriam se preocupado mais em examinar como os processos históricos e os regimes de regulação moldam a vida sexual dos indivíduos. A existência destas duas perspectivas apenas vem reiterar que os fenômenos sociais do âmbito da sexualidade parecem mais bem interpretados enquanto fluxo ininterrupto entre cultura e sujeito, como voltaremos a propor nas seções a seguir.

1 As ciências da sexualidade

O primeiro volume de História da Sexualidade, de Michel Foucault (originalmente publicado em 1976FOUCAULT, Michel. (1976) História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 2012.), permanece uma das obras mais significativas a desenvolver o argumento de que o saber sexual seria socialmente "transmitido" por processos similares ao dos demais conhecimentos humanos. O autor propõe, neste primeiro tomo, que existiriam dois grandes procedimentos de produção de verdade sobre o sexo: enquanto civilizações antigas ou não ocidentais teriam organizado seu conhecimento ao redor de uma arte erótica (ars erotica) dedicada a passar adiante o conhecimento dos mais experientes sem especificar ou classificar detalhes do mesmo, as sociedades ocidentais modernas teriam erigido o que o autor chama de uma ciência sexual (scientia sexualis) - uma hermenêutica do desejo dedicada a explorar de maneira detalhada as verdades científicas da sexualidade. O que distingue este último modelo é, deste modo, o fato de que, nele, a verdade sobre o sexo estaria encerrada na forma discursiva da confissão, e não na da instrução ou da iniciação.

Segundo Foucault, a sociedade ocidental teria articulado o saber do sexo na ascensão da confidência: "não se trata somente de dizer o que foi feito - o ato sexual - e como; mas de reconstituir nele e ao seu redor os pensamentos e as obsessões que o acompanham, as imagens, os desejos, as modulações e a qualidade do prazer que o contém" (2012, p. 72). O autor sugere, ainda, que teria havido um processo histórico no qual a confissão - que constituiria a base ritualística da cosmologia cristã - teria se desvinculado do sacramento da penitência e emigrado para "a pedagogia, para as relações entre adultos e crianças, para as relações familiares, a medicina e a psiquiatria" (FOUCAULT, 2012, p. 77). Ele prossegue:

No ponto de intersecção entre uma técnica de confissão e uma discursividade científica, lá onde foi preciso encontrar entre elas alguns mecanismos de ajustamento (...) a sexualidade foi definida como sendo, "por natureza", um domínio penetrável por processos patológicos, solicitando, portanto, intervenções terapêuticas ou de normalização; um campo de significações a decifrar; um lugar de processos ocultos por mecanismos específicos; um foco de relações causais infinitas, uma palavra obscura que é preciso, ao mesmo tempo, desencavar e escutar.

Mais que isso, as ciências sociais dão conta de que todos estes discursos se intersectam na concepção de que a realidade do sexo só pode ser obtida via o detalhamento, a catalogação, a reconstituição dos prazeres envolvidos nas práticas eróticas. É essencial, no entanto, destacar que esse modo de produção dos discursos sexuais está profundamente relacionado com a emergência de uma chamada "cultura da matéria", ou seja, ele está enredado no modo como a cultura produziu discursos sobre a diferença e a complementaridade sexuais que permitiram a prevalência de um modelo científico baseado em dois-sexos prototípicos (masculino e feminino), tal qual proposto por Thomas Laqueur em Inventando o sexo (1990LAQUEUR, Thomas. Making Sex. Cambridge: Harvard University Press, 1990.), no qual desenvolve sua teoria do modelo do sexo único e dos dois sexos.

Hird (2004HIRD, Myra J. Sex, Gender and Science. Basingstoke (Houndmills): Palgrave Press, 2004.) recorda que, antes do século XIX, a interpretação médica e filosófica do sexo se organizava em torno da concepção de um corpo único, de modo que os genitais masculinos e femininos eram entendidos como uma mesma estrutura que podia se manifestar interna (vagina) ou externamente (pênis). Foi apenas a partir da emergência do paradigma dos dois-sexos que a diferença sexual passou a ser entendida como fixa e essencializada. Dessa forma, a idiossincrasia dos gêneros passou do domínio do comportamento e do temperamento, para o da biologia e da materialidade. Uma vez que essa transição de modelos teve início, os discursos e ciências da sexualidade passaram a ser largamente sobre demonstrar como esta distinção se manifesta e onde pode ser observada: dois preceitos ideológicos e características discursivas próprias da scientia sexualis, mas, mais que isso, próprias da sexologia e da pornografia, como tentaremos demonstrar a seguir.

2 Pornografia e sexologia

De acordo com Bernard Arcand (1991ARCAND, Bernard. El jaguar y el oso hormiguero: antropología de la pornografia. Buenos Aires: Nueva Visión, 1991.), todos os discursos e instâncias que se ocupam da sexualidade humana têm de lidar com uma ambivalência referente ao peso simbólico do sexo, que é simultaneamente visto como secreto, privado, tabu, mas, também, determinante e fundamental. Justamente por ter se enleado com o lócus onde se constituiria o sujeito - especialmente com a consolidação das investigações psicanalíticas no início do século XX -, a sexualidade se tornou esta "força profunda da experiência humana" reiterada nos discursos da psicologia, da arte, da religião, da lei; tornou-se a fonte de todas as enfermidades, frustrações, desvios. Ainda segundo o autor, deste peso duplo emergiram maneiras distintas de se referir ao sexo: uma extremamente refinada e asséptica que se traduziria, por exemplo, na emergência de uma terminologia e de uma semiótica extremamente higienizada; e outra essencialmente obscena, indecente e "grosseira". Dentre os discursos sobre a sexualidade que optam pela primeira via, poderíamos destacar a sexologia e a medicina; a opção pela "vulgaridade" e pelo "indecoro" ficaria a cargo daqueles mais próximos, por exemplo, da pornografia. Estes dois procedimentos de construção discursiva podem parecer muito distintos na medida em que pornografia e ciência são produtos de uma tradição ocidental que "distingue e separa muito claramente as atividades do corpo e do espírito" (ARCAND, 1991ARCAND, Bernard. El jaguar y el oso hormiguero: antropología de la pornografia. Buenos Aires: Nueva Visión, 1991., p. 17), e que lhes atribui valores muito diferenciados. Há razões para crer, no entanto, que as aproximações entre estes modelos de produção de conhecimento sobre o sexo são diversas e mais do que incidentais, como tentaremos demonstrar através de uma breve recuperação histórica.

2.1 A pornografia e a confissão involuntária dos corpos

Talvez não haja, na atualidade, outro tipo de conhecimento organizado sobre o sexo mais acessível ou de maior circulação do que a pornografia. O surgimento incessante de novos subgêneros, técnicas e nichos vem comprovar que esta indústria tem conseguido se reinventar com êxito, adaptando-se rapidamente ao surgimento de novas mídias, e superando os variados desafios comerciais e jurídico-legais que lhe são impostos. A pornografia é uma das peças centrais da composição dos roteiros sexuais do indivíduo moderno e a primeira fonte de informação sobre sexualidade para milhões de pessoas. Com o advento e popularização da internet, a gerência deste conteúdo se tornou virtualmente impraticável, de modo que qualquer indivíduo, de qualquer idade, pode acessar todo tipo de dado que se propuser a pesquisar. No entanto, muito antes desta "revolução" na disponibilização do conhecimento sexual impulsionada pela internet, outra mídia teve grande impacto no que podemos chamar esta "pedagogia social" da sexualidade: o cinema.

Linda Williams (1999WILLIAMS, Linda (1989). Hard Core: Power, Pleasure and the "Frenzy of the Visible". Berkeley: University of California Press, 1999.) situa as origens da pornografia videográfica em meados do século XIX - período em que o fotógrafo Eadweard Muybridge desenvolveu a técnica de exibição de imagens sequenciais que levaria, fatalmente, às operações cinematográficas modernas de captura de vídeo. A sensação de movimento ilusório criado pelo inovador artifício favorecia, inegavelmente, atividades de movimento e frenesi, como na história anedótica que se perpetuou sobre Muybridge de que este inventara a técnica impelido por uma única e irresolúvel questão: a de se haveria um momento, durante o trote do cavalo, em que as quatro patas do animal deixavam o chão. Conquanto a dúvida soasse como uma confissão das limitações orgânicas da visão humana, ao mesmo tempo, professava que este olhar podia ser aprimorado: como as patas do equino que, momentânea e repetidamente, pairam no ar, um sem fim de verdades sobre os nossos corpos parecia prestes a se revelar diante das lentes.

Foi com esta prerrogativa que o fotógrafo levou a cabo seu melhor trabalho, e um dos registros anatômicos mais importantes e completos de sua época: a coleção de imagens a qual chamou, em 1887, de Animal Locomotion. A obra reúne aproximadamente 20.000 imagens de homens, mulheres, crianças e animais fotografados sequencialmente, em movimento. É seguro dizer que, desde o início, Muybridge viu em sua obra um potencial científico muito explícito: a captura da locomoção, que tanto lhe fascinava, e os registros visuais detalhados das atividades retratadas pareciam - e seriam mesmo - centrais a um novo entendimento sobre nossa própria corporeidade. Toda a expertise e requinte técnico; toda a dedicação empirista; todo o esforço de catalogação e classificação das imagens de Muybridge estavam, deste modo, em completa consonância com uma tecnicidade e um tipo de produção acadêmico-científico.

De acordo com Williams (1999), não demorou para que as "perguntas acadêmicas" do fotógrafo lhe conduzissem a "respostas pornográficas". Como instrumento científico de exploração da mecânica dos corpos, a câmera de Muybridge parecia muito mais apropriada ao que Williams chama de "os agressivos movimentos de propulsão masculinos" (1999), que aos movimentos "naturalmente" femininos de rodopiar, de mandar beijos, de tocar a si mesma. A autora alerta, ainda, para o fato de que as mulheres retratadas em Animal Locomotion parecem sempre convidadas a compor um mise-en-scéne; a tomar parte em uma fantasia muito mais elaborada e performática do que nas representações dos homens. A sofisticação fetichista fica clara nos ensaios em que duas mulheres são fotografadas tomando banho juntas, brincando no quintal, ou, apenas, sentadas, nuas, enquanto fumam em uma construção de cena ligeiramente, mas de propósito, erótica. Para Williams (1999), é precisamente neste momento da emergência do aparato cinemático e neste exercício de observar os corpos que aparece diante das câmeras, pela primeira vez, o problema da diferença sexual metafísica que funda o gênero cinemático pornográfico.

Os stag films - como são chamados pelos historiadores do cinema pornô - foram os primeiros curtas-metragens amadores de conteúdo sexual explícito a serem produzidos com a nova tecnologia. Feitos para uma audiência masculina de classe alta, estes filmes eram frequentemente exibidos em prostíbulos e clubes de homens já nos primeiros anos do século XX. Linda Williams comenta estas produções primordiais lembrando que "a própria crueza, a 'realidade' bruta da forma, como a ausência, por exemplo, de som ou atores profissionais, [era] um valor crucial para o público cuja principal preocupação era ser instruído sobre os mecanismos ocultos do funcionamento sexual" (1999, p. 59). Ela destaca, ainda, a centralidade da revelação gráfica dos papéis dos corpos e órgãos acrescentando que, mesmo para uma audiência homogênea e masculina, "ver e satisfazer a curiosidade sobre o pênis ereto era pelo menos tão importante quanto ver as maravilhas femininas 'de um mundo não-visto'" (WILLIAMS, 1999, p. 81).

Não é surpreendente, deste modo, que haja, na pornografia mainstream, a necessidade de exibir a ejaculação externa do pênis como o clímax definitivo - o senso de encerramento - para todos os atos sexuais representados. Para Williams (1999), todas as "modalidades sexuais" que se desenrolam ao longo de um vídeo explícito não são senão etapas que conduzem à resolução do conflito do protagonista - o falo -, que é resolvido no momento do orgasmo. A ejaculação condensa com sucesso a proposta do gênero pornô - ela é, de maneira quase literal, o "anel mágico" das fábulas de Diderot; uma "verdade" sobre a sexualidade; uma "confissão involuntária"; uma figura retórica sobre o sexo. O orgasmo masculino alcança o "máximo da visibilidade" perseguido por quase todos empreendimentos da ciência - ele opera como um atestado quase irrefutável da autenticidade do que professa; como a comprovação de que aquilo que está sendo exibido na tela é o próprio sexo, mais que uma representação ou uma paródia do sexo.

Williams aponta, no entanto, para uma reflexão que não pode passar sem menção: a "frequente insistência do gênero sobre o fato de que a confissão visual solitária da 'verdade' dos homens coincide com a realização orgásmica das mulheres" (1999, p. 101). Mais uma vez, é revelada a dificuldade do cinema pornô mainstream em imaginar o prazer feminino fora de uma economia falocêntrica. E, mais uma vez, é evocada a invisibilidade intrínseca do corpo feminino em um discurso que faz ecoar fatalmente os ecos psicanalíticos que povoam o imaginário da pornografia clássica. O fetiche parece ser a resposta óbvia à limitação técnico-visual: o orgasmo da mulher é marcado pelo resto do corpo - pela expressão do rosto, pelo gemido e manifestação vocal, pela movimentação corporal. Não por acaso, o enquadramento clássico do cinema erótico opta por exibir em primeiro plano o pênis - desassociado, sempre que possível, de um corpo masculino visível - e uma mulher sempre mostrada de corpo inteiro.

Novamente, se a confissão é central à conformação de uma ciência da sexualidade, é fácil compreender as possibilidades que se abrem diante de um procedimento capaz de captar corpos animados, tal qual fizeram a cinemática de Muybridge, e o cinema moderno. Mais do que a admissão do indivíduo, a técnica de captura de vídeo se dispõe a registrar um flagrante - uma confissão involuntária dos corpos sintetizada no emblema do orgasmo. Sendo assim, como bem disse Steven Marcus (apud WILLIAMS, 1999), a captura da imagem em movimento parece ter sido aquilo que a linguagem pornográfica esteve sempre à espera, uma vez que o vídeo desfruta, inegavelmente, de um "privilegiamento epistemológico" sobre outros tipos de registro dentro do paradigma oculocêntrico da ciência moderna (MENESES, 2005MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. "Rumo a uma História Visual". In: MARTINS, José de Souza et al. (Eds.). O imaginário e o poético nas Ciências Sociais. Bauru: EDUSC, 2005., p. 36). Se, no momento do surgimento da cinemática, os aparatos sociais, psíquicos e tecnológicos estão trabalhando juntos para canalizar a descoberta científica do movimento dos corpos em novas formas de conhecimento e prazer, fica, também, estabelecido que a nova tecnologia é um avanço em direção ao entendimento de como se distinguem, se excitam e se comportam os corpos femininos e masculinos - um empreendimento partilhado pela sexologia.

2.2 Sexologia - de Iwan Bloch à Masters e Johnson

Enquanto o repertório simbólico predominantemente associado à pornografia se estabeleceu em torno das noções de vulgaridade, degradação, excesso, devassidão; uma abordagem mais "asséptica" e pretensamente mais científica de questões relativas à sexualidade emergiu, também ao final do século XIX, reivindicando sua legitimidade via uma associação com os estudos biomédicos e com as práticas acadêmicas de coleta, organização e descrição. Se é injusto atribuir aos vitorianos a instituição da definição e categorização da diferença como centro do exercício científico, parece seguro afirmar que eles aperfeiçoaram e perseguiram este projeto de maneira célebre. A emergência da noção de "população" no século XVIII, por exemplo, e a percepção de que o "futuro e fortuna" de uma sociedade "estão ligados não somente ao número e à virtude dos cidadãos, não apenas às regras de casamento e organização familiar, mas à maneira como cada qual usa seu sexo" (FOUCAULT, 2012, p. 32), tornaram a conduta erótica dos sujeitos alvo de escrutínio, intervenção, e de interesse direto do Estado e da ciência. Erwin J. Haeberle acrescenta:

O Iluminismo incorreu em uma discussão vigorosa e rapidamente secularizada das éticas sexuais e produziu os primeiros programas de educação sexual pública e privada bem como novas classificações e documentações de tipos de comportamento sexual. No século XIX, novas preocupações sobre superpopulação, psicopatia sexual e degeneração permitiram a emergência do conceito de "sexualidade" e levaram a esforços intensos por parte de várias frontes na construção de um conhecimento intelectual sólido sobre este tema que se mostrava cada vez mais complexo. Pesquisas biológicas, médicas, históricas e antropológicas realizadas por von Baer, Darwin, Mendel, Kaan, Morel, Magnan, Charcot, Westphal, Burton, Morgan, Mantegazza, Westermarck, Krafft-Ebing, Schrenck-Notzing e outros preparam o terreno para a pesquisa sexual em seu sentido moderno e mais específico. Finalmente, na virada do século XX, o trabalho pioneiro de Havelock Ellis, Sigmund Freud, e Iwan Bloch consolidou a investigação das questões sexuais como um empreendimento legítimo por si só (1983, p. 3).

É justamente a Iwan Bloch (1872-1922) que se atribui a concepção de um empreendimento científico e acadêmico voltado para o entendimento do sexo, e foi também este autor que primeiro se valeu do termo sexologia (sexualwissenschaft, no original) para se referir a tal projeto. Bloch é descrito por Haeberle como um homem de "grande erudição" que contava com uma biblioteca de mais de 40000 exemplares - destas leituras teriam emergido os estudos comparativos transculturais pelos quais o autor ficaria conhecido. Os primeiros trabalhos de Bloch sugeriam que inúmeras práticas sexuais tomadas enquanto patologia pela medicina do século XIX eram concebidas por outras sociedades como inteiramente apropriadas. Tendo isso em mente, o autor sugeriu que uma disciplina centrada na investigação da sexualidade humana precisaria ir muito além de uma abordagem médica: para ter sucesso, ela precisaria se constituir "pela união de todas as outras ciências - da biologia geral, da antropologia e etnologia, da filosofia e psicologia, da história da literatura, e da história da própria civilização" (BLOCH apud HAEBERLE, 1983HAEBERLE, Erwin J. "Introduction". In: ______. The birth of sexology: a brief history in documents. Michigan: World Association for Sexology, Universidade de Michigan, 1983. p. 4-12. , p. 7). Em 1914, Bloch resgatou do ostracismo uma revista médica sobre sexualidade que encerrara as atividades em 1909, a Zeitschrift Fur Sexualwissenschaft. A segunda tentativa de firmar a publicação foi um sucesso e ela logo se tornou o veículo principal de comunicação da recém-fundada Medical Society for Sexology and Eugenics, em Berlim. A revista foi impressa até 1932, quando tensões políticas locais (especialmente a onda crescente de antissemitismo na Alemanha) dispersaram seus editores. Desde estes eventos até o final da Segunda Guerra Mundial, a sexologia passou por um longo período de estagnação, no qual pouco material foi produzido.

A década de 1940, no entanto, assistiria a um reavivamento das pesquisas sexológicas pelas mãos do norte-americano Alfred Kinsey. Para melhor compreender o contexto de produção deste último, é preciso destacar o impacto que duas guerras mundiais tiveram sobre a sociedade no que concernia à organização dos papéis sexuais e de gênero. Quando os homens passaram a ser sistematicamente enviados para as linhas de batalha, as mulheres se viram diante da necessidade de manter o funcionamento normal das cidades e de prover suas famílias. Esta tomada feminina do espaço público impactou de maneira irreversível as relações de gênero e toda uma ordenação social erigida ao seu redor. Havia, portanto, grande inquietação em torno de questões relativas ao gênero, ao casamento e à sexualidade, e uma grande demanda pela investigação das mesmas no período mencionado. A pesquisa de Kinsey foi diretamente ao encontro destas questões, confirmando os anseios de que o comportamento sexual da população passava por expressiva transformação - mas, ao mesmo tempo, ela deu às pessoas a "esperança de que haveria soluções científicas para a crise do gênero e da heterossexualidade" (IRVINE, 2005IRVINE, Janice. Disorders of desire: sexuality and gender in modern American sexology. Philadelphia: Temple University Press, 2005., p. 17). A difusão e larga aceitação cultural da psicanálise; o debate social em torno de temas como prostituição, aborto e doenças venéreas; a emergência de teorias da diferença sexual derivadas dos estudos sobre hormônios também são tidas como fatores contextuais importantes para o resgate da sexologia no pós-guerra.

Considerado, até hoje, um dos nomes mais importantes dos estudos sobre comportamento sexual, Kinsey empreendeu uma ambiciosa pesquisa, na qual milhares de cidadãos americanos foram entrevistados sobre suas práticas eróticas, revelando que estas diferiam expressivamente da moral vigente. Sua investida rendeu dois volumosos "relatórios": Sexual Behavior in the Human Male (1948) e Sexual Behavior in the Human Female (1953). O primeiro se tornou uma obra imediatamente celebrada, garantindo ao pesquisador um grande interesse midiático e financiamentos públicos e privados para suas pesquisas. A segunda obra, no entanto, colocou em cheque a disparidade entre a ideologia sexual professada por Kinsey, e aquela predominante na sociedade americana cinquentista. De fato, o estudo sobre o comportamento sexual dos homens já havia apontado para uma tensão quando os dados sobre comportamento homossexual foram apropriados em prol da persecução de homens gays, contrariando as expectativas de Kinsey de que levariam a uma maior aceitação destas práticas. Quando, cinco anos mais tarde, o pesquisador propôs que mulheres se engajavam em atividade sexual extraconjugal, homossexual e que dispunham de um potencial erótico que poderia ser semelhante ao do sexo oposto, a tensão se tornou insustentável: Kinsey perdeu o financiamento da Fundação Rockefeller (seu principal investidor) e teve dificuldades em dar continuidade a suas pesquisas. De acordo com Irvine (2005IRVINE, Janice. Disorders of desire: sexuality and gender in modern American sexology. Philadelphia: Temple University Press, 2005.), a fundação não estava disposta a participar na indignação moral e política despertada pela pesquisa de Kinsey sobre as mulheres.

Gagnon nos lembra que "a partir dos dados sócio-históricos, evidencia-se que o desempenho orgástico das mulheres foi predominantemente não observado ou desconsiderado na bibliografia setecentista e oitocentista sobre a sexualidade" (2006, p. 131). Kinsey, deste modo, parece ter dado uma ênfase até então inédita a esta questão - ele discutiu o prazer sexual feminino, separou prazer e reprodução, destacou os benefícios da masturbação e tratou as mulheres como agentes sexuais. Além disso, o autor foi um dos primeiros pesquisadores a destacar o clitóris como centro de prazer feminino, colocando em cheque o protagonismo da penetração enquanto prática erótica. Contudo, prevaleceu uma perspectiva mais geral, na qual a mulher seria vista como menos afeita ao sexo. Ao destacar os aspectos biológicos da sexualidade ligados à nossa ancestralidade mamífera, Kinsey defendia que a capacidade sexual do indivíduo dependia da estrutura morfológica e capacidade metabólica, dos órgãos de toque na superfície do corpo, hormônios e nervos. Em função de uma diferença nestas estruturas, as mulheres teriam uma menor capacidade sexual. A constatação dessa menor capacidade era decorrente dos seus dados de pesquisa, nos quais as mulheres declaravam ter menos atividade sexual e orgasmos. Kinsey, que rejeitava explicações socioculturais para as diferenças entre homens e mulheres, não foi capaz de perceber que esta relativa "falta de inclinação" das mulheres ao sexo seria decorrente das convenções morais e sociais. Destaca-se, portanto, a sua recusa em considerar a determinação cultural que, pelo menos desde o século XIX, prescrevia um modelo de mulher baseado na restrição do sexo à procriação. Acrescenta-se, ainda, que Kinsey também enfatizou a noção de que as mulheres teriam uma sexualidade mais complexa, com práticas sexuais que menos frequentemente resultam em orgasmo (a grande medida de satisfação sexual perseguida) e, dessa forma, mais difíceis de serem pesquisadas.

Mas, voltemos um pouco para refletir sobre os aspectos ideológicos e metodológicos do trabalho de Kinsey. Em primeiro lugar, é preciso destacar a convicção do autor na sexologia enquanto empreendimento científico, e, portanto, neutro de valor. Irvine destaca que, para Kinsey, "apenas a observação direta poderia fornecer informações confiáveis sobre fenômenos materiais; e para [ele], sexo era essencialmente um fenômeno material" (2005, p. 19). Kinsey era, acima de tudo, cientista e taxonomista, e estas características foram impressas muito fortemente sobre seu trabalho. Sua metodologia, deste modo, centrava-se expressivamente no levantamento e organização de dados e na classificação posterior dos mesmos. Como já mencionamos anteriormente, esta coleta se dava, principalmente, através de entrevistas individuais com duração média de duas horas. A observação direta do ato sexual também era central à sua prática investigativa, de modo que Kinsey presenciou e registrou em vídeo atividades sexuais de diversos voluntários - material que se encontra hoje em posse do instituto homônimo. Este recurso permanece sendo utilizado por profissionais da área tanto para fins de pesquisa, como para fins terapêuticos, e pode ser, sobretudo, um exemplo interessante para pensarmos sobre como o uso de uma mesma tecnologia no registro de um mesmo tipo de evento - no caso, práticas eróticas - pode produzir material que, posteriormente, será lido como obsceno, ou científico. Retomaremos este ponto ao final do texto.

Destacaremos, finalmente, algumas características do trabalho de Kinsey que são centrais para a conformação da sexologia enquanto área de investigação: 1) a perspectiva de que estes estudos beneficiariam homens e mulheres ao proporcionar um melhor entendimento sobre a sexualidade do outro e evitando, por exemplo, separações motivadas por insatisfação sexual; 2) a adoção do orgasmo como unidade de medida da resposta sexual; 3) a predileção por explicações psicofisiológicas em detrimento de análises culturais; 4) a abordagem da sexualidade de homens e mulheres via uma retórica de similitudes e discrepâncias. Estas noções marcam a sexologia de maneira expressiva até hoje, mas são especialmente importantes para compreender o empreendimento suscitado por seus sucessores, como discutiremos a seguir.

Com a derrocada da respeitabilidade de Alfred Kinsey, a sexologia atravessou um período de estagnação e desinteresse antes que William Masters e Virginia Johnson retomassem o projeto de estabelecer uma área de pesquisa e terapia centrada no problema da sexualidade. Aprimorando e dando centralidade à noção de que a qualidade das práticas eróticas era largamente responsável pelo sucesso ou fracasso dos relacionamentos entre homens e mulheres, Masters e Johnson se dispuseram a enfrentar a resistência dos primeiros anos de pesquisa - durante os quais foram acusados de serem "pornógrafos", e não cientistas - para empreender, na década de 1960, o que viria a ser a maior pesquisa do tipo desde os Relatórios Kinsey. Aproveitando-se da atuação de Masters como ginecologista, o casal "levou a sexologia para o laboratório" e se valeu da aproximação com a biomedicina para legitimar seu trabalho. A prática das entrevistas tão central para Kinsey, no entanto, deu lugar a uma ênfase mais expressiva na observação direta de masturbação e intercurso sexual - novamente, muitas delas registradas em vídeo. Masters e Johnson observaram pelo menos 694 indivíduos selecionados, tendo como principal critério a capacidade de performar sexualmente diante das câmeras no ambiente do laboratório. Esta observação levou à contribuição mais marcante do casal para a sexologia: a descrição das quatro fases do que chamaram de "ciclo de resposta sexual": desejo, excitação, orgasmo e resolução. Este modelo da resposta sexual se tornaria parâmetro para a moderna pesquisa e terapia sexual, fundamentando, inclusive, a classificação dos transtornos sexuais no Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders III e IV (DSM-III e DSM IV) (RUSSO, 2004RUSSO, Jane. "Do desvio ao transtorno: a medicalização da sexualidade na nosografia psiquiátrica contemporânea". In: PISCITELLI, Adriana; GREGORI, Maria Filomena; CARRARA, Sérgio (Orgs.). Sexualidade e saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. p. 95-114.; RUSSO e VENÂNCIO, 2006RUSSO, Jane & VENÂNCIO, Ana Teresa. "Classificando as pessoas e suas perturbações: a "revolução terminológica" do DSMIII". Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. IX, n. 3, p. 460-483, 2006.). Enquanto, para Kinsey, a naturalidade do sexo era dada pelo que as pessoas diziam fazer, para Master e Johnson era representada pelas respostas fisiológicas observadas em laboratório e que constituiriam o novo padrão do sexo a ser buscado através da terapia sexual. É importante lembrar que seus achados e a promoção que tiveram no campo foram fundamentais para o estabelecimento de um novo mercado clínico de tratamento da sexualidade.

Masters e Johnson deram continuidade a muitas das posturas ideológicas de Kinsey: apesar de serem vistos como "radicais" por muitos de seus críticos, os pesquisadores tinham, no centro de seu projeto terapêutico, uma preocupação expressa com a instituição do casamento. A aproximação com a medicina e a ênfase dada à fisiologia do sexo são marcas importantes de seu empreendimento e mostram, também, grande proximidade com os princípios propostos por Kinsey. Uma última aproximação com este diz respeito à declinação de uma perspectiva sociocultural como eixo importante de entendimento do fenômeno da sexualidade. Esta característica parece especialmente curiosa, uma vez que, ao mesmo tempo em que estes pesquisadores assumiram uma postura de vanguarda em relação à sexualidade feminina e seu potencial erótico e orgástico, eles rejeitaram veementemente explicações que trouxessem para a discussão os efeitos psicossociais de uma socialização diferenciada e da opressão de gênero experienciada pelas mulheres - mesmo em um período de ascensão do movimento e das teorias feministas, tal qual foram os anos 60 e 70.

Outro ponto importante, seguindo as interpretações de André Béjin (1987aBÉJIN, André. "Crepúsculo dos psicanalistas, manhã dos sexólogos". In: ARIÈS, Philippe & BÉJIN, André(Orgs.). Sexualidades ocidentais. São Paulo: Brasiliense, 1987a. p. 210-235.), é que a sexologia do século XX, que tem nos trabalhos de Kinsey e Masters e Johnson expoentes fundamentais, foi capaz de centrar-se não mais nas antigas perversões e anomalias, bem ao gosto dos médicos do século XIX, mas nos contínuos das disfunções sexuais. Isso abriu a possibilidade de criação de uma "clientela" cada vez maior para os sexólogos contemporâneos. A esse movimento corresponde a criação de instituições de ensino especializado e o estabelecimento de clínicas de tratamento específico. Além disso, enquanto a proto-sexologia do século XIX tinha desenvolvido sumariamente a sua etiologia, permitindo apenas um controle a posteriori e repressivo, em articulação com prisões e asilos, a nova sexologia refinou sua etiologia e desenvolveu meios de controle a priori e a posteriori, traduzidos nas orgasmoterapias e profilaxia das disfunções sexuais. Uma função pedagógica centrada cada vez mais na informação ganharia a cena.

Se a sexologia parece ter se conformado em torno de abordagens e interpretações muito variadas da sexualidade, um fator parece aglutinar as perspectivas sob um mesmo o projeto: o da medicalização. De acordo com Irvine, "a tarefa da sexologia era redefinir problemas sexuais em termos de doença e disfunção e oferecer soluções na forma de terapia, medicamentos ou cirurgia. Ao disponibilizar uma expertise médica e científica [...] [ela] estabeleceu legitimidade e construiu um mercado" (2005, p. 237). Seja, portanto, em termos da indicação de fármacos, intervenção cirúrgica ou tratamento psicológico, a "medicalização do sexo fez proliferar novas categorias sexuais, vocabulários e hierarquias (...) ela produziu novas formas de medida sexual, de diagnose e classificação bem como técnicas terapêuticas para definir e alcançar satisfação sexual" (IRVINE, 2005IRVINE, Janice. Disorders of desire: sexuality and gender in modern American sexology. Philadelphia: Temple University Press, 2005., p. 6).

Parece claro, também, que a sexologia tem tido, ao longo de sua história, dificuldades em lidar com a categoria "gênero". De fato, em momentos políticos centrais - como na emergência do movimento feminista e da crise da AIDS -, os sexólogos são lembrados por terem adotado posições marcadamente conservadoras. Enquanto Kinsey ofereceu uma leitura naturalizante das práticas homossexuais - e vale destacar que ele rejeitava a ideia de homossexualidade enquanto identidade psicossocial -, seus sucessores tiveram dificuldade em lidar com estas práticas no âmbito da "normalidade", especialmente quando associadas a comportamentos concebidos como sendo do sexo oposto (caso dos "meninos feminilizados" e "meninas masculinizadas"). A patologização destes casos está, evidentemente, relacionada à concepção posterior de "disforia de gênero", utilizada, principalmente, como diagnóstico de pessoas transexuais. Além disso, o gênero é um fator fundamental para compreender como as disfunções masculinas são interpretadas quase que exclusivamente sob uma ótica anatômica (sendo tratadas, preferencialmente, com fármacos), enquanto as femininas, apesar dos esforços de médicos e farmacêuticos, permanecem mais facilmente relacionadas a fatores psicoemocionais e, por esta razão, mais relacionadas a outros tipos de terapia e intervenção. Enquanto mulheres estão sujeitas, por conseguinte, a transtornos do desejo, baixa capacidade sexual e orgástica, falta de libido de ordem emocional ou orgânica, distúrbios psíquicos de várias ordens, a sexualidade dos homens parece inteiramente relacionada ao desempenho do pênis e a disfunções genitais (ROHDEN, 2009ROHDEN, Fabiola. "Diferenças de gênero e medicalização da sexualidade na criação do diagnóstico das disfunções sexuais". Revista Estudos Feministas, Florianópolis, UFSC, v. 17, p. 89-109, 2009.).

Mais uma vez, a sexologia parece indiscutivelmente fundada sobre o paradigma confessional no qual Foucault (2012) localiza as "ciências da sexualidade": enquanto pessoas "confessam" suas histórias, experiências e bloqueios nos consultórios de terapia, seus corpos operam nos laboratórios - assim como acontece na pornografia - como vias de manifestação da natureza. Se a confissão representa um papel central na produção da sexualidade - e se no mundo ocidental o conhecimento sobre o prazer decorre, ao mesmo tempo, do prazer em entender o prazer -, então, estas diferentes modalidades de conhecimento operam como instâncias em que a sexualidade pode ser definida e materializada.

3 Outras aproximações

Cabe, agora, retomar algumas questões propostas no início deste artigo. Pode-se dizer que, respeitando as perspicazes e, por vezes, incômodas análises foucaultianas, todos os discursos produzidos em torno do sexo nos dois últimos séculos contribuiriam para compor a dinâmica em torno do saber, prazer e poder que tem nos orientado. Dessa forma, a própria produção analítica empreendida pelas ciências sociais, como seria o caso deste texto, também faria parte do mesmo processo. Isso não quer dizer que todos os distintos saberes em torno da sexualidade tenham caminhado na mesma direção. No caso das ciências sociais, em especial, o modelo de compreensão predominante tem enfatizado a preeminência da dimensão cultural ou discursiva, atentando para a imensa variabilidade comportamental associada à socialização. É esta concepção mais geral que possibilita, inclusive, entender as diferentes produções em torno do sexo como integrantes deste grande arcabouço de referências acerca da sexualidade. Nessa direção e seguindo a argumentação de Gagnon (2006GAGNON, John H. "Vários capítulos". In: ESCOFFIER, Jeffrey (Org.). Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.), poderíamos dizer que diferentes tipos de saberes ajudariam a conformar os "cenários culturais" que fundamentam a "conduta sexual" dos sujeitos. Na síntese feita por Escoffier:

Gagnon e Simon procuraram substituir as teorias biológicas ou psicanalíticas do comportamento sexual por uma teoria social dos roteiros sexuais. Nessa teoria afirmaram que os indivíduos usam sua habilidade interativa, bem como material da fantasia e mitos culturais, para desenvolver roteiros (com deixas e diálogos apropriados), como um modo de organizar seu comportamento sexual. [O]s roteiros interpessoais ajudam os indivíduos a organizar sua própria auto-representação e a representação de terceiros para instaurar e exercer a atividade sexual, enquanto os roteiros intrapsíquicos organizam as imagens e os desejos que despertam e sustentam o desejo sexual dos indivíduos. Os cenários culturais moldam os roteiros interpessoais e intrapsíquicos no contexto de símbolos culturais e papéis sociais genéricos (como os baseados na raça, no gênero ou na classe) (2006, p. 21).

Nosso argumento, aqui, é que tanto a pornografia quanto a sexologia, no quadro de suas referências históricas mais tradicionais, também foram convertidas nestas fontes de referências culturais mais disseminadas sobre sexo. Se admitirmos esta hipótese, caberia seguirmos adiante e nos perguntarmos sobre que tipo de "roteiros" teriam nos ajudado a criar. Certamente, não estamos tratando de práticas concretas localizadas, mas de padrões de referência que parecem muito comuns. Por um lado, é fácil localizar, no espectro sugerido por Arcand (1991ARCAND, Bernard. El jaguar y el oso hormiguero: antropología de la pornografia. Buenos Aires: Nueva Visión, 1991.), a sexologia como fonte legítima da produção de um discurso autorizado sobre o sexo enquanto a pornografia estaria no plano do obsceno. A primeira representaria a fonte (ou a incitação) do conhecimento, enquanto a segunda mais bem corresponderia à fonte (ou incitação) do prazer. Mas, como já nos disse Foucault (2012), saber e prazer não podem ser separados na era da scientia sexualis. E é esta associação que permite tornar o sexo lugar de poder. A partir dele, negociações são feitas, redefinições elaboradas, corpos e sujeitos moldados em permanentes disputas. Quando observamos - em paralelo - a constituição da pornografia e da sexologia, percebemos que as disputas nesses dois campos se traduzem, por mais surpreendente que poderia ser, em alguns pontos comuns. A definição do que é, como deve ser, e quem tem direito ao prazer e ao saber sexual parece ser o eixo mais forte em torno do qual se alinham muitas práticas. E o mais evidente em torno delas parece ser a insistente produção de uma diferença de gênero radical que, mais uma vez, se traduz em termos de uma suposta biologia inata. Se recuperarmos os estereótipos vinculados à imagem das mulheres na pornografia, tem destaque a sua face e o uso de artifícios apenas evocativos de um desejo que não é evidente. Na sexologia, elas também aparecem como dotadas de uma sexualidade mais obscura e complexa, difícil de ser apreendida. Além disso, o próprio feminino se traduz em termos de ausência: do falo, do desejo, da capacidade orgástica, da ejaculação. Poder-se-ia dizer que as mulheres teriam dificultado o trabalho de pornógrafos e sexólogos. Contudo, uma versão mais abrangente da história faz-nos cogitar que teriam sido eles os produtores de uma imagem da sexualidade feminina nestes termos.

Cabe, ainda, salientar que, em termos da constituição desses dois saberes, destacam-se o privilégio à materialidade, à busca pela empiria e a possibilidade de transposição dos comportamentos e desejos em termos de imagens e classificações. Como sugerimos, pornografia e sexologia em muito se beneficiaram dos artefatos tecnológicos associados à imagem para produzir as suas distintas versões femininas e masculinas de confissão pelo sexo. Estas imagens, tomadas como evidências, e não como representações, que, de fato, são, foram fundamentais na criação dos modelos classificatórios de atos, práticas, tipos de desejo, identidades, pessoas. Isso se dá, em parte, porque ambos são parte de um projeto de diferenciação entre os sexos que culminou nas interpretações do corpo sexuado - do corpo macho ou fêmea e da impossibilidade de intermediação que caracteriza o modelo dos dois-sexos. Nesse sentido, tanto a pornografia como a sexologia são extremamente pedagogizantes, pois o cerne de sua empreitada é estabelecer parâmetros de normalidade e tornar conhecida a aparência do desejo sexual, do orgasmo e dos corpos (com ênfase, evidentemente, nos genitais).

Aqui, como em boa parte da ciência moderna, a visão se traduz em um imperativo capaz de ser transformado quase que em fonte única da verdade. Correlato a isso está o fato de que não se questiona de que forma a visão é produzida, ou, como, na verdade, reflete os compromissos implicados em um dado ponto de vista ou localização. De forma contrastante, como sugere Haraway (1995HARAWAY, Donna. "Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial". Cadernos Pagu, v. 5, p. 07-41, 1995.), poderíamos pensar na visão não como mero espelho de uma perspectiva neutra e representativa da existência de uma verdade única, mas como uma operação inevitavelmente comprometida com objetividades particulares ou situadas. Para a autora, a visão nunca é uma operação passiva. É sempre parte ativa de determinados processos e tem agência "construindo traduções e modos específicos de ver, isto é, modos de vida" (HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. "Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial". Cadernos Pagu, v. 5, p. 07-41, 1995., p. 22). Seguindo esta direção, quando analisamos o processo de criação de um modo de visão sobre a sexualidade e a própria visibilidade promovida pela pornografia e pela sexologia, devemos nos perguntar a respeito de que pontos de vista estão sendo projetados ou quais compromissos políticos estão sendo atualizados.

O problema que tentamos deixar evidente é exatamente o apagamento da história desses processos de produção de verdades, que criou estas imagens tão persistentes do que seriam as enormes diferenças entre as sexualidades de homens e mulheres. As imagens produzidas tanto na pornografia quanto na sexologia têm sido e ainda são veiculadas como simples ilustração da natureza e não como traduções de disputas políticas em torno do sexo. Disputas estas que têm sido bem marcadas por uma dificuldade de conceber alternativas em termos da representação de femininos e masculinos, no mínimo, mais plurais.

Para além de compor estas ditas ciências da sexualidade, tanto a pornografia quanto a sexologia são parte fundamental do funcionamento do que Judith Butler chama de "matriz de inteligibilidade" do gênero (1993BUTLER, Judith. Bodies that matter. New York/London: Routledge, 1993.). Esta proposição é fundamental para nossa análise, uma vez que a negação desta autora à interpretação de um corpo repetidamente imaginado enquanto anterior ao gênero - inclusive dentro da dicotomia sexo/gênero proposta pelo feminismo - nos permite vislumbrar a extensão do poder destes regimes discursivos sobre a sexualidade no que diz respeito à materialidade do sexo. Butler sugere que o corpo deveria ser lido não enquanto portador de um sexo sobre o qual será inscrito um gênero, mas como entidade que vem à existência através das marcas de gênero. Ela diz:

O sexo é compreendido através dos sinais que indicam como ele deveria ser lido ou entendido. Esses indicadores corporais são os meios culturais pelos quais o corpo sexuado é lido. Eles são, eles mesmos, corpóreos, e eles operam como símbolos de tal modo que não há como distinguir claramente entre o que é verdadeiramente material, e o que é verdadeiramente cultural sobre o corpo sexuado. Eu não tenho intenção de sugerir que símbolos culturais sozinhos produzem o corpo material, mas apenas que o corpo não se torna sexualmente legível sem estes sinais, e que estes símbolos são irredutível e simultaneamente culturais e materiais (2004 ________. Undoing Gender. Nova Iorque e Londres: Routledge, 2004.).

Butler tenta chamar atenção para o fato de que um corpo sexuado não pode ser incompatível com o gênero a que corresponde, pois os corpos que não reproduzem esta coerência entre gênero e sexo seriam culturalmente incompreensíveis e necessitariam ser normalizados. Segundo a autora, esta obrigatoriedade se daria porque seria precisamente o enquadramento discursivo do gênero que produziria o sexo e o traria à existência, como explicaremos a seguir.

Para Butler (1993BUTLER, Judith. Bodies that matter. New York/London: Routledge, 1993.; 2003; 2005______. "Le genre comme performance". In: BUTLER, Judith. Humain, inhumain: le travail critique des normes. Entretiens. Paris: Éditions Amsterdam, 2005. p. 13-42.), o gênero seria, portanto, um processo (político, cultural, social) de construção e materialização dos corpos - uma performance que estaria para sempre incompleta, mas que teria sido bem-sucedida em produzir a impressão de rigidez a que chamamos de matéria. Para a autora, o gênero não é, portanto, algo que se tem, ou que se é, mas algo que se faz. É a capacidade de performar na medida em que esta coerência garante ao indivíduo inteligibilidade e integridade.

As performances de feminino e masculino se sustentam, primordialmente, sobre duas funções: repetição e citação. São estas duas operações que garantem a impressão de fixidez à "natureza" e ao corpo ao reiterarem normas de gênero e produzirem efetivamente aquilo que parecem somente descrever. Todo o complexo arcabouço de gestos, posturas, ações, aspectos físicos, desejos que compõem o gênero não existe, desse modo, sobre um corpo material previamente sem significado. É o corpo que "ganha" materialidade e sentido através da performance de citação e recitação desta estrutura. A constante menção à norma garante ao sujeito que sua viabilidade enquanto tal será garantida. Butler enfatiza que o gênero, no entanto, não pode ser visto de modo algum como um voluntarismo a que se possa desejar ou não pertencer, e a feminilidade, em especial, não é "o produto de uma escolha, mas a citação obrigatória da norma, cuja historicidade complexa é indissociável de relações de disciplina, regulação, punição" (1993, p. 232).

Recorrendo às proposições de Butler (1993BUTLER, Judith. Bodies that matter. New York/London: Routledge, 1993.; 2003; 2005), sugerimos, portanto, que, nas suas aproximações em termos de construção de uma visibilidade do sexo marcada pelo contraste entre homens e mulheres, pornografia e sexologia produz-se uma recitação insistente de determinadas marcas de gênero - um gênero que é constantemente performado a partir de uma matriz ou hegemonia heterossexual que tenta fixar uma hierarquia entre homens e mulheres por meio da biologização da diferença sexual e da insistência em uma inevitabilidade da reprodução. Seguindo a linha deixada por Foucault (2012), sexo, gênero e desejo são pensados como efeitos de uma formação de poder específica. Até mesmo as categorias identitárias são concebidas como "efeitos, de instituições, práticas e discursos cujos pontos de origem são múltiplos e difusos" (BUTLER, 2003______. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 9 [grifos no original]). Para Butler, estas instituições mais abrangentes correspondem ao falocentrismo e à heterossexualidade compulsória que se traduzem e são acessíveis através da performatividade do gênero, definido pela "prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos que ele nomeia" (1993, p. 154).

Os discursos pornográfico e sexológico, nos termos e contextos que descrevemos aqui, produzem os "efeitos" simultaneamente "nomeados" de uma sexualidade feminina marcada pela falta em contraste com uma sexualidade masculina exuberante e demonstrada em muitas "evidências". Ao recorrer às imagens que tornam (ou produzem) as diferenças visíveis e aos argumentos que enfatizam o contraste do desempenho dos corpos, argumentos políticos ou orientações ideológicas são transformadas em verdades, sejam elas traduzidas em linguagem científica ou obscena. Mais que isso, estes discursos compõem roteiros que citam e recitam normas de gênero ao mesmo tempo em que informam os sujeitos sobre as performances que lhes cabem e que devem ser reproduzidas e performadas para que sua integridade enquanto indivíduo e sua inteligibilidade cultural sejam asseguradas.

Para finalizar, cabe voltar à questão a respeito dos diferentes tipos de saberes em torno da sexualidade. Seguindo o caminho trilhado por Foucault (2012), Gagnon (2006GAGNON, John H. "Vários capítulos". In: ESCOFFIER, Jeffrey (Org.). Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.) e Butler (1993BUTLER, Judith. Bodies that matter. New York/London: Routledge, 1993.; 2003; 2005), não podemos pensar em termos de naturezas particulares intrínsecas a esses diferentes discursos. Afinal, todos fazem parte da contínua e dinâmica criação de nossas crenças e práticas em torno de sexo e gênero. Nessa direção, se a produção das ciências sociais sobre sexualidade tem alguma diferença com outros campos, não se deve à ausência de uma pretensão de verdade. Mas, quem sabe, à insistência em admitir que todas as produções, imagens, classificações são profundamente enraizadas em contextos culturais e que é preciso nos interrogarmos, sempre, acerca das relações de poder e contingências implicadas na sua produção.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2015
  • Revisado
    02 Nov 2015
  • Aceito
    12 Nov 2015
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