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O corpo perigoso

The body dangerous: Salome dances

Resumos

A adaptação operística de Richard Strauss de Salomé de Oscar Wilde transgride todas as regras de representação do corpo feminino: este corpo não é apenas contemplado pelo 'olhar masculino' mas também contempla, com resultados poderosos e mortais. Na versão de Strauss, Salomé oferece um desafio às teorias canônicas tanto do 'olhar' quanto do feminino enquanto objeto.

ópera; corpo; dança


Richard Strauss's operatic adaptation of Oscar Wilde's Salome breaks all the rules in the representation of the female body: this body is not only stared at by the 'male gaze' but stares back, with powerful and deadly results. This Salome offers a challenge to canonical theories of both 'the gaze' and feminine objectification.

opera; body; dance


ARTIGOS

O corpo perigoso

The body dangerous: Salome dances

Linda Hutcheon; Michael Hutcheon

University of Toronto

RESUMO

A adaptação operística de Richard Strauss de Salomé de Oscar Wilde transgride todas as regras de representação do corpo feminino: este corpo não é apenas contemplado pelo 'olhar masculino' mas também contempla, com resultados poderosos e mortais. Na versão de Strauss, Salomé oferece um desafio às teorias canônicas tanto do 'olhar' quanto do feminino enquanto objeto.

Palavras-chave: ópera, corpo, dança.

ABSTRACT

Richard Strauss's operatic adaptation of Oscar Wilde's Salome breaks all the rules in the representation of the female body: this body is not only stared at by the 'male gaze' but stares back, with powerful and deadly results. This Salome offers a challenge to canonical theories of both 'the gaze' and feminine objectification.

Key words: opera, body, dance.

Como forma de arte, a ópera sempre foi autoconsciente acerca do canto, apesar de, como Carolyn Abbate e outros enfatizaram, a convenção operística estabelecer que os cantores estejam surdos para "o mundo mergulhado em música" no qual vivem.1 1 Carolyn ABBATE, 1991, p. 119; Edward CONE, 1989, p. 125. Muitas das primeiras óperas focaram Orfeu, o poeta cantor, e Tannhäuser e Die Meistersinger von Nürnberg de Wagner se apresentam como arquétipos de óperas sobre o cantor. Mas a dança - o corpo dionisíaco em movimento também - tem sido historicamente uma importante parte da ópera, desde os precursores da Renascença até os intermedi e as peças pastorais, que envolviam tanto a música quanto a dança.2 2 A visão do papel da dança na ópera oferecida aqui é derivada de Carl B. Schmidt ("Dance", partes 1 e 2) e Roland J. Wiley (partes 3 e 4) da entrada em Stanley SADIE, 1992, p. 1058-1067. Para mais informação sobre dança barroca, ver Catherine TUROCY, 1994. O final do Orfeu de Monteverdi e Striggio (1607) trouxe a história dos ascendentes Orfeu e Apolo de volta à terra com uma dança performatizada por pastores e pastoras. Enquanto a dança aqui claramente reafirma o terreno e o corpóreo (ou seja, o domínio da platéia), é possível que não seja exatamente o ponto central do drama. Enquanto esse papel de divertimento relativamente periférico persistiu na França do século XVII e nos entretenimentos da corte inglesa, por volta do século XVIII, especialmente na França, a dança operística passou a ser utilizada para expressar, em termos corporais, emoções que não podiam ser expressas em palavras. Enquanto a ópera séria italiana nunca explorou esse poder emotivo da dança, Orfeo ed Euridice de Gluck e Calzabigi (1762) certamente o fez, ao incorporar no segundo ato um balé que, de fato, promoveu a ação dramática assim como elevou o teor emocional da obra.

O balé clássico como forma de arte específica tornou-se proeminente no século XIX, desenvolvendo-se a partir da "muda ação da pantomima e do melodrama - acompanhados de música - mas com um conjunto muito bem codificado de convenções".3 3 Peter BROOKS, 1993, p. 259. O contexto romântico francês possibilitou a criação daquilo que se tem chamado de um "erótica do olhar" através da performance pública e da exposição, principalmente, do corpo feminino dançante. Embora a história do balé tenha sido reinterpretada pelas teóricas feministas nos anos recentes, há pouca dúvida de que o voyeurismo erotizado da platéia também exerceu um papel na popularidade do balé na ópera do século XIX.4 4 BROOKS, 1993, p. 259. Para a revisão feminista da história da dança, ver Sally BANES, 1998. As grandes óperas de Meyerbeers não eram, de forma alguma, as únicas a incorporar a dança para uma variedade de usos, desde realçar a atmosfera com a cor local até o conseqüente ritual de incorporação e de celebração. Curiosamente, os bailarinos muitas vezes interpretavam papéis de personagens mudos da ópera: Fenella, em La Muette de Portici, de Auber (1828); e Silvana, na ópera de Weber de 1810 que leva seu nome. É como se a dança se tornasse a voz literariamente corporificada do personagem silenciado. Death in Venice continua esta longa tradição em sua representação de Tadzio como bailarino.

As histórias da ópera usualmente assinalam que só a partir do século XX as cantoras são requisitadas a se tornarem bailarinas (por exemplo, atuando como Elektra, Daphne, Zerbinetta, ou, é claro, Salomé). Possivelmente, entretanto, essa dupla atuação começou, de certa forma, em 1875, com a criação de Bizet da perigosa cigana Carmem, cujas árias vocais eram deliberadamente nomeadas a partir das danças - a seguidilla e a habañera. Susan McClary vai ainda mais além ao afirmar a ligação existente entre a corporeidade da dança e o apelo cênico de Carmem para as platéias, da seguinte forma:

Bizet baseia a música de Carmem nos impulsos físicos da dança exótica, pseudocigana... Seus ritmos indicam que ela é muito consciente de seu corpo. De fato, antes mesmo que ela comece a cantar, a introdução instrumental estabelece um padrão que envolve o seu baixo corporal, exigindo movimentos de quadril como resposta. Além do mais, estes ritmos são tão contagiantes que tornam José - e o próprio ouvinte - conscientes tanto do corpo dela quanto de seus próprios corpos.5 5 McClary, 1991, p. 57.

Na cultura ocidental, as mulheres dançarinas sempre foram suspeitas, em parte por causa daquelas lendárias fêmeas dionisíacas ou bacantes cujos rituais de dança de inverno culminavam no despedaçamento e consumo cru de um animal sacrificado. Relacionada, portanto, ao irracional assim como ao corpóreo, a dança é tida como algo que se apodera do dançarino, geralmente sem o consentimento da mente racional.6 6 E. R. DODDS, 1994. Ver Erwin ROHDE, 1925, p. 283-284, sobre o culto orgíaco à dança e a resultante comunhão arrebatadora com o deus. Ele argumenta que essa é uma tradição contínua na "mania-de-dança" européia. Portanto, a dança era freqüentemente proibida porque tanto a religião quanto as autoridades profanas reconheciam e temiam seu poder. Contudo, é também interessante que, no Ocidente, a dança tenha sido historicamente vista como a representação tanto da possessão ou loucura dionisíaca, excesso e transgressão (usualmente a dança 'estrangeira' ou moderna), como da ordem apolínea (o balé clássico ou barroco, com sua ênfase no controle físico e na disciplina).

O corpo dionisíaco de Salomé

Este ensaio examina uma das mais provocantes dançarinas de ópera, Salomé, de Richard Strauss, e, através desta, o papel do corpo encenado e os conceitos de transgressão social, neurose médica e empoderamento de gênero em fins do século XIX e início do século XX. A ópera de Strauss de 1905 foi baseada na peça homônima de Oscar Wilde (publicada pela primeira vez em Paris em 1893). A peça representa uma revisão, nos moldes do decadentismo fin-de-siècle, da estória bíblica da bela e jovem princesa da Judéia que dança para o lascivo Herodes com o fim de possuir - e beijar - a cabeça decapitada de João Batista, que é, nesta versão, o objeto de sua recém-despertada paixão adolescente. Era chocante na época e ainda consegue sê-lo hoje.7 7 Sobre o valor do choque, ver Charles Michael Carroll. "Eros on the operatic stage: problems in manners and morals", p.43 A história bíblica pode ser encontrada em Marcos 6: 14-29 e Mateus 14: 1-12. Para uma noção acerca da complexidade dos relatos bíblicos e históricos de Herodes Antipas, Herodias, Salomé e João Batista, ver Françoise MELTZER, 1987, p. 29-41, e René GIRARD, 1984, p. 311-24. Sobre a reação de Meltzer, ver MELTZER, 1984, p. 325-32. Entretanto, os críticos da época parecem ter se chocado mais com a ópera do que o público em geral, que aclamou a primeira apresentação fazendo reabrir a cortina 38 vezes; foram 50 produções em dois anos.8 8 Para uma extensa discussão das primeiras críticas, ver Franzpeter MESSMER, 1989, p. 30-68; Bryan GILLIAM, 1992, p. 333-347; John WILLIAMSON, 1989, p. 131-144. Julius Korngold sugeriu em 1907 em Viena que o sucesso popular da ópera era prova de sua qualidade musical inferior: grande arte "que é verdadeiramente original e profunda requer um período mais longo para fixar raízes (citado por GILLIAM, p. 343). A personalidade de Strauss também estava em debate nas reações à ópera: "Ele não era um romântico tardio interessado em angústia e introspecção" (Robin HOLLOWAY, 1989, p. 152). Um artesão, ocupado com a música enquanto negócio e talvez um experiente e esperto oportunista (no que diz respeito à resposta da audiência), Strauss tinha seus defensores, entretanto: "Strauss não era apenas um improvisador, cavador de dinheiro, alto burguês oportunista", Kurt Wilhelm assegurou a seus leitores ( Richard Strauss: an intimate portrait. p. 199). Mas a combinação de sua personalidade e de seu gosto por escrever música mimética fez aqueles com outros gostos musicais recuarem: Joseph Kerman chama a ópera de insincera em cada gesto, meretrícia (KERMAN, 1988 , p. 212). A peça de Wilde foi originalmente escrita em francês e, então, traduzida para o inglês e celebremente ilustrada por Aubrey Beardsley.9 9 Sobre a atração decadente de Beardsley e a resposta "grotesca japonesa" à natureza chocante da peça, ver Chris SNODGRASS, 1995, p. 52-54, 87 e 276. Uma produção planejada com Sarah Bernhardt foi proibida em Londres em 1892, o ano seguinte ao famoso julgamento e à condenação de Wilde. A versão alemã estreou em 1901 em Breslau e encontrou um público perfeito na vanguarda alemã (aqueles que se colocavam como defensores do artista, perseguido pela lei inglesa e pelo conservadorismo estético inglês): houve 111 apresentações na Alemanha somente em 1903 e 1904. Foi no Max Reinhardt Kleines Theater de Berlim que Strauss viu a peça na tradução em prosa de Hedvig Lachmann (que ele usaria mais tarde para o libreto em vez da versão poética preparada por Anton Lindner). Diz-se que, na apresentação, alguém teria lhe sugerido que aquilo daria uma boa ópera, ao que ele respondeu que já estava envolvido na sua composição.10 10 Ver "Introduction" em Derrick PUFFETT, 1989a, p. 4.

A ópera que ele completou alguns anos mais tarde teve por vezes um destino não muito diferente da peça de Wilde: foi proibida em Viena (no teatro estadual) por razões religiosas. O espetáculo dionisíaco teve que ser censurado para que pudesse ser encenado em Londres, onde Sir Thomas Beecham afirmou: "fomos bem-sucedidos em metamorfosear uma horrível história de amor e vingança em um reconfortante sermão".11 11 Citado por Alan JEFFERSON, 1963, p. 46. A sinopse dessa trama decadente não apareceu em nenhum programa do Covent Garden até 1937. A produção de Nova Iorque foi cancelada definitivamente pela filha de J. Pierpont Morgan por motivos morais, enquanto a imprensa assinalava seu "fedor moral".12 12 Ver John FLUDAS, 1977, p. 15. Poderia parecer que o tabu generalizado em relação ao respeito aos corpos dos mortos foi quebrado de forma por demais escandalosa pelo beijo necrofílico e quase canibalesco de Salomé nos lábios de Jochanaan.13 13 Ver Marie-Claire HAMARD, 1992, p. 40 Em geral, entretanto, o libreto liricamente exuberante e decadente de Wilde (mesmo na versão em alemão) contribuiu para o efeito de choque moral e estético tanto quanto o fizeram os sons poderosos, radicalmente novos da música de Strauss. Juntos, a narrativa, o texto e a música atuaram para colocar não tanto a voz mas o corpo de Salomé em frente e no centro - de modo que os membros da platéia (assim como Herodes) não pudessem tirar os olhos dela.

Como Terry Eagleton de forma memorável coloca, hoje o corpo - "um assunto tão óbvio e importuno a ponto de ter sido brandamente omitido por séculos - tem atingido as fronteiras de um discurso frio e racionalista, e está em vias de se tornar o maior fetiche de todos".14 14 EAGLETON, 1996, p. 25. Talvez ele esteja correto, mas, para muitos, as vantagens [de encenar o corpo] parecem valer mais que os riscos de fetichismo. Feministas e outros teóricos têm chamado a atenção para a 'somatofobia' das tradições cristã e cartesiana, ou seja, sua construção do corpo como forma de ameaça à razão.15 15 Ver, por exemplo, Elizabeth GROSZ, 1994, p 5. Ver também Andreas HUYSSEN, 1995, p. 165, especialmente a discussão de Critique of cynical reason de Peter Sloterdijk e de sua posição de que o Iluminismo não foi capaz de incluir o corpo e os sentidos em seu projeto emancipatório. Eles nos ensinaram que o corpo é uma força a ser considerada, uma lição que o recente trabalho sobre ópera também começa a aprender. Embora possa parecer óbvio que o corpo encenado se encontra no centro de qualquer forma de representação teatral, é a voz descorporificada que tem dominado as discussões em torno da ópera, especialmente desde os avanços tecnológicos dos registros sonoros e transmissões radiofônicas.16 16 Ver Joseph R. ROACH, 1985, sobre a teatralização do corpo humano e sua relação com os discursos médico e fisiológico. De forma similar, a crítica sobre ópera também passou a ser dominada por considerações em torno da música cantada pela voz, usualmente separada do texto verbal do libreto e da narrativa dramática encenada. Musicólogos confidencialmente afirmam: "É acima de tudo a música que um amante de ópera vai ouvir".17 17 Ver "Introduction" em PUFFETT, 1989a, p. 8. Mas, falando em nome desses amantes da ópera, podemos no mínimo afirmar que vamos tanto ver como escutar a perfomance, e esta inclui um texto verbal e uma narrativa dramática encenada - para os quais aquela (reconhecidamente importante) música foi especialmente escrita. Nosso argumento é que a ópera é uma forma de arte corporificada; são os atores que lhe dão a "realidade sensível".18 18 ABBATE, 1993, p. 234. De fato, nós sentimos que a ópera deve seu inegável poder emotivo à conjunção do verbal, do visual e do auditivo e não ao auditivo somente. E é especificamente o corpo - o corpo sexuado - que não vai ser negado na ópera encenada. Como Joseph Roach explica,

Evidentemente, o corpo significante é central à representação teatral de qualquer forma. As técnicas através das quais o corpo é preparado para a performance, as expressões corporais específicas pelas quais o público aceita a verdade da performance, e as imagens pelas quais o corpo é erotizado na performance iluminam em qualquer momento cultural as relações entre sexualidade e poder.19 19 Ver ROACH, 1989, p 101.

Não importa o quanto os audiófilos de todos os tipos queiram ignorar isto: a voz vem do corpo. Mas também há momentos na ópera nos quais os cantores não cantam, e em que a dança corporal se sobrepõe à voz como forma de expressão. Herbert Lindenberger assinalou que, na passagem do século XIX para o século XX, em óperas como Moses und Aron, de Schoenberg, com sua dança em torno do Bezerro de Ouro, ou Samson et Dalila, de Saint/Säens/Lemaire, com a dança apropriadamente chamada de Bacanal, as seqüências de dança exibem "contorções corporais despudoradas acompanhadas de igualmente despudorada música orquestral orientalista".20 20 LINDENBERGER, 1998, p 186. A música de uma seqüência do balé atlético de Death in Venice, de Britten, é orientalista de forma similar, graças ao uso de percussão rústica. É claro que tanto essa escolha particular de instrumentação quanto suas associações com o Oriente reforçam a conexão entre Dionísio e a dança. Na Salomé de Strauss a protagonista também dança e, por mais ou menos dez minutos, a orquestra apóia o seu corpo em movimento, não a sua voz.21 21 Compare o "pudeur" de um crítico musical acerca do corpo na famosa dança de Salomé: "Une voix nue, non un corps 'strip-teasé', chante l'absence, hurle le silence, déroule l'écheveau du mystère" (Marie-Françoise VIEUILLE, 1983, p. 140). O corpo é referido como corpo/voz quando é significante; a dança sem voz do corpo é chamada de pseudo-dança (p. 146).

O corpo de Salomé foi a obsessão do fim do século XIX europeu, especialmente na cultura francesa.22 22 Anthony PYM, 1989, p. 312-313, oferece prova estatística disso: 82% das imagens de Salomé (em várias formas de arte) apareceram entre 1860 e 1920, e Paris foi centro dessa atividade. O ponto alto foi na virada do século. Ver também MELTZER, 1987, p. 15-16, acerca de como Salomé tendia a crescer na consciência cultural em momentos 'decadentes'. Já foi argumentado, por Richard BIZOT, 1992, que a proeminência de Salomé no início do século era sintomática de duas linhagens de influência cultural que então se interseccionavam: orientalismo, com suas aberturas na decadência de 1890, e o feminismo (p.85). O conto Heródias, de Gustave Flaubert, de 1877, criou, em seu retrato da sedutora mas estranhamente indiferente jovem dançarina, o tipo orientalizado e exótico que tanto influenciaria seus compatriotas. Esta Salomé dançava "como uma sacerdotisa da Índia, como as Núbias das cataratas, como as bacantes de Lídia".23 23 No original francês: "Elle dansa comme le prêtresses des Indes, comme les Nubiennes des cataractes, commes les bacchantes de Lydie (FLAUBERT, 1966, p. 130). A conexão dionisíaca com o corpo dançante é, dessa maneira, reafirmada. O corpo dessa exótica princesa dançante logo se tornou tema de óperas, poemas, estórias, peças, esculturas, objetos decorativos, balés, filmes e pinturas.24 24 A ópera de Jules Massenet de 1881, Hérodiate, é baseada nessa história tal como escrita por Paul Milliet e Henri Grémont, mas erotiza (ao aumentar o desejo de Herodes por Salomé) e sentimentaliza a trama consideravelmente, transformando Salomé em uma filha que procura a mãe que a abandonou e que se apaixona (de forma casta) por João Batista - que a convence de amá-lo "comme on aime en songe". Ele eventualmente confessa o seu amor por ela antes de sua execução, proibindo-a de segui-lo na morte. Esta Salomé dança, mas o faz para pedir perdão a um João Batista sentenciado de morte. Quando a execução acontece, no entanto, Salomé ataca Heródias com um punhal, mas o volta contra si mesmo quando descobre que Heródias é a mãe por quem está procurando. Uma ópera sobre desejo e religião, sobre obsessão erótica e espiritualidade, ela tem alguns dos pardoxos que devemos ver na ópera de Strauss, mas a relação de Salomé com João aqui é casta, espiritual e sentimental - em suma, bastante distante da última versão. Nenhum pintor foi mais obcecado pelo corpo de Salomé do que Gustave Moreau, que deixou centenas de óleos, aquarelas e desenhos como testemunho de sua fascinação. Ao fazer isso ele antecipou (e, em parte, criou) os gostos de uma geração de escritores, de Jules Laforgue ao jovem Proust, de Joris-Karl Huysmans a Oscar Wilde.25 25 Sobre a fascinação de Moreau, ver Julius KAPLAN, 1982, p 58-68. Sobre o impacto literário, ver Pierre-Louis MATHIEU, 1976, p. 250, e "La religion dans la vie et l'ouvre de Gustave Moreau", p. 16-17. Na direção inversa da influência artístico-literária, ver MELTZER, 1987, p. 17-18, sobre como Salammbô de Flaubert havia influenciado a representação de Salomé de Moreau. Moreau fez 120 desenhos deste trabalho, 70 dos quais de Salomé. Ver MATHIEU, 1976, p. 122. Duas das pinturas de Moreau do ano de 1876 se destacam precisamente por terem sido imortalizadas por Huysmans em seu romance A rebours, traduzido para o inglês como Against nature. Seu herói, o dândi Des Esseintes, compra os trabalhos com o objetivo de contemplar os encantos e perigos de Salomé. Um é uma pintura a óleo intitulada Salomé dançando frente a Herodes. O quadro apresenta a princesa em um cenário exótico e orientalizado (copiado das páginas do Magasin pittoresque), conforme descrito em grandes e exuberantes detalhes por Des Esseintes. Curiosamente, sua representação subseqüente do corpo de Salomé coloca em movimento a estática imagem pintada: "ela começa a dança lasciva que deve acordar os sentidos dormentes do já idoso Herodes; seus seios sobem e descem, os mamilos endurecem ao toque de seus rodopiantes colares, as correntes de diamantes brilham sobre sua pele úmida..." e assim por diante. De todos os pintores que representam Salomé ao longo dos séculos, apenas Moreau, diz Des Esseintes, capturou "o inquietante delírio da dançarina, a sutil grandeza da assassina". Para este homem francês, Salomé se tornara mais do que um personagem bíblico ou mesmo um deleite pornográfico:

Ela se tornara uma espécie de encarnação simbólica da Luxúria indestrutível, a Deusa da Histeria imortal, a Beleza maldita e elevada acima de todas as outras belezas pela catalepsia que endurece sua pele e enrijece seus músculos, a monstruosa Fera, indiferente, irresponsável, insensível, envenenando, tal qual Helena no mito antigo, tudo que dela se aproxima, tudo que a vê, tudo que toca.

O personagem do romance imagina Moreau pensando sobre "a dançarina, a mulher mortal, o espírito maligno, causa última de todo pecado e todo crime", antes de contemplar sua segunda aquisição - uma aquarela intitulada The Apparition, que o perturba ainda mais. Nesta, a cabeça de João Batista aparece em frente da dançarina que tenta, como ele diz, "afastar de si esta visão que a mantém presa ao local". Esta Salomé o aborrece porque ela é "a verdadeira meretriz, obediente a seu temperamento feminino cruel e passional [...] aqui ela despertou mais poderosamente os sentidos adormecidos do macho, subjugou mais efetivamente seu desejo com seus encantos - os encantos de uma grande flor venérea, cultivada em uma cama de sacrilégio, criada em uma estufa de impiedade".26 26 As citações textuais estão em J. HUYSMANS, 1959, p. 64, e, em francês, em J. HUYSMANS, 1977, p. 143-148.

Se isso parece hoje um tanto quanto exagerado (para não dizer misógino) tanto em termos de sentimento quanto de retórica - é preciso lembrar duas coisas: primeiro, o valor estratégico do exagero para a estética decadentista e, segundo, o impacto espantoso daquela descrição em todas as representações subseqüentes de Salomé, especialmente a de Oscar Wilde, que Dorian Gray viu em Des Esseintes como uma antecipação de si mesmo:

Durante anos Dorian Gray não pôde libertar-se da influência deste livro. Ou talvez seria mais exato dizer que ele nunca procurou dele libertar-se [...] O herói, o maravilhoso jovem parisiense, em quem os temperamentos romântico e científico estavam tão estranhamente mesclados, tornou-se para ele uma espécie de antecipação de si mesmo. E, de fato, o livro inteiro parecia conter a estória de sua própria vida, escrita antes que a tivesse vivido.27 27 Ver Oscar WILDE, 1992, p. 147. Para maior impacto com as descrições de Salomé de Huysmans, ver Megan BECKER-LECKRONE, 1995, p. 239-240.

A descrição particular de Huysmans das pinturas de Moreau foi definida como a "principal motivação" da peça Salomé de Wilde, a partir da qual Strauss compôs sua ópera.28 28 Richard ELLMANN, 1987, p. 321. A relação de Wilde com Mallarmé, que estava escrevendo Hérodiade na época, era um outro fator, assim como o era a leitura do poema dramático de J. C. Heywood , publicado na Inglaterra em 1888, que recontava Atta Troll de Heine (em que o fantasma Herodias beija a cabeça de João Batista). Ele também estudou muitas outras representações visuais de Salomé (p. 321-323). Des Esseintes pode ter sido atraído, em suas palavras, pelas "alegorias hieráticas cuja qualidade sinistra era intensificada pela mórbida lucidez de uma sensibilidade totalmente moderna", mas nós somos atraídos por uma outra alegoria sugerida pela forma (mais do que pelo conteúdo) das pinturas de Salomé de Moreau.29 29 J.-K. HUYSMANS, 1959, p. 69, e em francês J.-K. HUYSMANS, 1977, p. 149. Talvez não seja surpreendente que outros tenham sido atraídos por outras leituras alegóricas. MELTZER, 1987, lê as descrições de Huysmans desses trabalhos como uma alegoria da ontologia da escrita: "A Salomé de Moreau e sua rendição verbal por Huysmans, então, é uma elaboração mimética, tanto ideológica quanto simbólica do logocentrismo que informa os escritos dos Evangelhos" (p. 43). Os historiadores da arte têm comentado a respeito da radical disjunção, nas pinturas a óleo de Moreau desse período, entre os largos painéis de blocos coloridos (desenvolvidos de forma a conseguir a correta harmonia cromática) e o desenho sobreposto em detalhe fino, geralmente em nanquim.30 30 Geneviève LACAMBRE, 1997, p. 34; MATHIEU, 1976, p. 200. O que é impressionante, entretanto, é que o desenho de detalhe sobreposto nem sempre coincide com os blocos coloridos: o traçado delicado aparece quase independente da forma colorida que ele parece querer definir. Gostaríamos de sugerir que foi essa estranha disjunção entre a detalhada precisão e os blocos coloridos deslocados (que sugeriam mais do que definiam) que, em parte, provocou a dedicação da geração simbolista à sua arte.

A peça de Wilde também poderia ser chamada de um drama simbolista ou, pelo menos, de uma versão estética britânica daquilo que os escritores franceses tentariam fazer ao capturar as sensações imediatas e fugazes da vida interior. É aí que uma leitura alegórica, à luz da disjunção formal de Moreau, se torna possível. O texto delicado, bejewelled de Wilde, é semelhante ao igualmente delicado traçado em nanquim de Moreau, que cobre a superfície da tela com o efeito de uma espécie de cloisonné enamel.31 31 O termo bejewelled está em David MURRAY, 1992a, p. 569, e significa algo extremamente delicado, adornado. Os amplos blocos de cores desordenadas representam, nessa alegoria, a música de Strauss composta para o texto de Wilde: música forte, poderosa, que parece às vezes totalmente inadequada para a delicadeza do libreto. Se pudéssemos imaginar como a música de uma ópera verdadeiramente simbolista deveria soar, provavelmente pensaríamos na música evocativa e sugestiva de Debussy para a peça de Maeterlinck Pélleas et Mélisande. Aqui, ao contrário, a prosa sofisticada, sutil, erótica do texto (traduzido) de Wilde contrasta com a orquestração muitas vezes agressiva, com o que foi denominado seus momentos de "bestialidade lasciva", que responde mais às implicações psicológicas do que à linguagem do texto da peça em si.32 32 Gary SCHMIDGALL, 1977b, p. 250-251; Patricia KELLOG-DENNIS, 1994, p. 225, sugere que Strauss na verdade deveria estar fazendo um brilhante pastiche da arte dacadente da virada do século. Entretanto, tal qual a disjunção de Moreau entre o desenho detalhado e os grandes blocos coloridos, poderíamos argumentar que a falta de coincidência entre o texto de Wilde e a música de Strauss é, de certa forma, a própria causa do poder perturbador da obra. O apolíneo em confronto com o dionisíaco pode ser tão poderoso quanto a sua combinação.

Ao tentar conciliar o texto delicado e a música brutal, os críticos imediatamente assinalam essa falta de coincidência, condenando um ou outro lado, dependendo de suas preferências.33 33 Por exemplo, Lawrence KRAMER, 1990, p. 284, vê Wilde como teatral e Strauss como sensacionalista. HOLLOWAY, 1989, p. 155, vê a música como algo que preenche a "berrante inconsistência" de Wilde. Robert Hirschfelt, em 1907, citado por GILLIAM, 1992, p. 334, diz: "A poesia de Oscar Wilde é enluarada. Nesta magia delicada, Richard Strauss instala os refletores de seus leitmotivs. É possível argumentar, entretanto, que é exatamente essa disjunção em si que contribui para o impacto na performance. Sem a música de Strauss, a peça de Wilde permanece um ornato lírico, uma balada, mas não, em si mesma, tão dramática: a peça aproveita a desconfortável conjunção - ou disjunção - com a música de Strauss (espantosa em sua "audácia de excitação bruta e às vezes extrema crueza composicional") para transformar a peça em um drama.34 34 Ver Hanna B. LEWIS, 1976, p 127, sobre a peça como uma "lírica extensa"; o próprio Wilde pensou na peça como uma balada (ver a carta a Lorde Alfred Douglas de 2 de junho de 1897, em que ele discute seu objetivo de fazer o drama tão pessoal quanto a poesia lírica), mas também os críticos desde então. Ver Richard SPECHT, 1921, que abre sua discussão da peça com "Eine Ballade. Kein Drama". A citação final aqui é de HOLLOWAY, 1989, p. 150. O instinto de Strauss para o teatral foi posteriormente se tornando claro, mas em Salomé o enfático e dramático vocabulário musical de harmonias, ritmos e instrumentação muitas vezes entra em conflito com o exuberante e voluptuoso vocabulário do texto verbal.35 35 Também poderiam ser considerados responsáveis pelo impacto os cortes feitos por Strauss no texto de Wilde (ou melhor, na tradução alemã de Lachmann) reduzindo as subtramas, repetições, manobras políticas em nome das simetrias estruturais e dos agrupamentos formais dos eventos. Ver Roland TENSCHERT, 1989, e Tethys CARPENTER, 1989, p. 89-93. E quando os dois opostos se unem, como nas telas de Moreau, o poder de desconcertar recai na não-coincidência.

Patologizando a femme fatale

Há aqui uma analogia direta com a igualmente desconcertante disjunção dentro da própria personagem de Salomé: ela encarna e incorpora no palco uma desadaptação psíquica que a torna poderosa e, finalmente, talvez, aterrorizante. Mas ela não começa dessa forma. A Salomé que primeiro vemos no palco é bem diferente: uma atraente e voluntariosa jovem. Wilde pretendia que sua Salomé fosse ao mesmo tempo a incorporação da sensualidade e uma virgem casta, e o que Strauss fez foi acentuar essas contradições. As óperas efetivamente encenadas, entretanto, enfatizaram ora a virgem, ora a prostituta, muito mais do que sustentaram a ambivalência que Wilde parece ter intencionado: a virginal Birgit Nilsson virginal interpretou o papel diferentemente da vampish Teresa Stratas.36 36 Sobre o desconcertante apelo erótico de Salomé como garota jovem, ver Arthur GANZ, 1987-1988, p. 13. Sobre a intenção de Wilde, ver ELLMANN, 1987, p. 232 e 255. Sobre as diferentes possibilidades performativas, ver PUFFETT, 1989b, p. 161-163. Salomé é obviamente uma típica femme fatale na longa tradição operística de Carmem, Kundry, Dalila e, mais tarde, Lulu - a beleza demoníaca que poderia atrair os homens para a perdição e que, por isso, provocava naquele que a contemplava medo e atração, terror e desejo.37 37 A Salomé bíblica não foi sempre representada dessa forma, é claro, e a história dessas representações ilumina as escolhas feitas por Wilde. Nos relatos do Novo Testamento, a dançarina é simplesmente referida como a (não nomeada) filha de Herodias; sua função é simplesmente a de instrumento do desejo de sua mãe de ver João Batista executado. Não há nenhuma menção da incestuosa atração de Herodes por Salomé, tal como vemos na peça, ou de seu violento desejo por João Batista. Mas a bíblica Salomé adquire mais personalidade através dos séculos com o aumento de sua veneração por João. Por volta do século IV, ela se tornou um símbolo da malignidade por seu papel no martírio do santo, apesar de o foco principal, tanto nas artes literárias quanto visuais, ser a morte de Batista, da qual ela é apenas agente. Os chefes da Igreja usaram sua história para sublinhar os males da dança, tal como explicado por Kerstin MERKEL, 1990, p. 2-3, e Helen Grace ZAGONA, 1960, p. 20. Na Idade Média, a cena da dança inspirava artistas religiosos que a usavam como advertência; na Renascença, entretanto, Salomé tornou-se simplesmente a imagem da graciosa, jovem dançarina. Na verdade, foi apenas no fim do século XIX que Salomé adquiriu a identidade de femme fatale, graças à obsessão pós-romântica para com ela e com seu corpo. Tradicionalmente caracterizada por sua quase opressiva presença física como sedutora, a femme fatale comumente assumia a identidade de uma personagem histórica ou mítica - como Salomé - provavelmente para marcar a natureza universal ou arquetípica de sua atração. Tal como assinala Patrick Bade, "Esta preocupação com mulheres demoníacas e destrutivas é um dos traços culturais mais impressionantes do fim do século XIX. O tema era altamente difundido, atraindo homens de credos artísticos opostos, simbolistas e realistas, rebeldes e reacionários, e penetrando profundamente na consciência popular".38 38 BADE, 1979, p. 6. Ver também HAMARD, 1992, p. 29, sobre os persona-gens míticos adotados. Sobre o elemento de perigo, ver Rebecca STOTT, 1992. A localização destas mulheres em cenários exóticos, muitas vezes orientais, destinada ao público europeu, intensificou não apenas o mistério e as complexas associações entre o físico e o espiritual, mas também as "projeções fáceis e imaginativas dos desejos sexuais"39 39 Fludas. "Fatal women". p.15. .

Enquanto versão misógina e negativa do 'eterno feminino', desta vez incorporando a morte muito mais do que a vida, a femme fatale era vista como "mais maligna que o macho, friamente indiferente ou agressivamente letal".40 40 Ver Paul KLUCKHOHN, 1966, p. 213-214, sobre a construção da mulher no Sturm und Drang ou como "das einfache natürliche Weib" ou "das Machtweib" ou como femme fatale. A citação aqui é retirada de FLUDAS, 1977, p. 15; ver também HAMARD, 1992, p. 46. Mas enquanto Salomé pode muito bem ter sido, para usar os termos de Lawrence Kramer, "a mulher ardente favorita de todos no fim de século", trata-se de uma femme fatale com uma diferença: como Ken Russell muito bem capturou em seu filme, A última dança de Salomé, ela é uma adolescente e uma virgem.41 41 KRAMER, 1990, p. 271. In: Femme fatale. Bade de fato a chama de " femme fatale pedofílica". p. 16. Ver também Tim MCCRACKEN, inédito, sobre as conexões entre as noções de infância do século XIX e a figura da Lolita do século XX. Para ele, Salomé é a "Ur-nymphet". As contradições começam a ser percebidas no decorrer da ópera, quando sua personagem é desmascarada do mesmo modo que seu corpo se revela na Dança dos Sete Véus. Mas a Salomé da abertura é bela e jovem; é uma criança impulsiva e mimada que quer tudo a seu modo, uma princesa paparicada que vive em seu próprio mundo, como convém ao narcisismo dos jovens.42 42 Ver J. Edward CHAMBERLIN, 1977, sobre o narcisismo da Salomé de Wilde (p. 105, 175-176 e 178) e suas contradições: "as confusões entre malignidade e orgulho e beleza e horror" (p. 179). Mesmo assim, é esta mesma adolescente que desenvolve uma paixão obsessiva (e, ao final, letal) por beijar os lábios de Jochanaan (o nome germânico-hebraico da ópera para João Batista). De fato, quando ela vê o corpo de João batista pela primeira vez, ela canta o mais sensual dos hinos em homenagem a sua beleza, o que é raro em ópera, um gênero dramático sempre pronto a falar de amor, mas reticente quando se trata de francas expressões de desejo físico. De novo, parte do impacto sobre as audiências, então e agora, deriva do fato de que essa franqueza é articulada por, e portanto associada a, um corpo feminino púbere e casto.

Entretanto, é Jochanann quem primeiro introduz a linguagem da sexualidade na peça e no libreto: quando ele é trazido de sua cela a pedido de Salomé, ele inicia um discurso contra a mãe dela, Herodias, condenando seus delitos sexuais, que parecem abranger desde olhar fotos de homens até entregar-se a capitães sírios e a jovens do Egito, chegando até a abominação de seu leito incestuoso (já que ela casou com o meio-irmão de seu marido). Ele então se dirige a Salomé como a filha de Babilônia e Sodoma, cuja mãe irrigou a terra com o vinho de sua luxúria. É somente depois desse ataque sexuado que Salomé começa ela mesma a usar uma linguagem sensual e sexual em sua sedutora representação de Jochanaan. Ela começa com uma descrição extravagante, construída a partir de comparações bíblicas, acerca da alvura de seu corpo, do qual ela diz estar enamorada ("Ich bin verliebt in deinen Leib") - uma descrição que termina com o pedido de tocar seu corpo ("Lass mich ihn berühren deinen Leib"). Nesse momento o tema de Herodias ecoa na música , identificando a filha com a sexualidade condenada da mãe.43 43 William MANN, 1964, p. 54. A resposta de Jochanann a Salomé é um ataque (implicitamente sexuado) a todas as mulheres, por terem primeiro trazido a maldade ao mundo. A rejeição a suas investidas faz Salomé responder, desta vez, com uma série de imagens hediondas do corpo dele, que ela agora diz que odeia. A música muda nesse ponto e alcança uma nova dissonância. Tendo entretanto descrito seu corpo alvo, Salomé direciona sua atenção a seu cabelo negro. Sua descrição lasciva e a subseqüente rejeição são seguidas, mais uma vez, de uma representação revisada de seu cabelo como um emaranhado de negras serpentes contorcendo-se em torno de seu pescoço, antecipando a imagem da Medusa que a cena final vai também poderosamente evocar. Sua atenção então se fixa na vermelhidão de sua boca, e ela conclui seu louvor pedindo para beijá-la. A contínua rejeição de Jochanann encontra o desejo teimoso de Salomé: "ich will deinen Mund küssen, Jochanaan" (Eu quero beijar sua boca, ela insiste) .

Gustave Moreau não foi o único a ver na jovem, voluntariosa Salomé uma representante da mulher em geral, isto é, associada naquele tempo com sensualidade e curiosidade doentia.44 44 Ver MOREAU, 1984, p. 78, sobre "Salome dansant devant Hérode". Curiosamente, os críticos modernos franceses da ópera usam linguagem similar. Ver Martial PETITJEAN, 1983, p. 132. Para entender o apelo de Salomé a suas primeiras audiências (e também o emocionante perigo que ela encarnava) é preciso compreender o contexto da política de gênero da época, uma época sob muitos aspectos diferente da nossa. Hoje, condicionados pelos argumentos feministas, consideramos angustiante que naquela época os discursos médicos e sociais se comprazessem em reduzir as mulheres a criaturas moralmente subdesenvolvidas e infantis. Dessa forma, para os contemporâneos de Strauss e Wilde, a perigosa Salomé viria a representar, mesmo em sua juventude, todas as mulheres.45 45 Ver Bram DIJKSTRA, 1986, p. 283. Para uma visão diferente da Salomé de Wilde como sexual e moralmente ambivalente e, portanto, relacionada à androginia nas associações do fim do século tanto da virgindade (e esterilidade) quanto da luxúria, ver CHAMBERLIN, 1977, p. 173, 175 e 176. Sentimos que a Salomé operística está definitivamente codificada como feminina e também como jovem (mais do que andrógina), dada a ressonância dos discursos médicos que lhe são contemporâneos. Cesare Lombroso articulou esta visão, até certo ponto forçosamente, em seu estudo sobre a "fêmea delinqüente" no final do século XIX: "mulheres são crianças grandes: suas tendências más são mais numerosas e mais variadas que as dos homens, mas geralmente permanecem latentes. Quando são despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente maiores".46 46 Cesare LOMBROSO e Guglielmo FERRERO, 1958, p. 151. Sobre a importância de Lombroso e da Italian School of Criminal Anthropology para essa visão da mulher em geral, ver Ruth HARRIS, 1988, p. 32. A libido feminina era portanto considerada "volátil, caprichosa, alvoroçada... inerentemente disfuncional, até mesmo perigosa". Gênero e criminalidade estavam claramente imbricados no pensamento médico do fim de século.47 47 A citação é de Roy PORTER, 1993, p. 251. Para mais informação sobre o assunto, ver HARRIS, 1988, p. 32 e 52. Todavia, o impacto da própria juventude de Salomé não pode ser ignorado, já que é um dos aspectos da desadaptação psíquica que a torna tão desconcertante, pois havia um outro discurso médico na época que relacionava especificamente "a insanidade da puberdade" nas mulheres à "tendência destrutiva" comparável à combatividade nos homens.48 48 Havelock ELLIS, 1899, p. 307, parafraseando "Developmental Insanities", do Dr. Clouston.

Além disso, a violência criminal feminina veio a ser diretamente associada à menstruação. O controle, de acordo com Havelock Ellis, tornava-se "fisiologicamente reduzido no período menstrual mesmo nas saudáveis, enquanto ficava muito mais reduzido nas neuróticas e desequilibradas".49 49 ELLIS, 1899, p. 256. Ver também a seguinte observação de Ellis: "Toda vez que uma mulher pratica uma ação de violência criminal é extremamente provável que ela esteja no período mestrual" (p. 255). Ellis se inscreve aqui em uma longa tradição do século XIX de associar mulheres púberes, menstruação, sexualidade e insanidade, que é mais amplamente articulada (e de forma relevante, para a caracterização de Salomé) por Henry Mardsley em The Physiology and Pathology of Mind, na segunda edição da obra datada de 1868:

Quando a herança do temperamento insano existe [...] se o indivíduo é colocado sob condições de grande excitação, ou sujeito a tensão mental severa, a propensão inerente pode vir a se manifestar em algum ato repulsivo de violência. É sabido que a grande perturbação interna produzida em jovens garotas na época da puberdade pode ser uma causa ocasional de estranhos sentimentos mórbidos e atos extraordinários, e aqui é especialmente o caso em que o temperamento insano existe. Em tal caso também irregularidades da menstruação, que podem perturbar o equilíbrio mental, podem também provocar um surto de mania ou a perversão moral extrema mais aflitiva para os amigos do paciente do que a mania, porque aparentemente intencional. A tensão de uma grande decepção ou qualquer outra causa reconhecida de doença mental vai encontrar uma poderosa causa cooperativa na predisposição constitutiva.50 50 Henry MAUDSLEY, 1868, p. 341. Para mais articulações sobre essa ligação, ver, por exemplo, John Haslam. Considerations of the Moral Management of Insane Persons, 1817, p. 4-5, e George Man Burrows, Commentaries on Insanity, 1828, p. 146 - como discutido em PORTER, 1993, em que ele também cita o psiquiatra alemão Wilhem Griesinger (p. 254-255) acerca da conexão entre o erótico e menstrual e a histeria.

De fato, a conexão da insanidade com o gênero, com a juventude e com a menstruação é um tema recorrente na literatura médica do século XIX.

Nesse contexto, a obsessão com a lua, tanto na peça quanto na ópera, adquire um novo e sinistro significado, que vai além da noção usual de loucura. O papel da lua tem sido interpretado de várias formas: como a iluminação favorita para os cenários noturnos do movimento decadentista, como um símbolo de mutabilidade mítica ou mesmo de extremos femininos como a velha (Hecate) e a virgem (Diana).51 51 "O movimento decadentista era noturno e evitava a rígida luz da consciência. Seus atos inefáveis e sonhos intoxicantes requeriam a cobertura do escuro. A luz da qual os decadentistas precisavam a lua poderia oferecer". De acordo com SCHMIDGALL, 1977b, p. 254. Mas a presença insistente da lua aqui pode também simbolicamente incluir o discurso médico contemporâneo acerca da menstruação feminina após a puberdade e os riscos físicos que representa para os outros. A lua domina o palco quando a cortina sobe; cada personagem que entra, ao vê-la, nela projeta seus próprios sentimentos do momento - em geral sentimentos relacionados ao corpo de Salomé. Enquanto o apaixonado sírio Narraboth admira a beleza física de Salomé, o nervoso Page compara a lua a uma mulher saindo de um túmulo ("Wie eine Frau, die aufsteigt aus dem Grab"). Mas Narraboth vê na lua uma pequenina princesa dançante, com pés como pombos brancos ("Wie eine kleine Prinzessin, deren Füsse weisse Tauben sind. Man könnte meinen, sie tanzt"). A isso Page responde de novo, em severa contradição, que a lua lembra mais uma mulher morta ("Wie eine Frau, die tot ist").

O papel da lua como uma tela psíquica sobre a qual os personagens projetam seus desejos e ansiedades é afirmado quando a própria Salomé entra e a admira através de termos como "uma flor prateada que é fria e casta" ("kühl und keusch"), "com a beleza de uma virgem pura" ("einer Jungfrau, die rein geblieben ist"). Ela irá em breve associar a castidade da lua com aquela do pálido corpo de marfim de Jochanaan: "Gewiss ist er keusch wie der Mond". E, de fato, a lua se torna um ponto constante de referência no hino à sua beleza física. Seus olhos são descritos como lagos sobre os quais loucos luares flutuam ("irres Mondlich flackert"); seu cabelo negro é escuro como noites sem luar. Quando Herodes entra, procurando Salomé, e discutindo com Herodias que briga com ele por fitar por demais sua filha, ele também acaba olhando a lua, que então vê como uma louca mulher bêbada procurando em todos os lugares por amantes ("ein wahnwitziges Weib, das überall nach Buhlen sucht [...] wie ein betrunkenes Weib"). Mais realista, Herodias recusa tal projeção psíquica descarada, afirmando que a lua é como a lua, e que isto é tudo ("der Mond is wie der Mond, das ist alles").

Essa constante referência à lua em um contexto de amantes, castidade, morte e perigo sugere outra conexão com aquele discurso médico sobre a menstruação, mas agora associada à sexualidade anormal, especificamente com a hiperestesia, ou exacerbação do apetite sexual. Nos termos de um médico da época, "Na mulher é durante ou depois da menstruação que o apetite sexual e conseqüentemente a hiperestesia sexual é geralmente mais forte".52 52 August FOREL, 1908, p. 225-226. Para discussão suplementar, ver Harry CAMPBELL, 1891, p. 200. E ELLIS, 1899, p. 254, sobre erotomania. A pesquisa Mosher nos Estados Unidos também examinou essa conjunção na mesma época. Ver Clelia D. MOSHER, 1980. Esses contextos médicos podem ser considerados produtivos aqui, junto aos familiarmente simbólicos, na interpretação desse estranho aspecto cênico da lua como foco da atenção de todos. Como uma fêmea pubescente verbalmente conectada com aquela lua, Salomé está diretamente associada com mênstruos e indiretamente, portanto, com os vários discursos médicos de sua época, acerca do patológico, que conectam a mulher menstruada com a violência e com a sexualidade exacerbada.53 53 Como se para sublinhar a conexão, Wilde faz com que seu Jochanaan ofereça uma visão apocalíptica do dia em que a lua apareceria tão vermelha quanto o sangue, uma imagem que Herodes apropriadamente relembra - e duas vezes repete - minutos antes que Salomé inicie sua dança infame.

Na medida em que a ópera progride, e aspectos do caráter de Salomé são revelados, ela se torna mais e mais perturbadora. Ninguém há de surpreender-se que a mulher a quem Des Esseintes de Huyssmans chamou de "deusa da histeria imortal" tenha sido de fato interpretada como uma histérica ou mesmo uma psicótica por críticos pós-freudianos.54 54 Ver Ernest NEWMAN, 1954, p. 36: "Num êxtase final de perversão sua mente explode". Michael KENNEDY, 1995, p. 143-144, VÊ a ópera como um estudo sobre a obsessão. Ver também François-René TRANCHEFORT, 1983, p. 127, sobre sua "psicose delirante". Mas os discursos que lhe são contemporâneos - os de Richard von Krafft-Ebing e Hevelock Ellis, para não mencionar Jean Martin Charcot, Pierre Janet e o próprio Freud - oferecem outro contexto no qual Salomé teria sido construída naquela época em termos de uma sexualidade patológica. Mesmo antes de Freud, as associações das mulheres com a histeria incluíam um alto grau de sugestibilidade, irritabilidade emocional, instabilidade, hiperestesia e impulsividade.55 55 A lista é aquela de ELLIS, 1899, p. 281, referindo-se a Conolly Norman de Charcot. Cf. a relação, de certa forma, diferente (em 1907) da histeria com uma variedade de sintomas psíquicos, do sonambulismo à sugestão, em The Major Symptoms of Hysteria. Entretanto, a crença pessoal de Charcot de que a histeria era "toujours la chose génitale" nunca foi realmente publicamente admitida. Ver Martha Noel EVANS, 1991, p. 26-28. Para uma história completa dos significados da histeria dos tempos antigos até Freud, ver Sander L. GILMAN et al., 1993 . Maudsley mais uma vez oferece uma articulação canônica que é sugestiva para o retrato da Salomé operística:

Um ataque agudo de excitação maníaca, com grande agitação, perversão de conduta, conversação alta e rápida [...] Um elemento erótico é às vezes evidenciado nas maneiras e pensamentos e ocasionalmente estados arrebatadores ocorrem. Os sintomas são às vezes piores nos períodos menstruais.56 56 MAUDSLEY, 1868, p. 287.

Tal lista oferece um esboço sucinto da personalidade da voluntariosa jovem Salomé, que deve ter tudo como deseja, que reage tão fortemente ao ver pela primeira vez o corpo de Jochanaan quanto ao ser rejeitada por ele. Sua instabilidade é clara nesta rápida oscilação que vimos entre a admiração por sua beleza corpórea - seu corpo, seu cabelo, seus lábios - e repulsa ao mesmo tempo, quando ele rejeita suas propostas. Para sublinhar a oscilação psíquica, a música muda no ponto da rejeição, oferecendo "orquestração perturbadoramente heterogênea, harmonia dissonante e linhas vocais mais angulares".57 57 Paul BANKS, 1988, p. 11. A música em si mesma tem sido chamada de nervosa e até mesmo de neurótica. Ver Theodor ADORNO, 1966, sobre "a moralidade artística do nervosismo" de Strauss: "'Nervoso' era uma deixa do estilo moderno. Cobre aquilo que desde Freud tem sido chamado de 'neurótico', distúrbios patogênicos resultantes de repressão, assim como a utopia condenada de Ibsen acerca das mulheres histéricas que, alheias ao princípio de realidade e impotentes, protestam contra o contrainte sociale. O nervosismo se tornou um sinal de prestígio, denotando a capacidade reativa altamente intensificada e diferenciada da pessoa que se torna seu próprio instrumento de precisão, que é entregue sem defesa ao mundo das sensações e que, através de sua fragilidade, denuncia a brutalidade do mundo" (p. 115). Enquanto hoje pode ser mais fácil interpretar a histeria, como o faz Elizabeth Grozs, como uma forma de resistência, quando a peça e a ópera foram escritas, o patológico dominava os discursos médico e cultural sobre a sexualidade feminina.58 58 GROSZ, 1994, p. 157-158, em resposta à interpretação de Foucault acerca da "hystericization of women's bodies". Ver também Elaine SHOWALTER, 1985 . Susan MCCLARY, 1991, p. 99, usa a tese de Showalter acerca da loucura no século XIX como uma 'doença feminina' para ler o estado mental de Salomé como explicitamente relacionado à sexualidade feminina excessiva. Em "Hysteria, Feminism, and Gender", Showalter mostra como tanto o tratamento e os relatos históricos da histeria quanto a condição potencial de todas as mulheres foram informados pelos papéis tradicionais de gênero nos quais o macho é o terapeuta e a fêmea, paciente. Ver também Mark S. MICALE, 1991, p. 200-239; ver ainda EVANS, 1991, p. 2-3 especialmente. E, como vamos ver em breve, aquela patologia ligava a histeria diretamente ao corpo dançante dionisíaco.

Se a norma adotada na época para as mulheres era, de fato, a assexualidade, como defendiam os médicos, e se as mulheres que buscassem homens eram consideradas anomalias, imaginem o quão transgressora Salomé deveria parecer.59 59 "O instinto sexual é muito menos intenso na mulher do que no homem", afirma CAMPBELL, 1891, p. 210. Richard von KRAFFT-EBING, 1931, p. 14, acrescenta: "A mulher, entretanto, se física e mentalmente normal, e convenientemente educada, tem pouco desejo sexual"; Eric TRUDGILL, 1976, p. 50-63, explica o papel profissional médico em promover ansiedade acerca do sexo no século XIX, em parte ao assumir que as mulheres eram assexuadas e disponíveis para submeterem-se aos desejos sexuais de seus maridos apenas para satisfazê-los e para procriar. Sua demonstração explícita de desejo sexual por Jochanaan deve ter sido vista pela maioria como um sinal óbvio de doença mental e prova (na força elementar de sua atração por ele) de sua ninfomania. O discurso da época acerca das mulheres excitáveis e insaciáveis, que desde a juventude "jogam-se sobre os homens", deve ter fornecido outro contexto significativo para a interpretação de Salomé.60 60 Sobre ninfomania, ver Thomas SZASZ, 1980, p. 16. A citação é de FOREL, 1908, p. 97. Hoje, estamos mais propensos a acreditar, com Bram Dijkstra, que o desejo masculino criou a imagem da ninfa insaciável e que os cientistas homens então "descobriram sua existência como um fato médico", mas naquela época, para Kraff-Ebing, a ninfomania era uma "síndrome dentro da esfera da degeneração psíquica" e essa crença poderia então explicar o que um outro médico denominou de perda ninfomaníaca "de qualquer senso de vergonha, de moral, de toda discrição, no que diz respeito ao objeto de seus desejos".61 61 As citações aqui são, respectivamente, de DIJKSTRA, 1986, p. 249; KRAFFT-EBING, 1931, p. 483; FOREL, 1908, p. 227.

Certamente, ao fim de sua dança dos véus, quando Salomé exige a cabeça do profeta, seu caráter também é revelado naquilo que, na época, deve ter sido visto como toda sua glória patológica. Presumivelmente isso é o que levou a primeira Salomé, Maria Wittich, a protestar acerca do que se pedia a ela: "Não vou fazer isto. Sou uma mulher decente", exclamou.62 62 Como reconsiderado pelo próprio Strauss, 1953, p. 151. O psiquismo dramatizado de Salomé fez com que Romain Rolland escrevesse a seu amigo Strauss que a peça de Wilde "tem em si uma atmosfera doentia e nauseante: a peça transpira vício e literatura. Não se trata de uma moralidade de classe média, é uma questão de saúde". Ele prossegue chamando Salomé de "mórbida, suja, histérica", tal qual fizeram muitos dos primeiros críticos da ópera, protestando em nome da saúde, mas também refletindo o impacto da reputação escandalosa de Wilde e seu recente julgamento por sodomia.63 63 Rolland é citado aqui em WILLIAMSON, 1989, p. 131 e 131-132. Para uma análise aguda e pontual da recepção de Wilde, especialmente na Alemanha e na Áustria, e sobre as ligações entre a homossexualidade de Wilde e o tema judeu da peça e da ópera, ver Sander L. GILMAN, 1988, p. 156-162 ("Opera, Homosexuality, and Models of Disease: Richard Strauss's Salome in the Context of Images of Disease in the Fin de Siècle"). Mas os signos verbais da influência dos discursos médicos acerca da sexualidade feminina patológica estão presentes, apesar disso, naquele vocabulário de histeria e insalubridade.

Mesmo assim, o poder de Salomé como personagem vem da progressiva incorporação cênica daquela perversa disjunção entre a sexualidade patológica, perigosa da femme fatale castradora, e a inocência e obstinação dessa jovem garota - e de sua história bíblica.64 64 Ver Elgna ADAM e Laurent WORMS, 1983, p. 156, sobre o medo da castração simbólica que Salomé representa. Seu caráter obstinado pode ser visto na teimosa reafirmação de seus desejos. Quando ela decide que quer ver o corpo de Jochanann, ela reitera esse desejo três vezes, indo progressivamente de um benigno "Eu gostaria" ("Ich möchte") ao mais assertivo "Eu quero" ("Ich wünsche") e finalmente ao peremptório "Eu vou" ("Ich will") . Quatro vezes ela insiste que vai beijar a boca de Jochanaan. Oito vezes ela repete a Herodes seu pedido pela cabeça de Jochanaan como pagamento por sua dança. Em seu monólogo final àquela cabeça cortada, a sua teimosia infantil se integra à patologia perigosa em todo seu poder. Ela de novo repete várias vezes que havia dito que queria beijar sua boca e agora vai fazê-lo, porque está viva enquanto ele está agora morto. Quando ela de fato o beija ela canta: "Havia um gosto amargo nos seus lábios. Era o gosto de sangue? Não! Então, talvez fosse o gosto do amor [...] Dizem que o amor tem um gosto amargo" ("Was war ein bitterer Geschmack auf deinen Lippen. Hat es nach Blut geschmeckt? Nein! Doch es schmeckte vielleicht nach Liebe [...] Sie sagen, dass die Liebe bitter schmecke."). As associações vampíricas com a femme fatale, alimentando-se de homens "mal preparados para a investida",65 65 Ronald PEARSALL, 1969, p. 85. juntam-se aqui com as representações dos caprichos da criança que decide que ela de fato não se importa: "De que importa?" (Allein, was tut's? ): o importante é que ela teve o que queria, como duas vezes ela exultantemente observa.

O que poderia ter sido visto como desejo físico patológico vem juntar-se ao poder feminino adolescente, enquanto a orquestra toca o que foi descrito como "o mais repugnante acorde de toda ópera".66 66 SCHMIDGALL, 1977a, p. 13. MURRAY, 1992b, descreve a orquestra aqui como acrescentando "Uma bruta dissonância como um escárnio obsceno" (p. 148). Em todas as partes da ópera, a música espelhou os paradoxos do caráter de Salomé. Uma das poucas coisas vagamente elogiosas que Theodor Adorno já disse sobre Strauss foi acerca de sua "habilidade em unir a plenitude das emoções, incluindo aquelas que são incompatíveis, em complexos isolados, colocar a oscilação dos sentimentos em altos e baixos em um instante singular".67 67 ADORNO, 1966, p. 117. Musicalmente, todo o monólogo final de Salomé está em dó maior/menor, as claves da "violência e da morte que são opostas ao dó agudo maior/menor do mundo dos desejos". A ambivalência de seu caráter é exposta através de sua participação em ambas as claves.68 68 Craig AYREY, 1989, p. 117. Ayrey bizarramente conecta essas claves com o "mundo moralista e repressivo da ortodoxia" (que estranhamente associa com a corte decadente de Herodes) e com "sinceridade e inocência" (p. 118-119). Mas no final da ópera, quando Salomé beija a boca de Jochanaan, a violência, a morte e o desejo se reúnem e contrastam com a ênfase do texto na teimosia da virgem casta que aprendeu o significado do poder.69 69 Ver Catherine CLÉMENT, 1983, p. 124, sobre a casta mas desejosa Salomé. Mesmo antes de sua famosa Dança dos Sete Véus, Salomé usou o conhecimento que tinha de seu poder, um poder inseparável de seu corpo físico. Aquela dança é parte do calculado jogo de trocas com Herodes - no qual ela oferece seu corpo como espetáculo sensual, sexual aos olhos dele, em troca da promessa de que vai satisfazer tanto sua teimosia letal quanto sua destrutiva obsessão sexual por beijar a boca do resistente profeta.70 70 Kathy Alexis PSOMIADES, 1997, argumenta que a Salomé de Wilde "move-se para conseguir aquilo que quer": "Sua performance é desde o início algo adquirido; seu corpo na medida em que dança é colocado já em equivalência com a cabeça decapitada de João. Ela usa sua performance para adquirir o objeto que deseja, em uma troca que é como a troca de sexo por dinheiro" (p.196).

Contemplando a dança de Salomé

A Dança dos Sete Véus é a parte mais conhecida da ópera e da peça. O texto de Wilde, como a Bíblia, não descreve a dança, embora Wilde a nomeie. Marjorie Garber argumenta que "em sua não-descrição, em sua indescritibilidade reside seu poder, e sua disponibilidade para inscrição cultural e apropriação".71 71 Marjorie GARBER, 1993, p. 341. Enquanto a tradição literária tem silenciado sobre detalhes da dança, as artes visuais têm preenchido as lacunas admiravelmente. A dança de Salomé mudou com as transformações das convenções ao longo do tempo da paixão medieval das bacantes dionisíacas até a elegância inocente renascentista. Moreau e outros artistas do século XIX tomaram a inominada dançarina bíblica e a transformaram na demoníaca femme fatale que conhecemos hoje. Ver Torsten HAUSMANN, 1980; Danièle DEVYNCK, 1988, p. 18; MERKEL, 1990, p. 13. Sobre a entrada do sexual nas representações do século XIX, ver Bruno SERROU, 1994, p. 18. O nome da dança é tido como sendo do mito babilônico de Ishtar. Ver BECKER-LECKRONE, 1995, p. 254-255. Isso pode ser verdade para a peça, mas para a ópera a música é muito mais explícita aqui do que em qualquer outro momento: "Seus contornos exóticos hollywoodianos, revestidos com motivos da ópera autêntica, às vezes tentam os diretores a fazerem uma produção elaborada, distante do pequeno e casto cenário que o compositor desenhou para guiar-se".72 72 MURRAY, 1992b, p. 147. Sobre os aspectos hollywoodianos e o que é visto como exotismo fracassado, ver Stéphane GOLDET, 1983, p. 88-89. Naquele cenário, Strauss tinha Salomé posando especificamente como a Salomé dançando frente a Herodes de Moreau, e então a proviu com uma coreografia estilizada, com "passadas ameaçadoras ou passos vibrantes" para combinar com certos compassos da música.73 73 Ver "Appendix" em PUFFETT, 1989a, p. 165-166. A representação incorporada da dança no palco é provavelmente garantia de fracasso para muitos espectadores porque "nenhuma encenação pode ser a Dança em toda a sua força mítica".74 74 ABBATE, 1993, p. 241. Strauss mesmo veio a sentir que muitas produções ultrapassaram as "fronteiras da decência e do bom gosto". "Salomé, sendo uma virgem casta e uma princesa oriental, deve ser encenada com os mais simples e mais restritos dos gestos, a não ser que sua derrota pelo milagre de um grande mundo venha a causar apenas náusea e terror ao invés de simpatia". Ele sentia que a música já oferecia perturbação suficiente, e que, portanto, a ação deveria ser "limitada à máxima simplicidade".75 75 STRAUSS, 1953, p. 151. Para uma descrição mais interessante da música e de sua "turbulência" como vulgar, medíocre e francamente ruim, como "orientalismo de liquidação" que opera dramaticamente apesar disso, ver HOLLOWAY, 1989, em que é argumentado que por "fina genialidade" Strauss eleva o kitsch "contínuo, magistral e profundamente emocionante" (p. 149) ao nível de "Arte" (p. 157). Pelo menos aos olhos de Strauss, não havia a intenção de se fazer o que Kramer chama "de primeiro striptease operístico da história".76 76 Ver KRAMER, 1990, p. 281. Por que então ele escreveu a música da forma fisicamente provocativa como o fez? Não é difícil imaginar que foi a música que levou Peter Hall a dirigir Maria Ewing (sua esposa) a terminar nua no final da dança (no Covent Garden) e Atom Egoyan a ter a sua Salomé dançando (na Canadian Opera Company) nua atrás de uma tela com grandes sombras ameaçadoras de Herodes e de outros homens debruçando-se sobre ela. Se nossa experiência de espectadores ao longo dos anos serve como indicação, temos que admitir que a maioria dos diretores se aproxima do tipo de coreografia que Strauss preferia, com uma dança às vezes meramente vibrante, deixando o resto para a imaginação. É claro que nos dias atuais, mais e mais, tudo depende da capacidade de dançar bem como da aparência da cantora.

A dança, é claro, de todas as formas de arte, é a mais insistentemente corporal, e corpos são decididamente sexuados e marcados pelo gênero. A dança é o momento na ópera quando "o sensual se torna visível" tanto quanto audível.77 77 BANKS, 1988, p. 15. Sobre gênero e dança, ver Elizabeth DEMPSTER, 1995. A música selvagem que assinala o começo da dança orientalizada é rapidamente dominada pela própria Salomé. A música lenta, sedutora, às vezes como valsa (perfeita com castanholas orientalistas) acelera de novo no final, fazendo o enfeitiçado Herodes gritar de prazer: "Herrlich! Wundervoll! Wundervoll!". Baseando-se na autêntica música oriental (a mesma que serviu de motivo aos clichês europeus), Strauss criou uma tensão para a platéia entre o distanciamento e o reconhecimento. A música familiar da valsa é intercalada por sons orienta(l)is(tas) que, para uma platéia européia da virada do século, no mínimo, poderiam conotar sensualidade - para não mencionar a luxúria e a crueldade associadas com o 'outro' oriental.78 78 Para uma extensa discussão dessa tensão entre o familiar e o exótico, ver Peter W. SCHATT, 1986, p. 18-22 especialmente. É claro, não se mencionou que a luxúria e a crueldade não são as únicas conexões com o Oriente aqui e em qualquer outra época na história: a espiritualidade era outra conexão muito diferente.

Na Europa do fim de século, entretanto, a dança tinha uma ressonância cultural particular que contribuiu para a qualidade memorável de Salomé especificamente como bailarina. A dança (em geral) não só se tornou "um emblema da obra de arte perfeita que une a sensualidade e o pensamento", mas também adquiriu um significado mais 'medicalizado' e patológico através de sua associação com a histeria.79 79 KRAMER, 1990, p. 279. Ver CHAMBERLIN, 1977, p. 177, sobre as associações na Europa do século XIX da dança como "pessimista e doentia". As famosas fotografias de Charcot das attitudes passionelles e os desenhos de seu colega Paul Richer do corpo da 'histérica' lembram surpreendentemente as posições da dança moderna.80 80 Sobre essas representações, ver Sander L. GILMAN, 1988, p. 359-374 ( "The Image of the Hysteric"). Assim, essas posições são muito diferentes em forma e efeito da apolineamente controlada, disciplinada forma do balé clássico. Se a histeria está, portanto, "escrita no corpo", os discursos médicos e a dança dionisíaca se encontram de forma interessante nesse momento da história cultural.81 81 A citação está em BROOKS, 1993, p. 226. Como Felicia McCarren argumenta,

A dança e a medicina se assemelham marcadamente em suas histórias de "descoberta" ou construção de novas realidades para o corpo, novas compreensões sobre o que o corpo faz e especialmente sobre como ele significa. As duas disciplinas dependem da idéia de que o corpo tem significado inerente, sem linguagem, mas que os significados de seus movimentos, signos ou sintomas podem ser interpretados como uma linguagem. As tradições de interpretação do corpo nestes dois domínios se encontram na duradoura conexão entre dança e histeria na história da medicina, na história da dança e na imaginação cultural.82 82 MCCARREN, 1995, p. 748.

Essa conjunção pode ajudar a explicar a moda, nesses anos, da dança moderna sobre o tema de Salomé por autores como Loïe Fuller ou Maud Allan.83 83 Ver Christoph-Hellmut MAHLING, 1989, para mais informação sobre a Salome de Loïe Fuller de 1895 dançada com música de Gabriel Pierné; em 1907 Florent Schmitt (em um libreto escrito por Robert d'Humiéres) escreveu um balé para a companhia de Fuller chamado La tragédie de Salomé em dois atos com sete quadros; Die Vision Salome de Maud Allan foi encenado em Viena em 1906 - um ano antes que a ópera de Strauus fosse encenada lá. As danças de Fuller, já se argumentou, tentavam conscientemente confrontar o estereótipo médico do corpo feminino "histérico performativo", estabelecido pelas famosas "aulas das terças-feiras" de Charcot (às quais assistiam tanto os médicos quanto o público em geral).84 84 Ver MCCARREN, 1985, p. 752. Elizabeth Dempster assinala que os dançarinos modernos, como Isadora Duncan e Ruth St. Denis,

construíram imagens e criaram danças através de seus próprios corpos antibalé, produzindo uma escrita do corpo feminino que contrastava fortemente com as inscrições clássicas. Essas dançarinas, ao criar novos vocabulários de movimentos e novos estilos de apresentação, fizeram um corte decisivo e liberador nos princípios e formas do balé europeu.85 85 DEMPSTER, 1995, p. 27-28.

Mas para fazer isso elas se voltaram para representações da histeria. Não é surpreendente, então, que representações de Salomé tenham quase sempre usado coreografias modernas e/ou orientalizadas para suas danças.86 86 Marc WEINER, 1998, fala sobre a produção de Ken Russel da ópera que usava "sapateado, sapato macio, fornicação (simulada, presumo) e um exército de outros artifícios que fizeram a dança muito mais chocante, e culturalmente contemporânea, do que uma restauração arquivista da produção original orientalista teria sido.

Devido à natureza literalmente corporal da dança, uma Salomé cantante não vai necessariamente parecer tão convincente quanto uma Salomé dançante, e as representações efetivas da dança podem variar do risível ao hipnótico. Na première da Metropolitan Opera de 1907, a Salomé dançante foi interpretada por uma dançarina minúscula (Bianca Froelich), enquanto a cantora Olive Fremstadt pesava cerca de 250 libras. Como um crítico pouco gentil observou, foi "como se um remédio emagrecedor tivesse funcionado por alguns minutos e subitamente perdesse sua potência".87 87 Citado em Richard BIZOT, 1992, p. 73. Em nosso tempo de realismo teatral crescente, a aparência da cantora é mais do que nunca uma questão crucial. Todavia, independentemente do tamanho, o corpo dançante foi sempre difícil de ignorar. De fato, desde os primeiros papas, uma forte tradição estabeleceu que a dança era dionisíaca: hedonista, instintiva, física, e conseqüentemente perigosa.88 88 Peter CONRAD, 1977, p. 156. Entretanto, uma diferente interpretação desse poder dionisíaco aparece na afirmação de Nietzsche acerca da centralidade da dança e da música para o próprio nascimento da tragédia. Enquanto a dança de Salomé poderia ser (e de fato foi) interpretada como uma dança dionisíaca do corpo, também foi explicitamente apresentada na ópera como uma moeda na economia de troca: Salomé utiliza seu corpo dançante tanto sensualmente de forma dionisíaca quanto como um meio para um fim: a satisfação de seu obsessivo desejo e sua forte vontade infantil.89 89 É claro que uma interpretação completamente diferente é oferecida por Joseph KERMAN, 1988, que a considera uma "gemütlich bellydance" diante da qual ele não sabe "se ri ou se chora" (p. 211). Entretanto, outros vêem aí uma antecipação do fim da ópera, como uma dança frente ao sacrifício humano. Ver PETITJEAN, 1983, p. 134. Sobre o papel da dança como troca, ver Amy KORITZ, 1995, p. 81.

Na ópera, como na peça, o corpo é o foco de atenção - e do olhar - tanto da audiência quanto dos personagens.90 90 Ver Jeffrey WALLEN, 1992, sobre como a ação dramática da peça "alinha o campo de visão com o corpo e com o desejo sexual, em contraste com o campo verbal, que está alinhado com o imaterial e supra-sensual" (p. 124). A Salomé dançante é certamente o objeto do olhar, particularmente do olhar masculino, como o foi da Bíblia em diante. Em geral, entretanto, o visual, ou, mais especificamente, o ato de olhar (tanto como vigilância quanto como espetáculo) é tão onipresente na ópera e na peça que esta foi denominada "a tragédia do olhar".91 91 PETITJEAN, 1983, p. 132. Ver também Bradley BUCKNELL, 1993, p. 515, sobre a complexa interação entre o olho e o objeto de visão. Para outros textos sobre o olhar ver CLÉMENT, 1983, p. 125-156; Philipp GODEFROID, 1983, p. 146-149. Tal como Martin Jay convincentemente demonstrou, "a centralidade ocular" (ou a predominância do ótico ou visual) tem uma longa e complexa história no pensamento ocidental. O visual tem sido considerado superior aos outros sentidos, em parte porque é afastado daquilo que observa.92 92 Ver especialmente o capítulo I ("The Nobles of the Senses: Vision from Plato to Descartes") em JAY, 1993, p. 21-82, sobre a história da primazia visual no Ocidente. Para mais sobre o assunto, ver também John BERGER, 1978; Norman BRYSON, 1983. E Jacques ATTALI, 1985, diz algo relacionado na abertura: "Por vinte e cinco séculos, o saber ocidental tentou observar o mundo. Fracassou em compreender que o mundo não é para a contemplação. É para a audição. Não é legível, mas audível" (p. 3). Por essa razão, o observador tem o poder de objetivar aquilo que observa, de dominar e controlar através do distanciamento. Devido a essa conexão entre o ato de ver e o poder, o privilégio da visão tem sido conectado ao privilégio sexual: o olhar tem sido, desse modo, freqüentemente considerado masculino, deixando as mulheres como objetos do olhar - ou como exibicionistas ou como aquelas passivamente expostas.93 93 Craig OWENS, 1983, p. 58. Tal como Garber descreve o "mito binário de Salomé": "o contemplador masculino (Herodes), o feminino objeto de contemplação (Salomé); o sujeito masculino ocidental como espectador (Flaubert, Huysmans, Moreau, o próprio Wilde) e o exótico, outro feminizado oriental".94 94 GARBER, 1993, p. 340. Que a situação está longe de ser simples estará claro em breve. Em termos mais gerais - Laura Mulvey argumenta - as representações das mulheres na ópera, como no filme, são "codificadas para forte impacto visual e erótico de forma que podem ser definidas como se conotassem to-be-looked-at-ness.* * Nota da tradutora: preferi manter aqui a expressão no original em inglês, que se refere à condição de ser olhado. Uma tradução aproximada de tal expressão seria "estar aqui para ser vista". Essa codificação significa que ser olhado é uma posição negativa, de impotência.95 95 Laura MULVEY, 1975, p.11. Ver JAY, 1993, para uma análise extensa dos discursos pós-modernos do século XX sobre a negatividade do olhar incluindo uma abordagem convincente da crítica de Foucault à centralidade ocular (p. 384-416). Ele também escreve sobre o debate de gênero na teoria fílmica e sobre o olhar da câmera (p. 489-491; 588-589; 591-592). Ver também a crítica de Noël Carroll a Mulvey em que assinala que os machos são quase sempre objetos do olhar cinematográfico (em gêneros pornô, por exemplo) e que as mulheres são freqüentemente não passivas de todo, mas "grandes actantes" (p. 353-354).

A personagem Salomé e a ópera Salomé invertem essa visão amplamente aceita. Aqui, ser o objeto de contemplação é ter enorme poder, é como se to-be-looked-at-ness fosse o que veicula domínio e controle.96 96 Para uma análise lacaniana sobre oferecer-se ao olhar do outro como tentativa de domínio, ver Griselda POLLOCK, 1992, p. 117. Essa é certamente uma ópera obcecada com os atos de olhar e mesmo de fixar o olhar. A ópera se abre com o guarda sírio Narraboth fitando Salomé, enquanto Page tenta distraí-lo; os soldados contemplam Herodes, perguntando-se o que ele está olhando; Salomé entra preocupada com o porquê de o marido de sua mãe olhar para ela da forma como o faz.97 97 A Salomé menos inocente de Wilde diz que ela sabe por que, mas Strauss corta essa linha. A importância da linha no texto de Wilde já foi defendida por Tres PYLE, 1997. O verbo ansehen (olhar para) domina o texto. Salomé então contempla a lua, enquanto Narraboth continua a contemplar Salomé. A pessoa de olhar fugidio nesse momento é Jochanaan, preso no fundo de uma cisterna por Herodes - que obviamente conhece o poder de ser visto e deseja negá-lo a seu inimigo e mais severo crítico.98 98 Quando o invisível Jochanaan primeiro fala da cisterna, é em termos de olhar tanto quanto de audição, os dois sentidos cruciais da forma operística encenada. Ele fala de Cristo que vai vir e fazer com que os olhos dos cegos vejam o dia, assim como vai abrir os ouvidos dos surdos ("die Augen der Blinden den Tag sehn... die Ohren der Tauben geöffnet"). Mas Jochanaan evoca nos outros - primeiro em Cappadocian e depois em Salomé - o desejo de vê-lo. Conhecendo o poder erótico de ser olhada, Salomé seduz Narraboth com a promessa de um futuro olhar sobre o apaixonado guarda: "Ich werde dich ansehen". Trata-se de uma jovem mulher que não é transformada em objeto pelo olhar mas, ao contrário, torna-se, através dele, mais poderosa: ela ordena que Narraboth olhe para ela e ao fazê-lo ele cede de uma vez a seus pedidos para trazer Jochanaan para fora da cisterna contra as ordens de Herodes.

Entretanto, Jochanaan também conhece o poder visual e recusa-se a olhar para a contemplativa Salomé. Nessa cena, o olhar é feminino, não masculino; além disso, o poder mais uma vez está no contemplado e não no contemplador. Jochanaan recusa-se a dar a Salomé o domínio que viria de seu olhar: "Ich will dich nicht ansehen", diz a ela, e exige que seja retirado da frente de seus olhos admiradores. Já foi sugerido que essa recusa em olhá-la é uma recusa metafórica em reconhecê-la como uma pessoa, independentemente de sua mãe.99 99 AYREY, 1989, p. 109 e 113. De forma interessante, a primeira condenação de Jochanaan de Herodias é por que ela cedeu à luxúria de seus olhos e observou imagens pintadas de homens ("die sich hingab der Lust ihrer Augen, die gestanden hat vor buntgemalten Männerbildern"). Tenha ela olhado para imagens eróticas ou simplesmente para imagens que mulheres não deveriam ver, a ligação entre o erótico e o visual é reforçada. Mas, mais significativamente, é uma recusa em conceder a ela o poder de ser 'olhada', um poder já central para o senso de individualidade dessa jovem mulher. Na produção de 1996 de Atom Egoyan para a Canadian Opera Company, Jochanaan é de fato levado a cobrir seus olhos com uma venda preta, uma venda que Salomé coloca sobre seus próprios olhos no final, antes de morrer.

Em termos visuais, a dança de Salomé é um triunfo, já que todos nós - a audiência, assim como Herodes - conferimos-lhe poder ao olhá-la.100 100 Esse poder é auditivo tanto quanto visual, é claro. Não é (como KRAMER, 1990, p. 280, argumentou) no final quando ela beija a boca de Jochanaan que a ela é autorizada uma "triunfante incorporação do poder masculino do discurso" pelo qual ela deve morrer. Ela obtém esse poder mais cedo e o consegue especificamente por ser olhada. Depois da dança Herodes perde seu poder verbal e é reduzido a ecoar as palavras de Salomé e a música ("In einer Silberschüssel", "einen Eid geschworen"); o mesmo acontece com Heródias ("Du hast einen Eid geschworen). Como Salomé insiste em sua recompensa na forma da cabeça de Jochanaan, Herodes repetidamente reclama que ela não o está ouvindo ("Du hörst nicht zu, du hörst nicht zu") e de fato ela não está, por ter perdido o poder de controlar sua escuta. Salomé portanto não reverte a centralidade do olhar masculino como poderoso, como John Paul Riquelme argumenta, mas antes altera a própria dinâmica do poder do olhar: a pessoa - de qualquer sexo - que olha concede poder àquela - de qualquer sexo - que é olhada.101 101 John Paul RIQUELME, 1995, p. 596. Quando Salomé exige sua recompensa na forma da cabeça de Jochanaan em uma bandeja de prata, Herodes, o tetrarca, tenta oferecer a ela, em seu lugar, uma quantidade de presentes cuja aparência é estranhamente marcada pelo gênero, sugerindo uma renúncia ao controle visual masculino: jóias que significativamente sua mãe nunca tinha visto e um cristal que nenhuma mulher jamais havia contemplado. Mas Salomé recusa por saber bem onde reside o poder do olhar. É esse conhecimento, entretanto, que é causa da tragédia tanto de Salomé quanto de Jochanaan. Quando mais tarde ela se dirige à cabeça decapitada de olhos fechados, ela pergunta por que ele nunca a tinha olhado quando vivo, em outras palavras, por que ele nunca lhe havia concedido o poder que outros concederam. Sua fúria narcisista ao ser frustrada em seu poder visual (o poder que advém de ser olhada) está clara no pronome pessoal três vezes repetido: "a mim, a mim, a mim você nunca viu" ("mich, mich, mich hast du nie gesehn"). O trágico nisso, para Salomé, reside em sua crença de que, tivesse ele olhado para ela, ele a teria amado ("Hättest du mich gesehn, du hättest mich geliebt"). Essa tinha sido de fato a experiência da bela jovem princesa até aquele momento da vida. Em desespero, ela de novo pergunta por que ele não olhou para ela ("Warum sahst du mich nicht an?), sabendo que ser olhada satisfaz o desejo tanto quanto o ato de olhar. De acordo com o libreto, ninguém (incluindo a audiência) realmente vê Salomé beijar os lábios do profeta: o ato deveria ocorrer no escuro, na medida em que as tochas são apagadas e que a lua (que havia sido olhada por todos) desaparece. O impacto do ato invisível de Salomé é deixado para a imaginação e para o poder auditivo da música e da voz, já que ouvimos Salomé cantar que beijou sua boca no final.

Tal interpretação - de que Salomé obteve poder não tanto do olhar mas 'de ser olhada' (e de que nisso reside o verdadeiro poder) - é contrária às visões influentes tanto de Lawrence Kramer, que a vê no fim perdendo o poder da contemplação que ela teria usurpado durante a dança, quanto de Carolyn Abbate, que a vê como um constante objeto de contemplação.102 102 Respectivamente, KRAMER, 1990, p. 277-278; ABBATE, 1993, p. 254. O olhar masculino não foi usurpado porque o poder nunca esteve com ele em primeiro lugar. Ao contrário, nesse caso, ser o objeto do olhar é adquirir poder. Trata-se de uma ópera repleta de voyeurs obsessivos e de avisos sobre os perigos do olhar, mas, em forte reversão da teoria tradicional, olhar é conceder poder - àquele que é observado.103 103 Enquanto o visual domina o texto e o auditivo toma conta de nossos ouvidos, todos os sentidos contribuem para a representação da fisicalidade encenada de Salomé: "Salomé [...] ilustra o desejo até o ponto em que o desejo é simbolizado como corporal, sensual, sem intervenções, e visível, e não como escondido, velado, e mediado" (WALLEN, 1992, p. 129-130). Este é um mundo "em que a ordem religiosa funde-se com o desejo sexual e todos os sentidos são sinestesicamente explorados e desordenados" (CONRAD, 1977, p. 159). Salomé é vista antes de ser ouvida; Jochanaan é ouvido antes de ser visto (KORITZ, 1995, p. 79). Mas outros sentidos são também invocados: Salomé vai do querer falar com Jochanaan a querer vê-lo e querer tocar seu corpo e cabelos e querer beijar seus lábios. Depois de realizar seu desejo letal, ela se dirige à cabeça em termos que misturam os sentidos: sua voz é associada com incenso ("deine Stimme war ein Weihrauchgefäss), sua imagem física com a música. Ela descreve seu desejo por ele em termos de sede e fome - que nem rios e lagos podem aliviar ("Nicht die Fluten, noch die grossen Wasser können dieses brünstige Begehren löschen).

Tornar, dessa forma, o visual mais complexo em sua dinâmica de empoderamento é sugerir a necessidade de repensar a relação entre o auditivo e o visual na performance operística, especialmente do ponto de vista da audiência: olhamos para o corpo de Salomé assim como ouvimos sua voz, atribuindo a ela o poder que Jochanaan recusa. Um crítico comprometeu a audiência ao sugerir uma certa hipocrisia inerente em qualquer resposta moralista: "o público olha hipnotizado, como escravos do tetrarca, para a música sedenta de sangue, depois lança sobre tudo o escudo da indignação".104 104 Hischfelt (em 1907) citado por GILLIAM, 1992, p. 334. Note a estranha combinação de sentido aqui: do público é dito que este olha a música. Se hoje nós sentimos um prazer culpado ou uma aversão moral ao final de Salomé, a combinação da duas possibilidades extremas parece ter sido central para a estética decadentista tanto da peça de Wilde quanto do libreto: "as últimas páginas da ópera são certamente uma apoteose da 'malaise' decadente. Elas captam o momento crucial da estética decadentista, o momento em que a experiência arrebatadora dos prazeres proibidos se transformam em reação".105 105 SCHMIDGALL, 1977a, p. 13. Sobre um antigo ataque à musica deca-dentista da prática tonal de Strauss, ver Walter KLEIN, 1911, p. 512-514.

Em termos dramáticos, a cena final (na qual Salomé beija a boca de Jochanaan e Herodes, com asco e terror, ordena sua morte) funciona de forma complexa. Ficamos talvez tão chocados pelo ato dele quanto pelo dela, mas, devido ao crescente horror que igualmente acompanhou o gradual desmascaramento do caráter de Salomé, sua morte pode permitir que a platéia de qualquer período histórico experimente um alívio catártico satisfatório: a corporificação da aterrorizante femme fatale não existe mais. Na significativa formulação de Susan McClary, em termos musicais e narrativos, a "monstruosidade das transgressões sexuais e cromáticas de Salomé é tanta que a extrema violência parece justificada - até mesmo exigida - para salvar a ordem social e tonal.106 106 MCCLARY, 1991, p. 100. Ela continua: "Assim tão satisfatório como o final purificador do cromatismo de Salomé deve ser em alguns níveis, o apelo de Herodes (e de Strauss) à convenção social para o fechamento narrativo e tonal pode ser visto como um ato de singular hipocrisia: depois que os excessos fúnebres de Salomé foram explorados ao longo da peça, a repentina oferta para enquadrá-la como doentia e radicalmente outra é um pouco falsa" (p. 101). Mas a reclamação de McClary por essas "apressadas repudiações de indulgência erótica" (p. 101) não são evidenciadas pelo texto, pois a monstruosidde de Salomé foi gradualmente revelada ao longo da ópera, culminando de fato nessa cena. Com o auxílio do que tem sido descrito como uma música de "nervos à flor da pele", e que apesar disso tem uma forte carga erótica, a platéia é simultaneamente chocada e apaziguada.107 107 As citações aqui são, respectivamente, de SCHMIDGALL, 1977b, p. 281, e MURRAY, 1992a, p. 569. Mas, acima de tudo, ela fica envolvida. Aliás, ela já havia sido envolvida bem antes disso. Ted Chamberlain sugere que essa resposta ambivalente caracteriza a reação da platéia à cena da dança na peça também:

assistimos à dança de Salomé com uma fascinação apropriadamente perversa, incapazes de evitar uma impressão arrepiante de que Salomé incorpora algo ao qual somos misteriosamente vulneráveis, algo como a impossibilidade de discernir entre a Beleza da Decadência e a Morte. E desenvolvemos uma série de estratégias para nos mantermos em uma espécie de deliciosa suspensão moral e racional em face deste mistério.108 108 CHAAMBERLIN, 1980, p. 606.

Com a ópera, fomos comprometidos pela música tanto quanto pelo drama ou pelas palavras do texto. O primeiro convite de Herodes para Salomé dançar tinha se lançado "generosamente em uma melodia que nunca vem, fracassando igualmente diante da indiferença de Salomé e da limitada concentração de Herodes". Mas a dança, quando ela efetivamente acontece, abranda nosso desapontamento, "aliando assim habilmente de uma só vez a platéia com os desejos de Herodes e o conhecimento de que Salomé detém os meios de conduzi-los na direção da realização dos seus próprios desejos".109 109 HOLLOWAY, 1989, p. 149. Seus meios, é claro, incluem tanto seu corpo quanto o poder adquirido por ter sido contemplada.

Em A Rebours, Huysmans também tinha feito o seu herói identificar-se com o contemplador Herodes: "Como o velho Rei, Des Esseintes invariavelmente se sentia oprimido, subjugado, atordoado quando olhava para essa garota dançante", aquela na aquarela de Moreau.110 110 HUYSMANS, 1959, p. 68. Em francês, "Tel que le vieux roi, des Esseintes demeurait écrasé, anéanti, pris de vertige, devant cette danseuse" (HUYSMANS, 1977, p. 148). Sua construção de Salomé como um signo da predatória, histérica, mas irresistível tentação da carne sugere que, pelo menos, parte do apelo de Salomé estava em sua contraditoriedade: como as pinturas de Gustave Klimt inspiradas pela ópera também sugerem, a jovem dançarina fatal era tanto um objeto degenerado de temores misóginos quanto um ideal erótico sadomasoquista.111 111 Mireille DOTTIN, 1988, p. 14. A pintura de Klimt de 1907 chamada Judith também foi inspirada em Salomé. Ver Eva DI STEFANO, 1985 . O próprio Strauss disse que, no mundo de Klimt, ele via muito de sua própria música, "especialmente Salomé" (como citado em SCHMIDGALL, 1977b, p. 286). A descrição de Huysmans também focaliza o olhar figurativo do leitor sobre o seu corpo, embora aqui representado através de ekphrasis* * Linda Hutcheon define ekphrasis como "representações verbais de representações visuais". Cf. HUTCHEON, 1991, p. 160. (Nota da tradutora). - tão seguramente quanto as construções de Wilde e Strauss focalizam o olhar literal da audiência das versões encenadas no corpo performático dionisíaco. E, como aquela das bacantes dançantes, a performance de Salomé termina como uma morte sacrificial ritualística.112 112 A diferença é, entretanto, importante: diz-se das danças das bacantes que terminam com o despedaçamento e o consumo de um animal vivo.

Parte do desconforto em assistir e ouvir Salomé pode vir desse comprometimento em uma relação de atribuição de poder que tem conseqüências fatais. Mas por décadas as audiências têm ido a essa ópera, para ver e escutar as mortes de Salomé e Jochanaan repetidamente. Abbate argumenta que no fim "a fala musical de Salomé afoga tudo de uma só vez, enquanto nós permanecemos como objetos passivos, abatidos por aquela voz".113 113 ABBATE, 1993, p. 254. Ver também a interpretação de Richard LEPPART, 1993: "O assassinato de Salomé, diferentemente da decapitação fora de cena de Jochanaan, é visto e feito para ser saboreado. É executado com um encerramento sonoro, mais barulho do que música, que derrota nosso prazer com a extraordinária música corporificada que Salomé acabou de performatizar sobre a cabeça masculina decapitada. Esse encerramento é alcançado pelo recurso à inscrição sonora tradicional da autoridade masculina, os sons militares de pratos e percussão, pontuados ritmicamente no mais alto volume possível" (p. 151). Mas nós somos sempre afetados por algo mais do que o auditivo, e não estamos passivos: como Herodes, nós também temos agido ao garantir o poder a essa mulher contraditória e complicada - a vamp e a virgem - cujo corpo nós também contemplamos durante quase todos os 90 minutos da ópera. Ouvimos a respeito de sua beleza física nos primeiros momentos e então ela aparece; não tiramos os olhos de seu corpo até que os escudos dos soldados de Herodes levem-na à morte. Escudos são armas de execução incomuns, mas servem para relembrar o mito de Perseu e da medusa Górgona, já assinalados anteriormente na descrição que Salomé faz dos cabelos de Jochanaan como serpentes. Como Perseu, os soldados foram protegidos do olhar de um corpo feminino que controla o poder mortal de ser olhado. A morte de Salomé, vista nesse contexto, é parte de uma complexa ironia estrutural se nos lembramos do destino da Medusa: a decapitação por Perseu.114 114 Para uma leitura diferente, psicanalítica, na qual em termos obtusos argumenta que "decapitar = castrar", ver o breve ensaio de Sigmund FREUD, 1955. A morte de Salomé tem sido vista tanto como "um sonho de ansiedade misógina" quanto como "uma "satisfação de desejo patriarcal" (KRAMER, 1990, p. 279). Ver CHAMBERLIN, 1980: "a arte decadente foi ao limite [...] e criou condições nas quais nós deveríamos apreciar as imagens da mais perturbadora e depravada das experiências humanas. Ao chegar a esse limite, deliberadamente testava o caráter e as condições do recurso estético" (p. 604).

Como membros da platéia não temos escudos. Assistimos a sua dança, mas também assistimos a sua morte. Enquanto obra encenada, Salomé não permite à audiência permanecer passiva ou distanciada: nosso olhar, como o de Herodes, não a transforma em objeto, mas, ao contrário, confere poder a essa mulher. De fato, pode ser a reversão do poder do olhar que contribui para a ansiedade que Salomé consegue inspirar. Repelidos, talvez, mas também fascinados, nós voltamos e recriamos repetidamente essa estória contraditória de inocência virginal e paixão assassina tal - qual nos é contada através da desconcertante configuração de um texto delicadamente bejewelled, musicado de forma brutalmente poderosa. Na política do olhar, Salomé é como a Medusa: olhá-la é sentir seu poder. Salomé causa a decapitação de Jochanaan, ao invés de ser ela mesma decapitada (embora Wilde realmente considerasse esta a melhor maneira de terminar sua peça), mas significativamente é a presença física de Górgona que tem o poder de transformar as pessoas em pedra: o poder de seu corpo, assim como o de Salomé, reside em ser olhado.

Notas

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Tradução de Tereza Virginia de Almeida

Revisão de Tradução: Susana Bornéo Funck, Simone Pereira Schmidt e Edina De Marco

Revisão das citações em alemaão: Rosvitha Blume

* Excepcionalmente neste artigo, as notas, em virtude de sua extesão, estão editadas ao final do texto

** Este ensaio foi originalmente publicado como um dos capítulos do livro Bodily Charm, de Linda Hutcheon e Michael Hutcheon, sob o título "The Body Dangerous" (Lincoln e London: University of Nebraska Press, 2000, p. 85-112). Traduzido e publicado com permissão da University of Nebraska Press e dos autores.

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  • 1
    Carolyn ABBATE, 1991, p. 119; Edward CONE, 1989, p. 125.
  • 2
    A visão do papel da dança na ópera oferecida aqui é derivada de Carl B. Schmidt ("Dance", partes 1 e 2) e Roland J. Wiley (partes 3 e 4) da entrada em Stanley SADIE, 1992, p. 1058-1067. Para mais informação sobre dança barroca, ver Catherine TUROCY, 1994.
  • 3
    Peter BROOKS, 1993, p. 259.
  • 4
    BROOKS, 1993, p. 259. Para a revisão feminista da história da dança, ver Sally BANES, 1998.
  • 5
    McClary, 1991, p. 57.
  • 6
    E. R. DODDS, 1994. Ver Erwin ROHDE, 1925, p. 283-284, sobre o culto orgíaco à dança e a resultante comunhão arrebatadora com o deus. Ele argumenta que essa é uma tradição contínua na "mania-de-dança" européia.
  • 7
    Sobre o valor do choque, ver Charles Michael Carroll. "Eros on the operatic stage: problems in manners and morals", p.43 A história bíblica pode ser encontrada em Marcos 6: 14-29 e Mateus 14: 1-12. Para uma noção acerca da complexidade dos relatos bíblicos e históricos de Herodes Antipas, Herodias, Salomé e João Batista, ver Françoise MELTZER, 1987, p. 29-41, e René GIRARD, 1984, p. 311-24. Sobre a reação de Meltzer, ver MELTZER, 1984, p. 325-32.
  • 8
    Para uma extensa discussão das primeiras críticas, ver Franzpeter MESSMER, 1989, p. 30-68; Bryan GILLIAM, 1992, p. 333-347; John WILLIAMSON, 1989, p. 131-144. Julius Korngold sugeriu em 1907 em Viena que o sucesso popular da ópera era prova de sua qualidade musical inferior: grande arte "que é verdadeiramente original e profunda requer um período mais longo para fixar raízes (citado por GILLIAM, p. 343). A personalidade de Strauss também estava em debate nas reações à ópera: "Ele não era um romântico tardio interessado em angústia e introspecção" (Robin HOLLOWAY, 1989, p. 152). Um artesão, ocupado com a música enquanto negócio e talvez um experiente e esperto oportunista (no que diz respeito à resposta da audiência), Strauss tinha seus defensores, entretanto: "Strauss não era apenas um improvisador, cavador de dinheiro, alto burguês oportunista", Kurt Wilhelm assegurou a seus leitores (
    Richard Strauss: an intimate portrait. p. 199). Mas a combinação de sua personalidade e de seu gosto por escrever música mimética fez aqueles com outros gostos musicais recuarem: Joseph Kerman chama a ópera de insincera em cada gesto, meretrícia (KERMAN, 1988
    , p. 212).
  • 9
    Sobre a atração decadente de Beardsley e a resposta "grotesca japonesa" à natureza chocante da peça, ver Chris SNODGRASS, 1995, p. 52-54, 87 e 276.
  • 10
    Ver "Introduction" em Derrick PUFFETT, 1989a, p. 4.
  • 11
    Citado por Alan JEFFERSON, 1963, p. 46.
  • 12
    Ver John FLUDAS, 1977, p. 15.
  • 13
    Ver Marie-Claire HAMARD, 1992, p. 40
  • 14
    EAGLETON, 1996, p. 25.
  • 15
    Ver, por exemplo, Elizabeth GROSZ, 1994, p 5. Ver também Andreas HUYSSEN, 1995, p. 165, especialmente a discussão de
    Critique of cynical reason de Peter Sloterdijk e de sua posição de que o Iluminismo não foi capaz de incluir o corpo e os sentidos em seu projeto emancipatório.
  • 16
    Ver Joseph R. ROACH, 1985, sobre a teatralização do corpo humano e sua relação com os discursos médico e fisiológico.
  • 17
    Ver "Introduction" em PUFFETT, 1989a, p. 8.
  • 18
    ABBATE, 1993, p. 234.
  • 19
    Ver ROACH, 1989, p 101.
  • 20
    LINDENBERGER, 1998, p 186.
  • 21
    Compare o "pudeur" de um crítico musical acerca do corpo na famosa dança de Salomé: "Une voix nue, non un corps 'strip-teasé', chante l'absence, hurle le silence, déroule l'écheveau du mystère" (Marie-Françoise VIEUILLE, 1983, p. 140). O corpo é referido como corpo/voz quando é significante; a dança sem voz do corpo é chamada de pseudo-dança (p. 146).
  • 22
    Anthony PYM, 1989, p. 312-313, oferece prova estatística disso: 82% das imagens de Salomé (em várias formas de arte) apareceram entre 1860 e 1920, e Paris foi centro dessa atividade. O ponto alto foi na virada do século. Ver também MELTZER, 1987, p. 15-16, acerca de como Salomé tendia a crescer na consciência cultural em momentos 'decadentes'. Já foi argumentado, por Richard BIZOT, 1992, que a proeminência de Salomé no início do século era sintomática de duas linhagens de influência cultural que então se interseccionavam: orientalismo, com suas aberturas na decadência de 1890, e o feminismo (p.85).
  • 23
    No original francês: "Elle dansa comme le prêtresses des Indes, comme les Nubiennes des cataractes, commes les bacchantes de Lydie (FLAUBERT, 1966, p. 130).
  • 24
    A ópera de Jules Massenet de 1881,
    Hérodiate, é baseada nessa história tal como escrita por Paul Milliet e Henri Grémont, mas erotiza (ao aumentar o desejo de Herodes por Salomé) e sentimentaliza a trama consideravelmente, transformando Salomé em uma filha que procura a mãe que a abandonou e que se apaixona (de forma casta) por João Batista - que a convence de amá-lo "comme on aime en songe". Ele eventualmente confessa o seu amor por ela antes de sua execução, proibindo-a de segui-lo na morte. Esta Salomé dança, mas o faz para pedir perdão a um João Batista sentenciado de morte. Quando a execução acontece, no entanto, Salomé ataca Heródias com um punhal, mas o volta contra si mesmo quando descobre que Heródias é a mãe por quem está procurando. Uma ópera sobre desejo e religião, sobre obsessão erótica e espiritualidade, ela tem alguns dos pardoxos que devemos ver na ópera de Strauss, mas a relação de Salomé com João aqui é casta, espiritual e sentimental - em suma, bastante distante da última versão.
  • 25
    Sobre a fascinação de Moreau, ver Julius KAPLAN, 1982, p 58-68. Sobre o impacto literário, ver Pierre-Louis MATHIEU, 1976, p. 250, e "La religion dans la vie et l'ouvre de Gustave Moreau", p. 16-17. Na direção inversa da influência artístico-literária, ver MELTZER, 1987, p. 17-18, sobre como
    Salammbô de Flaubert havia influenciado a representação de
    Salomé de Moreau. Moreau fez 120 desenhos deste trabalho, 70 dos quais de Salomé. Ver MATHIEU, 1976, p. 122.
  • 26
    As citações textuais estão em J. HUYSMANS, 1959, p. 64, e, em francês, em J. HUYSMANS, 1977, p. 143-148.
  • 27
    Ver Oscar WILDE, 1992, p. 147. Para maior impacto com as descrições de
    Salomé de Huysmans, ver Megan BECKER-LECKRONE, 1995, p. 239-240.
  • 28
    Richard ELLMANN, 1987, p. 321. A relação de Wilde com Mallarmé, que estava escrevendo
    Hérodiade na época, era um outro fator, assim como o era a leitura do poema dramático de J. C. Heywood , publicado na Inglaterra em 1888, que recontava
    Atta Troll de Heine (em que o fantasma Herodias beija a cabeça de João Batista). Ele também estudou muitas outras representações visuais de Salomé (p. 321-323).
  • 29
    J.-K. HUYSMANS, 1959, p. 69, e em francês J.-K. HUYSMANS, 1977, p. 149. Talvez não seja surpreendente que outros tenham sido atraídos por outras leituras alegóricas. MELTZER, 1987, lê as descrições de Huysmans desses trabalhos como uma alegoria da ontologia da escrita: "A Salomé de Moreau e sua rendição verbal por Huysmans, então, é uma elaboração mimética, tanto ideológica quanto simbólica do logocentrismo que informa os escritos dos Evangelhos" (p. 43).
  • 30
    Geneviève LACAMBRE, 1997, p. 34; MATHIEU, 1976, p. 200.
  • 31
    O termo
    bejewelled está em David MURRAY, 1992a, p. 569, e significa algo extremamente delicado, adornado.
  • 32
    Gary SCHMIDGALL, 1977b, p. 250-251; Patricia KELLOG-DENNIS, 1994, p. 225, sugere que Strauss na verdade deveria estar fazendo um brilhante pastiche da arte dacadente da virada do século.
  • 33
    Por exemplo, Lawrence KRAMER, 1990, p. 284, vê Wilde como teatral e Strauss como sensacionalista. HOLLOWAY, 1989, p. 155, vê a música como algo que preenche a "berrante inconsistência" de Wilde. Robert Hirschfelt, em 1907, citado por GILLIAM, 1992, p. 334, diz: "A poesia de Oscar Wilde é enluarada. Nesta magia delicada, Richard Strauss instala os refletores de seus
    leitmotivs.
  • 34
    Ver Hanna B. LEWIS, 1976, p 127, sobre a peça como uma "lírica extensa"; o próprio Wilde pensou na peça como uma balada (ver a carta a Lorde Alfred Douglas de 2 de junho de 1897, em que ele discute seu objetivo de fazer o drama tão pessoal quanto a poesia lírica), mas também os críticos desde então. Ver Richard SPECHT, 1921, que abre sua discussão da peça com "Eine Ballade. Kein Drama". A citação final aqui é de HOLLOWAY, 1989, p. 150.
  • 35
    Também poderiam ser considerados responsáveis pelo impacto os cortes feitos por Strauss no texto de Wilde (ou melhor, na tradução alemã de Lachmann) reduzindo as subtramas, repetições, manobras políticas em nome das simetrias estruturais e dos agrupamentos formais dos eventos. Ver Roland TENSCHERT, 1989, e Tethys CARPENTER, 1989, p. 89-93.
  • 36
    Sobre o desconcertante apelo erótico de Salomé como garota jovem, ver Arthur GANZ, 1987-1988, p. 13. Sobre a intenção de Wilde, ver ELLMANN, 1987, p. 232 e 255. Sobre as diferentes possibilidades performativas, ver PUFFETT, 1989b, p. 161-163.
  • 37
    A Salomé bíblica não foi sempre representada dessa forma, é claro, e a história dessas representações ilumina as escolhas feitas por Wilde. Nos relatos do Novo Testamento, a dançarina é simplesmente referida como a (não nomeada) filha de Herodias; sua função é simplesmente a de instrumento do desejo de sua mãe de ver João Batista executado. Não há nenhuma menção da incestuosa atração de Herodes por Salomé, tal como vemos na peça, ou de seu violento desejo por João Batista. Mas a bíblica Salomé adquire mais personalidade através dos séculos com o aumento de sua veneração por João. Por volta do século IV, ela se tornou um símbolo da malignidade por seu papel no martírio do santo, apesar de o foco principal, tanto nas artes literárias quanto visuais, ser a morte de Batista, da qual ela é apenas agente. Os chefes da Igreja usaram sua história para sublinhar os males da dança, tal como explicado por Kerstin MERKEL, 1990, p. 2-3, e Helen Grace ZAGONA, 1960, p. 20. Na Idade Média, a cena da dança inspirava artistas religiosos que a usavam como advertência; na Renascença, entretanto, Salomé tornou-se simplesmente a imagem da graciosa, jovem dançarina. Na verdade, foi apenas no fim do século XIX que Salomé adquiriu a identidade de
    femme fatale, graças à obsessão pós-romântica para com ela e com seu corpo.
  • 38
    BADE, 1979, p. 6. Ver também HAMARD, 1992, p. 29, sobre os persona-gens míticos adotados. Sobre o elemento de perigo, ver Rebecca STOTT, 1992.
  • 39
    Fludas. "Fatal women". p.15.
  • 40
    Ver Paul KLUCKHOHN, 1966, p. 213-214, sobre a construção da mulher no
    Sturm und Drang ou como "das einfache natürliche Weib" ou "das Machtweib" ou como
    femme fatale. A citação aqui é retirada de FLUDAS, 1977, p. 15; ver também HAMARD, 1992, p. 46.
  • 41
    KRAMER, 1990, p. 271. In:
    Femme fatale. Bade de fato a chama de "
    femme fatale pedofílica". p. 16. Ver também Tim MCCRACKEN, inédito, sobre as conexões entre as noções de infância do século XIX e a figura da Lolita do século XX. Para ele, Salomé é a "Ur-nymphet".
  • 42
    Ver J. Edward CHAMBERLIN, 1977, sobre o narcisismo da Salomé de Wilde (p. 105, 175-176 e 178) e suas contradições: "as confusões entre malignidade e orgulho e beleza e horror" (p. 179).
  • 43
    William MANN, 1964, p. 54.
  • 44
    Ver MOREAU, 1984, p. 78, sobre "Salome dansant devant Hérode". Curiosamente, os críticos modernos franceses da ópera usam linguagem similar. Ver Martial PETITJEAN, 1983, p. 132.
  • 45
    Ver Bram DIJKSTRA, 1986, p. 283. Para uma visão diferente da Salomé de Wilde como sexual e moralmente ambivalente e, portanto, relacionada à androginia nas associações do fim do século tanto da virgindade (e esterilidade) quanto da luxúria, ver CHAMBERLIN, 1977, p. 173, 175 e 176. Sentimos que a Salomé operística está definitivamente codificada como feminina e também como jovem (mais do que andrógina), dada a ressonância dos discursos médicos que lhe são contemporâneos.
  • 46
    Cesare LOMBROSO e Guglielmo FERRERO, 1958, p. 151. Sobre a importância de Lombroso e da Italian School of Criminal Anthropology para essa visão da mulher em geral, ver Ruth HARRIS, 1988, p. 32.
  • 47
    A citação é de Roy PORTER, 1993, p. 251. Para mais informação sobre o assunto, ver HARRIS, 1988, p. 32 e 52.
  • 48
    Havelock ELLIS, 1899, p. 307, parafraseando "Developmental Insanities", do Dr. Clouston.
  • 49
    ELLIS, 1899, p. 256. Ver também a seguinte observação de Ellis: "Toda vez que uma mulher pratica uma ação de violência criminal é extremamente provável que ela esteja no período mestrual" (p. 255).
  • 50
    Henry MAUDSLEY, 1868, p. 341. Para mais articulações sobre essa ligação, ver, por exemplo, John Haslam.
    Considerations of the Moral Management of Insane Persons, 1817, p. 4-5, e George Man Burrows,
    Commentaries on Insanity, 1828, p. 146 - como discutido em PORTER, 1993, em que ele também cita o psiquiatra alemão Wilhem Griesinger (p. 254-255) acerca da conexão entre o erótico e menstrual e a histeria.
  • 51
    "O movimento decadentista era noturno e evitava a rígida luz da consciência. Seus atos inefáveis e sonhos intoxicantes requeriam a cobertura do escuro. A luz da qual os decadentistas precisavam a lua poderia oferecer". De acordo com SCHMIDGALL, 1977b, p. 254.
  • 52
    August FOREL, 1908, p. 225-226. Para discussão suplementar, ver Harry CAMPBELL, 1891, p. 200. E ELLIS, 1899, p. 254, sobre erotomania. A pesquisa Mosher nos Estados Unidos também examinou essa conjunção na mesma época. Ver Clelia D. MOSHER, 1980.
  • 53
    Como se para sublinhar a conexão, Wilde faz com que seu Jochanaan ofereça uma visão apocalíptica do dia em que a lua apareceria tão vermelha quanto o sangue, uma imagem que Herodes apropriadamente relembra - e duas vezes repete - minutos antes que Salomé inicie sua dança infame.
  • 54
    Ver Ernest NEWMAN, 1954, p. 36: "Num êxtase final de perversão sua mente explode". Michael KENNEDY, 1995, p. 143-144, VÊ a ópera como um estudo sobre a obsessão. Ver também François-René TRANCHEFORT, 1983, p. 127, sobre sua "psicose delirante".
  • 55
    A lista é aquela de ELLIS, 1899, p. 281, referindo-se a Conolly Norman de Charcot. Cf. a relação, de certa forma, diferente (em 1907) da histeria com uma variedade de sintomas psíquicos, do sonambulismo à sugestão, em
    The Major Symptoms of Hysteria. Entretanto, a crença pessoal de Charcot de que a histeria era "toujours la chose génitale" nunca foi realmente publicamente admitida. Ver Martha Noel EVANS, 1991, p. 26-28. Para uma história completa dos significados da histeria dos tempos antigos até Freud, ver Sander L. GILMAN et al., 1993
    .
  • 56
    MAUDSLEY, 1868, p. 287.
  • 57
    Paul BANKS, 1988, p. 11. A música em si mesma tem sido chamada de nervosa e até mesmo de neurótica. Ver Theodor ADORNO, 1966, sobre "a moralidade artística do nervosismo" de Strauss: "'Nervoso' era uma deixa do estilo moderno. Cobre aquilo que desde Freud tem sido chamado de 'neurótico', distúrbios patogênicos resultantes de repressão, assim como a utopia condenada de Ibsen acerca das mulheres histéricas que, alheias ao princípio de realidade e impotentes, protestam contra o
    contrainte sociale. O nervosismo se tornou um sinal de prestígio, denotando a capacidade reativa altamente intensificada e diferenciada da pessoa que se torna seu próprio instrumento de precisão, que é entregue sem defesa ao mundo das sensações e que, através de sua fragilidade, denuncia a brutalidade do mundo" (p. 115).
  • 58
    GROSZ, 1994, p. 157-158, em resposta à interpretação de Foucault acerca da "hystericization of women's bodies". Ver também Elaine SHOWALTER, 1985
    . Susan MCCLARY, 1991, p. 99, usa a tese de Showalter acerca da loucura no século XIX como uma 'doença feminina' para ler o estado mental de Salomé como explicitamente relacionado à sexualidade feminina excessiva. Em "Hysteria, Feminism, and Gender", Showalter mostra como tanto o tratamento e os relatos históricos da histeria quanto a condição potencial de
    todas as mulheres foram informados pelos papéis tradicionais de gênero nos quais o macho é o terapeuta e a fêmea, paciente. Ver também Mark S. MICALE, 1991, p. 200-239; ver ainda EVANS, 1991, p. 2-3 especialmente.
  • 59
    "O instinto sexual é muito menos intenso na mulher do que no homem", afirma CAMPBELL, 1891, p. 210. Richard von KRAFFT-EBING, 1931, p. 14, acrescenta: "A mulher, entretanto, se física e mentalmente normal, e convenientemente educada, tem pouco desejo sexual"; Eric TRUDGILL, 1976, p. 50-63, explica o papel profissional médico em promover ansiedade acerca do sexo no século XIX, em parte ao assumir que as mulheres eram assexuadas e disponíveis para submeterem-se aos desejos sexuais de seus maridos apenas para satisfazê-los e para procriar.
  • 60
    Sobre ninfomania, ver Thomas SZASZ, 1980, p. 16. A citação é de FOREL, 1908, p. 97.
  • 61
    As citações aqui são, respectivamente, de DIJKSTRA, 1986, p. 249; KRAFFT-EBING, 1931, p. 483; FOREL, 1908, p. 227.
  • 62
    Como reconsiderado pelo próprio Strauss, 1953, p. 151.
  • 63
    Rolland é citado aqui em WILLIAMSON, 1989, p. 131 e 131-132. Para uma análise aguda e pontual da recepção de Wilde, especialmente na Alemanha e na Áustria, e sobre as ligações entre a homossexualidade de Wilde e o tema judeu da peça e da ópera, ver Sander L. GILMAN, 1988, p. 156-162 ("Opera, Homosexuality, and Models of Disease: Richard Strauss's
    Salome in the Context of Images of Disease in the Fin de Siècle").
  • 64
    Ver Elgna ADAM e Laurent WORMS, 1983, p. 156, sobre o medo da castração simbólica que Salomé representa.
  • 65
    Ronald PEARSALL, 1969, p. 85.
  • 66
    SCHMIDGALL, 1977a, p. 13. MURRAY, 1992b, descreve a orquestra aqui como acrescentando "Uma bruta dissonância como um escárnio obsceno" (p. 148).
  • 67
    ADORNO, 1966, p. 117.
  • 68
    Craig AYREY, 1989, p. 117. Ayrey bizarramente conecta essas claves com o "mundo moralista e repressivo da ortodoxia" (que estranhamente associa com a corte decadente de Herodes) e com "sinceridade e inocência" (p. 118-119).
  • 69
    Ver Catherine CLÉMENT, 1983, p. 124, sobre a casta mas desejosa Salomé.
  • 70
    Kathy Alexis PSOMIADES, 1997, argumenta que a Salomé de Wilde "move-se para conseguir aquilo que quer": "Sua performance é desde o início algo adquirido; seu corpo na medida em que dança é colocado já em equivalência com a cabeça decapitada de João. Ela usa sua
    performance para adquirir o objeto que deseja, em uma troca que é como a troca de sexo por dinheiro" (p.196).
  • 71
    Marjorie GARBER, 1993, p. 341. Enquanto a tradição literária tem silenciado sobre detalhes da dança, as artes visuais têm preenchido as lacunas admiravelmente. A dança de Salomé mudou com as transformações das convenções ao longo do tempo da paixão medieval das bacantes dionisíacas até a elegância inocente renascentista. Moreau e outros artistas do século XIX tomaram a inominada dançarina bíblica e a transformaram na demoníaca
    femme fatale que conhecemos hoje. Ver Torsten HAUSMANN, 1980; Danièle DEVYNCK, 1988, p. 18; MERKEL, 1990, p. 13. Sobre a entrada do sexual nas representações do século XIX, ver Bruno SERROU, 1994, p. 18. O nome da dança é tido como sendo do mito babilônico de Ishtar. Ver BECKER-LECKRONE, 1995, p. 254-255.
  • 72
    MURRAY, 1992b, p. 147. Sobre os aspectos hollywoodianos e o que é visto como exotismo fracassado, ver Stéphane GOLDET, 1983, p. 88-89.
  • 73
    Ver "Appendix" em PUFFETT, 1989a, p. 165-166.
  • 74
    ABBATE, 1993, p. 241.
  • 75
    STRAUSS, 1953, p. 151. Para uma descrição mais interessante da música e de sua "turbulência" como vulgar, medíocre e francamente ruim, como "orientalismo de liquidação" que opera dramaticamente apesar disso, ver HOLLOWAY, 1989, em que é argumentado que por "fina genialidade" Strauss eleva o kitsch "contínuo, magistral e profundamente emocionante" (p. 149) ao nível de "Arte" (p. 157).
  • 76
    Ver KRAMER, 1990, p. 281.
  • 77
    BANKS, 1988, p. 15. Sobre gênero e dança, ver Elizabeth DEMPSTER, 1995.
  • 78
    Para uma extensa discussão dessa tensão entre o familiar e o exótico, ver Peter W. SCHATT, 1986, p. 18-22 especialmente. É claro, não se mencionou que a luxúria e a crueldade
    não são as únicas conexões com o Oriente aqui e em qualquer outra época na história: a espiritualidade era outra conexão muito diferente.
  • 79
    KRAMER, 1990, p. 279. Ver CHAMBERLIN, 1977, p. 177, sobre as associações na Europa do século XIX da dança como "pessimista e doentia".
  • 80
    Sobre essas representações, ver Sander L. GILMAN, 1988, p. 359-374 ( "The Image of the Hysteric").
  • 81
    A citação está em BROOKS, 1993, p. 226.
  • 82
    MCCARREN, 1995, p. 748.
  • 83
    Ver Christoph-Hellmut MAHLING, 1989, para mais informação sobre a
    Salome de Loïe Fuller de 1895 dançada com música de Gabriel Pierné; em 1907 Florent Schmitt (em um libreto escrito por Robert d'Humiéres) escreveu um balé para a companhia de Fuller chamado
    La tragédie de Salomé em dois atos com sete quadros;
    Die Vision Salome de Maud Allan foi encenado em Viena em 1906 - um ano antes que a ópera de Strauus fosse encenada lá.
  • 84
    Ver MCCARREN, 1985, p. 752.
  • 85
    DEMPSTER, 1995, p. 27-28.
  • 86
    Marc WEINER, 1998, fala sobre a produção de Ken Russel da ópera que usava "sapateado, sapato macio, fornicação (simulada, presumo) e um exército de outros artifícios que fizeram a dança muito mais chocante, e culturalmente contemporânea, do que uma restauração arquivista da produção original orientalista teria sido.
  • 87
    Citado em Richard BIZOT, 1992, p. 73.
  • 88
    Peter CONRAD, 1977, p. 156.
  • 89
    É claro que uma interpretação completamente diferente é oferecida por Joseph KERMAN, 1988, que a considera uma "gemütlich bellydance" diante da qual ele não sabe "se ri ou se chora" (p. 211). Entretanto, outros vêem aí uma antecipação do fim da ópera, como uma dança frente ao sacrifício humano. Ver PETITJEAN, 1983, p. 134. Sobre o papel da dança como troca, ver Amy KORITZ, 1995, p. 81.
  • 90
    Ver Jeffrey WALLEN, 1992, sobre como a ação dramática da peça "alinha o campo de visão com o corpo e com o desejo sexual, em contraste com o campo verbal, que está alinhado com o imaterial e supra-sensual" (p. 124).
  • 91
    PETITJEAN, 1983, p. 132. Ver também Bradley BUCKNELL, 1993, p. 515, sobre a complexa interação entre o olho e o objeto de visão. Para outros textos sobre o olhar ver CLÉMENT, 1983, p. 125-156; Philipp GODEFROID, 1983, p. 146-149.
  • 92
    Ver especialmente o capítulo I ("The Nobles of the Senses: Vision from Plato to Descartes") em JAY, 1993, p. 21-82, sobre a história da primazia visual no Ocidente. Para mais sobre o assunto, ver também John BERGER, 1978; Norman BRYSON, 1983. E Jacques ATTALI, 1985, diz algo relacionado na abertura: "Por vinte e cinco séculos, o saber ocidental tentou observar o mundo. Fracassou em compreender que o mundo não é para a contemplação. É para a audição. Não é legível, mas audível" (p. 3).
  • 93
    Craig OWENS, 1983, p. 58.
  • 94
    GARBER, 1993, p. 340. Que a situação está longe de ser simples estará claro em breve.
  • *
    Nota da tradutora: preferi manter aqui a expressão no original em inglês, que se refere à condição de ser olhado. Uma tradução aproximada de tal expressão seria "estar aqui para ser vista".
  • 95
    Laura MULVEY, 1975, p.11. Ver JAY, 1993, para uma análise extensa dos discursos pós-modernos do século XX sobre a negatividade do olhar incluindo uma abordagem convincente da crítica de Foucault à centralidade ocular (p. 384-416). Ele também escreve sobre o debate de gênero na teoria fílmica e sobre o olhar da câmera (p. 489-491; 588-589; 591-592). Ver também a crítica de Noël Carroll a Mulvey em que assinala que os machos são quase sempre objetos do olhar cinematográfico (em gêneros pornô, por exemplo) e que as mulheres são freqüentemente não passivas de todo, mas "grandes actantes" (p. 353-354).
  • 96
    Para uma análise lacaniana sobre oferecer-se ao olhar do outro como tentativa de domínio, ver Griselda POLLOCK, 1992, p. 117.
  • 97
    A Salomé menos inocente de Wilde diz que ela sabe por que, mas Strauss corta essa linha. A importância da linha no texto de Wilde já foi defendida por Tres PYLE, 1997.
  • 98
    Quando o invisível Jochanaan primeiro fala da cisterna, é em termos de olhar tanto quanto de audição, os dois sentidos cruciais da forma operística encenada. Ele fala de Cristo que vai vir e fazer com que os olhos dos cegos vejam o dia, assim como vai abrir os ouvidos dos surdos ("die Augen der Blinden den Tag sehn... die Ohren der Tauben geöffnet").
  • 99
    AYREY, 1989, p. 109 e 113. De forma interessante, a primeira condenação de Jochanaan de Herodias é por que ela cedeu à luxúria de seus olhos e observou imagens pintadas de homens ("die sich hingab der Lust ihrer Augen, die gestanden hat vor buntgemalten Männerbildern"). Tenha ela olhado para imagens eróticas ou simplesmente para imagens que mulheres não deveriam ver, a ligação entre o erótico e o visual é reforçada.
  • 100
    Esse poder é auditivo tanto quanto visual, é claro. Não é (como KRAMER, 1990, p. 280, argumentou) no final quando ela beija a boca de Jochanaan que a ela é autorizada uma "triunfante incorporação do poder masculino do discurso" pelo qual ela deve morrer. Ela obtém esse poder mais cedo e o consegue especificamente por ser olhada. Depois da dança Herodes perde seu poder verbal e é reduzido a ecoar as palavras de Salomé e a música ("In einer Silberschüssel", "einen Eid geschworen"); o mesmo acontece com Heródias ("Du hast einen Eid geschworen). Como Salomé insiste em sua recompensa na forma da cabeça de Jochanaan, Herodes repetidamente reclama que ela não o está ouvindo ("Du hörst nicht zu, du hörst nicht zu") e de fato ela não está, por ter perdido o poder de controlar sua escuta.
  • 101
    John Paul RIQUELME, 1995, p. 596.
  • 102
    Respectivamente, KRAMER, 1990, p. 277-278; ABBATE, 1993, p. 254.
  • 103
    Enquanto o visual domina o texto e o auditivo toma conta de nossos ouvidos, todos os sentidos contribuem para a representação da fisicalidade encenada de Salomé: "Salomé [...] ilustra o desejo até o ponto em que o desejo é simbolizado como corporal, sensual, sem intervenções, e visível, e não como escondido, velado, e mediado" (WALLEN, 1992, p. 129-130). Este é um mundo "em que a ordem religiosa funde-se com o desejo sexual e todos os sentidos são sinestesicamente explorados e desordenados" (CONRAD, 1977, p. 159). Salomé é vista antes de ser ouvida; Jochanaan é ouvido antes de ser visto (KORITZ, 1995, p. 79). Mas outros sentidos são também invocados: Salomé vai do querer falar com Jochanaan a querer vê-lo e querer tocar seu corpo e cabelos e querer beijar seus lábios. Depois de realizar seu desejo letal, ela se dirige à cabeça em termos que misturam os sentidos: sua voz é associada com incenso ("deine Stimme war ein Weihrauchgefäss), sua imagem física com a música. Ela descreve seu desejo por ele em termos de sede e fome - que nem rios e lagos podem aliviar ("Nicht die Fluten, noch die grossen Wasser können dieses brünstige Begehren löschen).
  • 104
    Hischfelt (em 1907) citado por GILLIAM, 1992, p. 334. Note a estranha combinação de sentido aqui: do público é dito que este
    olha a música.
  • 105
    SCHMIDGALL, 1977a, p. 13. Sobre um antigo ataque à musica deca-dentista da prática tonal de Strauss, ver Walter KLEIN, 1911, p. 512-514.
  • 106
    MCCLARY, 1991, p. 100. Ela continua: "Assim tão satisfatório como o final purificador do cromatismo de Salomé deve ser em alguns níveis, o apelo de Herodes (e de Strauss) à convenção social para o fechamento narrativo e tonal pode ser visto como um ato de singular hipocrisia: depois que os excessos fúnebres de Salomé foram explorados ao longo da peça, a repentina oferta para enquadrá-la como doentia e radicalmente outra é um pouco falsa" (p. 101). Mas a reclamação de McClary por essas "apressadas repudiações de indulgência erótica" (p. 101) não são evidenciadas pelo texto, pois a monstruosidde de Salomé foi gradualmente revelada ao longo da ópera, culminando de fato nessa cena.
  • 107
    As citações aqui são, respectivamente, de SCHMIDGALL, 1977b, p. 281, e MURRAY, 1992a, p. 569.
  • 108
    CHAAMBERLIN, 1980, p. 606.
  • 109
    HOLLOWAY, 1989, p. 149.
  • 110
    HUYSMANS, 1959, p. 68. Em francês, "Tel que le vieux roi, des Esseintes demeurait écrasé, anéanti, pris de vertige, devant cette danseuse" (HUYSMANS, 1977, p. 148).
  • 111
    Mireille DOTTIN, 1988, p. 14. A pintura de Klimt de 1907 chamada
    Judith também foi inspirada em Salomé. Ver Eva DI STEFANO, 1985
    . O próprio Strauss disse que, no mundo de Klimt, ele via muito de sua própria música, "especialmente Salomé" (como citado em SCHMIDGALL, 1977b, p. 286).
  • *
    Linda Hutcheon define
    ekphrasis como "representações verbais de representações visuais". Cf. HUTCHEON, 1991, p. 160. (Nota da tradutora).
  • 112
    A diferença é, entretanto, importante: diz-se das danças das bacantes que terminam com o despedaçamento e o consumo de um animal vivo.
  • 113
    ABBATE, 1993, p. 254. Ver também a interpretação de Richard LEPPART, 1993: "O assassinato de Salomé, diferentemente da decapitação fora de cena de Jochanaan, é visto e feito para ser saboreado. É executado com um encerramento sonoro,
    mais barulho do que música, que derrota nosso prazer com a extraordinária música corporificada que Salomé acabou de performatizar sobre a cabeça masculina decapitada. Esse encerramento é alcançado pelo recurso à inscrição sonora tradicional da autoridade masculina, os sons militares de pratos e percussão, pontuados ritmicamente no mais alto volume possível" (p. 151).
  • 114
    Para uma leitura diferente, psicanalítica, na qual em termos obtusos argumenta que "decapitar = castrar", ver o breve ensaio de Sigmund FREUD, 1955. A morte de Salomé tem sido vista tanto como "um sonho de ansiedade misógina" quanto como "uma "satisfação de desejo patriarcal" (KRAMER, 1990, p. 279). Ver CHAMBERLIN, 1980: "a arte decadente foi ao limite [...] e criou condições nas quais nós deveríamos apreciar as imagens da mais perturbadora e depravada das experiências humanas. Ao chegar a esse limite, deliberadamente testava o caráter e as condições do recurso estético" (p. 604).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Out 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 2003
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