Open-access Políticas públicas de esporte e lazer no brasil e em portugal: a gestão do conhecimento em foco

Sport and leisure public policies in brazil and portugal: focusing the management knowledge

Resumos

Este estudo, de natureza qualitativa, teve como objetivo compreender as condições potenciais para a elaboração de políticas públicas de esporte e lazer em Portugal e do Brasil, tendo como foco a gestão do conhecimento, sob o aspecto dos principais textos normativos e políticas destes dois países. O estudo foi realizado por meio de pesquisa documental, referente à análise de documentos oficiais de ambos os países. Os resultados evidenciaram que, embora o conjunto legal-normativo português seja mais conciso do que o brasileiro, no que se refere à aproximação da Universidade com Governo, não foi possível identificar qualquer iniciativa, em Portugal, que traçasse esta relação por meio de financiamentos governamentais. O Brasil, por intermédio do Ministério do Esporte, via Redes CEDES e CENESP, mesmo diante de diversos entraves, parece ter sido inovador na tentativa de aproximação destes campos na área do esporte e do lazer.

Políticas Públicas; Esportes; Lazer; Gestão do Conhecimento


This qualitative study aimed at analyzing the formulation of Public Policy for sport and leisure in Portugal and in Brazil, focusing the scientific research, from normative and political texts of these two countries. The study was conducted through documental research, concerning the analysis of official documents of both countries. Results evidenced that although all legal-normative Portuguese set was more concise than that of Brazil, in terms of the approximation between academic and political subfields, it was not possible to identify any initiative in Portugal that traced this relationship through government funding. Brazil through the Ministry of Sports actions involving Rede/CEDES and CENESP, even facing many obstacles, seems to have been innovative in trying to approach these fields in sport and leisure ambits.

Public Policy; Sports; Leisure; Management Knowledge


INTRODUÇÃO

A elaboração de Políticas Públicas nos campos do esporte e do lazer tem sido levada em consideração nos últimos anos, devido ao grande destaque destas temáticas nos contextos social, econômico e político em todo mundo. Entretanto, inúmeros entraves ainda se fazem presentes, no que tange à definição dos princípios norteadores da formulação dessas Políticas Públicas, tornando-se um desafio da atualidade compreender o modo como estas ações são gerenciadas. Outro ponto crucial é a dificuldade de aproximação do subcampo político com o subcampo acadêmico, o que pode gerar ações ineficientes, com impactos sociais muito relevantes.

Para minimizar esses entraves, a utilização de parcerias entre o poder público e os centros produtores de conhecimento pode ser uma estratégia interessante, no sentido de se elaborar políticas mais efetivas. A nova configuração das organizações, sejam elas públicas ou privadas, tendo como foco o conhecimento, parece trazer grandes transformações sociais e, sobretudo, no modo de gestão pública, o que mereceu destaque neste estudo.

No sentido de iniciar maior ênfase nessas relações, o governo brasileiro procurou criar os fundos setoriais, os quais abordam as parcerias entre universidades, governos e empresas, para captação de recursos destinados a pesquisas, podendo incentivar novas diretrizes nas políticas públicas. No Brasil, a legislação que criou os fundos setoriais em 1999, pode ser entendida como o marco legal inicial da Ciência, Tecnologia e Inovação. Os fundos setoriais têm como objetivo principal garantir a estabilidade de recursos para promover maior sinergia entre as universidades, o setor produtivo e os governos. Atualmente, os temas apoiados pelos fundos setoriais são referentes a petróleo, energia elétrica, recursos hídricos, transportes, mineração, área espacial, tecnologia da informação, infraestrutura, saúde, agronegócio, verde-amarelo, biotecnologia, setor aeronáutico, telecomunicações, transporte aquaviário, construção naval e Amazônia.

O esporte, mesmo este estando em foco mundial diante da representatividade do país, com a realização de diversos megaeventos, ainda não consta nesta lista dos enfoques temáticos prioritários apoiados pelos fundos setoriais do governo federal. Neste sentido, percebe-se a premência de novas investidas, capazes de ressaltar o esporte dentro dos temas de relevância a serem foco nas ações que promovem as relações entre os poderes públicos, privado e as instituições de ensino superior.

Ao se focalizar o contexto brasileiro, pode-se perceber que o governo brasileiro, por meio do Ministério do Esporte, vem realizando iniciativas, no sentido de promover o estreitamento das relações entre o poder público e as Universidades. Entre estas iniciativas, pode-se destacar a criação da Rede CENESP, em 1998, e da Rede CEDES, em 2003.

A Rede CENESP - Centros de Excelência Esportiva - foi criada com o objetivo principal de financiar pesquisas na área do esporte, treinamento e aperfeiçoamento de atletas, no sentido de conjugar e convergir esforços em conjunto com as Instituições de Ensino Superior, em benefício da prática esportiva, visando ao desenvolvimento, aplicação e transferência de métodos e tecnologias, inseridas na capacitação de recursos humanos e avaliação de atletas nas diferentes manifestações esportivas (BRASIL, 2012). Estes apoios eram realizados por meio de parcerias do Ministério do Esporte com as Instituições de Ensino Superior, onde eram criados os Centros de Excelência Esportiva.

Já a Rede CEDES - Centros de Desenvolvimento do Esporte Recreativo e do Lazer é uma ação programática, que foi elaborada com o intuito de financiar pesquisas relacionadas com o campo do esporte recreativo e lazer, buscando, por intermédio deste financiamento de pesquisas, fomentar a elaboração das Políticas Públicas nesta área, a partir da aproximação entre os subcampos políticos e acadêmicos (BRASIL, 2012). A Rede CEDES passou por diferentes momentos, sendo, inicialmente caracterizada pelo apoio a Núcleos e Grupos de pesquisas que desenvolviam estudos relacionados ao esporte recreativo a ao lazer, e, posteriormente, por financiamento de pesquisas via edital público, realizado pelo próprio Ministério do Esporte e, atualmente, em parceria com o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

O Brasil, por intermédio destas iniciativas, pode ter sido inovador na realização de ações neste sentido. Entretanto, é imprescindível compreender toda a base de fundamentação política que envolveu a execução destas ações, podendo-se, assim, traçar relações positivas ou negativas a partir deste modelo.

Diante deste panorama, para que uma análise pudesse ser elaborada de forma mais aprofundada, buscou-se apoio em outras realidades dentro do contexto mundial. Neste sentido, além de se focalizar atenção nas relações que permeiam os financiamentos do governo federal brasileiro, o estudo procurou investigar como se dá esse processo em um país com tradição em análise política.

Para tanto, foi enfatizada a realidade de Portugal, pelo fato deste país ser tradicionalmente reconhecido pelas perspectivas de análise política no campo do esporte. Esta justificativa reitera a preocupação especial com este momento, em que o Brasil é projetado nas esferas internacionais no âmbito esportivo, em função da vinda de importantes megaeventos, requisitando estratégias pontuais e eficientes de preparação e difusão das iniciativas políticas. Este estudo teve a intenção de traçar um panorama comparativo entre os países Brasil e Portugal, uma vez que existem fortes conexões e influência cultural, decorrentes do processo histórico de colonização.

Contudo, estes países perpassam momentos históricos muito diferentes, com relação às ações realizadas no contexto do esporte e do lazer. O Brasil é sede, hoje e nos próximos anos, de inúmeros eventos esportivos de grande porte, sendo foco da visibilidade internacional. Portugal passa, atualmente, por uma crise econômica, seguindo a tendência de toda a Europa, tendo, este país, grandes reflexos econômicos negativos, decorrentes, inclusive, da realização de megaeventos nos últimos anos. Este fato parece ser um potencializador dos tempos de crise, devido à má utilização dos gastos públicos e de altos investimentos em instalações esportivas, que, hoje, geram muitos gastos para o país (JANUÁRIO, SARMENTO, CARVALHO, 2009).

Estas inquietações foram motivadoras da realização deste estudo. O desenvolvimento da etapa do estudo referente à análise da realidade política de Portugal foi viabilizado pelo Gabinete de Gestão Desportiva, da Universidade do Porto, sendo este, um centro reconhecido mundialmente, nos estudos sobre gestão e políticas desportivas.

Sendo assim, este estudo, de natureza qualitativa, teve como objetivo compreender as condições potenciais para a elaboração de políticas públicas de esporte e lazer em Portugal e no Brasil, tendo como foco a gestão do conhecimento, sob o aspecto dos principais textos normativos e políticas destes dois países. Como base para a análise proposta neste estudo, foi utilizada a teoria formulada por Etzkowitz e Leydesdorff (1996), denominada Tríplice Hélice. Os argumentos desta teoria reforçam a tese de que a universidade tem um papel preponderante na sociedade baseada em conhecimento.

No contexto brasileiro, esta teoria vem sendo utilizada nos estudos desenvolvidos por Silva, Terra e Votre (2006), os quais trouxeram para o contexto brasileiro as discussões sobre esta teoria na área da Educação Física e do Esporte. Estes autores destacam a importância de investigações que abordem este aporte teórico, ressaltando o debate sobre o papel da universidade no novo cenário mundial, sobretudo, colocando-a em destaque no desenvolvimento social e econômico das regiões.

Senhoras (2008), ao realizar uma pesquisa sobre a teoria da Tríplice Hélice, apresentou a proposta elaborada por Etzkowitz e Zhou em 2006, mostrando, como forma de análise, a Hélice Tríplice Twins. Nesta perspectiva de análise, a Universidade e a sociedade, com apoio técnico-financeiro estatal e por meio de institutos públicos de pesquisa de ensino superior, exercem a liderança.

No sentido de se perscrutar o modo como essas relações são organizadas em ambos os países foco do estudo, houve, inclusive, o interesse em se comparar as realidades e apontar as possíveis congruências e particularidades, as quais podem ser decisivas nas formulações de novas Políticas Públicas envolvendo o esporte e o lazer.

MÉTODO

Este estudo, de natureza qualitativa, foi realizado utilizando-se pesquisas bibliográfica e documental. A pesquisa documental foi realizada por meio de consulta aos orientadores legais governamentais existentes, os quais embasavam as Políticas Públicas de esporte e lazer em Portugal e no Brasil.

Na etapa de análise de documentos realizada no Brasil, foram levados em consideração a Constituição da República Federativa do Brasil, a Política Nacional do Esporte e os Planos Plurianuais de 2004 a 2007 e de 2008 a 2011. Esses documentos foram consultados online, pela facilidade de acesso.

Durante a etapa da pesquisa documental realizada em Portugal, foram consultados alguns textos normativos sobre o esporte como, a Carta Europeia do Desporto, o site do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) e a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto. Estes documentos foram consultados via internet e em cópias disponibilizadas no Gabinete de Gestão Desportiva, da Universidade do Porto.

Em Portugal, com base em documentos oficiais e nas diversas informações contidas nas páginas oficiais do Governo Português, foi possível conhecer as propostas de fomento e apoio ao esporte e lazer em âmbito nacional e as possíveis aproximações entre poder público e Universidade, entre outros desdobramentos peculiares.

De posse dessas informações foi feita uma análise descritiva de todos os dados coletados no Brasil e em Portugal, utilizando-se como recurso a Técnica de Análise de Conteúdo Temático (BARDIN, 2010). Esta técnica é pertinente para estudos desta natureza, por gerar informações sobre as abordagens dominantes e as mais emergentes, conforme evidencia Bardin (2010). A Técnica de Análise de Conteúdo se baseia na decodificação de um texto em diversos elementos, os quais são classificados e agrupados em eixos temáticos (Richardson, 1999), para melhor compreensão do universo pesquisado.

Os resultados foram divididos em dois eixos para discussão, a saber: eixo 1 - Organização do desporto em Portugal e no Brasil; eixo 2 - Políticas Públicas e a Gestão do Conhecimento em Portugal e no Brasil.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com base nos aportes advindos, tanto da realização da coleta de dados no Brasil, como da experiência no exterior, foram formalizados os principais resultados e sua relevância para a qualificação de novas Políticas Públicas de esporte, os quais foram organizados e discutidos nos eixos temáticos previamente citados.

Eixo 1 - Organização do desporto em Portugal e no Brasil

O modelo de governo evidenciado pelo Artigo 79 da Constituição da República Portuguesa, no termo que se refere à Cultura Física e Deporto e no Artigo 2 da Lei de Bases do Desporto, declara, respectivamente que.

Todos têm direito à cultura física e ao desporto (PORTUGAL, 1976).

O direito ao desporto é exercido nos termos da Constituição, dos instrumentos internacionais aplicáveis e da presente lei (PORTUGAL, 2004).

No que se refere à organização Portuguesa do desporto, de acordo com Carvalho (2002), a legislação desportiva portuguesa sempre esteve voltada para um modelo intervencionista, ou seja, caracterizado por uma forte tutela pública. Neste sentido o Estado encara a organização do desporto como serviço público e é legitimado pela lei geral e, inclusive, em alguns casos, por disposições constitucionais.

Segundo Januário (2010), na Europa, é possível evidenciar dois modelos principais de concepções sobre o sistema desportivo nacional. Os países do Norte da Europa, como Alemanha, Holanda e Reino Unido, caracterizam-se por uma ausência específica da legislação, sendo o poder central limitado a assegurar as condições materiais específicas para o desenvolvimento do desporto em termos financeiros e no apoio à formação e investigação. Já nos países do Sul, como França, Espanha e Portugal, prevalece um modelo mais voltado para a intervenção total do Estado, sendo que este encara o desporto como um serviço público e legitimado por lei.

A utilização de um modelo fortemente dependente do Estado, para Januário (2010), pode criar alguns problemas para o desenvolvimento esportivo do país, pois, nem sempre facilita a organização das comunidades locais, regionais e as associações. Constantino (2009) também apresenta alguns problemas relacionados ao modelo utilizado por Portugal, sobretudo, pelo fato de, nesse país, as políticas serem voltadas quase exclusivamente para os jovens e para o esporte de rendimento. No que se refere ao Sistema Desportivo de Portugal, a política seguida por Portugal, desde a instauração da democracia, restringe-se ao apoio direto do governo federal ao associativismo desportivo, tendo como foco o esporte na vertente competitiva.

Segundo Pires (2007), Portugal apresenta umas das menores taxas de participação desportiva da Europa, entretanto, expressa resultados positivos, no que se refere à alta competição internacional. Esta condição não corrobora os princípios apregoados pela política do Desporto para Todos, adotada nos últimos anos na Europa. A Carta Europeia do Desporto reflete a necessidade de entender o desporto nas suas mais variadas perspectivas, ou seja, o desporto para pessoas com deficiências e o desporto vivenciado no contexto do lazer (PORTUGAL, 1992).

De acordo com Pereira (2001), a legislação vigente estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, tendo o Poder Central um papel de fiscalizador neste processo. Em Portugal, não existe um Ministério específico para o esporte, sendo o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) o órgão de maior representatividade nacional. Este instituto tem como missão a execução de uma política integrada e descentralizada para as áreas do desporto e da juventude, em estreita colaboração com entes públicos e privados, designadamente, com organismos desportivos, associações juvenis, estudantis e autarquias locais (IPDJ, 2013). Além disso, este órgão visa ao apoio à prática desportiva regular e de alto rendimento, por meio da disponibilização de meios técnicos, humanos e financeiros.

A partir dos documentos analisados, foi possível evidenciar que, no contexto brasileiro, o desporto é entendido pela legislação federal, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil, nos Artigos 14 e 217, respectivamente, da seguinte maneira.

Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: educação, cultura, ensino e desporto;

É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, sendo observados, a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento (BRASIL, 1988).

Corroborando a organização portuguesa, o governo federal brasileiro também é responsável pela organização esportiva no país, sendo dever do Estado fomentar todos os tipos de práticas esportivas, priorizando o esporte educacional. Além disso, a constituição brasileira prevê deveres do Estado no que concerne à afirmação do esporte e do lazer como direitos, exigindo o protagonismo do poder público na garantia de sua efetivação.

Segundo Bracht (2003), apesar da demonstração evidente na Constituição, apresentando o esporte e o lazer como direitos sociais, parece claro que, ao analisar as ações governamentais, o fenômeno esportivo não é entendido como prioridade orçamentária, quando comparado com outros setores, como o da economia, da saúde, da educação e da habitação. Apesar de todos os entraves políticos, o Brasil se apresenta à frente, no que se refere à política nacional do esporte, tendo, desde o ano de 2003 uma pasta ministerial específica para a formulação e planejamento de políticas nos âmbitos do esporte e do lazer. Segundo Suassuna et al. (2007, p. 29), "[...] o Ministério do Esporte tem como objetivo formular e implementar Políticas Públicas inclusivas e de afirmação do esporte e do lazer como direitos sociais dos cidadãos, colaborando para o desenvolvimento nacional e humano".

O estudo realizado por Castelan (2010) evidenciou que os investimentos realizados pelo governo brasileiro, no sentido de financiar as ações relacionadas com o esporte, nos âmbitos da participação e educacional, ainda são pequenos, apesar de estes assuntos terem sido foco das atenções nas últimas Conferências Nacionais do Esporte. Neste sentido são evidenciados altíssimos gastos com a realização de megaeventos no país, como os Jogos Pan e Parapan-Americanos de 2007, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, sendo que, a atração destes eventos não tem base nas deliberações apresentadas nas duas primeiras Conferências e nem na Política Nacional do Esporte.

A partir da análise documental do Plano Plurianual de 2008 a 2011, foi possível verificar que não existe qualquer menção sobre receber megaeventos esportivos do porte dos citados anteriormente (BRASIL, 2007). Este dado também foi apresentado pela pesquisa realizada por Castelan, no ano de 2010.

Utilizando a realidade portuguesa como paramento de comparação, Giambiagi et al. (2010) enfatizam que a Eurocopa de Portugal (2004) é um exemplo efetivo de subutilização de instalações esportivas, sendo estes, geradores de altos custos para a sociedade e para os governos locais. Para estes autores, os gastos investidos pelo país na construção de instalações e infraestrutura para a realização dos jogos pode ter sido um dos desencadeadores da crise instaurada no país.

Eixo 2 - As Políticas Públicas e a Gestão do Conhecimento em Portugal e no Brasil

No que se tange ao eixo relacionado com as Políticas Públicas e a Gestão do Conhecimento no Brasil e em Portugal, foram analisados alguns documentos oficiais que abordam estas questões. No Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), os tópicos relacionados com a interligação do governo com a investigação científica são:

Promover e apoiar, em colaboração com instituições públicas e privadas, a realização de estudos setoriais e intersetoriais e trabalhos de investigação sobre as áreas do desporto e da juventude;

Promover, criar e desenvolver sistemas integrados de informação;

Solicitar aos serviços e organismos integrados na Administração Pública, em particular às escolas, instituições de ensino superior e a entidades na área da saúde, a informação e a colaboração que considere necessárias (IPDJ, 2013).

O Artigo 11, da Carta Europeia do Desporto, salienta a preocupação com a informação e a investigação científica:

Desenvolver-se-ão os meios e as estruturas adequadas que permitam juntar e divulgar informações pertinentes sobre o desporto aos níveis local, nacional e internacional. Estimular-se á a investigação científica sobre todos os assuntos que dizem respeito ao desporto. Tomar-se-ão disposições para assegurar a divulgação e a troca de informação e de resultados de investigação ao nível mais oportuno, local, regional, nacional e internacional (PORTUGAL, 1992).

O Artigo 10 da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, no que se refere à Investigação, apresenta o seguinte artigo:

O Estado, em colaboração com as instituições de ensino superior, promove e apoia a realização de estudos e trabalhos de investigação sobre os indicadores da prática desportiva e os diferentes factores de desenvolvimento da actividade física e do desporto (PORTUGAL, 2007).

No Artigo 72, da Lei de Bases do Desporto, o capítulo sobre Desporto e cultura e no Artigo 39, são abordadas questões referentes à investigação científica:

Promoção da investigação sobre o papel da cultura no desporto

A investigação científica na área do desporto e das matérias relacionadas com este deve ser orientada de modo integrado e assentar no desenvolvimento da vocação específica de estabelecimentos de ensino superior, nas aptidões dos serviços públicos de medicina desportiva e de outros organismos públicos ou privados e bem assim por intermédio da cooperação internacional especializada (PORTUGAL, 2004).

A experiência brasileira, no que se refere à aproximação do subcampo político com o subcampo acadêmico nos contextos do esporte e do lazer, é expressa a partir dos seguintes documentos legais do governo federal:

I - A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas (BRASIL, 1988).

II - Plano Plurianual de 2004/2007 e 2008/2011

O progresso científico e a inovação tecnológica são fatores do crescimento econômico e social das nações e decorrem, primordialmente, de investimentos em educação, ciência e tecnologia (BRASIL, 2004, 2007).

III - A Política Nacional de Esporte:

Busca a universalização do esporte e lazer e promoção da inclusão social.

Busca a democratização da gestão e da participação (BRASIL, 2005).

A partir da análise documental, foi possível observar tópicos relacionados com a gestão do conhecimento no âmbito do esporte nos documentos oficiais de Portugal. Entretanto, não foi possível identificar iniciativas realizadas em todos os âmbitos de governo (autárquico e federal), que apresentassem medidas efetivas de ação neste sentido.

Com base no argumento da Tríplice Hélice (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 2000), Figueiredo, Lopes e Netto (2010) enfatizam que Portugal ainda vive nos moldes da Hélice tríplice 2. Este posicionamento significa que representa um distanciamento entre a universidade, a empresa e o governo, configurando-se como um modelo de laizzez-faire (SILVA; LOPES; NETTO, 2010, p. 998).

As questões relacionadas com o financiamento de pesquisa no país, exceto raras exceções, estão ligadas à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A FCT é um órgão do governo Português, o qual tem a missão de promover o avanço do conhecimento científico e tecnológico em Portugal, explorando todos os domínios científicos e tecnológicos e a criação de conhecimento, além de estimular a sua difusão e contribuição para a melhoria da educação, da saúde e do ambiente, para a qualidade de vida e o bem-estar do público em geral (FCT, 2013).

As áreas de financiamentos apoiadas pela FCT são: Ciências Exatas e da Engenharia; Ciências Naturais e do Ambiente; Ciências Sociais e Humanidades; Ciências da Vida e da Saúde, sendo que as subáreas da Fisiologia do Exercício e Ciências do Desporto estão compreendidas nesta última. A partir da busca realizada no site da Fundação (FCT, 2013), pode-se constatar que esta é a única linha específica para o esporte. No ano de 2008, foi realizada uma ação de demanda induzida para o desporto. Foram aprovados 15 projetos de pesquisa, entretanto, todos relacionados com as ciências da saúde.

No mesmo sentido, ao se tomar como foco a realidade no Brasil, pode-se perceber que existem instituições de fomento que possuem o mesmo intuito desta instituição portuguesa, podendo ser citadas a CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e o CNPq. As atividades da CAPES podem ser agrupadas nas seguintes linhas de ação, cada qual desenvolvida por um conjunto estruturado de programas (CAPES, 2013):

  • Avaliação da pós-graduação stricto sensu

  • Acesso e divulgação da produção científica

  • Investimentos na formação de recursos de alto nível no país e exterior

  • Promoção da cooperação científica internacional

  • Indução e fomento da formação inicial e continuada de professores para a educação básica nos formatos presencial e a distância

A CAPES é, atualmente, coordenada pelo Prof. Jorge Almeida Guimarães, que é Doutor em Ciências Biológicas. Já o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), é uma agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), tendo como principais atribuições fomentar a pesquisa científica e tecnológica e incentivar a formação de pesquisadores brasileiros. O CNPq tem como missão fomentar a Ciência, Tecnologia e Inovação e atuar na formulação de suas políticas, contribuindo para o avanço das fronteiras do conhecimento, o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional (CNPq, 2013). O atual presidente é o Prof. Dr. Glaucius Oliva, o qual é Coordenador do Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural.

O que se pode obsevar, no Brasil e em Portugal, é a existência, ainda, de um distanciamento destas instituições de fomento, no que se refere aos assuntos referentes às áreas relacionadas com as Ciências Sociais e Humanas no campo de esporte e do lazer. Estas entidades adotam, sobretudo, uma lógica mais biologicista da ciência, sobretudo no que tange à área da Educação Física, mesmo esta área sendo entendida como interdisciplinar e com diferentes enfoques, os assuntos relacionados com as Ciências Sociais e Humanas não recebem a devida prioridade dentro destas instituições.

Figueiredo (2000), ao discutir sobre a realidade portuguesa no que se refere ao esporte, mostra que algumas questões relacionadas com os problemas enfrentados podem ser devido à falta de identidade da área, ou mesmo, por não se assumir a área de esporte como uma ciência. Segundo esse autor, ainda se vive um estado de procura epistemológica de uma matriz de base nas Ciências Humanas.

Figueiredo (2000) ainda ressalta, como uma possível solução para este dilema, a proposta formulada por Manuel Sérgio, trazendo a Matriz da Motricidade Humana. Esta matriz apresenta diferentes domínios de estudo, como por exemplo, o Desporto, a Educação Física, a Dança, a Ergonomia, a Educação Especial e Reabilitação, entre outros, sendo investigada por meio de diferentes áreas científicas, como a Biomecânica, Bioquímica, Fisiologia, Pedagogia, Psicologia, Sociologia, História, Antropologia, Filosofia, Epistemologia (SÉRGIO, 1989).

Além disso, nas instituições brasileiras, em especial na CAPES, que é responsável pela avaliação dos cursos de pós-graduação, parece ainda ser minimizada a importância do campo de pesquisa relacionado com as Ciências Sociais e Humanas dentro da área da Educação Física, devido à patente dificuldade de publicação, oriunda de diversos fatores, entre eles, o número reduzido de periódicos específicos sobre estas vertentes do conhecimento. Segundo Betti et al. (2004), esta instituição tem demasiada preocupação com as questões referentes à quantidade, em comparação ao quesito qualidade, sendo a questão da quantidade um problema enfrentado pelas ciências humanas e sociais na área de Educação Física, como explicitado anteriormente.

Etzkowitz e Leydesdorff (1996) mostraram, em seus estudos, que, no século XIX, algumas experiências sobre o envolvimento do Estado no fomento de pesquisas relacionadas com o ensino superior foram realizadas nos Estados Unidos e no Reino Unido. Segundo estes autores, a maioria das universidades se tornou dependente das verbas governamentais. Entretanto, a partir deste investimento, os governos desses países puderam exigir das universidades um retorno social destas pesquisas, para que estas pudessem auxiliar na melhoria das questões relativas à sociedade em questão.

No Brasil, a iniciativa da criação dos Centros de Desenvolvimento de Esporte Recreativo e de Lazer (Rede CEDES) e dos Centros de desenvolvimento de pesquisa científica e tecnológica na área do esporte, treinamento e aperfeiçoamento de atletas (Rede CENESP), junto às Instituições de Ensino Superior, por meio do estímulo e do fomento à produção e à difusão de conhecimentos científico-tecnológicos, voltados à qualificação das políticas públicas de esporte e de lazer, pode ter sido uma importante iniciativa, no que tange ao desenvolvimento científico do país (BONALUME, 2008). Ainda que os textos normativos brasileiros sejam genéricos neste sentido, e não apontem qualquer aproximação direta entre o campo político do esporte e do lazer com o campo acadêmico, a Rede CEDES e a Rede CENESP parecem ter aproximado esses campos anteriormente citados.

Ao se comparar o que foi explicitado por Senhoras (2008), no que tange ao modelo da hélice tríplice, as universidades devem formar multiplicadores das ações de inovação e mudança e os governos devem contribuir com a criação, o aperfeiçoamento e a consolidação de Políticas Públicas, por meio do fomento a essas ações. Neste sentido, o Ministério do Esporte, via Rede CEDES e Rede CENESP, ao fomentar pesquisas que subsidiam a elaboração e avaliação das Políticas Públicas, corrobora os princípios propostos por esta teoria. A perspectiva de análise de Etzkowitz e Zhou (2006) ao apresentar o modelo da Hélice Tríplice Twins, tendo a Universidade, com apoio financeiro do governo, um papel de protagonista nas relações envolvendo Univesidade-Empresa-Governo, vai ao encontro dos objetivos apregoados pelas Redes CEDES e CENESP.

Botelho, Monteiro e Valls (2007), ao analisar documentos oficiais e eventos realizados pelo Ministério do Esporte, mostram que, parece ser evidente a preocupação com a importância da gestão do conhecimento no campo do esporte e do lazer. Os estudos realizados por estes autores destacam o envolvimento das Redes CEDES e CENESP com grupos de pesquisa, polos ou segmentos produtores do conhecimento, vinculados às instituições de ensino superior, na produção e disseminação do conhecimento sobre esporte e lazer.

De acordo com Tavares e Schwartz (2013), ao realizarem uma análise sobre as ações desenvolvidas pela Rede CEDES, constaram que a iniciativa de criação desta Rede foi positiva, no sentido de possibilitar que os atores sociais (pesquisadores e grupos de pesquisas), pudessem expressar suas opiniões sobre o esporte e o lazer, por meio de produções científicas, podendo, assim, subsidiar novas propostas de elaboração de políticas. Além disso, os dados deste estudo mostraram que a Rede CEDES parece ser um potencial canal de diálogo entre o poder público e a sociedade, auxiliando na perspectiva de mudanças ideológicas, para as quais, geralmente, se coloca a responsabilidade apenas nos governos.

Entretanto, como explicita Starepravo (2011), devido à ausência de diálogos com outras experiências já realizadas no país, no que tange ao financiamento de pesquisas e, também, os entraves políticos dentro do sistema organizacional destas Redes, elas podem não ter obtido os resultados esperados. Apesar do grande suporte técnico financeiro dado pelo governo federal para as Universidades, a partir destas ações do ME, não se tem dados que comprovem que os resultados destas pesquisas possam ter auxiliado efetivamente na construção de Políticas Públicas eficazes no campo do esporte e do lazer.

Segundo DaCosta (2007) o processo de elaboração de Políticas Públicas deve atender às reais necessidades e expectativas da sociedade. Neste sentido, fatores como transparência no processo de planejamento e gestão, prestação de contas à sociedade, no que se refere a despesas, investimentos e receitas, é de suma importância para que estas políticas sejam realmente efetivas. Sendo assim, nota-se que a utilização de parcerias entre as universidades e o poder público, incentivando a produção do conhecimento, pode auxiliar na elaboração de políticas que atendam às necessidades da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados apresentados, ao se compararem as realidades portuguesa e brasileira, foi possível evidenciar que o Brasil, por meio do Ministério do Esporte via Rede CEDES e Rede CENESP, mesmo diante de diversos entraves, parece ter sido inovador na tentativa de aproximação do subcampo político com o subcampo acadêmico, nas áreas do esporte e do lazer. No âmbito da realidade portuguesa, embora o conjunto legal-normativo português seja mais conciso do que o brasileiro, como evidenciado pelos documentos legais consultados, não foi possível identificar qualquer iniciativa em nível nacional que traçasse esta relação, por meio de financiamentos governamentais.

Este estudo embasou-se no argumento da Tríplice Hélice para analisar as relações existentes entre o poder público e as Universidades no Brasil e em Portugal. Foi possível observar que, mesmo havendo no Brasil a iniciativa das Redes CEDES e CENESP, ainda é pequeno o movimento de aproximação entre estes polos. Sendo assim, torna-se necessário que sejam realizadas ações, tanto no que se refere ao governo, quanto às universidades, tentando aproximações efetivas destes campos, de modo a incentivá-los a trabalharem juntos no desenvolvimento das Políticas Públicas em geral.

No que tange à utilização de parcerias com empresas privadas, esta também pode ser uma saída para alavancar o campo da pesquisa nestes dois países. A criação de fundos setoriais pode ser uma estratégia interessante neste sentido.

A partir destes resultados, torna-se necessária a realização de outros estudos, utilizando outras realidades do contexto mundial, para maior entendimento das questões referentes às relações entre o poder público e o campo da produção do conhecimento sobre esporte recreativo e lazer.

Referências

  • BARDIN, L. Análise de conteúdo. Ed. rev. e atual. Lisboa: Edições70, 2010.
  • BETTI, M.; CARVALHO, I. M.; DAÓLIO, J.; PIRES, G. D. L. Conspiração e transparência na política da CAPES para a Pós-Graduação em Educação Física. Sociologia do Esporte. Centro Esportivo Virtual. Disponível em: <http://www.cev.org.br/biblioteca/index.html>. Acesso em: 29 fev. 2004.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2014
  • Revisado
    19 Mar 2014
  • Aceito
    19 Nov 2014
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